quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Os tigres do Rio: Barbáries da escravidão

Lei de 1853 concedeu a John Frederick Russel, súdito britânico e major de nossa Guarda Nacional, o privilégio exclusivo de, por 90 anos, "construir e estender todas as obras necessárias para o estabelecimento de um sistema completo de despejos e esgotos das habitações, semelhante ao adotado na Inglaterra". De fato, à época, o serviço de esgoto só existia em Londres e Hamburgo, além de pequena área em Nova York.
O concessionário gozava de isenção de impostos de importação do material necessário, e direito de exportar, sem impostos, todo o estrume que resultasse do tratamento em suas máquinas. Entretanto, as obras só se iniciariam em fevereiro de 1862 quando a concessão foi transferida para a The Rio de Janeiro City Improvements Co., Ltd., que ficou conhecida como a CITY.
Até então, os dejetos eram guardados nas residências, em barris. A remoção dos barris cheios se fazia, normalmente à noite, quando escravos, carregando os barris à cabeça, cruzavam a cidade até terrenos baldios ou o mar, onde a imundície era despejada.
Um comerciante inglês que viveu no Rio entre 1808 e 1818 relata que, em muitos casos, esses barris eram esvaziados diariamente, em outros, apenas uma vez por semana, dependendo do número de escravos disponíveis (e, necessariamente, da quantidade de usuários do mesmo barril). Se ocorresse desabar uma chuvarada, a carga era despejada em plena rua, deixando-se, à enxurrada, a tarefa de levá-la ao mar.
O conjunto escravo-barril era apelidado de tigre, em razão do aspecto dos carregadores. Transbordamentos iam deixando rastros no corpo do homem que, assim, ficava com listras sinuosas.
Conta Manoel de Macedo (o autor de A Moreninha) que um viajante francês, demorando-se por alguns dias no Rio, ouviu, de patrícios, queixas dos incômodos tigres que, freqüentemente, corriam pelas ruas à noite. Algum tempo depois, veio a publicar um livro de viagens em que relatava: "Na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império do Brasil, feras terríveis, os tigres, vagam, durante a noite, pelas ruas..."
Segundo Brasil Gerson , em sua História das Ruas do Rio de Janeiro, o local onde residiu Mr. Russel deu nome à região onde, mais tarde, foi construído o Hotel Glória.
A foto mostra, em 1903, a chaminé de uma Estação de Tratamento da City, e a ponte de atracação das chatas que eram rebocadas conduzindo para fora da barra os resíduos do tratamento das fezes da cidade. O local, hoje, é ocupado pelo SEAERJ (Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Rio de Janeiro).

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Qual o real significado das leis?

Qual o real significado das leis?
Quando aqueles cuja função é garantir o cumprimento das leis se rebelam contra elas, chega o momento de discutir o real significado das leis, de sua aplicação, ou, ao contrário, de sua infração.
O caráter extremamente contraditório da greve dos policiais foi, sem dúvida, uma das razões para ela ter ganhado tamanha cobertura na mídia. Nos últimos dias, a greve dos policiais militares da Bahia ganhou as principais manchetes dos jornais, sobretudo depois que os policiais superaram a mera paralisação e ocuparam a Assembleia Legislativa do Estado. A partir daí, a imensa maioria dos políticos, dos empresários e dos órgãos de imprensa passou a criticar a direção do movimento. Onze dirigentes foram indiciados como criminosos, tendo contra si vários mandados de prisão.
A situação se agravou quando foi divulgada a gravação de uma conversa telefônica entre dirigentes da greve combinando a organização de ações de apoio, como o bloqueio de estradas. Na conversa, um deles chega a levantar a hipótese de queimar viaturas e carretas durante os bloqueios. Outra conversa gravada mostra um dirigente dos bombeiros do Rio de Janeiro que combinava formas de ampliar o movimento grevista baiano para outros estados.
A partir da divulgação destas gravações telefônicas a caça aos dirigentes se acirrou, culminando na prisão de vários deles. A resposta dos trabalhadores cariocas foi imediata. Cerca de 2.000 policiais militares, policiais civis e bombeiros, reunidos em assembleia na quinta-feira (9/2) deflagraram greve conjunta das três categorias, que somam mais de 70.000 homens. Suas principais reivindicações são a libertação dos presos e um piso salarial de 3.500,00 reais.
Se, por um lado, não é totalmente descartada a possibilidade de haver interferências de interesses partidários na direção do movimento, argumento que, aliás, muitos alegam, por outro lado, a ampla participação na assembleia do Rio confirma que este movimento é expressão legítima dos anseios dos policiais.
Além disso, a greve dos policiais desvela as profundas contradições existentes no interior das corporações militares. Embora sua força de trabalho seja utilizada para reprimir trabalhadores e estudantes, os policiais também fazem parte do proletariado, pois não possuem outra mercadoria para vender além de sua própria força de trabalho. Em determinados momentos, como já provou a história, os policiais podem romper com seus comandantes e juntar-se à classe trabalhadora.
O governo carioca, por sua vez, reagiu violentamente ao início da greve no Rio, já tendo prendido mais de 150 policiais até o momento do fechamento desta edição. Dentre os presos há três oficiais – dois coronéis e um major – todos da reserva.
A perseguição e prisão de líderes de movimentos sociais que organizam trabalhadores e estudantes na luta pelos seus direitos não é novidade na história recente do Brasil. Seja qual for o partido político que esteja no governo, seja o PT, o PSDB, o PMDB, ou outro qualquer, todos utilizam o mesmo método, o instrumento da repressão e encarceramento das direções dos movimentos sociais. Foi assim que ocorreu com a greve dos bombeiros do Rio de Janeiro e com a ocupação da reitoria da USP em 2011. Assim está ocorrendo agora com os policiais baianos e cariocas.
Esta é a situação no Brasil de Lulas, Dilmas, Wagners, Cabrais e Alkmins. Os líderes de trabalhadores e jovens que reivindicam melhores condições de trabalho e ensino são tratados como criminosos, com o nítido objetivo de intimidá-los e sufocar os movimentos que se opõem à situação de carestia de vida atual.
Enquanto isso, políticos, empresários e dirigentes partidários que assaltam em conjunto os cofres públicos jamais são presos. Lembremos os nomes de alguns daqueles que são os verdadeiros criminosos, cujos roubos são responsáveis pelas péssimas condições de ensino, de moradia, de saúde e de transporte enfrentadas pela maioria da população. Dentre os bandidos estão Marcos Valério, José Dirceu, José Genoíno, Luis Gushiken, Silvio Pereira, Delúbio Soares, Duda Mendonça, Antonio Palocci e, mais recentemente, os oito ministros depostos de Dilma (entre eles o próprio Palocci), além dos bandidos que compõem o judiciário, denunciados por sua própria comissão interna. Nenhum destes criminosos foi preso até agora. Apenas Paulo Maluf foi preso por alguns poucos dias, mas continua solto. Todos os outros continuam impunes.
Em resumo, o que se vê é o seguinte: cadeia para os trabalhadores e impunidade para os burgueses e seus lacaios. Qual é, afinal, a razão de tamanha desigualdade na aplicação da lei? Como afirmou Marx, a superestrutura jurídica, política e ideológica é determinada, em última instância, pelas relações sociais de produção. Isso quer dizer que as leis da sociedade burguesa são elaboradas e aplicadas com o objetivo principal de conservar as relações de produção baseadas na propriedade privada burguesa. Tudo aquilo que, apesar de infringir a lei, não colocar em risco o sistema capitalista, é tolerado. Mas tudo o que, ao contrário, infringir a lei e, ao mesmo tempo, colocar em risco o sistema, é intolerável e merece punição imediata.
Isso confirma porque roubar recursos do Estado para transferi-los aos capitalistas, apesar de infringir as leis vigentes, não é passível de maior punição, pois não coloca em risco as atuais relações de produção, pelo contrário, contribui para a acumulação do capital. Como demonstrou Marx em sua obra da maturidade, O Capital, o roubo dos domínios do Estado faz parte das formas de acumulação originária do capital.
Por outro lado, ocupar prédios públicos, apesar de representar um prejuízo infinitamente menor em relação àquele cometido pelos chamados “grandes homens da política e do empresariado nacional”, questiona a estrutura de poder, ou seja, levanta a questão de quem, afinal, possui o poder: os trabalhadores ou os governos burgueses. Isso explica a caça incansável aos dirigentes dos movimentos sociais que historicamente ocorre no Brasil e em todo o mundo.
Marx já demonstrara que as leis nada mais são do que um instrumento à disposição da classe proprietária dos meios de produção para reprimir, intimidar, prender, em suma, legalizar a violência contra o proletariado.
Compreende-se assim porque a lei de greve, apesar de aprovada, não é aplicada. Impõe-se limitações tais à lei de greve que a deformam a ponto de tirar-lhe todo o conteúdo. Por exemplo, exige-se que os trabalhadores avisem aos patrões com certa antecedência quando a greve será deflagrada. Para quê? Para dar tempo aos capitalistas diminuírem os prejuízos causados pelo futuro movimento. Exige-se também que um percentual do serviço seja garantido, o que tira toda a força da greve. Por meio destes subterfúgios a burguesia torna a lei de greve uma ilusão.
Diante disso, o que os trabalhadores e jovens podem esperar das leis da sociedade burguesa? Não podem esperar nada! Como afirmaram os autores do Manifesto Comunista, dirigindo-se aos burgueses: “vosso direito não passa da vontade de vossa classe erigida em lei”. Por isso, para garantir que a sua vontade prevaleça, os trabalhadores jovens do Brasil e de todo o mundo precisam, em determinados momentos, infringir a lei, ou seja, infringir a vontade da classe dominante que se contrapõe aos interesses daqueles que trabalham.
Nesse sentido, o principal crime cometido pelas direções legítimas dos movimentos sociais contra a atual sociedade e seu amontoado de leis é, sem dúvida, o de colocar em risco a conservação desta sociedade apodrecida.
  Fonte:http://www.movimentonn.org

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Que absurdo as filas em Cuba: Filas para comprar livros!!!


 
"Não bastasse a escandalosa fila para o sorvete (apresentada tão bem por nossa imparcialíssima imprensa), agora vê-se o crescimento das filas para compra de livros, em Havana. Coitado do inculto povo cubano"!



É Isso que estamos acostumados ouvir , ler e ver nos jornalões e/ou na grande mídia, não é mesmo?


Mas vejamos o que não se vê:

Material da diabólica Telesur:

Muitos leitores lotam a fortaleza San Carlos de la Cabaña, sede principal da Feira Internacional do Livro de Havana. Existem mais de cem outras sub-sedes por toda a capital cubana. Instituições culturais como a "Casa das Américas" e a Cas da ALBA se unem ao evento cultural. teleSUR




Fonte: http://convencao2009.blogspot.com/

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Como a mídia brasileira sufoca a liberdade de expressão

Algumas pessoas podem não gostar do conteúdo do vídeo, mas é importante que todos o assistam com bastante atenção, isso é sério e como a maioria dos leitores são professores ou estudante de pedagogia e portanto formadores de opiniões, é fundamental que assistam e comecem a refletir sobre a sociedade em que vivemos e sobre a falsa ideia de liberdade na qual vivemos, devemos aproveitar as informações  que a mídia transmite, mas precisamos de várias fontes diferentes para formamos nossas opiniões, nem tudo o que os meios de comunicação disseminam é ruim, mas de 100% uma média de 5% são assuntos verdadeiramente importantes, o restante é distração e distorção da verdade.
Por isso que amo internet, só com ela temos acesso a todo o tipo de informação que nos interessam e por meio dela se tivermos ideias e opiniões consistentes, podemos nos comunicar com pessoas de todas as partes do mundo, ter acesso a diversos pontos de vista e realmente exercer nossa liberdade de expressão.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pessoas de esquerda são mais inteligentes que as de direita, aponta estudo

 
Um polêmico estudo canadense que inclui dados coletados por mais de 50 anos, diz que as pessoas com opiniões políticas de direita, tendem a ser menos inteligentes do que as de esquerda. Ao mesmo tempo, adverte que as crianças de menor inteligência tendem a desenvolver pensamentos racistas e homofóbicas na idade adulta.
A pesquisa foi realizada por acadêmicos da Universidade Brock, em Ontário, e coletou a informação em mais de 15 mil pessoas, comparando o seu nível de inteligência encontrado na infância com os seus pensamentos políticos como adultos.
Os dados analisados ​​são dois estudos no Reino Unido em 1958 e 1970. Eles mediram a inteligência das crianças com idade entre 10 e 11 anos. Em seguida, são monitorados para descobrir suas posições políticas após 33 anos de idade.
“As habilidades cognitivas são fundamentais na formação de impressões de outras pessoas e ter a mente aberta. Indivíduos com menores capacidades cognitivas gravitar em torno de ideologias conservadoras que mantêm as coisas como elas são, porque isso as fornece um senso de ordem”, dizem no estudo publicado no Journal of Psychological Science.
Segundo as conclusões da equipe, as pessoas com menor nível de inteligência gravitam em torno de pensamentos de direita, porque esse os faz sentir mais seguros no poder, o que pode se relacionaa com o seu nível educacional, inclui o jornal britânico.
Mas esta não é a única conclusão a que chegou o estudo.
Analisados dados de um estudo de 1986 nos Estados Unidos sobre o preconceito contra os homossexuais, descobriu-se que pessoas com baixa inteligência detectado na infância tendem a desenvolver pensamentos ligados ao racismo e homofobia.
“As ideologias conservadoras representam um elo crítico através do qual a inteligência na infância pode prever o racismo na fase adulta. Em termos psicológicos, a relação entre inteligência e preconceitos podem ser derivadas de qual a probabilidade de indivíduos com baixas habilidades cognitivas apoiarem com ideologias de direita, conservadoras, porque eles oferecem uma sensação de estabilidade e ordem “, acrescentou.
“No entanto, é claro que nem todas as pessoas pessoas prejudicadas são conservadoras”, disse a equipe de pesquisa.
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Quem quiser conferir a entrevista na revista Psychology Today pode acessar o link (em inglês).
Comentário da pesquisadora: “Aliás, esta constatação corrobora uma das queixas persistentes entre os conservadores. Os conservadores muitas vezes se queixam de que os liberais controlam a mídia, o show business, as universidades ou algumas outras instituições sociais.  A hipótese explica por que os conservadores estão corretos em suas queixas. Liberais podem controlar a mídia, o show business, as academia, entre outras instituições, porque, além de algumas áreas da vida (como empresas) sempre que as circunstâncias de compensação possam existir, os liberais controlaram todas as instituições.   Eles controlam as instituições porque os liberais são em média mais inteligentes do que os conservadores e, portanto, eles são mais propensos a atingir o mais alto status em qualquer área de (evolutivamente romance) vida moderna.
Fonte: http://rodopiou.com/

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Pesquisa indica que 3,8 milhões de jovens estão fora da escola

Fonte: blogopovo.com.br
É assim que o país se destaca na Educação. Coaduna com as informações do ano passado no quesito Educação em Vitória da Conquista.

Estudo feito pelo movimento Todos pela Educação aponta que 3,8 milhões de crianças e jovens entre 4 e 17 anos estavam fora da escola em 2010. Na década (2000-2010), entretanto, houve um aumento de 9,2% na taxa de acesso à escola, segundo o estudo De Olho nas Metas 2011, divulgado hoje (7).
A Região Norte registrou o maior aumento na frequência ao sistema de ensino, com crescimento de 14,2%, o que possibilitou o atendimento de 87,8% das crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos. A Região Sudeste teve o menor avanço na década, expansão de 8%. Ainda assim, é a parte do país com maior índice de jovens matriculados, 92,7%. No Brasil, a taxa de inclusão escolar chega a 91,5%.
Mesmo com o acréscimo nas taxas de frequência, o relatório aponta que o país não conseguiu superar a meta intermediária (de 93,4% de acesso) estabelecida para o ano de 2010.
Com o maior número de jovens em idade escolar (17,3 milhões), a Região Sudeste registra o maior número de crianças e adolescentes fora da escola (1,27 milhão). Desses, 607,2 mil estão no estado de São Paulo, unidade da federação com maior número de jovens sem estudar. Percentualmente, no entanto, apenas 7% dos paulistanos entre 4 e 17 anos não frequentam a escola.
Na Região Norte são 579,6 mil jovens que não estão estudando. O Acre é o estado com a pior taxa de inclusão, 85%, o que representa 35 mil crianças e adolescentes fora do sistema de ensino.
As taxas de acesso à pré-escola permanecem em patamares muito mais baixos que os estabelecidos pelas metas. Crianças de 4 e 5 anos têm a menor taxa de atendimento (80,1%). Na Região Norte, apenas 69% das crianças que deveriam estar na pré-escola estão estudando.
O ensino médio também apresenta uma taxa de frequência menor do que a média. Na faixa de 15 a 17 anos, apenas 83,3% estão inseridos no sistema de ensino, o que representa 1,7 milhão de jovens fora da escola. O menor percentual de acesso é registrado novamente no Norte (81,3%).
O estudo De Olho nas Metas é um relatório anual cujo intuito é acompanhar indicadores educacionais ligados às cinco metas estabelecidas pelo Todos Pela Educação para serem cumpridas até 2022. A primeira meta é chegar ao índice de 98% ou mais das crianças e jovens de 4 a 17 anos matriculados e frequentando a escola no prazo de dez anos.

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A CIDADANIA NO CONTEXTO DE UM CARNAVAL QUE TEIMA EM ACONTECER

Tânia Regina Braga Torreão Sá*
Em face dos recentes acontecimentos que tomam os noticiários dos meios de comunicação brasileiros, não somente relativos às greves da polícia militar da Bahia e Rio de Janeiro, mas a insistência de que o carnaval nesses estados deva ocorrer, sob qualquer condição, ainda que essa esteja associada a colocar nas ruas, para realizar o patrulhamento ostensivo, homens preparados dentro da filosofia de treinamento totalmente diferença daquela que promove a segurança pública, e, também, em face do que entendo ser viver num estado democrático de direito, andei cá com meus botões refletindo sobre o conceito de cidadania e me deparei com uma reflexão do mestre Milton Santos que insiste em ser recorrente na minha mente. Essas palavras eram: “no Brasil não há cidadãos, nunca houve, porque a classe média não quer direitos, quer privilégios”. E é por concordar com a acidez/lucidez dessa reflexão que conclamo os leitores que tenho a também refletirem a respeito.
De fato, se reconhecermos que o conceito de cidadania historicamente sempre esteve ligado ao poder econômico, então poderemos compreender melhor o que Milton Santos quer dizer.
É uma tentação quase irresistível para mim, escarafunchar a história etimológica da palavra cidadania, que desde a Grécia está associada – como disse no parágrafo anterior – ao poder econômico. Não basta ir longe para atestar essa associação. Basta pensarmos em quem era o civitas da Antiguidade Clássica? Basta pensar, no que lhes fazia ‘ter direitos’?
Na sociedade contemporânea – muitos (felizmente), irão discordar de mim – não me parece que o conceito de cidadania tenha evoluído tanto assim, a ponto de ‘rasurar’ as vinculações criadas desde o período da Antiguidade Clássica.
Para explicar melhor o que quero dizer, recorro a alguns exemplos captados a partir de minha experiência docente, que se move pelo desejo, de tirar os meus alunos e alunas de suas ‘zonas de conforto’, pois, compreendo ter a educação, um poder imensurável de desestabilidade das certezas.
E porque educar envolve questionar a verdades estabelecidas, quando me sinto também provocada a debater o assunto, inicio a minha fala lançando aos meus alunos a proposta de responderem o que significa ser cidadão.
Nesses 14 anos de docência no ensino superior nunca, em nenhuma das muitas turmas que tive o prazer de lecionar, deixei de ouvir a costumeira resposta: “eu sou cidadão porque pago os meus impostos”, e é aí que ‘a porca torce o rabo’, porque a aderência aos sistemas formais de ligação ao estado democrático, que assegura aos cidadãos uma pretensa segurança em relação a assunção de direitos e deveres, nem sempre depende da vontade autônoma da parcela pobre da população. Essa vontade é consuetudinária das condições econômicas, que não permitem a muitos sobreviver para além de assegurar o que é mínimo. Sendo mais direta, em muitos casos as pessoas pobres não arbitram sobre a cidadania porque lhes faltam condições financeiras para isso, pois, se trata de realizar a duríssima escolha entre colocar o pão de cada dia na mesa e construir as condições essenciais para o alcance da cidadania, vista sob o ponto de vista do liberalismo econômico, é sempre bom ressaltar.
Assim, o problema de criar conexões entre o conceito de cidadania e o pagamento de impostos, reside justamente no prestigio, no destaque, à segregação econômica a qual essa concepção se imbui, afinal (vamos combinar!), ninguém é pobre porque deseja sê-lo, ninguém se segrega acha positivo se segregar.
Mas há uma interrogação nesse texto que ainda precisa ser respondida: o que tudo isso tem haver com o carnaval baiano e carioca, nas condições que me parece, ele será promovido nesse ano?
Antes de ‘arquitetar’ a minha resposta, no entanto, quero esclarecer que não sou do tipo de pessoa que se ressente em relação a meu passado “de timbaleira”, cujas condições físicas, não permitem mais acompanhar o frenesi do “todo mundo pro lado de lá, todo mundo pro lado de cá”, durante as quase 4 e 1/2, 5h do trajeto por onde desfila o meu bloco do coração. Também não sou do tipo de intelectual enfezada, que se senta atrás da mesa e se põe a criticar o carnaval, posicionando-o enquanto ópio do povo, como se o povo também, não precisasse de ópio. Sou do tipo que já pulou muito atrás do trio elétrico e que hoje, depois de fraturas múltiplas na tíbia e perônio, ainda se sacode toda quando vê a turma se acabar atrás do trio elétrico, que afinal, só não carrega quem já morreu.
No carnaval desse ano, entretanto, há novas variáveis a serem consideradas: a polícia militar está em greve e face à necessidade do patrulhamento ostensivo das cidades aonde se realiza a folia momesca, um substituto improvisado, despreparado, será posto em seu lugar.
Não será difícil prever o quanto de acréscimo aos índices de violência se dará durante a realização desse evento, sob tais condições. Mas, ainda assim, sem que me cause espanto, surpresa, algumas entidades carnavalescas – não coincidentemente as mais ricas – insistem na realização da festa, despudoradamente alegando que se tal não acontecesse haveria prejuízos monumentais a economia do estado. Mas e o valor da vida humana, aonde fica?
O exército brasileiro rege-se por doutrina diferenciada das polícias militares. Enquanto as polícias regulam-se pelo comprometimento com a “preservação da ordem pública, dos direitos do cidadão e do estado de direito” (pm.ba.gov.br), a doutrina militar do exército tem “preparado (organizado, equipado, instruído e desenvolvido) as forças morais para a eventualidade de (destaco!) conflitos e se empregado em guerras”.
Sendo escancaradamente irônica, não posso deixar de admitir que os carnavais brasileiros de há muito se assemelham com guerras, aonde o que está em disputa é, principalmente, o espaço, desde os midiáticos até os físicos. Por isso, ainda que as polícias militares se presentifiquem nos espaços aonde a festa acontece, cumprindo o seu papel coibitivo ao cometimento de atos de violência, é impossível fechar todas as portas dessa vista que a natureza humana navega entre a sustentável leveza do cidadão dócil e a selvagem natureza da fera que nos fustiga a (re) agir.
Autorizar uma força descomunal, armada e preparada para ‘outros finalidades’, senão, as de promover a segurança pública a policiar um evento dessa natureza, portanto, flerta perniciosamente com a irresponsabilidade e a indiferença social. E tudo isso, porque supondo a continuidade da greve da polícia militar “haveriam prejuízos que seriam monumentais para a economia do estado se o carnaval não acontecesse”.
Não tenho a ilusão da aderência as minhas opiniões. Se pudéssemos realizar uma pesquisa, aliás, perguntando a população pobre de Salvador se desejam que o carnaval aconteça, mesmo sem a presença da polícia militar nas ruas, a resposta dada seria esmagadoramente sim. Não os culpo por isso! Afinal, ainda que as estatísticas os incluam entre os mais agredidos nessas ocasiões; ainda que os pobres ofereçam a ricos e a classe média, que se endivida para comprar o abadá do chicletão, o triste espetáculo de suas misérias, que chegam através do banqueteamento que realizam com os restos das bebidas, quando ansiosos recolhem as latinhas de alumínio que lhes assegura migalhas por dia para pegar o buzú ou tomar uma latinha também, o pobre é a principal vítima dessa máquina louca de produção de ilusões que o carnaval potencializa.
 E aí, enquanto a classe média e os ricos vão ao paraíso dos camarotes tomados por futilidades all include, que maquila tentando apagar dos rostos qualquer traço que remeta brevemente a pobreza, os pobres estão na pipoca da vida. E eu?! Eu estou aqui me valendo das palavras e brigando à minha maneira para que as cinzas revoem, atinjam os olhos dos pobres, causando revoltas pela inaceitação e, finalmente, se espalhem pelo chão, limpando os olhos dos pobres da lente pesada – também conhecida como política do pão e circo – que os imobiliza ante tantas desigualdades.
* Professora do DCHL/UESB.
Fonte: http://greveuesb.blogspot.com/

domingo, 5 de fevereiro de 2012

‘Tempos Modernos’: trabalho alienado na Revolução Industrial

 
A primeira exibição de Modern Times (Tempos Modernos), filme de Charles Chaplin em que o seu famoso personagem — “The Tramp” ou “Carlitos” (no Brasil) — tenta sobreviver em meio ao mundo moderno e industrializado, ocorreu em 5 de fevereiro de 1936, no Rivoli Theater de Nova Iorque. O Sul21 reproduz abaixo um artigo do Prof. Sérgio Prieb, do Departamento de Ciências Econômicas e pesquisador do Núcleo de Estudos Econômicos (NEEC) do curso de Ciências Econômicas da UFSM.
Após o artigo, antes das Referências bibliográficas, trazemos o link do YouTube com a exibição completa do filme.
Por Sérgio A. M. Prieb
“Não sois máquinas! Homens é que sois!”
(Discurso de Charles Chaplin no final do filme “O grande ditador”)
A origem da palavra trabalho tem sido comumente atribuída ao latim tripalium, instrumento de tortura utilizado para empalar prisioneiros de guerra e escravos fugidios. Assim, em sua própria terminologia, o trabalho carrega uma carga de esforço e desprazer, o que é extremamente compreensível em sociedades onde predominavam o trabalho forçado e que atividades produtivas eram desprezadas e executadas tão somente por escravos como na Grécia e Roma antigas, cabendo aos homens livres a execução de atividades intelectuais ligadas às ciências e às artes.
Pode-se afirmar que o trabalho é o ato que o homem executa visando transformar conscientemente a natureza, ou para citar Marx (1983, p. 149), é uma ação em que o homem media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. A origem do trabalho encontra-se na necessidade de a humanidade satisfazer suas necessidades básicas, evoluindo para outros tipos de necessidades, mesmo supérfluas. Assim, trabalhar é produzir riqueza, o que é necessário em todos os modos de produção, seja no comunal primitivo, no escravista, no feudal, no capitalista, e mesmo nas experiências socialistas. O que muda é a forma de produzir, a tecnologia utilizada, e a relação entre o sujeito que produziu e o que se apropria do que foi produzido, que varia de acordo com a forma de organização da sociedade1.
Uma sociedade não vive sem o trabalho, na verdade, pode-se dizer que o homem evoluiu de sua condição animal até sua condição atual devido ao seu trabalho2. Engels (s/d, p. 270) afirma que o homem modifica sua relação com a natureza devido ao trabalho. Se na condição animal ele tinha de submeter-se às leis da natureza, através do trabalho ele busca dominar a natureza, transforma-a em proveito próprio. Passa de ser dominado a ser dominante devido ao desenvolvimento do trabalho.
O próprio desenvolvimento do seu corpo, do cérebro, da fala, e da relação entre os homens origina-se do trabalho. Desta forma, Engels afirma que o trabalho criou o homem e o homem criou o trabalho, sendo esta uma ação exclusivamente humana, pois assume uma forma consciente, não intuitiva, pois antes de produzir um objeto é necessário ao trabalhador elaborá-lo inicialmente em seu cérebro para só então partir para a execução. Já as atividades que os animais executam (a aranha e sua teia, o joão-de-barro e sua casa) são meramente intuitivas, daí trabalho ser uma atividade exclusiva da espécie humana.
Para Marx, o único bem que o trabalhador possui devido a não ser proprietário de meios de produção é a sua força de trabalho, a sua capacidade de trabalhar, sendo por isso que o trabalhador é obrigado a vender sua força de trabalho ao capital. Ao contrário de sociedades pré-capitalistas como o feudalismo e a escravidão, no capitalismo o trabalhador entrega sua capacidade de trabalhar por um tempo determinado através de um contrato de trabalho.
Além do estabelecimento de um contrato de assalariamento que regula as relações capital-trabalho, algumas diferenças podem ser encontradas no trabalho sob o modo de produção capitalista em comparação com sociedades pré-capitalistas. Como já visto, o trabalho era desprezado na Grécia e Roma antigas, fazendo com que a socialização dos indivíduos ocorresse fora do trabalho, enquanto na sociedade capitalista a socialização dos indivíduos ocorre exatamente nas relações de trabalho. Para esta mudança, a revolução industrial dos séculos XVIII e XIX teve um peso determinante3, com a formação de exércitos de trabalhadores que desprovidos de qualquer propriedade são obrigados a abandonar a vida do campo, sendo jogados nas cidades em busca de empregos assalariados junto às nascentes indústrias.
O trabalho então assumiria um novo caráter, de atividade indigna no passado, passam a ser vistos como indignos aqueles que não trabalham, taxados como vagabundos os que não se submetem a trabalhar para o capital4, mesmo que o próprio capital não tenha interesse em absorver todo o trabalho posto à sua disposição. Assim, os capitalistas sempre encontram um grupo de trabalhadores à margem do processo produtivo, mas sempre ávidos por incorporar-se a ele, a estes trabalhadores Marx denominou de “exército industrial de reserva”.
Em “Tempos modernos” (“Modern times”), filme de Charles Chaplin5 de 1936, o diretor mostra com maestria os efeitos que o desenvolvimento capitalista e seu processo de industrialização trouxeram à classe trabalhadora. Como diz o texto de introdução do filme, “’Tempos modernos’ é uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a humanidade em busca da felicidade”6.
A temática de “Tempos modernos” custou a Chaplin uma série de perseguições por parte da CIA, juntamente com a acusação de simpatias comunistas7. Além disso, havia recusado naturalizar-se norte-americano argumentando ser um “cidadão do mundo” o que agrava ainda mais sua situação. Chaplin passa a constar na “lista negra” de Hollywood durante a perseguição macarthista, o que torna sua situação de trabalho nos EUA insustentável (seus filmes eram proibidos), levando-o a abandonar definitivamente os EUA em 1952.
No filme, o vagabundo Carlitos, ironicamente, encontra-se na condição de operário. É ao auge do predomínio do padrão de acumulação taylorista-fordista, em que os trabalhadores tem suas habilidades substituídas por um trabalho rotineiro e alienado. É o predomínio da esteira rolante de Ford, do cronômetro de Taylor8, do operário-massa.
A inadequação de Carlitos com o trabalho alienado perpassa o tempo todo do filme. Na condição de operário ele tenta se adaptar, se esforça para inserir-se naquele novo mundo de produção em massa, máquinas gigantescas, exploração do trabalho, mas também de greves e de organização sindical. Esta inadequação fica presente logo no início do filme, quando um bando de ovelhas brancas é mostrado e apenas uma delas tem a cor preta, certamente esta representa o próprio Carlitos. A cena do bando de ovelhas é misturada com a cena dos operários entrando na fábrica, como se fossem animais indo para o abate, só que, na verdade, vão para a produção na fábrica.
Como operário da fábrica, Carlitos se depara com a esteira de produção fordista que aumenta o ritmo de produção a todo instante, tornando a relação homem-máquina extremamente conflituosa, até o ponto em que o próprio Carlitos é engolido pela máquina, saindo de lá em uma condição de insanidade, momento em que ele abandona a condição de quase um autômato (repetindo um gesto mecânico mesmo quando não está trabalhando, fruto da alienação do trabalho) para uma situação de confronto direto em que ele sabota a produção, insurge-se contra o patrão e é internado como louco.
A contradição capital-trabalho está presente de forma clara no filme. O patrão fica numa sala armando quebra-cabeças e lendo jornal, ao mesmo tempo em que de um monitor controla todos os movimentos dos operários e dita o ritmo de produção a ser executado9.
Em outras passagens, a inadequação de Carlitos com o trabalho alienado fica presente nas tantas tentativas de trabalhar que o personagem enfrenta. Quando arranja trabalho no caís após sair do hospício, consegue em um simples gesto lançar um navio ao mar. Quando o personagem vira vigia na loja de departamentos, além, de não conseguir impedir um assalto, consome produtos da loja, leva a amiga para o interior da loja, e dorme no serviço. Trabalhando como auxiliar de mecânico, Carlitos demonstra a todo instante sua inadequação com a simples tarefa de ajudar o mecânico chefe, fazendo com que este seja também engolido pela máquina. Quando assume o papel de garçom, também é nítida a sua incapacidade de servir uma mesa.
Na verdade, Carlitos só consegue mostrar sua identificação com atividades nada alienantes e que fogem ao domínio da máquina sobre o trabalho. Quando ele está na loja de departamentos e mostra uma grande habilidade em patinar, e quando está no restaurante trabalhando como garçom e que improvisa um número musical cômico. Neste momento percebe-se que em ao menos em uma atividade ele é bom, em um tipo de trabalho que requeira criatividade e não uma mera execução de tarefas formulada por terceiros. Só então, ele é aplaudido por todos e inclusive, parabenizado pelo patrão10.
A voz de Carlitos é ouvida pela primeira vez no cinema quando ele canta. Chaplin opunha-se ao cinema falado, achando que este não duraria muito tempo. Na verdade, seu temor era com seu próprio personagem, adequado muito mais ao gestual do que a fala. Somente depois de 10 anos de existência, é que em “Tempos modernos”, Chaplin faria sua primeira experiência com o cinema falado, ou no seu caso, “semi-falado”. Ouve-se o ruído das máquinas, o som mecânico da “máquina de comer”, do alto-falante em que o patrão dirige-se aos funcionários, mas em nenhum momento um personagem fala, que não seja através de uma máquina11.
Mesmo quando Carlitos canta ele expressa uma crítica ao cinema falado, quando esquece a letra, sua amiga12 grita a ele: “Cante! Dane-se a letra!”, e é o que ele faz, mostra que mesmo sem palavras, ou no caso, usando palavras sem sentido, mas caprichando no gestual, faz com que todos consigam compreender uma história13.
Outro aspecto que chama atenção no filme é o predomínio completo do trabalho abstrato sobre o trabalho concreto14, ou seja, ao capital não interessa a forma como está sendo produzido ou que está sendo produzido, somente importa é que está sendo criado valor. Daí não sabermos exatamente qual a mercadoria que Carlitos produz, e certamente, nem mesmo os operários da fábrica o sabem. Assim, não existe qualquer identificação do trabalhador com seu trabalho, nem com a mercadoria produzida por ele.
Mesmo com toda a crítica social que é feita, a reação do personagem Carlitos ao sistema é feita de maneira individual e não coletiva. Quando eclode a Grande Depressão de 1929, que coincide com a saída do personagem do hospício, é levado à prisão acusado de ser líder comunista por empunhar uma bandeira (pretensamente vermelha) em frente a um grupo de trabalhadores que fazia uma passeata na rua. Carlitos é visto como o cidadão comum, não politizado, mas que pelo simples gesto de buscar devolver a bandeira que tinha caído do caminhão é acusado de líder da revolta operária. Em outro momento, quando eclode uma greve na fábrica em que trabalha, também por acidente é acusado de agressão a um policial que viria reprimir a greve.
No final do filme, quando sua amiga indignada com a situação de perseguição, miséria e desemprego pergunta: “para que tudo isso?” ele responde: “levante a cabeça, nunca abandone a luta”. No entanto, a reação dos dois não é o enfrentamento contra o capital, é retirar-se da cidade, indo em direção ao campo15.
Ao som da belíssima “Smile”, de autoria de Chaplin, Carlitos dá as costas para a para produção em massa, para as gigantescas máquinas que desempregam trabalhadores, para as suntuosas lojas com suas escadas rolantes, para o trabalho alienado. Seria o último filme mudo de Chaplin e também a despedida do personagem Carlitos, que havia se tornado obsoleto em um momento em que o cinema falado tomava conta dos cinemas do mundo todo. Era o sinal dos tempos. Os tais “tempos modernos”.
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A seguir, o filme completo:
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Referências bibliográficas
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista – a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
CHAUÍ, Marilena. Introdução. In: LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec, 1999.
CLARET, Martin. Chaplin por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret, 2004.
ENGELS. Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In: MARX, Karl. e ENGELS. Friedrich. Obras escolhidas, volume 2. São Paulo: Editora Alfa-Omega, s/d.
GOMES, Morgana. A vida e os pensamentos de Charles Chaplin. Rio de Janeiro: 4D Editora, s/d.
LEPROHON, Pierre. Charles Chaplin – o seu destino e a sua obra. Lisboa: Livros do Brasil, s/d.
MARX, Karl. O capital – crítica da economia política – Vol. I, Tomo I. São Paulo: Abril Culural, 1983.
PRIEB, Sérgio. O trabalho à beira do abismo – uma crítica marxista à tese do fim da centralidade do trabalho. Ijuí: Editora Unijuí, 2005.
VÁSQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão popular/CLACSO Livros, 2007.
*Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da UFSM. Doutor em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp. Membro do Comitê Central do PCB.
1. “Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação entre homem e natureza e, portanto, da vida humana” (Marx, 1983, p. 50).
2. Sobre o papel central do trabalho na sociedade capitalista contemporânea, bem como uma crítica aos autores que acreditam ter o trabalho perdido seu sentido na sociedade moderna, ver Prieb (2005).
3. Vásquez (2007, p. 47) afirma que mesmo que tenha ocorrido a partir da revolução industrial uma valorização maior do trabalho e da técnica, não chega a despertar uma valorização do trabalhador e da significação de sua atividade produtiva.
4. “Nesse imaginário, ‘a preguiça é a mãe de todos os vícios’ e nele vêm inscrever-se hoje, o nordestino preguiçoso, a criança de rua vadia (vadiagem, aliás, o termo empregado para referir-se às prostitutas), o mendigo – ‘jovem, forte, saudável, que devia estar trabalhando em vez de vadiar’” (Chauí, 1999, p. 10).
5. Charles Spencer Chaplin nasceu em 1889 em Londres, Inglaterra, e morreu em 1977 em Vevey, na Suiça.
6. “O filme custou US$1.500.000 de dólares (somente para fazer a grande máquina que engole Chaplin e Chester Conklin foram gastos 500 mil), mas nos Estados Unidos rendeu apenas US$1.800.000. enquanto a Itália e a Alemanha proibiram sua exibição, em Londres, Paris e Moscou, ele alcançou um sucesso considerável durante o resto do ano” (Gomes (s/d, p. 67).,
7. Chaplin no início dos anos 30 percorre o mundo divulgando “Luzes da cidade”. Ao retornar publica vários artigos em jornais falando de suas viagens pelo mundo, salientando as contradições que estava encontrando na sociedade moderna, sendo estes artigos a inspiração para “Tempos modernos”. Juntamente com suas idéias sociais, Chaplin defendia que os EUA deveriam parar com a propaganda anti-comunista contra a União Soviética. Mesmo assim, Chaplin nunca declarou-se comunista, sendo que em um telegrama endereçado a Parnell Thomas, da Comissão de Atividades Antiamericanas escreveu: “Dizem que você quer perguntar se sou comunista. Deveria ter-me feito essa pergunta durante os dez dias em que permaneceu em Hollywood. Sobre o que quer saber, não sou comunista. Sou somente um fator da paz” (Claret, 2004, p. 126).
8. Taylor introduz o cronômetro das atividades produtivas na fábrica, cronometrando todas as fases do processo de produção, buscando que os trabalhadores tornassem seu trabalho mais produtivo. Braverman (1987, p. 97) mostra que em uma experiência de Taylor, ele conseguiu fazer com que um operário aumentasse em 276% a produção, com um simples incremento de 60,86% no salário. O exemplo deveria ser disseminado para os demais operários, mostrando, assim, que era possível aumentar as produtividade se os trabalhadores se empenhassem mais. Existem no filme várias referências à medição do tempo. A primeira imagem do filme é exatamente do relógio da fábrica, que marca a hora da entrada, do almoço, da troca de turno e da saída do trabalho. A todo instante, Carlitos bate o ponto no relógio-ponto da fábrica, mesmo quando está fugindo da polícia. Outras tantas referências irão aparecer no decorrer do filme, Carlitos perde a hora na loja de departamentos, quando dorme demais. Por acidente prensa o relógio de seu chefe imediato na fábrica, além disso, a “máquina de comer” promete que vai “eliminar a pausa para o almoço, aumentar a produção e ultrapassar a concorrência”. A própria realização do filme parecia insurgir-se contra o tempo moderno, sendo rodado de outubro de 1934 a agosto de 1935, um tempo bastante longo para os filme da época.
9. Esta dissociação entre o trabalho do operário que simplesmente cumpre ordens e não tem qualquer inserção sobre a forma como produz, fica claro em Braverman (1987, p. 53): “Assim, nos seres humanos, diferentemente dos animais, não é inviolável a unidade entre a força motivadora do trabalho e o trabalho em si mesmo. A unidade de concepção e execução pode ser dissolvida. A concepção pode ainda continuar e governar a execução, mas a idéia concebida por uma pessoa pode ser executada por outra.”
10. Esta inaptidão para outros tipos de trabalho que não o artístico foi presente na vida do próprio Chaplin, que tendo trabalhado como entregador de mercearia, recepcionista de consultório médico, garoto de recados entregador de papelaria, tipógrafo, vendedor e assoprador de vidros, só conseguiu sucesso profissional após tornar-se artista (Gomes, s/d, 11-13).
11. Em “O capital” Marx afirma que as formas de valor das mercadorias teriam uma “fala própria”: “Vê-se, tudo que nos disse antes a análise do valor das mercadorias, diz-nos o linho logo que entra em relação com outra mercadoria, o casaco. Só que ele revela seu pensamento em sua linguagem exclusiva, a linguagem das mercadorias. [...] Diga-se de passagem que a linguagem das mercadorias, além do hebraico, possui também muitos outros idiomas mais ou menos corretos” (Marx, 1983, p. 57). Marx quer dizer que o capital passa a assumir propriedades que não são suas, mas sim dos homens, ou seja, o capital domina o trabalho, o que é derivado do trabalho passa a ser considerado mérito do capital.
12. A órfã, amiga de Carlitos no filme, é a atriz Paulette Goddard (1910-1990). Chaplin era 21 anos mais velho que Paulette e ficaria casado com ela de 1932 a 1940.
13. “Ainda desta vez utiliza um subterfúgio para demonstrar a inutilidade da palavra na sua arte. Mima esta canção e canta-a numa língua imaginária de palavras feitas de sons diversos e onomatopaicos, de tal modo que esta língua, graças unicamente à interpretação do ator (já que o texto é inintelígevel, diverte, interessa e significa” (Leprohon, s/d, p. 205).
14. Os conceitos de trabalho concreto e trabalho abstrato foram introduzidos por Marx no livro 1 de “O capital” (Marx, 1983). O trabalho concreto produz valores de uso, enquanto o trabalho abstrato produz simplesmente valor.
15. Chaplin havia gravado outro final para o filme, em que a órfã teria virado freira e Carlitos como em filmes anteriores, terminaria sozinho. Preferiu o final mais otimista, em que os dois personagens ficam juntos.

Ciência Viva - Projetos e materiais

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Projectos e materiais

Em curso 2011 - 2012
  Ecossistemas Marinhos

Propostas de atividades para estimular o gosto pela Ciência, em especial a observação e experimentação a pretexto do estudo de ecossistemas marinhos. Apoio da Rede de Centros Ciência Viva e comunidade científica.

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Um Bosque Perto de Si!

Atividades e materiais de apoio ao estudo dos ecossistemas florestais enquanto espaços de biodiversidade. Apoio da comunidade científica, Rede de Centros Ciência Viva e associações locais.

Inscrições abertas

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Atividades desde o Ensino Pré-escolar ao Secundário propostas por investigadores e testadas em sala de aula.
Com estas atividades pretende-se promover o ensino experimental das ciências do mar e a sua integração nas disciplinas curriculares.

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Projeto Meteo

Recolha e interpretação de dados meteorológicos. Análise e previsão empírica de estados do tempo. Actividades para alunos do 3º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário.

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Rocha Amiga

Atividades com vista a sensibilizar os alunos para o papel das Geociências no quotidiano, contribuir para uma melhor percepção da Geodiversidade e criar uma rede de partilha de experiências e materiais didácticos no âmbito das Geociências.

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Sun4All

Atividades para o Ensino Básico e Secundário com base em imagens do Sol registadas ao longo de mais de 80 anos de observações. Realização de trabalhos de introdução ao método científico e à investigação, tendo como pano de fundo o Sol e a sua atmosfera.

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Fibonacci

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Oceanos Biodiversidade e Saúde Humana

Desafios Experimentais para escolas do 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e Ensino Secundário relacionando os Ecossitemas Marinhos com a Saúde Humana.

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Charcos com Vida

Projecto dirigido às escolas do ensino básico e secundário, para a adopção e/ou construção de um charco e investigação da sua biodiversidade.

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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Pinheirinho: para além da desocupação (Íntegra)

Vista aerea do PinheirinhoPor Inácio Dias de Andrade
 O relato de um pesquisador que conviveu com a comunidade por 3 anos revela o outro lado do drama das pessoas despejadas pela PM, auto-organização em meio à carência.

Durante três anos, entre 2007 e 2010, o antropólogo Inácio Dias de Andrade manteve convivência diária com os 7 mil habitantes da comunidade de Pinheirinho, no estado de São Paulo. A pesquisa foi tema de seu mestrado na Universidade de São Paulo. O que segue são seus relatos sobre o que ele conheceu da auto-organização dessa comunidade que conquistou com as próprias mãos o direito à moradia, e alguns fragmentos dos escombros que a ação policial deixou para as quase 2 mil famílias despejadas da área no dia 22 de janeiro.
São José dos Campos, São Paulo, Brasil. Existem dois tipos de argumento que são largamente utilizados para justificar a ação ilegítima do Governo do Estado de São Paulo no último domingo em São José dos Campos, São Paulo, dia em que foram desalojadas cerca de seis mil pessoas de suas casas.
O primeiro discurso tem um cunho moral, construído por meio de estereótipos, e, através de rótulos de “vagabundos” ou “bandidos”, insistem em impedir o acesso dessa população a um de seus direitos básicos, o de moradia.
O segundo tipo de argumentação recorre a um expediente legalista e judiciário para se sustentar. Segundo esse pensamento, aquelas pessoas não tinham o documento de posse da terra, portanto mereceram o tratamento recebido. Esse pensamento almeja um patamar mais legítimo e racional. Foi cumprida apenas uma determinação da justiça. Ponto.
Também, recorrentemente, essas argumentações podem se conjugar. “Eram ladrões que pegaram uma terra alheia. A Justiça fez apenas o seu papel”.
De qualquer modo, nenhum desses pensamentos se justifica dentro do universo de um Estado de Direito, ao qual o Brasil diz pertencer.
A primeira linha de pensamento poderia ser desmontada com uma visita ao acampamento. Digo poderia, porque ele não existe mais. A ideia corrente de que um bairro popular é sinônimo de caos e crime é antiga e continua estampada nas nossas mídias atuais e em pequenas conversas cotidianas. Coberturas jornalísticas hollywoodianas que colocam zonas pobres como “terras-sem-lei” ou abandonadas pelo o Estado epela sociedade difundem essa impressão, que também encontra bases retóricas estereotipadas em alguma conversa na padaria ou no jantar com a família.
Convivi três anos com os moradores do local e posso afirmar que, ao contrário do que se imagina, não havia ausência de regras ou desordem de qualquer tipo. Muitos dos chamados “ladrões” ou “vagabundos” cumpriam uma dupla jornada de trabalho. Após trabalharem em seus empregos, que lhe garantiam seu sustento e de sua família, organizavam reuniões, assembleias, mutirões e votações para manter a ordem e paz no lugar, organizar o terreno e tomar decisões. O terreno foi dividido, desde o inicio, em setores que podiam comportar um número determinado de casas, evitando a superpopulação do local. Às terças-feiras, cada setor se reunia, após o horário de trabalho dos moradores – geralmente às seis da tarde. Nos sábados, no mesmo horário, os moradores formavam uma Assembleia Geral, que contava com os encaminhamentos feitos anteriormente em cada setor. O barracão onde ocorria as Assembleias foi um dos primeiros a serem derrubados. Nesses espaços de gestão democrática eram decididas as regras gerais de convivência (maus tratos a mulheres e crianças poderiam resultar na expulsão do agressor ou uma desavença entre vizinhos era sempre trazida para a ponderação dos demais). Delimitava-se também, as zonas que seriam destinadas à preservação ambiental, ao plantio de alimentos ou locais de risco em que não se poderia construir casas. Além disso, nesses locais, eram resolvidas questões relativas à segurança da população do local e do entorno. Roubo, tráfico de drogas ou quaisquer outras atividades ilícitas eram rigidamente controladas pelas lideranças e moradores, pois todos estavam cientes que qualquer crime ocorrido no local seria motivo para a criminalização de todo movimento. Durante todos os anos de existência do acampamento não foi registrada uma morte sequer no local. Ao invés de vagabundos, o movimento se constituía num microcosmo de atuação democrática.
O segundo tipo de argumento ao que me referia acima, utilizado amplamente pelo Estado, de que estaria apenas cumprindo uma ordem judicial também pode ser facilmente alvo de criticas. Realmente, a juíza Márcia Faria Loureira da 6ª Vara Cível de São José dos Campos emitiu uma liminar permitindo a reintegração de posse em julho do ano passado. No dia 18 de janeiro de 2012 às 4h20, mais de 1.500 policiais se dirigiam ao Pinheirinho para cumprir a ordem de reintegração, quando a Justiça Federal expediu uma nova liminar suspendendo a operação. Em resumo, quando a desocupação foi posta em prática existiam duas liminares contraditórias. Por lei, quando há um conflito de competências entre esferas estaduais e federais, cabe a um tribunal superior a análise e decisão sobre a legitimidade de cada decisão. Esta decisão ocorreu na noite do dia 23, ou seja, quase 35 horas depois do início da retirada das famílias. Sob a ótica da Justiça brasileira, a reintegração de posse ocorria de modo ilegal.
No entanto, a ilegitimidade da reintegração e a ilegalidade das ações do governo paulista não estão apenas dentro da esfera nacional. Vejamos como os moradores foram abordados e como foram retirados.
Narrativas da ação
Estive na Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro no dia 23 de Janeiro nas cercanias do acampamento, um dia depois do inicio da operação policial. Uma multidão estava em volta do terreno da Igreja e mais outros sem número de pessoa encontravam dentro dela. Estavam deitadas no chão, calçadas, bancos, colchões retirados de última hora ou emprestados. Estavam sem água ou comida provisionada. E relatavam histórias atemorizantes sobre o dia anterior. As notícias que chegavam davam conta de três a cinco mortes, incluindo a de uma criança pequena. Embora essas mortes não tenham sido confirmadas depois, o clima de confusão era grande, muitos ainda não tinham encontrados seus parentes e a prefeitura não fez o cadastro de todos, deixou essa atividade para o momento mais tenso da operação, montando uma tenda de atendimento onde mais tarde estaria instaurada uma praça de guerra. A revolta misturada com a tristeza de ver suas casas demolidas, somava-se às feridas em seus corpos e à possibilidade de terem entes queridos mortos, colocando todos num grave estado emocional. Estaria desaparecido um senhor chamado Ivo Teles, que teria sido agredido e algemado pelos policiais.
Os moradores haviam sido acordados naquela manhã com os helicópteros, tropa de choque, gás de pimenta e balas de borracha. Vídeos, fotos e testemunhos que correm na internet mostram que policiais também usavam armas letais. Uma moradora me contou que uma policial feminina chegou a sacar a arma para ela. Um morador recebeu uma bala nas costas. A ação era totalmente inesperada, pois, como dito, a última liminar da Justiça Federal ordenava que qualquer ação de despejo deveria ser adiada por 15 dias. Essa foi a última decisão tomada dentro dos trâmites legais e ninguém de dentro do acampamento esperava que decisões judiciais seriam contornadas. Segundo testemunhos que coletei, a polícia entrou de casa em casa retirando famílias que tomavam o café da manhã ou ainda dormiam. De acordo com uma moradora, dois policiais entraram em sua casa, jogaram-na para fora enquanto atiravam os pratos de comida de seus filhos na parede, sob os gritos: “Agora aqui é não é lugar de comer mais” ou “Estamos cumprindo ordens” – ordem ilegal, diga-se de passagem, já que a última decisão da Justiça era favorável aos moradores. Assustada, a ocupante me contou que morou durante quatro anos na Rocinha, favela do Rio de Janeiro, a maior da América Latina, “mas que nunca havia visto coisa parecida”. A polícia do Rio de Janeiro ficou famosa pela sua truculência e desrespeito aos direitos humanos nas últimas investidas na “guerra ao tráfico”. Alguns veículos de mídia justificaram a ação da polícia de São Paulo como uma “guerra à cracolândia”. Em três anos de visitas intensas ao local nunca presenciei a produção, uso ou venda da droga. Outro morador me relatou que depois de retirado de sua casa, viu sua mulher tomar uma bala de borracha na cabeça enquanto segurava seu filho no colo.  
No centro de triagem da prefeitura, uma das moradoras que se arriscou a ser cadastrada foi recebida com tiros de bala de borracha no corpo e no dedo do pé. Existem vídeos na internet também mostrando conflitos do abrigo da prefeitura. Muitos moradores se recusam a receber o atendimento da prefeitura por medo. “Eu vou aceitar ajuda de quem acaba de me expulsar de casa?”, dizia um morador. As pessoas com quem conversei temiam ser separadas de suas famílias depois de cadastradas. Pessoas contavam que após a triagem maridos eram separados das esposas e os dois dos filhos. Não pude comprovar isso, mas a apenas a existência do rumor e a credibilidade que ele ganha, demonstra como foi tensa a tentativa de construção de um diálogo entre moradores e o poder público. A tenda erguida para comportar todos os moradores é insuficiente. Se não fosse a recusa de grande parte da população em ir para esse centro, justamente devido a essa desconfiança, ele estaria superlotado e em piores situações.
Também houve denuncia de maus tratos na região da Igreja. Moradores contam que a PM jogou bomba de gás por cima do terreno para forçar os acampados a saírem, assim que estão na rua são abordados pelos oficiais e muitos deles acabam presos. Essa tática de confusão e reversão do papel de agressor/agredido também foi usada no momento da desocupação e provou-se de grande valia para os PM. As autoridades insistem em dizer que a reintegração foi pacífica. Uma mulher, vizinha da Igreja, teria sido espancada por tentar conter o abuso das autoridades. Depois de noites tensas naquele local, os indivíduos não resistiram e seguiram para um centro poliesportivo disponibilizado pela prefeitura. Foram quatro horas de caminhada até o local designado, muitos passaram mal ou desmaiaram sob o sol forte. Segundo notícias na imprensa, no ginásio do bairro Morumbi falta colchões, mantimentos, produtos de limpeza e o ambiente não é higienizado. A prefeitura não o limpa e nem permite que os moradores o façam, já que não fornece material de limpeza. Muitos não conseguem entrar no banheiro devido ao mau cheiro. Nas tendas, as pessoas passam mal com o calor.
Os moradores também estavam sendo impedidos de voltar as suas casas para recolher os seus pertences. Diversas imagens veiculadas na Tv e nas redes sociais mostram escombros com moveis de moradores no meio. Outras acompanham a demolição de casas, sem a retirada das propriedades que estão ali dentro. A massa falida da empresa Selecta S.A. contratou tratores privados para derrubar as casas mais rapidamente, acabando com as posses acumuladas durante vidas inteiras. Muitos deles ainda estavam com medo de saques ou da destruição de seus bens, outros já haviam perdido tudo. Um morador gastou os 350 reais de seu salário como pedreiro em mantimentos para sua família (seis pessoas, ao todo). Com a desocupação no domingo toda a comida estava “confiscada” pela polícia. Todo o consumo de sua família foi reduzido a cinquenta reais que conseguiu economizar. Muitos estão sem documentos e disseram que estavam sendo abordados constantemente pela PM em blitzs montadas no entorno do local, sendo levados em seguida para a delegacia. A contagem oficial de presos é agora de 22. Grande parte das pessoas com quem falei não consegue nem sair para trabalhar, estão sem documentos, sem carteira de trabalho e sem dinheiro. Campanhas de arrecadação veem sendo feitas em todo Brasil.
As denúncias não param por ai: existem acusações de sequestro e execuções. Embora nenhuma morte tenha sido confirmada, a população teme no que novos confrontos possam resultar.
Embora mortes e sequestros sejam ainda apenas rumores não confirmados, para um discurso dele se espalhar ele tem que deter uma credibilidade onde é veiculado para que possa seguir adiante. Se mortes e execuções pela PM não fossem fatos capazes de acontecer, eles não teriam ganhado essa credibilidade na hora da ação e não seriam ainda alvos de comentários uma semana depois. Pensar, como muitos pensam, que a prefeitura, a juíza e o governo intencionalmente entraram no local para bater e humilhar demonstra o grau de descolamento que essas instituições ganharam desse povo e o tamanho da omissão e falta de atendimento e diálogo presentes na relação entre moradores e as diferentes esferas estatais. Se uma ideia dessa pode se espalhar tão facilmente em tempos democráticos, esse é um indicativo do fato que essas instituições ainda não estão totalmente acostumadas a lidar com a concepção de democracia, depois de mais de trinta anos após o fim do regime militar.
A ilegalidade da ação
O Brasil, como ator global que se propõe, é signatário de diversos acordos internacionais que garantem o tratamento humanitário e igualitário de todos os cidadãos sob seus cuidados. O Brasil detém em relação às pessoas que estão sob seus cuidados uma série de responsabilidades perante a comunidade internacional.
Esses acordos preveem punições para os membros que perpetuarem violações a dignidade humana, o que inclui ameaça aos direitos civis ou políticos de seus nacionais, como o direito à vida, à igualdade perante a lei e a liberdade de expressão, direitos econômicos, sociais e culturais, tais como o direito ao trabalho, segurança social (moradia entre eles) e educação, ou direitos coletivos, como os direitos dedesenvolvimento (como uma politíca mínima de habitação) e auto-determinação. Estes direitos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes.
Se podemos pensar que sob os olhos da Justiça do Brasil essas pessoas tinham que sair daquela área, aos olhos da comunidade internacional o Brasil, a o Estado e a polícia de São Paulo e os juízes e executores envolvidos podem ser denunciados em órgãos internacionais sob a acusação de desrespeitar uma série de direito relativos à dignidade humana, aos principios democráticos e a condição cidadã dessas pessoas.
A notoriedade da ação se dá pelo total desrespeito a cidadania dessas pessoas dentro de um país que durante trinta anos elege democraticamente seus representantes que deveriam respeitar e vigiar pelo bem-estar da população sob sua guarda. A ação do dia 22 de janeiro mostrou mais do uma negativa do Estado em oferecer direitos básicos a uma parcela carente de sua população, a truculência da reintegração é a própria expurgação desses direitos pelo o Estado Brasileiro. A ação, antes de ser uma reintegração de posse, foi a total obliteração de direitos básicos desses cidadãos e, mais do que isso, é uma afirmação por parte do Estado brasileiro que certas pessoas encontram-se fora da esfera da cidadania.
A prefeitura ao se negar negociar com essas famílias – já que disse publicamente que só compareceria ao encontro programado entre todos envolvidos se obrigada pela Justiça – se absteve de suas funções legais de fornecer seguridade mínima para essa população e confirma, de modo subliminar, que a população carente do local nunca foi considerada habilitada para participar da cena política. Essa quebra do Estado de Direito perpetuado de modo unilateral, abre precedentes para uma segregação entre dois tipos de cidadãos. Aqueles representados e os outros sem vozes.
O mais trágico de tudo é que estamos da cena política, os membros que ajudaram a implementar o ideal participativo no país.
O cume da redemocratização no país, simbolizada na constituição de 1988, estendeu direitos sociais e políticos a uma imensa massa no país e, mais do que isso, colocou no imaginário popular a ideia de um “cidadão de direitos”. Isso se deu, em boa parte, porque movimentos sociais dos quais o Pinheirinho descende fez um enorme esforço na década de 80 para contruir no imáginário de grande parte dos brasieiros a noção de “sujeito de direitos” –categoria utilizada inclusive pela imensa maioria que critica os sem-teto através de expedientes jurídicos. A noção de que o Estado, em todos os seus níveis, é responsável pelo bem estar de todos os seus cidadãos é originário de um enorme esforço dos novos movimentos sociais do período da redemocratização Se hoje encontramos formas de mobilização e reivindicação de nossos direitos em diversas arenas, novas ou velhas, isso se dá porque tais movimentos sociais conseguiram construir um espaço legítimo de expressão democrática desses direitos, nos tribunais e nas ruas. Desse modo, somos todos, de alguma forma, devedores deste tipo de movimento quando, por qualquer motivo, reclamamos nossa condição de cidadão frente ao Estado.
Assim sendo, a indisposição da prefeitura para o diálogo e a imensa força de repressão chamada demonstram o total desconhecimento por parte do poder público do jogo democrático e reforçar a tese de descaso, omissão e repressão de direitos.
Segundo leis estatuídas, a população deveria ser avisada com antecedência necessária de qualquer reintegração de posse, deveria ter tempo hábil para retirar suas coisas, deveria ter o direito a ser encaminhada em condições humanitárias a abrigos apropriados. Não poderia jamais ser submetida a tratamentos cruéis ou degradantes, como vista na abordagem da PM. Ninguem pode ser privado de sua identidade jurídica, ser impedido de se identificar ou ser preso arbitrariamente devido a esse fato.Durante a desocupação deveriam estar presentes os Conselhos Tutelares, Centros de Referência de Assistência Social, o Conselho de Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, além de serviços de saúde e educação. Nao houve qualquer aparato montado pela Prefeitura. As assistentes sociais presentes no local também não sabem como a bolsa-aluguel da prefeitura vai funcionar. Só na quarta-feira dia 1/02 essas pessoas saberão que documentos precisarão para conseguir o auxilio. Muitos não sabem se conseguirão, já que grande parte dos moradores perderam seus documentos. Uma mulher tem apenas a carteirinha de vacinação da filha. A prefeitura, notadamente, não se preocupou com o destino dessas pessoas no pós-desalojo. O Condepe /SP (Conselho Estadualde Defesa dos Direitos Da Pesssoa Humana) está no local averiguando o uso de força abusiva, a existência de abusos e as denenúcias de desaparecidos e mortos.
Leis internacionais da Organização dos Estados Americanos (OEA) e Organização das Nações Unidas preveem dispositivos para que pessoas privadas de seus direitos políticos possam recorrer a essas esferas. Se a prefeitura de São José tem sido omissa, é direito dessas populações procurarem um órgão representativo na comunidade internacional. A relatora para habitação no Brasil nas Nações Unidas já se pronunciou contra a atuação da PM.
Na realidade, o conflito pode até mesmo ser denunciado como uma crise humanitária, semelhante ao de países em conflitos armados. Os moradores do Pinheirinho são refugiados em trânsito dentro do país. Não há razões para não configurar o que aconteceu em São José dos Campos como uma crise humanitária. O Brasil é signatário do Direito Humanitário Internacional ou o Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). O que aconteceu no domingo foi o caso de um deslocamento de população interna, comparável com as grandes retiradas de populações no Oriente Médio, área de intenso conflito étnico. As pessoas afetadas por essa atuação estatal são classificadas como deslocados internos que fogem de seu local de origem por razões semelhantes às dos refugiados de conflito armado, violência generalizada, violações de direitos humanos, legalmente os deslocados internos  permanecem sob a proteção de seu próprio governo, embora o mesmo governo seja a causa da sua fuga. São cidadãos e mantêm todos os seus direitos e são protegidos pelo direito dos direitos humanos e o direito internacional humanitário definidos com base na Convenção de Genebra e Convenção de Haia. Segundo a ACNUR, os feridos ou doentes devem ser acolhidos e tratados pela parte do conflito que os tiver sob seu poder. Fato não ocorrido no Pinheirinho, haja vista as condições insalubres a que estão expostos.
É triste constatar que os moradores do Pinheirinho, por serem cidadãos de segunda classe, são obrigados a usar de outros membros da sociedade civil para serem ouvidos e cabe a sociedade civil cobrar das instituições o retorno ao Estado de Direito.
A disputa pelo conceito de Justiça
São José dos Campos conta com um déficit habitacional de 27 mil famílias. A região onde o Pinheirinho se encontra foi contemplada com construção de 524 casas até 2011 em quase dez anos de políticas habitacionais da prefeitura. Segundo o PNUD, órgão das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em 2000, São José contava com uma população de seis mil pessoas vivendo em condições subnormais de habitação. Em 2011, num domingo, em apenas um dia, em apenas uma área da cidade, cerca de seis mil pessoas perderam suas casas no Pinheirinho.
Durante toda minha pesquisa, nenhum dos interlocutores com os quais falei hesitou em responder onde e quando começou o Pinheirinho e todos são capazes, por memórias próprias ou de outros, de vincular o início do movimento à “ocupação das casinhas do CDHU”, no Campo dos Alemães, em 2003. No discurso dos moradores, das lideranças e dos indivíduos ligados ao sistema jurídico e partidário que suporta o movimento, as “casinhas” aparecem sempre com uma referência para o começo do processo de “luta”. A ocupação das casas sempre foi justificada pela má qualidade em que se encontravam e pela demora na conclusão e entrega para a população carente, situação agravada ainda pelo fato de muitos ocupantes dizerem já estar na fila para conseguir uma casa na prefeitura há mais de oito ou dez anos. Para alguns moradores, as “casinhas” aparecem relacionadas à época de Natal e Ano Novo e aos vínculos familiares e emotivos que representam; outros, como os advogados da causa as mencionam como o começo de um grande e complexo processo que se arrasta até hoje, no qual cabe “uma série de recursos” e onde “a memória pode até falhar”; outras pessoas ainda as veem como o início de um processo de resistência contra âmbitos municipais, estaduais ou federais de poder, injustos e parciais, ou contra uma fatia abastada e privilegiada da população brasileira ou da mundial.
Muitas críticas são feitas à resistência dos moradores em sair ou na justeza de sua reivindicação, já que é a terra não seria deles. Primeiro precisa-se problematizar a noção de justiça para essas pessoas A posse do terreno é associada à figura de Naji Nahas e da Selecta, também ligados as figuras de Celso Pitta e Daniel Dantas, devido ao desvio de verbas públicas amplamente divulgado na mídia, amplamente notório na Operação Satiagraha da Polícia Federal em 2008. É bom lembrar que Naji Nahas só foi absolvido recentemente da acusação de quebra do sistema financeiro em 1989 e a compra de juízes é uma das acusações feitas pela PF na operação Satiagraha.
Em assembleias dos moradores, foi lembrada mais de uma vez a ocasião do casamento da filha de Naji Nahas que haveria custado mais de um milhão de reais e contado com um fretamento de um avião para os convidados. Sua figura, em reuniões, sempre aparece como uma pessoa de altas posses que estaria prejudicando os menos favorecidos. A figura da Justiça aqui aparece sempre do lado dessas pessoas de posses, vista como grande homens de negócios vestidos em seus ternos, e sendo que a noção de justiça sempre é algo quase inalcançável para essas populações. Esta visão de mundo popular é constatada por cientistas sociais há quase quatro décadas. E em relação a esse ponto, pode-se dizer que em pouco avançamos. Por isso que, de acordo com os sem-teto, é sempre “necessário lutar”. É triste perceber que a ação de domingo só reforçou essa percepção nesses moradores.
É ainda pior constatar que além de muitas vezes estas pessoas são colocadas de fora do jogo político legal, quando elas são vistas forçadas a reagir são vistas como “fora-da-lei”.
Por que, apesar dessa visão, Os moradores do Pinheirinho não se constituem numa massa de bandidos que se julgam acima da lei, mas por conhecê-la bem exigem o seu cumprimento. A decisão da juíza Márcia Faria Loureira, exibe uma interpretação da lei possível, mas não mostra o conteúdo inteiro de uma constituição que movimentos como do Pinheirinho ajudaram a formar. A exigência dos moradores da transformação de um terreno sem função social – cujo dono é réu em uma investigação da Policia Federal – numa Zeis (Zona Especial de Interesse Social), regulamentada por uma série de leis que a juíza escolheu ignorar, é uma reivindicação mais que razoável, mas justa e necessária, já que, como a imprensa já noticiou, São José sofre a anos de um déficit habitacional, que a prefeitura insiste em contornar com politica paliativas.
Dito isso, faz-se necessário dizer que os moradores do local não procuram viver na ilegalidade, estão dispostos com essa mudança a pagar IPTU, água, luz e todas as demais taxas municipais. Ao contrário do que se pensa, eles não querem viver privilegiadamente, eles querem ser inseridos numa ordem urbana que sempre lhes foi desfavorável.
Partidarização do Conflito
Em muitas mídias, a tentativa era de associar aos diversos lados em conflito, siglas partidárias, ainda mais num ano eleitoral.
As acusações são de truculência do governo paulista, omissão ou intromissão do governo federal (dependendo do viés da matéria) ou radicalização por parte do PSTU.
O simplismo em que esse debate cai, infelizmente, também ajuda a ignorar a realidade dessas pessoas e excluí-las do jogo político democrático.
Obviamente sempre houve mediações partidárias dentro e fora do acampamento, pelas mais diferentes siglas. No entanto, não podemos pensar que essas pessoas eram militantes do PSTU ou controladas por membros da esquerda nacional. À título de exemplo, podemos nos remeter as eleições municipais de 2008. Nessas eleições, Marrom, líder do movimento e membro do PSTU, saiu candidato a vereador. Estimativas da população do local variam entre 6 mil a 9 mil e, em como todo o bairro, sofre flutuações. Naquela época as estimativas rodavam a casa dos oito mil habitantes, naquele ano Marrom recebeu 1.792 votos ou 0,54% do total. Considerando que o PSTU também tem atuação politica em outros setores e contando com uma população de 8 mil pessoa do Pinheirinho, dá para se perceber que grande parte dos habitantes não era necessariamente vinculada ideologicamente ao partido.
A ajuda essencial que o partido proporcionava era a de dar vazão ao sentimento de “revolta” dessas pessoas quando são obrigadas a se deparar com a parte da sociedade que detém dinheiro e o poder. O partido fornece meios a essas pessoas para lidar com essas percepção de injustiça na sociedade brasileira. No entanto, os meios são essencialmente institucionais. O partido fornece acompanhamento jurídico para essas pessoas, cadastramento, oportunidades de cursos técnicos, acesso à programas governamentais de ajuda. O partido é um facilitador que recorre a identidade cidadã dessas pessoas para buscar os seus direitos dentro da esfera pública. Além do mais, nem todas as liderança do local eram vinculadas ao PSTU ou outro partido. A coordenação da área contava com reuniões semanais entre as lideranças, entre as lideranças e os moradores do setor, com assembleias gerais e procedimentos burocráticos que escapavam do comando do partido.
A coordenação do Pinheirinho esteve em Brasília no dia 7 de janeiro de 2005 para tentar um posicionamento do governo federal frente à sua causa, já que enfrentavam a decisão da Justiça, que ordenava a reintegração de posse da área. A comitiva foi formada por Marrom, pelo advogado e presidente do PSTU de São José dos Campos, Antônio Donizete Ferreira, o “Toninho” e pelo ex-deputado federal e assessor político do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Ernesto Gradella Neto. Houve reuniões na Secretaria Geral da Presidência da República e no Ministério das Cidades e a comitiva ainda agendou encontros na Casa Civil, no Ministério da Justiça e na Secretaria de Direitos Humanos, o que resultou no acompanhamento do caso pela CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), órgão ligado à Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal. Em 2005, um ônibus levou-os moradores até Porto Alegre para a edição do Fórum Social Mundial daquele ano. A intenção era, segundo noticiou um jornal local, segundo Marrom, buscar “(…) apoio político e orientação jurídica, já que estarão presentes representantes de ONG’s internacionais” (Vale Paraibano, 20/1/2005). Obviamente, que havia apoio político do PSTU e de seus membros, mas esse apoio era feito com a mobilização das arenas políticas legítimas e se houve resistência na reintegração, ela só pode ser justificada por um sentimento comum a maioria das classes populares do país: as de que estão sendo “injustiçadas”, fato que lhes ocasiona o sentimento de “revolta”. Além do mais, recorrer a explicações simplistas de que essas pessoas eram manipuladas pelo PSTU é ignorar a consciência política delas e suas experiências passadas com movimentos sociais e esconder décadas de mau planejamento habitacional dentro de uma questão partidária.
Logicamente isso demandava esforços pessoais e financeiros. O que alguns jornalistas chamam de “imposto” Pinheirinho tratava-se de uma contribuição de dez reais para o Movimento pagar todos esses trâmites. Era semelhante a uma taxa de qualquer condomínio, com uma diferença: era opcional. Houve acusações de vendas de casas por algumas lideranças, eu presenciei o debate entorno a esse fato, que acabou com a expulsão, por unanimidade, da mesma do local. “Passar casa”, como se dizia, era intolerável, já que muitas pessoas estavam de fora do Pinheirinho também esperando por um terreno lá dentro.
Toda a movimentação institucional que ocorreu, por iniciativa dos moradores e com apoiada pelo PSTU, foi o que levou o governo federal declarar interesse na área. Os moradores conseguiram um novo canal de dialogo, mas que seria interrompido bruscamente. A entrada do Governo Federal no assunto ocasionou a batalha jurídica e a guerra de liminares e um canal aberto para resolver um problema social, ganhou contornos políticos dramático naquela manhã de domingo.
Soltou-se também na mídia que o PSTU teria barrado negociações com a Terra Nova, empresa que queria urbanizar a área. As negociações não avançaram pois cada unidade habitacional financiada pela empresa custava cerca de 80 mil reais, sendo que as construções de casas pelo meio de mutirão no local não passava de 15 mil reais. As promessas feitas pela empresa não eram compatíveis com a realidade dos moradores. Essa ideia foi corroborada quando foi noticiado o caso do Jardim Pantanal, em São Paulo, que foi construído pela empresa com ajuda da prefeitura da cidade numa várzea de rio e passou mais de um mês alagado no período das chuvas.
Em relação à municipalidade, os moradores sempre reclamaram da “falta de vontade política”, já que nunca foram recebidos pelo prefeito e as poucas visitas que a base aliada da prefeitura fez ao local foram vistas como “encenação”, já que nada se resolveu.
É fácil notar de onde vem a insatisfação desses moradores e essa visão sobre como as coisas são, mesmo porque o sentimento de “revolta” que esse moradores experimentavam, e ainda experimentam, não é fruto de uma ideologia do partido, mas sim de seus contatos cotidiano com o mundo em que trabalham, em que vivem e por todas as relações sociais em que estão envoltos e que sempre lhes são desfavoráveis. O preconceito com o qual esses moradores estão acostumados a lidar fornecem eixos que declaram seu lugar no mundo, como um subcidadão, alguém se expressão politica, enfim, “era apenas mais um morador do Pinheirinho”. E hoje sem casa ou endereço.
Fonte: http://desinformemonos.org/