quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Educação Popular: Escola Itinerante dos acampamentos do MST

MST comemora 15 anos de existência da Escola Itinerante
Por Isabela Camini,
Da Caros Amigos
  





"Os poderosos não temem os pobres, temem os pobres que pensam. As escolas do MST ensinam os estudantes a pensar e, por isso, são condenadas e proibidas. Esta condenação apenas vem confirmar o fato de que os que não amam a democracia querem o povo ignorante para poder continuar a tratá-lo como massa de manobra e impedir que busque seus direitos e viva sua cidadania" (Eduardo Galeano).

Comemorar 15 anos de existência da Escola Itinerante dos acampamentos do MST - uma experiência escolar pública, estadual, itinerante, que se pretende contra-hegemônica à existente escola capitalista, pode-se considerar um avanço importante para os movimentos sociais do campo, de modo especial para o MST, cuja luta pela Reforma Agrária, em toda a sua história, é entrecruzada com a luta pela educação e escola.
Frente às inúmeras criações e invenções no campo da educação, com pouco êxito e sustentação, nos últimos anos, seja pela fragilidade da proposta ou falta de convicção e projeto social de seus propositores, se torna necessário que o MST faça uma reflexão acerca das experiências escolares itinerantes, desenvolvidas no decorrer de 15 anos da Escola Itinerante, reconhecida e aprovada pela primeira vez (1996), no estado do Rio Grande do Sul. Salientamos que neste período, esta experiência se expandiu para outras regiões do país, forjando o Movimento a voltar seu olhar, com mais afinco, para a escola e para a formação de educadores, na perspectiva da classe trabalhadora. Vale destacar também as inúmeras pesquisas e sistematizações, realizadas neste período, que referenciam, de modo especial, a Escola Itinerante organizada e desenvolvida nos acampamentos do MST do Rio Grande do Sul e Paraná, como um projeto de escola próximo à Pedagogia do Movimento, conectada com a vida e com as práticas sociais que a cercam.
Para lembrar, atualmente a forma escolar itinerante encontra-se aprovada em seis estados: Rio Grande do Sul (1996), Paraná (2003), Santa Catarina (2004), Goiás (2005), Alagoas (2005) e Piauí (2008). Porém, em Goiás a experiência foi desenvolvida durante apenas dois anos, e no Rio Grande do Sul suas atividades foram interrompidas pelo TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado entre Secretaria de Estado da Educação e Ministério Público do RS, no final do ano de 2008, essa questão será abordada mais adiante.
É, portanto, sobre algumas lições e aprendizados obtidos com a Escola Itinerante, construída, praticamente, em cenários de conflitos: tensões, contradições e dificuldades que queremos refletir neste pequeno texto. Todavia, temos presente à impossibilidade de tratarmos, brevemente, aspectos importantes desta experiência, dada sua singularidade em cada acampamento, marchas, despejos, e outros espaços, nos quais esta escola se fez presente pelo período e/ou tempo exigidos pelas mobilizações das famílias acampadas. Situações essas, impostas pela morosidade no que tange às questões relacionadas ao projeto de Reforma Agrária proposto pelos trabalhadores.

Rememorando a história
Para melhor entendimento de nossa reflexão, acerca da Escola Itinerante, reportamo-nos ao tempo e à memória, trazendo presente dois fatos/acontecimentos, expressos com particularidades diferentes, mas que marcaram a história do MST, ocorridos em um dos períodos mais férteis de expansão do Movimento para outras regiões (1990), os quais são expressos com particularidades diferentes. Para entender a relação que estabelecem entre si e o sentimento que provocam nos militantes, a cada ano que passa, esses acontecimentos serão identificados pela ordem cronológica.
Em abril de 1996, o Massacre do Eldorado dos Carajás, no Pará, com dezenove trabalhadores sem terra, assassinados.
Em novembro do mesmo ano, aprovação da proposta de Escola Itinerante dos acampamentos do MST no Rio Grande do Sul, Estado pioneiro em reconhecer a trajetória e a experiência de escola que vinha sendo delineada e construída como projeto, para o atendimento às crianças e adolescentes em situação de acampamento, desde as primeiras ocupações de terras improdutivas no estado, na década de mil novecentos e oitenta.
Embora o primeiro fato, que indignou o mundo pela sua crueldade, tenha ocorrido no mês de abril, em uma ponta do país - na região Norte, e o segundo, um acontecimento que representou um avanço para o projeto educativo do Movimento, ocorrido no mês de novembro, em outra ponta do país - na região Sul, são fatos relacionados entre si, porque ambos aconteceram no interior do Movimento Social, articulado pelos mesmos princípios, em vinte e quatro estados da Federação. Portanto, os acontecimentos do MST no RS, no Pará, ou noutro estado, repercutem imediatamente na Organização em nível nacional. Sendo assim, tanto o massacre sangrento dos dezenove sem-terra no Pará, quanto à criação da Escola Itinerante no Rio Grande do Sul, respeitadas suas particularidades, são acontecimentos que marcaram o calendário de lutas do MST lembrados de maneira especial nos meses de abril e novembro de cada ano.
Seguramente, pela sua repercussão e significado, esses dois fatos continuam irradiando seus efeitos 15 anos depois.

Criação em 1996
Em relação ao Massacre de Eldorado dos Carajás assistimos a cada ano, na agenda de lutas batizada de Abril Vermelho, em várias regiões do país, inúmeras manifestações, ocupações e celebrações visando manter viva a memória daqueles companheiros que tombaram pela mão do poder opressor do capital. Essas manifestações intencionam relembrar à sociedade o crime cometido pelo Estado burguês contra a vida dos trabalhadores do campo, denunciar a não realização da Reforma Agrária e, ao mesmo tempo, preservar a memória de fatos que marcaram a época, e que ainda sangram nas veias do MST, por ver a impunidade dos culpados.
O segundo fato anunciado, o qual se constitui a razão fundamental deste pequeno texto, se relaciona com a Escola Itinerante dos acampamentos do MST, criada em 19 de novembro de 1996, no estado do Rio Grande do Sul, e, em seguida, expandida para outras regiões do país onde o MST está organizado.
Assim, como o primeiro fato, que continua a indignar até hoje, merecedor de denúncia permanente, o segundo, também é destacado com comemorações alusivas a data de 19 de novembro, de cada ano, de modo especial nos estados e comunidades acampadas, onde a escola pública está sendo recriada/reinventada - em sua forma e conteúdo, denominada de Escola Itinerante.
Entre tantos fatos marcantes, na história da luta pela terra encampada pelo MST, na década de 1980 até nossos dias, os dois fatos que anunciamos acima, motivam e renovam, a cada ano, a vivência de uma mística que neutraliza os ídolos do egoísmo, que recoloca a necessidade de lutar e construir ao mesmo tempo, capaz de mexer com a alma dos militantes.
Como se pode observar, a contradição é visível, pois o Estado burguês que matava trabalhadores sem terra, acampados no Pará, ao mesmo tempo aprovava o direito de crianças em iguais condições frequentarem a escola pública estadual, no sul do país.

Fechamento no RS
Embora nosso texto não queira centrar o foco no Termo de Ajuste de Conduta - TAC, firmado entre Secretaria de Estado da Educação e Ministério Público do RS, no final do ano de 2008, o qual determinou o fechamento das sete escolas itinerantes dos acampamentos do MST do RS, deixando sem escola, em torno de 600 crianças e adolescentes, obrigando-as a estudarem em escolas urbanas, é importante fazer uma pequena memória do ocorrido, uma vez que, até o momento, dois anos e meio após o ocorrido, as atividades escolares itinerantes ainda não foram retomadas.
Em consequência desse fato, no início do ano letivo de 2009, inúmeras mobilizações foram realizadas, pelo MST e seus apoiadores, do campo e da cidade, na direção de retomá-las. No entanto, governo e Ministério Público mantiveram-se inertes e indiferentes à voz e as manifestações da sociedade civil que se via no direito de lutar e exigir que o governo e Ministério Público revissem suas decisões. Todavia, as vezes que se manifestaram foi no sentido de reafirmar a intransigente decisão da não reabertura das mesmas, alegando que os conteúdos escolares veiculados na Escola Itinerante eram de cunho ideológico. Ignorando o drama das famílias acampadas, obrigadas a separar-se dos filhos em idade escolar, Governo e Ministério Público se limitaram a pressioná-las para que buscassem vagas em escolas da rede pública, estadual ou municipal, localizadas próximas dos acampamentos.
No entanto, esta procura só foi feita mediante pressão e ameaça da brigada militar e oficiais de justiça junto aos acampados. Surpreendentemente, essas instituições visitaram as comunidades acampadas a fim de fiscalizar se havia alguma criança não matriculada nas escolas indicadas. No entanto, se negaram a informar que em alguns casos, a escola mais próxima se encontrava há 30 ou até 50 km, distante. Ou seja, aqueles educandos que encontraram vagas e se submeteram ao transporte escolar para chegarem à escola, tiveram de enfrentar muitas horas de viagem, além de conviver com o preconceito por serem “sem terra”.
Como é do conhecimento de muitas pessoas, porque o debate à época foi polêmico e veiculado pela imprensa, relembramos que a decisão do fechamento das sete escolas itinerantes, pelos mesmos órgãos públicos que deveriam assegurar o direito, em vez de violá-lo, levou inúmeros educandos à reprovação, à perda do ano letivo, e, consequentemente, ao fracasso escolar.
Curiosamente e estranhamente a Secretaria de Estado da Educação, em vez de resolver o problema baseado no princípio do diálogo, buscou solucioná-lo da forma mais violenta e truculenta possível, apoiando-se no efetivo da brigada militar, uma instituição que tem outras funções sociais. Desse modo, confirmam-se as inúmeras críticas já conhecidas ao sistema escolar vigente, sempre muito preocupado com o acesso das crianças à escola, porém, deixando em segundo plano a preocupação com a permanência e qualidade do ensino nas escolas onde estudam os filhos dos trabalhadores, especialmente nas escolas do campo.
É dessa forma que a Escola Itinerante, solução encontrada ainda no ano de 1996, no Rio Grande do Sul, para atender as crianças e adolescentes nos acampamentos, tem suas atividades escolares proibidas doze anos depois, sem diálogo e sem consentimento do Movimento Social que conquistou essa escola, como solução viável para manter os filhos próximos aos pais enquanto lutam pela terra. Portanto, se constituiu um ato autoritário e prejudicial, em grande medida, para as famílias Sem Terra. Em outras palavras, podemos dizer que este foi mais um ato, contra os direitos humanos de um povo, já desprovido de outros direitos, pela sua humanidade roubada, há tempo, pelo sistema capitalista.

Dignidade
Todavia, no que pese a importância desta Organização e o sonho que alimenta seu projeto social, este povo tenta de todas as formas reencontrar sua dignidade, esperança e sentido, participando da luta pela terra, vivendo nos acampamentos e mobilizando-se com eles, sem descuidar da escola para seus filhos.
Neste momento, praticamente três anos deste ocorrido, o referido termo (TAC) está sendo questionado e considerado sem valor legal pelo atual governo do estado.
Em face deste novo cenário, sem visualizar a solução do problema em curto e médio prazo, algumas perguntas se fazem necessárias: Porque esta escola foi fechada e negada como direito do povo e dever do Estado? Qual a responsabilidade cabível ao Estado, no que se refere aos prejuízos causados para as crianças e adolescentes Sem Terra, durante quase três anos em que a Escola Itinerante se encontra proibida de desenvolver atividades escolares? O governo de Yeda Crucius, à frente deste Estado, no período de 2007-2010, não será responsabilizado por isso?
Como integrante na luta pela Escola Itinerante do MST, e pesquisadora nesta área, tenho contribuído, ao longo dos 15 anos, no processo de construção e elaboração de sua proposta educativa, fundamentalmente pelo papel social que a escola desempenhou e desempenha ao tornar-se referência, expandindo-se para outros estados da federação. Temos presente que, à medida que fomos recriando a escola e construindo a Itinerante com uma forma escolar diferente, ela tem nos provocado a pensar uma outra escola nos assentamentos. Talvez, por isso, ela tenha sido tão questionada por parte do Sistema, ao mesmo tempo, elogiada por aqueles que acreditam nesta possibilidade.

Educação básica
Ainda nesta parte, é importante salientar que a Escola Itinerante dos acampamentos, mesmo tendo sido reconhecida pelos órgãos públicos somente em 1996, é uma retomada das primeiras experiências educativas iniciadas na década de 1980, no Estado do Rio Grande do Sul, que foi pioneiro em reconhecer a Escola Itinerante como pública estadual, e também, pioneiro em interromper e proibir as atividades da mesma.
Faz-se necessário mencionar e destacar, neste texto, que no Paraná, o segundo Estado a reconhecer a Escola Itinerante (2003), tomando por base a experiência em desenvolvimento no RS, gradativamente foi ampliando a experiência da Escola Itinerante para o conjunto da Educação Básica, ou seja, hoje, mantém escolas itinerantes de ensino fundamental e ensino médio, organizadas em várias comunidades acampadas, evitando problemas de reprovação, ou ainda, a perda do ano letivo para muitos Sem Terra.
Todavia, este avanço e compreensão da necessidade de uma escola alternativa, itinerante, viável para a condição em que vivem os Sem Terra no Paraná, não resultam do simples fato do Estado Burguês empenhar seus esforços e acreditar neste projeto, mesmo que em alguns casos tenha sido parceiro, especialmente no apoio aos processos de sistematização e divulgação da proposta de Escola Itinerante no período de 2007 - 2010. Esse avanço, sem dúvida, é fruto do enfrentamento das contradições e dificuldades nas relações entre Movimento Sem Terra e Estado, que, independente do apoio ou não do poder público, continua sua luta pelo direito à escola e sua transformação, propondo e construindo pouco a pouco, a nova escola, mesclando o ensino com a vida.

Ajustamento
Neste sentido, tem-se a clareza dos limites e dificuldades que teremos que enfrentar, enquanto Organização Social, na tentativa de contrariar o projeto hegemônico de escola. Mesmo assim, existe a certeza que valerá a pena assegurá-la nos acampamentos, fazendo de tudo para que a escola dos sem terra não tenha um retrocesso e volte ao leito e a vocação para a qual a instituição escolar foi organizada e assegurada historicamente, a serviço dos interesses e ideais das classes dominantes no decorrer dos últimos séculos.
Como acabamos de ver, o fato da referida experiência de escola do RS ter sido motivadora e incentivadora para a criação de escolas itinerantes no Paraná, em Santa Catarina, em Goiás, no Piauí e em Alagoas, e de ter motivado inúmeras pesquisas acadêmicas e processos de sistematização, que tornaram conhecida a Escola itinerante dos Sem Terra, não foi determinante para a abertura de diálogo que pudesse reverter o TAC. Cabe destacar que, enquanto as escolas itinerantes do RS se encontram fechadas há mais de dois anos, em outros estados, essa forma escolar continua sendo a solução adequada e viável para o atendimento dos filhos das famílias que vivem em condições de itinerância na luta pela Reforma Agrária.
Embora nosso texto tenha por objetivo principal tratar das lições e aprendizados obtidosnos espaços das escolas itinerantes, comemorando sua existência há 15 anos nos acampamentos do MST, não seria justo deixar de mencionar, e mais uma vez, denunciar, a intransigente decisão tomada pelo Estado do Rio Grande do Sul, de negar o direito à educação às famílias Sem Terra. Também, é oportuno dizer que mesmo a Escola Itinerante almejando êxito por se constituir um contraponto à escola convencional, por estar inserida em uma realidade em que as práticas sociais são latentes, tal qual um acampamento, uma marcha, conforme comprovado em tese, não se tornaria conhecida, estudada e debatida, senão tivesse sido impedido seu funcionamento, no final de 2008.

Retrocesso
Contudo, entende-se que esta foiuma decisão, a princípio, profundamente contraditória e autoritária, pois desrespeitou o direito das famílias acampadas, de manterem seus filhos próximos a elas, situação, essa, favorecida quando do reconhecimento da Escola Itinerante na itinerância dos acampamentos, em 19 de novembro de 1996, pelo Conselho Estadual de Educação e Secretaria de Educação, em um governo pouco progressista do PMDB.
Esse foi um ato de governo, considerado à época, sensível às causas pelas quais o povo lutava, entra elas, o direito a uma educação alternativa, podendo organizar e recriar a escola em locais distantes onde se encontra o povo em luta. Entretanto, após doze anos do desenvolvimento desta experiência, vem outro ato de governo, retrocedendo o anterior, determinando o fechamento e a proibição desta Escola.
Concluindo esta breve reflexão sobre o fechamento da EI, trazemos novamente Eduardo Galeano, porque ele sintetiza o pensamento dos trabalhadores: “Os poderosos não temem os pobres, temem os pobres que pensam. As escolas do MST ensinam os estudantes a pensar e por isso são condenadas e proibidas...”.

Perspectiva e tarefa atual
Hoje, analisando a trajetória desta escola, contabilizando-se todos os desafios enfrentados percebe-se o quanto a Escola Itinerante tem representado para o Movimento, sobretudo, pelas provocações e interrogações que vem lhe fazendo, no decorrer de 15 anos. Também, pelo trabalho e dedicação exigidos das comunidades, que lutam por mantê-la em suas áreas, por exemplo, frente a um despejo do acampamento, frente a um vendaval que destrói sua estrutura física, e/ou frente ao inesquecível acontecimento da queima da Escola Itinerante Dandara, pelo efetivo da brigada militar, no acampamento Sepé Tiarajú, Fazenda Guerra, município de Coqueiros do Sul em 2006, entre outros.
Aqui, poderíamos trazer inúmeros exemplos que indignaram e mobilizaram as comunidades acampadas na construção e em defesa dessa escola. Sabe-se, porém, que a Escola Itinerante, para essas comunidades, teve e terá sempre um novo sentido, à medida que se mantém conectada à vida e as práticas sociais dos sujeitos engajados na luta por outro projeto social. Sendo assim, a escola neste contexto não teria sentido e viabilidade em outro espaço. Portanto, a presença da escola nestes espaços terá que ser na perspectiva da intencionalidade formativa do projeto social que este povo tem como horizonte. Neste sentido, relembramos o que foi dito acima. Ao ser fechada a Escola Itinerante no RS, acusada de ser ideológica, a classe dominante tenta negar que toda a instituição escolar é ideológica, porém, de forma não explicitada. Sabemos que por ser itinerante imersa na luta social, a Escola Itinerante explicita sua não neutralidade, frente à luta social latente e as condições de vida extremadas que vivem os Sem Terra.
O Movimento, enquanto Organização social, não tem dúvida do papel que a Escola Itinerante assumiu ao longo de 15 anos. Nas diversas escolas organizadas nos acampamentos, denominadas com nomes de lutadores do povo, tais como: Che Guevara, Olga Benário, Zumbí dos Palmares, Oziel Alves, Paulo Freire, e outros, escolarizaram-se centenas de crianças, adolescentes e jovens que puderam continuar seus estudos no ensino médio e superior, além de contribuir e forjar este Movimento a mover-se na direção do cuidado com o conjunto da escola, seja de acampamento ou de assentamento. Neste sentido, Alessandro Mariano, do setor de educação do MST do Paraná, nos revela algo bem importante: “A Escola Itinerante do MST, criada em 2003, no estado do Paraná, nos obrigou a olhar para a escola do MST”.

Referência
Sendo assim, a Escola Itinerante, embora ainda longe de ser a escola que os trabalhadores do campo buscam, torna-se referência de escola para os filhos dos acampados, dando-lhes a oportunidade de estudar enquanto lutam, sendo agente-fermento, contribuindo na formação desses lutadores sociais, de acordo com a realidade de cada região onde está inserida. Essa Escola, e sempre provocada para ser diferente econtrariar o projeto de escola hegemônica, continua a refazer-se em acampamentos dos Sem Serra do Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí, como “semente que se espalha e cresce com vigor”, conforme depoimento de Pedro Tierra, ao perceber a presença de inúmeras crianças e adolescentes, em idade escolar, no acampamento de Eldorado dos Carajás, logo após o massacre dos dezenove sem terra, em 1996.
Portadora de uma experiência singular, a escola da qual estamos falando, é itinerante, mesmo que possa parecer estranho aos olhos de muitas pessoas, incapazes de admitir uma forma escolar diferente daquela escola, geralmente cercada pelas grades e localizada, fisicamente, distante da vida daquelas pessoas que a frequentam.
É itinerante porque inserida no meio social que a conquistou, a mantêm viva sob a orientação da Pedagogia do Movimento. É itinerante por sua natureza. E é de sua natureza não fechar-se sobre si mesma, ignorando a realidade que a cerca, ou visitando-a de vez e outra, sem importar-se com ela ao retornar à sala de aula e ao retomar o currículo pré-estabelecido, exigido e imposto pelo Sistema. É de sua natureza manter-se aberta para a vida, sem, contudo sentir-se aprisionada pelas estruturas físicas que a impedem de mobilizar-se, à medida da necessidade da luta.
É itinerante porque construiu uma organização coletiva que a permite caminhar em movimento, sem aprisionar-se a um único lugar - sala de aula, considerado pela escola convencional, quase único e imprescindível espaço favorável para aprender. Por isso, a Itinerante, ao mesmo tempo em que assusta, despertando debates acerca dela, também aponta a possibilidade de outro jeito de escola.
Sendo assim, torna-se difícil e complexo descrever o que significou a conquista do direito de estudar nos acampamentos, a presença desta forma escolar num espaço de permanentes lutas e contradições, além de todo o trabalho realizado no sentido de transformar esta escola no decorrer de quinze anos. Nossa pretensão aqui é apenas fazer memória e levar o leitor a refletir sobre alguns fatos que marcaram a sua trajetória.

Desafio
Herdeira das primeiras iniciativas educativas do Movimento, a Escola Itinerante, por pretender-se diferente da escola burguesa, tem se tornado um desafio permanente para o MST, pois é um projeto a ser construído passo a passo, com persistência, tendo em vista as reais circunstâncias físicas e conjunturais onde ela precisa ser construída, desfeita e reconstruída novamente, dependendo da mobilização, ocupação ou um despejo. Neste sentido, precisamos destacar o trabalho incansável dos coletivos de educadores e comunidades acampadas, onde existe ou já existiu alguma escola itinerante, no sentido de não reproduzirem nesse espaço escolar, a forma escolar hegemônica, da qual, a classe trabalhadora precisa se libertar, à medida que se empenha para construir a sua escola, buscando conhecer as experiências educativas bem sucedidas de outros países, mesmo que em tempos e contextos distintos.
Construída com muito trabalho, identidade e mística, a Escola Itinerante do MST, sempre foi uma interrogação para o Movimento, porque desde o início ela não poderia atrapalhar e impedir as mobilizações, próprias do movimento pela Reforma Agrária. Por isso, buscououtra forma deorganização, capaz de acompanhar a luta, sem prejuízo de dias letivos. Portanto, a forma escolar itinerante deu conta deste objetivo.

Experiências
Entre muitos debates e estudos realizados para encontrar o caminho que viabilize essa escola, atualmente, o desafio vem se constituindo, fundamentalmente, na busca e compreensão de experiências que já foram realizadas em outros tempos e contextos sociais, tais como a educação socialista, no período revolucionário de 1917-1930, na Rússia, tendo presente, todavia, que a primeira experiência que ousou contrariar a escola capitalista, se desenvolveu em um contexto social bem distinto do atual. Ao estudá-la e compreendê-la, nosso maior desafio hoje, se constitui, basicamente, em exercitar alguns aspectos desta escola, tendo presente a realidade atual capitalista em que nos encontramos – onde se desenvolve a Itinerante - sem previsibilidade, a curto e médio prazo de mudança estrutural.
É nesta perspectiva que já exercitamos, no interior da Escola Itinerante, espaços de auto-organização dos estudantes, levantamento, pesquisa e sistematização das questões do seu entorno, além de avançarmos na compreensão e na construção processual dos Complexos de Estudo já experimentados pela escola russa. Neste sentido e na direção que vai essa escola, se torna necessário e imprescindível pensar um projeto de formação dos educadores que lhe dê condições de acompanhar e analisar as lutas em que se insere a escola, além de refletir e sistematizar a pedagogia que se constrói na itinerância.
Nosso entendimento é que o acompanhamento pedagógico aos educadores é um esforço que precisamos fazer, tendo em vista a escola que queremos construir, conectada com o projeto social da classe trabalhadora. Conforme Freitas, 2011, “forma-se o educador segundo a forma escolar que se tem em vista, uma forma escolar que lhe sirva de horizonte”.

Perspectiva social
Por fim, temos presente que a construção dessa escola é tarefa dos trabalhadores Sem Terra, principalmente pela sua importância no processo educativo e formativo da referida classe. Todavia, não é qualquer escola, mas sim uma escola que seja capaz de acompanhar sua perspectiva social. Por isso mesmo, se faz necessário começar sua projeção e construção, neste momento, sem esperar pela transformação social, pela qual lutamos e acreditamos que venha ocorrer.
O desafio, pois, é ir fazendo a ocupaçãoda escola, e a partir dela e de dentro dela, pensar a escola dos trabalhadores, tendo presente que não será tarefa simples, mexer com a instituição escolar - uma construção social e histórica, conservadora, e colocá-la em nossa direção, pois a forma escolar usual é a referência mais conhecida, se não a única, aceita sem questionamentos pela maioria das pessoas.
Que todas as interrogações, lições e aprendizados extraídos nestes 15 anos de Escola Itinerante, sejam um incentivo e provocação para denunciarmos que “fechar escola é crime”, além de um grande retrocesso, especialmente no campo; determinação para continuarmos a luta pela transformação da escola, sem esquecer, todavia, que esta transformação nos custará muito trabalho e dedicação, principalmente porque enquanto não houver uma transformação social, estaremos todos os dias, remando contra a maré, contra o projeto hegemônico da escola capitalista.
Por fim, o que deve fortalecer nossa luta é a tripulação com quem comungamos nossos projetos, a pressa para construí-los, e a direção em que remamos.
* Isabela Camini é mestre e doutora em Educação pela UFRGS, pesquisadora da Escola Itinerante, autora do livro: "Escola Itinerante: na fronteira de uma nova escola", São Paulo, Expressão Popular, 2009.
 

Para que serve a ONU?


A Organização das Nações Unidas(ONU) está possessa.
É que estudantes iranianos resolveram fazer uma limpeza na embaixada do Reino Unido.
A ONU até divulgou um comunicado no qual pede às “autoridades iranianas que protejam os diplomatas".
Nada contra o comunicado se ele fosse feito por gente honesta e não por gângsteres.
Quer dizer que o Conselho de Segurança da ONU protesta contra a invasão de uma embaixada e não se incomoda com a invasão, ocupação e saque de países?
Cadê o protesto contra a invasão e assassinato em massa da população civil do Iraque?
Do Afeganistão?
Da Líbia?
Cadê o protesto contra as masmorras de Abu-Ghraib que continuam funcionando a pleno vapor?
Cadê o protesto contra as masmorras de Baghran e Guantánamo?
Cadê os protestos contra a tentativa de invasão da Síria?
Quer dizer que estudantes iranianos invadem ( mas não  ocupam) um embaixada que, mais do que embaixada, é um conhecido ninho de espiões e provoca tamanha celeuma?
E mutismo total contra a invasão, ocupação, saques e assassinatos em massa de populações de nações soberanas?
Onde está a autodeterminação dos povos?
Por que a ONU se cala?
Que democracias são essas que invadem países e criam centros de tortura?
Crimes por crimes ( e, por favor, não entendam isso como justificativa) quem assassinou mais, os governantes ou os invasores?
Vejam o caso da Palestina.
Invadida e ocupada por racistas que necessitam criar muros para protegê-los contra o olhar dos diferentes.
Será que os europeus que invadiram a Palestina querem terminar o trabalho que os nazistas não conseguiram?
Exterminar os semitas?
Sim!
Os palestinos são semitas, os autênticos semitas, e não a Babel euro-sionista que invadiu e ocupa o país.
Cadê os protestos da ONU?
Ato falho.
Pedir coerência à ONU é o mesmo que acreditar que países são invadidos em nome de democracias.
Concretamente, a ONU até agora só serviu para duas coisas: inventar uma tribo denominada Israel e chancelar a invasão de nações soberanas. 






Fonte: http://blogdobourdoukan.blogspot.com/

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Estudante da USP: "A única visão que eu tinha era das botas"

Uma estudante da USP denuncia, em depoimento, que foi agredida e ameaçada por PMs na ação de reintegração de posse da reitoria. Ela tentou registrar as agressões na polícia, mas não conseguiu. "Um deles pegou na minha nuca, bateu minha cabeça no chão várias vezes, na parte do couro cabeludo, para não deixar hematoma. Nisso passou um repórter da Globo, o primeiro a chegar no local. Quando eu o vi achei que era minha salvação: comecei a gritar e falar o que estava acontecendo. O repórter olhou com o maior desprezo e passou direto".

Nadya Krupskaya (nome fictício), 25, é professora de filosofia na rede estadual e estudante da USP. Ela foi uma das detidas após a reintegração de posse da reitoria da universidade. Na operação, conduzida no dia 8 de novembro, participaram cerca de 400 policiais, com carros, cavalos e helicópteros. Para desarmar os possíveis protestos de alunos, PMs impediram a saída de moradores do Crusp (conjunto habitacional da USP) durante a ação, usando inclusive bombas de gás para tal fim.
Nadya afirma que não estava na reitoria durante a operação e que foi presa e levada para dentro do prédio por PMs, após tirar fotos da operação. Ela está sendo indiciada, junto a mais de 70 pessoas, por desobediência à ordem judicial e dano ao patrimônio público.
Dentro da reitoria, ela alega ter ficado sozinha por 30 minutos com policiais homens, que a teriam agredido e ameaçado. Na delegacia, diz que tentou registrar as agressões, mas segundo a delegada que ouviu os detidos, não era possível registrar tal depoimento.
Segundo advogados que representam os estudantes detidos, o relato dela será a base de uma denúncia que deve ser feita ao Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), após o resultado dos exames de corpo de delito, ainda não finalizado.
 
Depoimento dado a Raphael Sassaki:
Eu ocupei a reitoria, participei do movimento, mas na noite da reintegração de posse, eu não dormia lá. Eu estava no meu apartamento no Crusp, quando acordei assustada com os barulhos dos helicópteros iluminando meu quarto. Em seguida, desci pra ver o que acontecia, muitos amigos estavam na reitoria.
Lá embaixo, PMs impediam as pessoas de sair, inclusive as que tinham que ir trabalhar ou pessoas que tem que acordar de madrugada para tocar pesquisas nos instituto, e também, claro, quem queria ir para a reitoria ver o que acontecia. Ainda estava bem escuro.
Eu desci junto com essas pessoas e, passado alguns minutos vendo aquela situação, começamos a sair por uma lateral do prédio.
Chegando próximo à reitoria, eu comecei a tirar fotos em frente ao cordão de isolamento da polícia, para registrar o que acontecia. Nisso apareceu um policial por trás de mim, apontando uma arma de grosso calibre. Eu fiquei paralisada; na minha frente o cordão de isolamento e atrás um cara armado.
Ele me pegou , me disse que eu estava detida e me mandou deitar no chão. Chegaram mais dois PMs, que já me jogaram no chão para me imobilizar; eu comecei a gritar, já que eu não estava lá dentro e eles não tinham justificativa legal para me deter, eu só estava filmando.
Foi quando um deles falou: "É melhor levar ela pra dentro". Na delegacia falaram que eu tentei entrar na reitoria. Como eu vou entrar em um lugar cheio de polícia, passando pelo cordão de isolamento?
Eles me levaram arrastada pra frente da reitoria, quebraram o vidro e entraram. Era uma sala escura, não havia nenhum aluno, só policiais homens.
Lá, me colocaram de pé e mandaram deitar no chão. Como eu não fiz imediatamente o que me pediram, eles chutaram minha perna, que ficou roxa. Acredito que isso conste no exame de corpo de delito.
Quando me jogaram no chão, um homem sentou nas minhas pernas, próximo ao meu bumbum, e dois no meu tronco, pressionando com o joelho meu corpo no chão. Havia vários em volta fazendo uma roda, porque como estavam ao lado do vidro, se alguém estivesse passando poderia ver.
A única visão que eu tinha era das botas. A sala estava toda escura. Devia ter uns 12 homens ali, algo descomunal para imobilizar uma mulher. O que me chocou e o que os advogados querem caracterizar como crime de tortura foi que nesse momento os policiais apertaram meu pescoço e taparam minha boca e meu nariz.
Eu sou asmática e quase desmaiei. Eles são sarcásticos, riam de mim, falavam que eu não ia sair dali. Eu gritava e batia as mãos no chão, e eles falavam "você está pedindo arrego?"
Um deles pegou na minha nuca, bateu minha cabeça no chão várias vezes, na parte do couro cabeludo, para não deixar hematoma. Eu tentei reagir e mordi a mão do PM que segurava minha boca. Quando fiz isso, eles me falaram: "Você conhece o porco?".
O porco é uma bolacha de plástico que enfiaram na minha boca e me impedia de falar e dificultava minha respiração, pois sou asmática. Eu fiquei com isso na boca enquanto eles falavam: "é melhor ficar quieta senão vai ser pior".
Eu pensei que não havia mais ninguém lá dentro, que todo mundo já havia sido retirado e que iam fazer o que quisessem comigo. Depois eu soube que tinha uma sala ao lado, onde as meninas ouviram tudo o que aconteceu ali, elas são minhas testemunhas. Onde eu estava, não tinha uma mulher, ninguém.
Depois de vários minutos dessa situação, me prenderam com um lacre, com as mãos pra trás. Apertaram isso muito forte e me levantaram pelos cabelos do chão; tiraram o 'porco' da minha boca e me levaram pra outro lugar, mais iluminado.
Eu reclamava do meu braço, que ficou roxo; isso não saiu tanto no corpo de delito, já que ele foi feito às 2h da quarta-feira, e a reintegração foi às 5h do dia anterior.
Eu reclamava que meu braço doía muito quando passou um repórter da Globo, o primeiro a chegar no local, o que fez toda a cobertura da desocupação. Quando eu o vi achei que era minha salvação: comecei a gritar e falar o que estava acontecendo. O repórter olhou com o maior desprezo e passou direto.
Mas os câmeras filmaram um pouco, tanto que as imagens estão no Jornal Nacional, onde eu reclamo da minha mão. Eu falando o que tinha acontecido eles não colocaram. Um cara [PM] ainda me falou "viu, não adianta nada você reclamar".
Eu não conseguia ficar de pé, mas eles me forçavam; um PM pegou o cassetete e apertou contra a minha garganta pra eu ficar em pé, junto à parede.
Eu estava assim, quando chegou uma policial mulher, uma loira, que imagino que eu possa identificar no processo --foram 25 mulheres presas e apenas 3 policiais mulheres, que contamos, essa era a única loira.
Eu achei que ela fosse ter o mínimo de sensibilidade. Eu falei [para o PM] 'você vai me bater de novo?". Nisso a policial mulher chegou, tirou ele de lá e falou: "Ele não pode te bater, mas eu sou mulher e posso" e pegou na minha blusa e me jogou duas vezes contra a parede. Eu reagi e dei uma cotovelada; ela saiu.
Eles continuaram em volta de mim. Essa loira reapareceu com minha máquina dentro da caixinha; achei delicado terem guardado, somente para ver depois que a máquina estava quebrada e sem o cartão de memória.
A policial [mulher] ainda me falou: "Se você colaborar eu vou te levar junto das meninas, senão, você vai ficar aqui com os meninos [os PMs] viu?".
Me levaram para a sala, onde todas as mulheres estavam sentadas no chão com vários policiais, que tampavam o vidro com escudos para que não pudessem vê-las.
Tinha mais polícia do que meninas, como se fossem oferecer grande risco. Elas disseram que eles falaram: "Não se preocupem com os gritos, é procedimento normal". Ainda disseram, 'não é nada, é só uma louca que entrou gritando'. Depois, soube que foram 30 minutos aproximadamente que eu fiquei sozinha com os PMs.
Ficamos um bom tempo nessa sala e começaram a me ligar. Eu atendi e disse que estava lá dentro; ninguém entendeu o que eu tava fazendo lá. Eu disse que passava mal, que precisava da minha bombinha. Aí sim os policiais acreditaram que eu tinha asma e 20 minutos depois me trouxeram minha bombinha, que meu namorado levou.
Depois mandaram eu desligar o celular e ficamos incomunicáveis. Havia vários policias sem farda, à paisana, filmando nossos rostos. Todos os PMs estavam sem identificação, dentro e fora. Reclamamos disso e a PM que me agrediu disse: "O que você entende de Polícia Militar pra saber o que PM pode ou não?".
Fomos levados para a sala principal, onde ficam os quadros dos reitores. Colocaram a gente na parece e nos obrigaram a sermos fotografadas, armados e ameaçando, vestidos com roupa normal e sem identificação. Sem identificação por quê? Porque se acontecesse algo muito sério ninguém poderia ser punido?
Eles sabem onde eu moro, sabem meu nome, por isso não me identifico. Eu estou visada por que eles sabem que o que fizeram foi irregular. Eles têm imagens nossas, de perfil, de lado, fizeram um 'book' da gente. Estávamos todos assustados, porque não sabíamos o que ia acontecer.
Nos levaram para a delegacia, onde ficamos mais de 20 horas. Durante o interrogatório, nos perguntaram nosso número USP. 
Por que isso importa? Pra reitoria nos perseguir?
Eles disseram que íamos somente assinar um termo circunstancial e ser liberados, mas depois de um ligação recebida, mudaram e decidiram nos imputar os crimes, inclusive formação de quadrilha e crime ambiental, que depois foram desconsiderados.
Fui atentidada pela delegada [Maria Letícia Camargo], tentei falar para ela sobre a violência que praticaram comigo; ela me disse que o questinário partia do pressuposto que eu estava lá dentro, e que não havia uma lacuna onde ela pudesse relatar o que que queria falar.
Então resolvi declarar em juízo. Quando eu saí, tinha um policial gordinho de olhos azuis, que quis botar as meninas que estavam fumando para dentro do ônibus. Como questionamos isso ele me disse: "É pra você acatar, que você já conhece minha força"; Eu disse 'então você estava lá, seu filha da puta, você me agrediu'. Depois disso ele desapareceu e eu não o vi mais.
Eu tentei fazer o boletim de ocorrência, mas a delegada se negou a registrar.
E é por isso que eu estou dando esta entrevista, porque ela teve a pachorra de dizer depois, em entrevista, que nenhum estudante alegou ter sido agredido.

O Movimento

Havia uma comissão para fazer material, outra para falar com a imprensa. Tinha a comissão de segurança, para garantir que não entrassem PMs nem imprensa, e que não fotografassem as pessoas. Tinha comissão de cultura, música, dança. É um absurdo falar que era um movimento de traficantes. Acha que tantas pessoas se organizaram dessa forma pra defender somente o direito de fumar maconha?
Ninguém ali está lutando pelo direito individual, polícia tem em todo lugar. Defendemos o direito de ter uma universidade de fato pública e aberta, para que as pessoas não tenham suas bolsas revistas e sejam punidas por crimes que não cometeram.
Agora os policiais estão ali, sabem onde eu moro, e podem me intimidar para eu não denunciar. Você pode achar um exagero, mas na USP há um programa de vigilância, com câmeras escondidas e funcionários do Coseas registrando as pessoas, inclusive relatórios da vida íntima e política das pessoas.
É estranho a mídia nos tachar de burguesinhos, porque se de fato fôssemos, o que íamos querer era justamente polícia pra nos proteger 'dos favelados'.
Eu já fui babá, monitora escolar, bóia fria, frentista de posto de gasolina, trabalhei em fábricas, em telemarketing, no comércio.
Hoje sou professora na rede pública estadual, dou aulas de filosofia para crianças. Quando eu voltei para a escola os alunos falaram: "Êba, a professora foi solta!". Eles já sabem que as coisas não são como mostram.
Eu nasci no sul do país, meu pai era militante e coordenador do MST, já morei em acampamento e isso sempre foi natural. Eu vim para a USP porque aqui me parecia um lugar livre, onde tinha moradia estudantil e jovens podiam pensar livremente; tudo engano.
Desde criança sempre tive um veia crítica sobre as coisas; eu não sou direita, mas também não sou xiita ou radical, como falam.
Sou só uma estudante que se indigna, que quer uma universidade que não seja só para ela; a USP pra mim foi um sonho, e eu queria que outras pessoas pudessem compartilhar isso.
Não queremos universidade para a elite, mas para os trabalhadores e filhos de trabalhadores, algo que o reitor tenta impedir, bancado pelo governo.
Sou apenas uma indignada, que gosta de estudar, fazer política e morar no Crusp. Espero que eu não seja jubilada e possa prestar concurso para dar aula como professora efetiva, sem sofrer nenhuma represália, principalmente da própria universidade.

O outro lado

A Polícia Militar disse não ter conhecimento sobre os fatos relatados pela professora e disse que a Corregedoria da PM está aberta para denúncias contra a ação policial.
A PM também afirma que nenhum detido durante a operação foi ferido, segundo o resultado do exame de corpo de delito.
Negando isso, a Secretaria de Segurança Pública disse que o laudo do exame fica pronto em 30 dias a partir do pedido e que não é possível consulta antes deste prazo.
A Polícia Militar ainda afirma que todos os homens da corporação devem usar identificações durante as operações, mas ressalta que é possível que a identificação tenha sido dificultada por causa dos coletes táticos usados, que encobririam o nome.
Segundo a PM, as pessoas levadas para dentro da reitoria foram presas pois depredaram viaturas.
O delegado Dejair Rodrigues, titular da 3ª Delegacia Seccional, disse que “entre as perguntas formuladas pela Polícia Civil aos estudantes, uma delas abordava a questão de possível agressão durante a desocupação, entretanto, todos os jovens manifestaram o desejo de somente se manifestar em juízo; e tudo foi acompanhado pelos advogados.”

(*) Matéria atualizada às 14:25 - 28/11/2011
Fonte: http://www.cartamaior.com.br

A precarização do Ensino Público no Estado de São Paulo - Estudo ILAESE


a) O Governo do Estado de São Paulo não apenas se submete ao contexto de mercantilização da educação e de desmonte do ensino público, como aprofunda tais práticas.
b) Nos termos da LDB, da Constituição e da Legislação do Fundeb, a constante melhoria dos padrões de remuneração dos servidores da educação pública não é uma faculdade, mas um dever do Poder Público. Assim, é claramente abusiva a situação do Estado, como SP, que recebe crescentes recursos de impostos e não repassa este crescimento para os gastos com Educação e seu Pessoal.
c) A Receita Corrente Líqüida e as receitas de transferências do Fundeb têm aumentado significativamente no Estado de SP, ao passo que os gastos com pessoal do ensino têm crescido na metade do crescimento da arrecadação de impostos.
d) O Governo de São Paulo possui recursos e tem margem, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, para adotar uma política mais justa de remuneração dos Professores Estaduais.
e) O Governo Estadual de SP tem se concentrado em medidas de rápido impacto eleitoral e propagandístico, em detrimento de investir na permanente melhoria da qualidade do ensino, a qual só pode se implementar com uma política de digna remuneração aos trabalhadores da educação.
f) A atuação do Governo Estadual de SP com relação à Rede de Ensino Estadual é antijurídica, pois não são observados os requisitos prescritos no artigo 255 da Constituição Estadual de 1989 quanto aos gastos em educação e, ademais, afasta-se, deliberadamente, dos objetivos da legislação no que tange à valorização do servidor. Tal situação se enquadra no conceito de simulação, ao tempo em que se frauda o imperativo da justa remuneração e da dignidade do trabalhador, alcançando-se substância ilícita sob forma lícita.

Veja o estudo completo aqui
A precarização do Ensino Público no Estado de São Paulo

domingo, 27 de novembro de 2011

Artigo "Ocupar e invadir", de João Paulo Cunha


Entre os gringos de Nova York e os sem casa do Brasil, há um mesmo gesto de contestação: só a representação não basta

As palavras não são isentas, trazem carga emocional e política, traduzem visões de mundo. O recente movimento Occupy Wall Street parece ter dado novo sentido à palavra ocupação. Se num país, que sempre foi modelo ideológico de liberdade, a população – principalmente os jovens – está nas ruas ocupando praças e centros simbólicos do poder econômico, há algo que precisa ser melhor entendido. Em primeiro lugar, a liberdade que serve aos propósitos econômicos não tem a mesma tradução quando se trata de manifestação política. Além disso, a ausência de padrão de convivência com as pessoas na rua mostra que a dimensão pública não é uma experiência corrente na sociedade em que privatizar é um juízo moral positivo. Por fim, a exposição pública de discordância deixa de ser pontual para ir ao coração do sistema. Não dá mais para esperar o show da próxima eleição presidencial.

O que os jovens de várias partes do mundo têm mostrado é que a ilusão do futuro ruiu. A crise nas economias ricas, com a diminuição do crescimento, parece mostrar que as bases da economia mundial não se sustentam mais. As pessoas perceberam que, mesmo que façam tudo como manda o figurino, nada está garantido. A mutipolarização do mundo impede que as dificuldades sejam hoje exportadas. Durante décadas, as regras do mercado não davam aos países periféricos condições de igualdade, o que fazia deles válvulas de escape dos distúrbios centrais. Hoje, com mercados internos fortes e alianças que passam ao largo das grandes economias, os países pobres e em desenvolvimento precisam se dar conta das próprias expectativas de crescimento e liberdade.

Outro fato que vai se tornando cada vez menos aceito é a tradução financeira da economia, como se a garantia a ser dada aos bancos e instituições insolventes fosse indispensável à saúde de todo o sistema. Bancos passaram a ser vistos como de fato são: vendedores de crédito e cobradores de juros. E, muitas vezes, incompetentes, quando não criminosos, nas duas operações: vendem o que não possuem e cobram além do razoável. Se por muito tempo as pessoas projetaram pôr o dinheiro para trabalhar a seu favor, hoje sabem que nada substitui a produção. Não é à toa que o emprego e a educação se tornaram os grandes ativos de confiabilidade no mundo líquido.

Outro mito que cai com a crise da economia é a atração magnética entre democracia e desenvolvimento. O mundo ocidental patrocinou as mais cruentas ditaduras contemporâneas para preservar sua estrutura de ganhos. Escravizou populações para preservar o suprimento de petróleo e, quando a crise extrapolou a dimensão meramente energética e se revelou na contramão de movimentos internos de liberdade, comemorou a libertação de “seus” ditadores e ainda inventou que tudo só foi possível por causa do Facebook. As democracias ocidentais estão na origem das ditaduras do Oriente Médio e Norte da África, e não no seu desenlace.

Quando os jovens americanos e europeus ocupam praças e ruas estão dando um passo à frente, mas não inovam em termos de atitude política. Ao sul do planeta, as ocupações são estratégias de sobrevivência e contestação ao modelo de concentração econômica. E não é de hoje. Por isso é interessante entender a dialética que parece opor palavras como ocupação e invasão. Atrás delas estão visões de mundo e interesses que apontam para formas também diferenciadas de se praticar a política e o protagonismo social. Entre os gringos de Nova York e os sem casa de Belo Horizonte, há um mesmo gesto de contestação: só a representação não basta. No limite, a possibilidade de conviver com a participação direta é o índice de democracia de um Estado liberal.

Sem tudo

No Brasil, o significante “invasão” se relaciona com o crime, com o desrespeito à propriedade privada, com a apropriação de bem demarcado em sua posse e sentido econômico. Os invasores tomam o que não é deles, destroem a produção, impedem a aplicação da lei e subvertem a noção de Justiça. O invasor é elemento que desestrutura aquilo que é funcional: derruba pés de laranja, quer trocar milhões de toneladas de grãos por uma feira de produtos orgânicos, estabelece padrões de produção que não atendem às necessidades externas.

A força da palavra invasão encontra, no entanto, limites na própria interpretação da lei, que defende, constitucionalmente (portanto acima de qualquer norma inferior) o valor social da propriedade. Além disso, a produção extensiva de carne e grãos no Brasil conflita não apenas com a lógica da necessidade de alimentar a população (o que a soja transgênica não faz, já que ninguém se alimenta de soja, a não ser carneiros e porcos), mas com a própria ciência contemporânea e as diretrizes da sustentabilidade.

Foi em razão disso que os movimentos sociais, preocupados com a dimensão simbólica das palavras e de sua tradução na vida social, assumiram a palavra “ocupação”, em lugar de invasão. Quem ocupa tem como fundamento de seu ato a legalidade, a moralidade, a ciência e a política, todas no sentido mais alto: legalidade constitucional, moralidade pública, ciência contemporânea e política como expressão da liberdade, inclusive com a capacidade de assumir formas novas de relacionamento e prestação de serviços (como a educação, que são prioridade nos assentamentos). Os sem terra brasileiros já fazem o movimento “ocupe” há muitos anos e, não fosse isso, a estrutura inflexível das relações no campo não teria se mexido.

Em nossa cidade, Belo Horizonte, um movimento de ocupação que merece destaque. Na região da Nova Pampulha, o Dandara reúne cerca de 4 mil pessoas, que vivem numa ocupação “rururbana”, em área desprezada há 40 anos, e que só agora vem despertando o interesse de uma construtora que reclama sua posse, depois de deixar a área abandonada e sem qualquer forma de proteção. Organizada, com vários projetos fundados na solidariedade, a comunidade aponta para o déficit habitacional da cidade, hoje em torno de 200 mil unidades (cerca de 55 mil famílias). A cidade tem 80 mil imóveis desocupados. A desapropriação do Dandara custa menos que um décimo das obras da Copa. E não deveria custar nada. O movimento vem sendo tratado com violência pelas autoridades, sendo sujeito de estratégias recorrentes de ameaça de uso da força.

Uma das originalidades da ocupação é a união dos princípios das reformas agrária e urbana na mesma área. Hoje, a reforma agrária vai além da luta pela posse da terra para reivindicar novo modelo de produção de alimentos, sustentável e ecológico, apontando para bandeiras universais. Do mesmo modo, os movimentos por moradia despertaram para a crítica da configuração urbana e de suas estratégias de especulação. Ao recorrer a um projeto coletivo, com sustentação na economia solidária e na relação orgânica com outras formas de exercício da cidadania (inclusive na cultura), a ocupação Dandara pode dar lições aos bem-intecionados jovens de Wall Street.

As famílias na ocupação Dandara sabem o que querem, mas vivem em situação de penúria. O que parece que anda faltando é ocupação das consciências dos responsáveis pela questão, como a Câmara e a prefeitura da cidade, solertes em debater a verticalização mas cegas com o que anda ao rés do chão.

(Ao lado de uma fotografia linda da comunidade Dandara, com a inscrição “Ocupação Dandara, no Céu Azul, Região da Nova Pampulha, em Belo Horizonte: MODELO PARA O MUNDO, o Artigo de João Paulo Cunha foi publicado no Jornal Estado de Minas, Caderno Pensar, 19/11/2011, na página. 2.) 

CAMPANHA DE APOIO AOS SEM-TETOS: Abaixo-assinado eletrônico em apôio ao Moradores do Pinheirinho, ameaçados de despejo pela polícia

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ENVIE A MENSAGEM ABAIXO PARA AS AUTORIDADES, PARA IMPEDIR A DESAPROPRIAÇÃO DO PINHEIRINHO
Adriano Espíndola
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EM DEFESA DOS MORADORES DO PINHEIRINHO
A ordem de despejo dos moradores da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), pode se transformar em uma tragédia. São milhares de pessoas, entre elas crianças e idosos, que moram no terreno há mais de 7 anos.
Sabemos que os governos municipal, estadual e federal estão em negociações para a regularização da área. Por isso a liminar de desocupação nos surpreende e nos parece uma insanidade.
Repudiamos esta tentativa de usar de forças policias para expulsar a população pobre de suas casas, principalmente levando em conta que a questão não é caso de polícia e sim de política social. Pedimos a imediata interferência de V.Sas. para evitar este derramamento de sangue e para contribuir com a consequente regularização da área.

Imperialismo e democracia: Casa Branca ou Liberty Square?

Por James Petras
Manifestação na Liberty Square, Nova York. A relação entre imperialismo e democracia tem sido debatida e discutida há mais de 2500 anos, desde a Atenas do século V ao Liberty Park em Manhattan. Críticos contemporâneos do imperialismo (e do capitalismo) afirmam encontrar uma incompatibilidade fundamental, mencionando as crescentes medidas de estado policial que acompanham guerras coloniais, desde as leis anti-terroristas de Clinton e o "Patriot Act" de Bush até as ordens de assassinato judicial de cidadãos estado-unidenses de Obama.


No passado, contudo, muitos teóricos do imperialismo de variadas convicções políticas, que vão de Max Weber a Vladimir Lenine, argumentaram que o imperialismo unificava o país, reduzia a polarização interna de classe e criava trabalhadores privilegiados que apoiavam activamente e votavam por partidos imperiais. Um levantamento histórico comparativo das condições sob as quais imperialismo e instituições democráticas convergem ou divergem pode lançar alguma luz sobre os desafios e opções que confrontam os florescentes movimentos democráticos que irrompem por todo o globo.


O século XIX


Durante o século XIX, a expansão imperial europeia e estado-unidense cobriu o mundo. Em tandem, enraizaram-se instituições democráticas, a cidadania foi estendida à classe trabalhadora, emergiram partidos competitivos, foi aprovada legislação social e a classe trabalhadora aumentou a sua representação nas câmaras legislativas.


Terá sido o crescimento simultâneo da democracia e do imperialismo uma correlação espúria reflectindo forças subjacentes divergentes e conflituantes, uma favorecendo a conquista além-mar e outra promovendo políticas democráticas? De facto, houve uma grande dose de sobreposição entre políticas pró-imperialistas e democráticas e não simplesmente entre as elites.


Ao longo de todo o século XIX e especialmente no século XX, importantes sectores do trabalho, partidos social-democratas e numerosas eminentes personalidades de esquerda e revolucionários socialistas, em um momento ou outro combinaram o apoio a exigências dos trabalhadores e a expansão imperial. Nada menos que Karl Marx, nos seus primeiros escritos jornalísticos no New York Herald Tribune apoiou criticamente a conquista britânica da Índia como sendo uma "força modernizadora" que deitava abaixo barreiras feudais, mesmo quando ele apoiava (com críticas) as revoluções europeias de 1848.


As classes dominantes, a força condutora do imperialismo, estavam divididas. Alguns viam as reformas democráticas, a "cidadania", como um meio de efectuar conscrições em massa para guerras imperiais; outros temiam que reformas democráticas promovessem exigências sociais que solapassem a acumulação de capital e a dominação pela elite. Ambos estavam certos: Juntamente com maior participação popular veio o virulento nacionalismo moderno, o qual alimentou a construção do império. Ao mesmo tempo, o acesso em massa a direitos democráticos levou a organizações de classe elevadas, as quais ameaçavam ou desafiavam a classe dominante. Dentro das classes dominantes, as instituições democráticas eram encaradas como uma arena para a resolução pacífica de conflitos entre elites sectoriais competidoras. Mas uma vez que tomassem um carácter de massa passavam a ser percebidas como ameaças políticas.


Partidos imperiais e partidos com base de classe competiam por eleitores entre os recém emancipados trabalhadores urbanos e rurais pobres. Em muitos casos, a lealdade imperial e de classe "co-existia" dentro dos mesmos indivíduos. A questão de qual das duas, a imperialista ou consciência de classe, se tornaria "operacional" ou "destacada" estava em parte dependente dos êxitos ou fracasso de projectos políticos competidores mais vastos.


Por outras palavras, quando a expansão imperial tinha êxito com conquistas fáceis que resultavam em colónias lucrativas (especialmente colónias de povoamento) trabalhadores democráticos abraçavam o império. Isto era assim porque o império promovia comércio, nomeadamente exportações lucrativas e importações baratas, ao mesmo tempo que protegia mercados e manufacturas locais. Isto por sua vez expandia emprego e salários para sectores substanciais da classe trabalhadora. Em consequência, o trabalho e partidos social-democratas e sindicatos não se opunham ao imperialismo, na verdade muitos apoiavam-no.


Em contraste, quando guerras imperialistas levavam a prolongados conflitos sangrentos e custosos, a classe trabalhadora comutava do entusiasmo chauvinista inicial para o desencanto e a oposição. Exigências democráticas de "fim à guerra" levavam a greves que contestavam o sacrifício desigual. Sentimentos democráticos e anti-imperialistas tendiam a fundir-se.


O conflito entre democracia e imperialismo tornava-se ainda mais aparente no caso de uma derrota imperial e de ocupação militar. Tanto a derrota da França na guerra franco-germânica de 1870-71 como a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial levou a maciços levantamentos democráticos socialistas (a Comuna de Paris de 1871 e a revolução alemã de 1918) atacando o militarismo, a dominação de classe da elite e toda a estrutura institucional imperial capitalista.


O debate imperialismo e democracia e "história a partir de baixo"


Historiadores, especialmente os praticantes da moderna "história a partir de baixo", exageram os valores democráticos e as lutas da classe trabalhadora e minimizam o prolongado e profundamente fraco apoio entre importantes sectores para o êxito da expansão imperial e da conquista. A noção de solidariedade de classe "inerente" ou "instintiva" é desmentida pelo papel activo de trabalhadores como soldados na conquista imperial, pelos povoadores além-mar, pelos marinheiros mercantes e supervisores. Colaboradores imperiais e leais ao império foram numerosos entre trabalhadores ingleses e franceses e, especialmente mais tarde, dentro do movimento trabalhista dos EUA.


O ponto teórico é que a proeminência da consciência e acção democrática sobre a imperial, entre trabalhadores, está dependente dos resultados práticos materiais de políticas imperiais e lutas democráticas.


Trabalhadores e imperialismo


A construção do império exige dos trabalhadores que produzam mais por menos a fim de exportar e investir lucrativamente em regiões colonizadas. Isto leva ao conflito capital-trabalho, especialmente na fase inicial da expansão imperial. Quando dominadores imperiais consolidam seu controle sobre países colonizados eles intensificam a exploração de mercados, trabalho e recursos. As exportações imperiais destruíram competidores locais. Os lucros ascendem, salários aumentam e trabalhadores mudam da oposição inicial em relação ao imperialismo à exigência de uma fatia do rendimento crescente dos industriais orientados para a exportação. Líderes trabalhistas e sindicais aprovaram políticas de "preferência imperial", as quais protegiam indústrias locais da competição e do controle monopolista privilegiado de mercados coloniais. Eles assim fizeram porque políticas imperiais protegiam empregos e elevavam padrões de vida.


Trabalhadores que eram activos em lutas sociais, estavan em listas negras ou presos, mudavam-se voluntariamente ou eram exilados para países colonizados. Uma vez assentes além-mar, era-lhes dado acesso privilegiado a empregos mais bem pagos como supervisores, empregados qualificados ou eram promovidos a posições de administração. Trabalhadores militantes no centro do império, quando chegavam além-mar tornavam-se colaboradores coloniais. Muitos encorajavam antigos colegas, parentes e amigos a juntarem-se a eles como colonos bem sucedidos ou trabalhadores contratados. A "domesticação" de trabalhadores e a reconciliação de sentimentos democráticos e imperialistas era uma causa e uma consequência do imperialismo com êxito.


Lealdade ao império: Não só pelo pão


Se bem que o aumento de benefícios materiais para trabalhadores do "imperialismo com êxito" sejam um factor que potencia a consciência imperial de trabalhadores, esta era reforçada pela gratificação simbólica. A sensação de ser membro do "país líder no mundo" e de que "o sol nunca se põe no império" era igualmente importante. É raro encontrar um país onde a maioria dos trabalhadores exprima "solidariedade" com os mineiros explorados, trabalhadores de plantação, camponeses deslocados e pequenos proprietários indígenas na "colónias". Quanto mais forte a influência do poder colonial, maiores as "oportunidades coloniais", mais amplos os laços coloniais, mais profunda a penetração económica e mais forte a sensação de superioridade imperial entre os trabalhadores dos estados imperiais. Não é de surpreender que os trabalhadores britânicos, os sindicatos e o Partido Trabalhista fizessem poucas objecções à selvajaria das guerras do ópio imperiais contra a China, as fomes imperiais induzidas na Irlanda no século XIX e na Índia no século XX. Da mesma forma, os partidos de trabalhadores franceses – especialmente os socialistas – estavam na vanguarda das guerras coloniais pós II Guerra Mundial contra a Indochina e a Argélia só se voltando contra elas face à derrota iminente e a desintegração interna. Também as guerras coloniais dos EUA contra Cuba e as Filipinas, suas invasões de países do Caribe e da América Central foram apoiadas pela American Federation of Labor e muitos "trabalhadores comuns", mesmo quando uma minoria de trabalhadores radicalizados se opunha a estas guerras. A "viragem parcial" do trabalho contra guerras coloniais dos EUA ocorrida durante as da Coreia, Vietname e Afeganistão resultou das perdas prolongadas e dos altos custos económicos sem vitória à vista. Deveria ser acrescentado que os trabalhadores estado-unidenses, em oposição a guerras imperiais, não exprimiram solidariedade com os movimentos de libertação nacional e os movimentos de trabalhadores dos países colonizados.


O imperialismo e os "verdadeiros democratas"


Argumentar, tal como o fazem alguns na esquerda, que imperialismo não coexiste com "verdadeira" democracia é argumentar que os últimos 150 foram destituídos de eleições livres, competição de partidos e direitos dos cidadãos, ainda que reduzidos, especialmente ao longo da última década. A realidade é que a intervenção imperial e a expansão tem sido feita precisamente à custa do sentido de "obrigação" dos cidadãos de preservar as instituições democráticas, as quais permitiram a líderes imperiais obter legitimidade e apoio activo ou aquiescência da cidadania para travar guerras coloniais sangrentas e mesmo genocidas.


Se a democracia habitualmente não tem sido um obstáculo para a expansão imperial – na verdade, uma facilitadora sob certas circunstâncias – sob que condições os movimentos de trabalhadores e cidadãos voltaram-se contra guerras imperiais? Qual foi a resposta política da classe dominante quando a maioria do eleitorado virou-se contra guerras imperiais? Por outras palavras: Quando as instituições democráticas deixam de funcionar como veículos para políticas imperiais, o que acontece?


Da democracia imperial ao estado policial imperial


Os últimos dez anos proporcionam importantes lições sobre a relação entre imperialismo e democracia nos Estados Unidos.


A partir das controversas circunstâncias políticas envolvendo terroristas que obtiveram acesso aos EUA e a seguir sequestram os aviões do 11/Setembro/2001, o governo estado-unidense lançou duas grandes guerras coloniais e numerosos evidentes ataques "clandestinos" terrestres e aéreos na Somália, Iémen, Paquistão, Líbia e outros países. A "guerra global ao terror", lançada sob o regime Bush e implementada por responsáveis militaristas-sionistas não eleitos em cooperação com a NATO e Israel foi apoiada pelo Congresso eleito democraticamente. Realmente, a vasta maioria do eleitorado, influenciada por uma imensa campanha de propaganda do medo, pela manipulação dos media e por mentiras endossou as guerras ao terror.


Dado o âmbito sem precedentes e a amplitude das guerras (uma guerra global ao terror), o vasto aumento das despesas militares e os enormes gastos para tudo o que se referia ao aparelho de repressão interna (Homeland Security), foi construído um novo estado policial centrado no executivo o qual substituiu as instituições democráticas existentes e os direitos dos cidadãos.


A trajectória da política imperial passou dos primeiros êxitos militares à problemática ocupação prolongada. Isto levou a um escalar da resistência, ao crescimento das despesas do estado, ao aprofundamento de crises fiscais, decadência social e aumento da oposição política.


Tal como no passado, as guerras imperiais contemporâneas que são prolongadas, custosas e sem vitória decisiva à vista levaram ao desencanto da cidadania, seguido pelo aumento da rejeição aberta. As maiorias assalariadas que votaram por decisores políticos imperiais e apoiaram a sua legislação que a permitia, incluindo leis (Patriot Act) que suspendiam direitos civis e constitucionais básicos, afastaram-se da agenda imperial. Hoje a maioria democrática dá prioridade à sua classe, seus interesses económicos, especialmente face a uma recessão prolongada e desemprego e subemprego próximo dos 20%. A partir de 2008-2011 as guerras infindáveis e as crises prolongadas puseram em movimento um conflito entre democracia e imperialismo.


Por outras palavras, a maioria democrática tornou-se um obstáculo à implementação e prosseguimento de guerras imperiais. A actividade militar imperial no Iraque, Afeganistão, Líbia, etc não levou a vitórias rápidas, a conquista de mercados de exportação lucrativos e tomadas de recursos naturais. Não foram criados empregos e nenhum benefício acrescido para empregados e trabalhadores no país imperial. Despesas elevadas com armas prejudicam investimentos públicos com empregos trabalho intensivo em projectos de infraestrutura criticamente atrasados. O pequeno número de empregos perigosos em países ocupados não era atraente e demasiado arriscado para os desempregados.


Por outras palavras, ao contrário da maior parte das anteriores guerras imperiais-coloniais, nada da riqueza pilhada foi utilizada para assegurar a lealdade dos trabalhadores ao império. O fardo do império progressivamente deteriora os salários e os padrões de vida dos trabalhadores assalariados. Ao longo do tempo, a tributação regressiva erodiu gradualmente qualquer sentido de grandeza chauvinista ou de superioridade. Ao invés disso, cidadãos do império desenvolveram um complexo de inferioridade política. Confrontada com oposição islâmica determinada e a ascensão do poder económico da China, apoderou-se de uma minoria uma belicosidade exagerada e da maioria uma introspecção crítica. A consciência popular de "alguma coisa basicamente errada" em Washington e na Wall Street passou a prevalecer. Os anteriores cantos de guerra e o agitar de bandeiras irreflectido, quando os exércitos do Império marchavam para o Afeganistão e o Iraque, foram substituídos pelo derrotismo furioso contra os que os enganaram. Mais de 80% do público agora articula uma visão negativa do Congresso, rejeitando ambos os partidos da guerra. Visões negativas semelhantes são mantidas em relação à Casa Branca, ao Pentágono e ao Ministério da Segurança Interna (Homeland Security).


Após uma década de guerra e quatro anos de crise económica, irrompem protestos em massa, o movimento Occupy Wall Street coloca novas opções sobre a mesa, deslocando a agenda imperial com uma denúncia poderosa da elite militarista-financeira.


Os governantes do executivo, especialmente os aparelhos judiciais, de inteligência e de polícia, implementam cada vez mais medidas arbitrárias de estado policial. Dezenas de milhões de cidadãos estão sujeitos à vigilância por parte do Ministério da Segurança Interna. O estado policial intercepta milhares de milhões de faxes, emails, sítios web e chamadas telefónicas. A ligação entre imperialismo e democracia rompeu-se ao ponto de o império em declínio já não poder mais assegurar o apoio ou a aquiescência do eleitorado.


Cada vez mais tramas terroristas bizarras são fabricadas pelas agências de inteligência. A trama da bomba iraniana contra o embaixador da Arábia Saudita em Washington foi o esforço mais primitivo e grosseiro para recuperar apoio público ao militarismo imperial na região do Golfo. Aparte a politicamente influente, mas infinitamente pequena, configuração de poder pró Israel-sionista, a opinião pública dos EUA não se desvia da sua agenda interna; da sua busca por empregos internos e da oposição à Wall Street.


Quando o conflito entre imperialismo e democracia se intensifica, o "consenso" anterior fractura-se. A Casa Branca e o Congresso optam pelo imperialismo apoiado num estado policial profundamente anti-democrático. A maioria do eleitorado pressiona por um avanço, utilizando seus direitos democráticos remanescentes, a fim de mudar a agenda política do império rumo a uma república social.


Conclusão


Argumentámos que império e democracia têm sido complementares em tempos de imperialismo ascendente. Mostrámos que quando guerras de conquista têm sido curtas e baratas, e quando os resultados têm sido lucrativos para o capital e criam empregos para o trabalho, as maiorias democráticas unem-se no apoio a elites imperiais. Instituições democráticas floresceram quando impérios além-mar proporcionavam mercados, recursos baratos e elevavam padrões de vida. Trabalhadores votaram por partidos imperiais, mantiveram opiniões positivas de responsáveis executivos e legislativos, e aplaudiam os veteranos das guerras coloniais (nossas tropas). Alguns chegavam mesmo a voluntariar-se aderir aos militares. Com vasto apoio da cidadania ao império, o estado agia mais ou menos de acordo com as garantias constitucionais. Mas o casamento da democracia e do imperialismo não é "estrutural". Ele está dependente de uma série de condições variáveis, as quais podem causar uma ruptura profunda entre os dois, como estamos hoje a testemunhar.


Guerras imperiais prolongadas, ruinosas e custos que desgastam crescentemente padrões de vida por mais de uma geração minaram o consenso entre dominadores imperiais e cidadãos democráticos. Sinais precursores desta divergência potencial foram evidentes durante o último período da Guerra da Coreia, quando a opinião pública voltou-se contra o presidente Truman, arquitecto da Guerra-Fria e da invasão estado-unidense da Coreia. Mais evidência disso emergiu durante a Guerra do Vietname. Confrontados com uma guerra prolongada e perdida, a qual punha em perigo as vidas e oportunidades de dezenas de milhões de americanos em idade de conscrição, milhões na vida civil e militar optaram por acabar com a guerra e questionar intervenções imperiais. O estado repressivo ainda não estava suficientemente organizado para aterrorizar e conter o levantamento democrático da década de 1970. O fim da guerra do Vietname representou o ponto alto na tentativa da América democrática de conter o imperialismo e reconstruir a república.


As subsequentes pequenas, rápidas, de baixo custo e militarmente com êxito intervenções imperiais no Panamá, Granada, Haiti e alhures não provocaram qualquer conflito entre imperialismo e democracia. Nem tão pouco as guerras imperiais clandestinas e por procuração na Nicarágua, El Salvador, Guatemala, Angola, Moçambique, Afeganistão e nos Balcãs provocaram qualquer oposição democrática significativa uma vez que foram de baixo custo (em vidas e financiamento) e não foram acompanhadas por quaisquer cortes drásticos em despesas sociais e rendimentos.


No princípio as actuais guerras ofensivas globais no Afeganistão, Iraque eram encaradas por alguns estrategas imperiais à mesma luz. Vitórias rápidas, de baixo custo e com poucas despesas internos. Um oficial pró Israel altamente colocado no Pentágono argumentou mesmo que a invasão e ocupação do Iraque seria "auto-financiável" através de um apresamento do petróleo.


As guerras do século XXI acabaram por ser de outra forma. Elas seguiram o padrão coreano-vietnamita, não o padrão centro-americano/caribenho. Imensamente custosas, as guerras do século XXI não têm levado a vitórias rápidas e, pior ainda, ocorreram em meio a uma crise económica sem precedentes, sem o boom manufactureiro e de mercado das décadas de 1950/1960, os quais amorteceram a retirada da Coreia e do Vietname.


A divergência entre imperialismo e democracia tornou-se aguda. A dissensão democrática aumentou e o estado policial tornou-se mais proeminente e directo. O imperialismo confia cada vez mais na "fabricação de tramas de terror internas e externas" para aumentar os poderes da maquinaria repressiva e dominar por decreto. As exortações da Casa Branca soam falsas. O público dá cada vez menos crédito às acções dos seus governantes – detenções arbitrários "justificáveis", vigilância maciça e assassinatos extra-judiciais de cidadãos estado-unidenses (e mesmo dos seus filhos).


Nós agora enfrentamos perigos a longo prazo e em grande escala, inerentes a democracias imperiais. Não devido a "contradições internas" mas sim porque mais cedo ou mais tarde potencias imperiais encontram seu adversário na forma de lutas prolongadas de movimentos anti-imperialistas e de libertação nacional. Só quando guerras imperiais cobram a sua portagem à maioria assalariada é que a ruptura entre democracia e imperialismo se verifica. Então e só então são activadas forças democráticas para criar uma república democrática, com justiça social e sem império.


O perigo actual é que estruturas imperiais estão profundamente incorporadas em todas as instituições políticas chave e são apoiadas por um vasto e extenso aparelho de polícia estatal sem precedentes, o Homeland Security. Talvez seja preciso um grande choque político-militar externo para atear a espécie de levantamento democrático em massa necessário para transformar um estado imperial numa república democrática. Um crescente sentimento de isolamento e impotência afecta o regime dominante face a derrotas militares além-mar e ao implacável aprofundamento da crise económica interna. O perigo é que estes temores e frustrações possam induzir a Casa Branca a tentar recuperar apoio popular atacando o Irão sob um pretexto fabricado. Um assalto EUA/Israel ao Irão resultará numa conflagração à escala mundial. O Irão poderia retaliar e retaliaria. Poços de petróleo sauditas e no Golfo ficariam em chamas. Rotas de navegação vitais seriam bloqueadas. Os preços dos combustíveis disparariam enquanto economias asiáticas, da UE e dos EUA entrariam em crash. Tropas iranianas com seus aliados iraquianos bloqueariam guarnições estado-unidenses em Bagdad, o Afeganistão, Paquistão e o resto do mundo muçulmano pegaria em armas. As forças dos EUA teriam de render-se ou retirar-se. A guerra estilhaçaria o Tesouro dos EUA. Os défices disparariam fora de controle. O desemprego duplicaria. Esta sequência provável de acontecimentos dispararia um movimento democrático maciço e uma luta decisiva entre uma república emergente a lutar por nascer e um império decadente a ameaçar arrastar o mundo para o inferno da sua própria morte.

23/Outubro/2011
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=27238. Tradução de JF.

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