domingo, 30 de dezembro de 2012

“A educação colabora para a perpetuação do racismo”



Por Adriana Marcolini
Nascido no antigo Zaire, atual República Democrática do Congo, em 1942, o professor de Antropologia da Universidade de São Paulo Kabengele Munanga aposentou-se em julho deste ano, após 32 anos dedicados à vida acadêmica. Defensor do sistema de cotas para negros nas universidades, Munanga é frequentemente convidado a debater o tema e a assessorar as instituições que planejam adotar o sistema. Nesta entrevista, o acadêmico aponta os avanços e erros cometidos pelo Brasil na tentativa de se tornar um país mais igualitário e democrático do ponto de vista racial.
Retrato do professor da USP Kabengele Munanga, estudioso do racismo

CartaCapital: O senhor afirma que é difícil definir quem é negro no Brasil. Por quê?
Kabengele Munanga: Por causa do modelo racista brasileiro, muitos afrodescendentes têm dificuldade em se aceitar como negros. Muitas vezes, você encontra uma pessoa com todo o fenótipo africano, mas que se identifica como morena-escura. Os policiais sabem, no entanto, quem é negro. Os zeladores de prédios também.
CC: Quem não assume a descendência negra introjeta o racismo?
KM: Isso tem a ver com o que chamamos de alienação. Por causa da ideologia racista, da inferiorização do negro, há aqueles que alienaram sua personalidade negra e tentam buscar a salvação no branqueamento. Isso não significa que elas sejam racistas, mas que incorporaram a inferioridade e alienaram a sua natureza humana.

Sem cotas raciais, as políticas universalistas não são capazes de diminuir o abismo entre negros e brancos no País, afirma o especialista

CC: O mito da democracia racial, construído por Gilberto Freyre e vários intelectuais da sua época, ainda está impregnado na sociedade brasileira?
KM: O mito já desmoronou, mas no imaginário coletivo a ideia de que nosso problema seja social, de classe socioeconômica, e não da cor da pele, faz com que ainda subsista. Isso é o que eu chamo de “inércia do mito da democracia racial”. Ele continua a ter força, apesar de não existir mais, porque o Brasil oficial também já admitiu ser um país racista. Para o brasileiro é, porém, uma vergonha aceitar o fato de que também somos racistas.
CC: O senhor observa alguma evolução nesse cenário?
KM: Houve grande melhora. O próprio fato de o Brasil oficial se assumir como país racista, claro, com suas peculiaridades, diferente do modelo racista norte-americano e sul-africano, já é um avanço. Quando cheguei aqui há 37 anos, não era fácil encontrar quem acompanhasse esse tema. Hoje, a questão do racismo é debatida na sociedade.
CC: O sistema de cotas deve ser combinado com a renda familiar?
KM: Sempre defendi as cotas na universidade tomando como ponto de partida os estudantes provenientes da escola pública, mas com uma cota definida para os afrodescendentes e outra para os brancos, ou seja, separadas. Por que proponho que sejam separadas? Porque o abismo entre negros e brancos é muito grande. Entre os brasileiros com diploma universitário, o porcentual de negros varia entre 2% e 3%. As políticas universalistas não são capazes de diminuir esse abismo.
CC: Somente os estudantes vindos da escola pública são incluídos nas cotas?
KM: Sim, com exceção da Universidade de Brasília (UnB). Lá, as cotas não diferenciam os que vêm da escola pública e os da particular. Porém, em todas as universidades o critério é uma porcentagem para os negros, outra para os brancos e outra para os indígenas, todos provenientes da escola pública. Dessa forma, os critérios se cruzam: o étnico e o socioeconômico. Tudo depende da composição demográfica do estado. Em Roraima, por exemplo, sugeri que se destinasse um porcentual maior para a população indígena, proporcional à demografia local.
CC: Quantas universidades adotaram o sistema de cotas no Brasil?
KM: Cerca de 80. É interessante observar que há muita resistência nas regiões Norte e Nordeste. Lá eles ainda acreditam que a questão seja apenas social.
CC: O sistema deve passar por avaliação para definir a sua renovação ou suspensão?
KM: Qualquer projeto social não deve ser por tempo indeterminado. No sistema em vigor, algumas universidades estabeleceram um período experimental de 10 anos, outras de 15. Posteriormente, vão avaliar se seguem adiante.
CC: Em sua opinião, por que a Universidade de São Paulo ainda não aprovou as cotas?
KM: A USP poderia ter sido a primeira universidade a debater o sistema, porque aqui se produziram os primeiros trabalhos intelectuais do Sudeste que revelaram o mito da democracia racial. Como é uma universidade elitista, ficou presa à questão de mérito e excelência. Não é oficial, mas está no discurso dos dirigentes. A outra refere-se à questão do mérito. Eles ainda acreditam que o vestibular tradicional seja um princípio democrático. De certo modo acredito que a Universidade de São Paulo ainda esteja presa ao mito da democracia racial. Entre as universidades paulistas, apenas a Federal de São Paulo adotou as cotas. A Unesp também está de fora.
CC: O racismo é uma ideologia. De que forma podemos desconstruí-la? Qual o papel da escola?
KM: Como todas as ideologias, o racismo se mantém porque as próprias vítimas aceitam. Elas o aceitam por meio da educação. É por isso que em todas as sociedades humanas a educação é monopólio do Estado. Falo da educação em sentido amplo, ou seja, aquela que começa no lar. A socialização começa na família. É assim que, enquanto ideologia, o racismo se mantém e reproduz. A educação colabora para a perpetuação do racismo.
CC: A escola brasileira está preparada combater o racismo?
KM: As leis 10.639 e 11.645 tornam obrigatório o ensino da cultura, da história, do negro e dos povos indígenas na sociedade brasileira. É o que chamamos de educação multicultural. As leis existem, mas há dificuldades para que funcionem. Primeiro é preciso formar os educadores, porque eles receberam uma educação eurocêntrica. A África e os povos indígenas eram deixados de lado. A história do negro no Brasil não terminou com a abolição dos escravos. Não é apenas de sofrimento, mas de contribuição para a sociedade.
CC: Uma estudante angolana foi assassinada recentemente em São Paulo, mas a mídia não deu a devida atenção. Por que isto acontece?
KM: A imprensa é um microcosmo da sociedade e ignora, ou finge ignorar, o racismo. Por isso, quando ocorre um fato desta natureza, não o julga devidamente. Mas a mídia brasileira também não dedica espaço para o continente africano.
Leia também:

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/

sábado, 29 de dezembro de 2012

Assentamento Milton Santos: uma defesa de(a) Classe



Brasil - Diário Liberdade - [Paulo Gustavo Roman] O assentamento Milton Santos está localizado entre as cidades de Americana, Paulínia e Cosmópolis, foi fruto da intensa luta dos trabalhadores rurais que, depois de muitas ocupações, o INSS repassou a propriedade da "Fazenda Boa Vista" para o INCRA, para que 68 famílias fossem assentadas no local.

 No entanto, o assentamento sofreu um duro golpe com a ordem de despejo expedida pelo Juíz da 3ª Vara Federal de Piracicaba, Luiz Stefanini, que emitiu um mandato de reintegração de posse no dia 28 de novembro.
Desde então, os assentados realizaram diversas ações a fim de fazer a Presidenta Dilma Rousseff assinar o Decreto de Desapropriação por Interesse Social. Umas da ações culminou com a ocupação do Gabinete da Presendência da República em São Paulo, na qual conferiu visibilidade para a iminência do despejo. Também foram feitas marchas em São Paulo (capital) e trancamento de rodovias por todo estado de São Paulo. Mesmo assim o governo tem mantido uma posição ambígua neste processo: por um lado, pede calma aos assentados e afirma que a situação será resolvida por meio do Judiciário apesar do governo ter perdido todas as tentativas de barrar o despejo na (in)Jutiça.; por outro, o Governo parece lavar as mãos em relação ao iminente despejo, na medida em que "tentou por todas as vias" (do judiciário) resolver o problema.
O Assentamento Milton Santos virou um balcão de negócios do Governo Federal que utiliza a truculência da polícia do estado de São Paulo (governada pelo PSDB) para angariar votos na eleição seguinte, como vimos acontecer em São José dos Campos com o despejo do Pinheirinho, no qual o prefeito Eduardo Curi (PSDB) perdeu as eleições para o candidato do PT.
No entanto, além deste cenário eleitoral cabe perguntar-se o (real) motivo pelo qual a Dilma está tentando de todos os modos contornar a situação e não assinar o decreto de desapropriação por interesse social. Para isso vejamos alguns dados sobre a Reforma Agrária no Brasil nos últimos 17 anos.
Segundo um informe do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), de 1995 à 2002, foram assentadas 423.813 famílias, isso corresponde a mais de 60 mil famílias assentadas por ano. Faz-se necessário lembrar que este período diz respeito aos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no qual aprofundou-se a política "neoliberal" no país ao vender as principais estatais como a Vale do Rio Doce, os diversos bancos nacionais e a venda (quase completa) da Petrobras, colocando em prática a tendência do capitalismo global emdiminuir o Estado e expandir o mercado para os bens de consumo necessário à reprodução da vida humana.
No governo Lula, segundo este mesmo informe, foram 931.009 famílias assentadas, o que representa um aumento de 73,2% em relação ao número de famílias assentadas no governo anterior, ou seja, foram cerca de 116.376 famílias assentadas por ano. Cabe dizer também que foi o governo Lula que o Assentamento Milton Santos foi criado.
Agora se olharamos para o número de famílias assentadas pelo o governo da Dilma Rousseff, pode-se notar facilmente o retrocesso que a Reforma Agrária vem sofrendo: no primeiro ano de mandato, o governo Dilma assentou cerca de 21 mil famílias, o pior número desde à época do governo FHC; como se não bastasse, no segundo ano foram 10.815 famílias assentadas, segundo os dados do INCRA que vai de Janeiro à Novembro de 2012. O número que já era consideravelmente baixo, caiu pela metade.
Além disso, segundo o Dirigente Nacional do MST, Gilmar Mauro, "enfrentamos essa ofensiva muito grande do Judiciário em relação às áreas de assentamento. É uma articulação que envolve o Estado brasileiro, o agronegócio, os governos estadual e federal, impedindo o avanço da Reforma Agrária". Pode-se notar assim que a liminar de despejo emitida pelo Juíz Federal, Luiz Stefanini, encontra amparo nas posições do Governo Federal, pois está claro que a reforma agrária foi preterida pelo governo Dilma em nome do aumento dos dividendos (lucros) produzido pelo agronegócio.
Dentro deste cenário, torna-se evidente que este não é um governo dos Trabalhadores (com isso não quero dizer que um dia tenha sido), deste modo, todas as atitudes que visam formar um pacto de conciliação de classes devem ser rechaçadas. Somente o enfrentamento direto com o governo federal poderá fazer com que a reforma agrária volte a estar na "ordem do dia". Faz-se necessário uma reflexão profunda acerca da posição que o MST vem tomado em relação ao governo federal. Em alguns casos, o movimento tem buscado "resolver" o impasse por meio dos "contatos" com os governos federal e estadual, através de conversas com atuais (e futuros) prefeitos e vereadores do Partido dos Trabalhares, com o INCRA, entre outros. Não será através do "entrismo" que consiguiremos arrancar da burocracia as reais conquistas dos trabalhadores.
Portanto, acredito que o Assentamento Milton Santos pode ser um ponto de inflexão neste cenário, na medida em que as ações mais radicalizadas do movimento estão voltando a ser utilizadas a fim de colocar o governo petista contra a parede, cristalizando assim as contradições deste governo, ao passo que obriga aos movimentos sociais em geral se colocarem numa posição de enfrentamento, tendo em vista que este governo, na leitura de muitos (da qual me incluo), não é um aliado.
A defesa do Assentamento Milton Santos é uma defesa de Classe, na medida em que pode ser vista sob o pano de fundo da luta de classes. Como também são os interesses da classe trabalhadora que está em risco caso o despejo se concretize.
Milton Santos resiste!
Acesse o site e contribua com a luta dos assentados: www.assentamentomiltonsantos.com.br
Paulo Gustavo Roman é mestrando em Filfosofia pela UFPR.
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Reflexões sobre a construção de uma educação realmente libertadora... por Paulo Freire...



[...] não é a conscientização que pode levar o povo à “fanatismos destrutivos”. Pelo contrário, a conscientização, que lhe possibilita inserir-se no processo histórico, como sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação.
“Se a tomada de consciência abre o caminho à expressão das insatisfações sociais, se deve a que estas são componentes reais de uma situação de opressão”.
O medo da liberdade, de que necessariamente não tem consciência o seu portador, o faz ver o que não existe. No fundo, o que teme a liberdade se refugia na segurança vital, como diria Hegel , preferindo- a à liberdade arriscada.
Raro, porém, o que manifesta explicitamente este receio da liberdade. Sua tendência é, antes, camufla-la, num jogo manhoso, ainda que, às vezes, inconsciente. Jogo artificioso de palavras em que aparece ou pretende aparecer como o que defende a liberdade e não como o que a teme.
As suas dúvidas e inquietações empresta um ar de profunda seriedade. Seriedade de quem fosse o zelador da liberdade. Liberdade que se confunde com a manutenção do status quo. Por isto, se a conscientização põe em discussão este status quo ameaça, então, a liberdade.
As afirmações que fazemos neste ensaio, não são, de um lado, fruto de devaneios intelectuais nem tampouco, de outro, resultam, apenas, de leituras, por mais importantes que nos tenham sido estas.
Estão sempre ancoradas, como sugerimos no inicio destas páginas, em situações concretas. Expressam reações de proletários, camponeses ou urbanos, e de homens de classe média, que vimos observando, direta ou indiretamente, em nosso trabalho educativo. Nossa intenção e continuar com estas observações para retificar ou ratificar, em estudos posteriores, pontos afirmados neste ensaio. Ensaio que, provavelmente, irá provocar em alguns de seus possíveis leitores, reações sectárias.
Entre estes, haverá, talvez, os que não ultrapassarão suas primeiras páginas. Uns, por considerarem a nossa posição, diante do problema da libertação dos homens, como uma posição idealista a mais, quando não um "blablablá” reacionário. “Blablablá” de quem se “perde” falando em vocação ontológica, em amor, em diálogo, em esperança, em humildade, em simpatia. Outros, por não quererem ou não poderem aceitar as criticas e a denuncia que fazemos da situação opressora, situação em que os opressores se “gratificam”, através de sua falsa generosidade.
Daí que seja este, com todas as deficiências de um ensaio puramente aproximativo, um trabalho para homens radicais. Cristãos ou marxistas, ainda que discordando de nossas posições, em grande parte, em parte ou em sua totalidade, estes, estamos certos, poderão chegar ao fim do texto.
Na medida, porém, em que, sectariamente, assumam posições fechadas, “irracionais”, rechaçarão o diálogo que pretendemos estabelecer através deste livro.[...]

[ ...]É que a sectarização é sempre castradora, pelo fanatismo de que se nutre. A radicalização, pelo contrário, é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta. Enquanto a sectarização é mítica, por isto alienante, a radicalização é critica, por isto libertadora. Libertadora porque, implicando no enraizamento que os homens fazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais no esforço de transformação da realidade concreta, objetiva.
A sectarização, porque mítica e irracional, transforma a realidade numa falsa realidade, que, assim, não pode ser mudada.
Parta de quem parta, a sectarização é um obstáculo à emancipação dos homens. Daí que seja doloroso observar que nem sempre o sectarismo de direita provoque o seu contrário, isto é, a radicalização do revolucionário.
Não são raros os revolucionários que se tornam reacionários pela sectarização em que se deixam cair, ao responder à sectarização direitista.
Não queremos, porém, com isto dizer que o radical se torne dócil objeto da dominação.
Precisamente porque inscrito, como radical, num processo de libertação, não pode ficar passivo diante da violência do dominador.
Por outro lado, jamais será o radical um subjetivista. É que, para ele, o aspecto subjetivo toma corpo numa unidade dialética com a dimensão objetiva da própria idéia, isto é, com os conteúdos concretos da realidade sobre a qual exerce o ato cognoscente. Subjetividade e objetividade, desta forma, se encontram naquela unidade dialética de que resulta um conhecer solidário com o atuar e este com aquele. É exatamente esta unidade dialética a que gera um atuar e um pensar certos na e sobre a realidade para
transformá - la. O sectário, por sua vez, qualquer que seja a opção de onde parta na sua “irracionalidade” que o cega, não percebe ou não pode perceber a dinâmica da realidade ou a percebe equivocadamente.
Até quando se pensa dialético, a sua é uma “dialética domesticada”.
Esta é a razão, por exemplo, por que o sectário de direita que, no nosso ensaio anterior, chamamos de “sectário de nascença” pretende frear o processo, “domesticar” o tempo e, assim, os homens. Esta é a razão também porque o homem de esquerda, ao sectarizar- se, se equivoca totalmente na sua interpretação “dialética” da realidade, da história, deixando- se cair em posições fundamentalmente fatalistas.
Distinguem- se, na medida em que o primeiro pretende “domesticar” o presente para que o futuro, na melhor das hipóteses, repita o presente “domesticado”, enquanto o segundo transforma o futuro em algo pré-estabelecido, uma espécie de fado, de sina ou  de destino irremediáveis. Enquanto, para o primeiro, o hoje ligado ao passado, é algo dado e imutável; para o segundo, o amanhã é algo pré-dado, prefixado inexoravelmente. Ambos se fazem reacionários porque, a partir de sua falsa visão da história, desenvolvem um e outro formas de ação negadoras da liberdade. É que, o fato de um conceber o presente “bem comportado” e o outra, o futuro como predeterminado, não significa que se tornem espectadores, que cruzem os braços, o primeiro, esperando a manutenção do presente, uma espécie de volta ao passado; o segundo, à, espera de que o futuro já “conhecido” se instale.
Pelo contrário, fechando- se em um “circulo de segurança”, do qual não podem sair, estabelecem ambos a sua verdade. E esta não é a dos homens na luta para construir o futuro, correndo o risco desta própria construção. Não é a dos homens lutando e aprendendo, uns com os outros, a edificar este futuro, que ainda não está dado, como se fosse destino, como se devesse ser recebido pelos homens e não criado por eles.
A sectarização, em ambos os casos, é reacionária porque, um e outro, apropriando- se do tempo de cujo saber se sentem igualmente proprietários, terminam sem o povo, uma forma de estar contra ele.
Enquanto o sectário de direita, fechando- se em "sua” verdade, não faz mais do que o que lhe é próprio, o homem de esquerda, que se sectariza e também se encerra, é a negação de si mesmo. Um, na posição que lhe é própria; o outro, na que o nega, ambos girando em torno de “sua” verdade, sentem- se abalados na sua segurança, se alguém a discute. Dai que lhes se já necessário considerar como mentira tudo o que não seja a sua verdade. "Sofrem ambos da falta de dúvida”. O radical, comprometido com a libertação dos homens, não se deixa prender em “círculos de segurança”, nos quais aprisione também a realidade. Tão mais radical, quanto mais se inscreve nesta realidade para,
conhecendo- a melhor, melhor poder transformá- la.
Não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o desvelamento do mundo. Não teme o encontro com o povo. Não teme o diálogo com ele, de que resulta o crescente saber de ambos5 . Não se sente dono do tempo, nem dono dos homens, nem libertador dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar.
Se a sectarização, como afirmamos, é o próprio do reacionário, a radicalização é o próprio do revolucionário. Dai que a pedagogia do oprimido, que implica numa tarefa radical, cujas linhas introdutórias pretendemos apresentar neste ensaio e a própria leitura deste texto não possam ser realizadas por sectários.

Fonte: PRIMEIRAS PALAVRAS - Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Autoritarismo na escola através da imposição do currículo e pela culpabilização dos professores



Professores vejam essa matéria ridícula que foi publicada no sitio do CPP.

Um idiota que escreve para o Jornal Folha de São Paulo, que se diz "expert" em educação, culpa os professores pela falência da educação pública. O sujeito, tem a "cara de pau" de defender até a demissão de professores caso não os alunos não consigam superar as metas dos governos.
É uma matéria ridícula! É inaceitável culpar os professores pela falência da Educação  pública. Na visão míope do missivista  os currículos devem “ ser  rígidos”  só assim vamos  “ver o sucesso dos alunos em matemática” se não aprendem a culpa é unicamente dos “malditos professores”. O que fazer? Na visão do idiota , os governos devem  ferrar os professores, primeiro avaliação com metas atreladas ao  salário (lembrei do bônus que nunca ganhamos) e se não melhorar os governos devem demitir os "incompetentes". 
Seria cômico se não fosse trágico...
Absurdo! Será que esse sujeito visitou uma escola pública?  Ou trabalha para os empresários da educação?  A segunda opção é mais viável! 
Não é necessário entrar na discussão da autonomia escolar na construção do currículo (garantido na LDB) , que já desconstrói essa ideia de currículo "engessado", defendido pela "tal" Claudia Costin  ( que já trabalhou na Veja e defende publicamente a privatização da educação).
Não se aprende no ensino  público porque nossas escolas estão sucateadas, as salas de aula estão superlotadas, não há materiais de trabalho, muitos colegas estão com salários precarizados (categoria “O”) e com carga horária excessiva , não há investimento tecnológico nas escolas (falta computadores, projetores) entre outras mazelas.
Nós professores não estamos "fugindo  das cobranças"  como quer "convencer" ou "enganar" o missivista. Queremos condições dignas de trabalho e  estrutura decente  para construir o conhecimento juntamente com nossos alunos. Queremos um plano de carreira que incentive o professor a planejar melhor suas aulas e não “se  matar” de trabalhar. Queremos formação continuada nas universidades públicas , queremos trabalhar com as novas tecnologias da educação mas para isso exigimos, no mínimo salas de informática com internet nas escolas. Queremos sim, organizar democraticamente a escola, e não ser apenas serviçais  de governos incompetentes, como aqui em São Paulo, que não tem preocupação com o educação de qualidade para os filhos da classe trabalhadora.  Queremos ser responsáveis, juntamente com os pais e alunos pelo direcionamento das verbas (grana) da escola e não ser telespectadores da malversação do dinheiro público. Queremos Conselhos de Escola participativos na construção do currículo, que não deve ser engessado nacionalmente. Queremos Grêmios Estudantis livres para nos auxiliar na organização escolar, como também para construir  ideais democráticos  em busca de uma sociedade menos excludente.



Fica aqui um outro questionamento: Como uma Associação  de Professores (CPP)  pode publicar essa "apologia a barbárie" em seu sitio?
Vamos a matéria - publicada em

TUTELAR NOSSOS PROFESSORES - POR RICARDO MIOTO

Você vai comer fora. Pede frango e batata frita, simples. Vêm um bife carbonizado e três solitárias e sofridas batatas murchas. 
Você reclama. Surge o cozinheiro: "O propósito da gastronomia não é o conteudismo de cardápio! Vocè é um adestrador a limitar minha autonomia, um autoritário da gastronomia de resultados. Quero é bem-estar".
Inimaginável, mas troque gastronomia por educação e cardápio por currículo e eis o teor de texto recente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação na Folha e de abaixo-assinado de pedagogos de universidades públicas.
Usando a "felicidade na escola" para fugir das cobranças, eles são fortes. O abaixo-assinado vetou a nomeação, no MEC, de uma "autoritária do conteúdo". Barram ainda um currículo nacional. Ementas mínimas obrigatórias oprimem a liberdade docente.
Mas tal autonomia falhou. Em matemática, 88% dos alunos de 15 anos não entendem gráficos (de 65 países, somos o 57o; em língua e ciências, 53o). Só servimos gororoba. São urgentes currículos rígidos (em boas escolas pagas, até ditam cada aula), avaliação, salário atrelado a metas (e bom, sim, se batidas) e mesmo jeitos de demitir.
O desprezo ao conteúdo surge cedo. Veja o curso de pedagogia da USP. Só uma matéria obrigatória de ensino da matemática, mas quatro de filosofia e sociologia da educação - e uma "A constituição da subjetividade".
Há emendas cheias de "mercantilização do ensino" e de "democracia escolar" - lei do menor esforço via autogestão. E a fundamental optativa "Indústria cultural e hip-hop: reflexão sobre cultura de massa, música de contestação e acesso ao masculino".
Nossa produtividade é baixa. Consumo e crédito não vão dar fim ao atraso histórico. Certo, a leite no poder preferiu queimar café a educar a criadagem. Intelectuais não ajudaram. Até Gilberto Freyre, que não era dos piores, defendeu, já em 1980, temos analfabetos. Achava-os espontâneos.
Mas, se enfim há universalização, agora o mal é corporativismo.
Ponto de Vista de Ricardo Mioto, articulista da Folha de S.Paulo - publicação desta quinta-feira (27/12).

Veja também nossa programa para a escola pública: 

http://educaorgpelabase.blogspot.com.br/2012/08/nossas-propostas-para-uma-educacao.html

Opção sexual existe sim!


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Desde que os movimentos LGBTs começaram a conquistar um tímido (mas importante) espaço de visibilidade nas ruas e na mídia mundial e brasileira, uma discussão que surge sempre entre ativistas, pró e contra os direitos dos homossexuais é se ser gay é uma escolha ou se é algo ‘natural’. No centro deste embate, uma discussão ideológica e filológica sobre o uso do termo ‘orientação sexual’, preferido pelos ativistas LGBT, em contraponto ao ‘opção sexual’, usado por fundamentalistas religiosos e reacionários de todas as linhas.
Este último tem um caráter obviamente pejorativo e é usado para tornar a sexualidade humana (no caso, a homossexualidade), em algo menor, uma besteira que a gente faz e que amanhã pode corrigir. Ao chamar de ‘opção’, diminui-se a complexidade da construção da sexualidade humana, inerente a todas as pessoas, cujas vivências, experiências, e influências ambientais e culturais alteram o resultado final. A ‘opção’ não é uma construção, mas uma escolha. É como abrir o freezer da padaria e escolher entre tablito e chicabon, sem muita reflexão sobre o que se está fazendo. A tal ‘opção sexual’ ignora a complexidade do processo de construção da sexualidade, que influencia quem somos hoje, e reduz ao simplismo da escolha nossos afetos, nossos amores.
Os adeptos da ‘opção sexual’ adoram sustentar seu frágil argumento com a seguinte lógica: “A ciência não provou que as pessoas nascem gays ou lésbicas. Então, ser gay e lésbica é uma escolha. Se não for assim, cadê o gene gay? Onde está o DNA do homossexual?”. Como já se percebe, os adeptos da ‘teoria da opção’, gostam de reduzir a questão a um simplismo infantil. Realmente, a ciência não tem um consenso sobre o que torna pessoas heterossexuais ou homossexuais, mas sabe-se que fatores genéticos (não ligados apenas a um único gene), ambientais, biológicos e culturais moldam a sexualidade humana ainda na primeira infância, e que este processo não pode ser alterado. Ou seja: se você tiver de ser heterossexual, nada mudará este processo. A recíproca é verdadeira para os homossexuais e bissexuais.
(E outra: a ciência não provou que existe ‘gene gay’, mas também não atestou que a sexualidade humana seja passível de escolha. Nestas horas, tem muito religioso que faz ‘uso’ da ciência, mas a ignora em questões como eutanásia e aborto. É a ‘confiança seletiva’, né?)

Então não existe ex-gay? Existe sim!
Ok, não existe processo que altere o produto final (e natural) da sexualidade humana. Mas e como existe gente por aí dizendo que é ‘ex-gay’ ou ‘ex-lésbica’, casando, tendo filhos e vivendo uma vida (pretensamente) feliz? Simples: você não molda seus desejos, mas molda sua expressão. Você não escolhe de quem gosta, mas pode emular um sentimento, ‘fingir que gosta’, por conveniência ou opressão. Se não acontecesse assim, milhões de casamentos arranjados pelo mundo a fora não teriam funcionado durante a história da humanidade. Funcionaram, geraram filhos e ‘famílias’, que por mais falta de interesse que houvesse entre o casal, cumpriram seu papel social.
Um ‘ex-homossexual’ é uma pessoa que sente atração sexual e afetiva por pessoas do mesmo sexo, mas que reprime estes sentimentos e busca relacionar-se com pessoas do sexo oposto. Esta escolha raramente acontece de forma espontânea, natural, sendo normalmente ocasionada por pressão da família, dos amigos, da igreja e dos demais grupos sociais que o sujeito está inserido. É o caso dos padres e outros religiosos celibatários, que optam por não fazer sexo (teoricamente), nem com homens nem com mulheres. Os desejos (ou tentações, como eles gostam de chamar) estão lá, mas não encontram vazão, por um motivo ou outro. Neste caso, cabe apenas um exercício de semântica. Se um homossexual deixa de fazer sexo com homens, ele vira um ex-gay. Se um heterossexual entra para uma seita que exige o celibato, ele vira ex-hetero. Certo? Se a gente colocar nestes termos, tudo certo.

O terrorismo psicológico

Em linhas gerais, eu não veria problema algum em um hetero ou gay buscar experiências com o sexo oposto ou com o mesmo sexo, desde que estas experiências façam parte de uma experimentação saudável da sexualidade humana, sem paranóias, cobranças ou obrigações.
Um heterossexual pode experimentar sexo com o mesmo sexo e curtir, passando a ser bissexual ou até mesmo gay/lésbica. O mesmo vale para homossexuais, que durante sua vida, podem descobrir novos desejos, se atrair por outras pessoas, tentar coisas novas. Mas o processo tem de ser natural e saudável, e não imposto por ninguém.
A afetividade das pessoas, em todos os tons que possam existir, não pode ser alvo de maledicências, de ataques morais e até mesmo de terrorismo psicológico/religioso, o que tem levado muitos homossexuais, com seus desejos completamente naturais, a mutilar seus afetos, sua consciência e sua identidade. Não há paraíso, céu ou qualquer outra promessa post mortem que compense negar quem você verdadeiramente é. Não há pressão psicológica em casa, na escola ou no trabalho que não encontre ombros amigos que aceitem você como você verdadeiramente é. Nenhuma pessoa verdadeiramente de bem pode compactuar com tamanha (e silenciosa) violência.
Fonte:http://deluccamartinez.wordpress.com/

"Sem indignação, nada de grande e significativo ocorre na história humana"


Michael Löwy: "Sem indignação, nada de grande e significativo ocorre na história humana"

Nesta entrevista à Fundação Oswaldo Cruz, o investigador do Centre National de la Recherce Scientifique (CNRS) diz que a dinâmica de movimentos como o dos “Indignados” é de uma crescente radicalização anticapitalista, embora nem sempre de forma consciente. Michael Löwy esteve no Brasil em dezembro para lançar ‘A teoria da revolução no jovem Marx', publicado em 1970 na França e que só agora ganha edição em português.

Michael Löwy esteve no Brasil no final de 2012 para lançar o livro ‘A teoria da revolução no jovem Marx', que foi publicado em 1970 na França e só agora tem uma edição em português.

Durante a sua estada no país, participou de muitos eventos e falou sobre temas diversos, como literatura e a questão ecológica. Nada que surpreenda no perfil de um pesquisador que circula com desenvoltura entre o estudo dos clássicos e a análise da conjuntura atual, e isso sem abrir mão da militância política de esquerda. Nesta entrevista, ele lança mão dos conceitos que aprendeu com os clássicos – principalmente Marx e Walter Benjamin – para discutir a crise que o capitalismo atravessa e os movimentos reivindicatórios que têm surgido em diferentes cantos do mundo. Além disso, explica os princípios e limitações da ideia de ‘ecossocialismo', com a propriedade de ter sido um dos autores do Manifesto que defende essa bandeira.

Brasileiro residente na França desde 1969, Löwy é diretor de pesquisas do Centre National de la Recherce Scientifique (CNRS) e responsável por um seminário na Écoles de Hautes Études en Sciences Sociales. Só em português, é autor de mais de 20 livros.

Como a teoria da revolução do jovem Marx, de que trata o seu livro, nos ajuda a entender o momento atual, com mobilizações de indignados no Estado espanhol, Grécia e vários outros países da Europa, além de movimentos de ‘ocupação' em vários locais do mundo? Esses são movimentos anticapitalistas?

Os movimentos de ‘Indignados' opõem-se às políticas ditadas pelo capital financeiro, pela oligarquia dos bancos e aplicadas por governos de corte neoliberal, cujo principal objetivo é fazer com que os trabalhadores, os pobres, a juventude, as mulheres, os pensionistas e aposentados – isto é, 99% da população – paguem a conta pela crise do capitalismo. Esta indignação é fundamental. Sem indignação, nada de grande e de significativo ocorre na história humana. A dinâmica destes movimentos é de uma crescente radicalização anticapitalista, embora nem sempre de forma consciente. É no curso de sua ação coletiva, de sua prática subversiva, que estes movimentos poderão tomar um caráter radical e emancipador. É o que explicava Marx na sua teoria da revolução, inspirada pela filosofia da práxis.

Marx escreveu no século XIX. As revoluções socialistas a que assistimos aconteceram no século 20. O que a realidade trouxe de diferente na forma como se concretizaram e na forma como se entende revolução nos séculos 19, 20 e 21?

As revoluções sempre tomam formas imprevistas, inovadoras, originais. Nenhuma se assemelha às anteriores. A Comuna de Paris (1871) foi um formidável levante da população trabalhadora da grande cidade e a Revolução Russa foi uma convergência explosiva entre proletariado urbano e massas camponesas. Nas demais revoluções do século 20, desde a Mexicana de 1911 até a Cubana de 1959, ou nas revoluções asiáticas (China, Vietname), foram os camponeses o principal sujeito do processo revolucionário. Não podemos prever como serão as revoluções do século 21: sem dúvida, não repetirão as experiências do passado. Por outro lado, existe o que Walter Benjamin chamava de ‘a tradição dos oprimidos': a experiência da Comuna de Paris inspirou a Revolução Russa e é ainda até hoje um exemplo de autoemancipação revolucionária das classes subalternas.

Com a crise capitalista de 2008 e o movimento de intervenção dos Estados para salvar a economia dos países, acreditou-se que a era neoliberal havia chegado ao fim. No entanto, tem sido intensificada cada vez mais a destruição dos direitos conquistados com o Estado de Bem-Estar Social, como temos visto acontecer na Europa (França, agora Espanha...). O que isso significa?

A intervenção dos Estados não significou de forma alguma o fim do neoliberalismo. O único objetivo desta intervenção era salvar os bancos, resgatar a dívida e assegurar os interesses dos mercados financeiros. Para este objetivo, foram sacrificadas conquistas de dezenas de anos de lutas dos trabalhadores: direitos sociais, serviços públicos, pensões e aposentadorias, etc. Para a lógica de chumbo do capitalismo neoliberal, tudo isto são ‘despesas inúteis'.

Um debate antigo da esquerda é sobre a relação entre revolução e reforma. O contexto do final do século 20 e do início do século 21, com situações como, por exemplo, a vitória eleitoral de partidos de esquerda na América Latina e mesmo em alguns países da Europa recolocam essa questão. Como analisa essa relação hoje?

Rosa Luxemburgo já havia explicado, em seu belo livro ‘Reforma ou Revolução?' (1899), que os marxistas não são contra as reformas; pelo contrário, apoiam qualquer reforma que seja favorável aos interesses dos trabalhadores: salário mínimo, seguro médico, seguro desemprego, por exemplo. Simplesmente, lembrava ela, não podemos chegar ao socialismo pela acumulação gradual de reformas; só uma ação revolucionária, que derruba o muro de pedra do poder político da burguesia, pode iniciar uma transição ao socialismo. O problema da maioria dos governos de centro-esquerda, seja na Europa ou na América Latina, é que as ‘reformas' que aplicam são muitas vezes de corte neoliberal: privatizações, regressões no estatuto dos pensionistas, etc. Tratam-se de variantes do social-liberalismo, que aceitam o quadro económico capitalista mas, contrariamente ao neoliberalismo reacionário, têm algumas preocupações sociais. É o caso dos governos Lula-Dilma no Brasil. Temo que no caso da França (François Hollande, recentemente eleito), nem a isto chegue...

Um desafio dessa esquerda que chegou ao poder na América Latina tem sido equacionar a dependência econômica da exploração de recursos naturais (como o petróleo na Venezuela e o gás natural na Bolívia) com a tentativa de superação da lógica capitalista de destruição do meio ambiente. Na sua opinião, essa equação é possível?

Contrariamente aos governos social-liberais, os da Venezuela, Bolívia e Equador têm levado adiante uma verdadeira rutura com o neoliberalismo, enfrentando as oligarquias locais e o imperialismo. Mas dependem, para a sua sobrevivência económica, e para financiar os seus programas sociais, da exploração de energias fósseis – petróleo, gás –, que são os principais responsáveis pelo desastre ecológico que ameaça o futuro da humanidade.

É difícil exigir destes governos que deixem de explorar estes recursos naturais, mas eles poderiam utilizar uma parte do rendimento do petróleo para desenvolver energias sustentáveis – o que fazem muito pouco. Uma iniciativa interessante é o projeto ‘Parque Yasuni', do Equador, proposta dos movimentos indígenas e dos ecologistas assumida, após algumas hesitações, pelo governo de Rafael Correa. Trata-se de preservar uma vasta região de florestas tropicais, deixando o petróleo embaixo da terra, mas exigindo, ao mesmo tempo, que os países ricos paguem metade do valor (9 bilhões de dólares) deste petróleo. Até agora, não houve iniciativas comparáveis na Venezuela ou na Bolívia.

A crítica à destruição do meio ambiente como intrínseca ao capitalismo já estava presente na obra de Marx?

Muitos ecologistas criticam Marx por considerá-lo um produtivista, tanto quanto os capitalistas. Tal crítica parece-me completamente equivocada: ao fazer a crítica do fetichismo da mercadoria, é justamente Marx quem coloca a crítica mais radical à lógica produtivista do capitalismo, à ideia de que a produção de mais e mais mercadorias é o objetivo fundamental da economia e da sociedade. O objetivo do socialismo, explica Marx, não é produzir uma quantidade infinita de bens, mas sim reduzir a jornada de trabalho, dar ao trabalhador tempo livre para participar da vida política, estudar, jogar, amar. 

Portanto, Marx fornece as armas para uma crítica radical do produtivismo e, notadamente, do produtivismo capitalista. No primeiro volume de O Capital, Marx explica como o capitalismo esgota não só as energias do trabalhador, mas também as próprias forças da Terra, esgotando as riquezas naturais, destruindo o próprio planeta. Assim, essa perspetiva, essa sensibilidade está presente nos escritos de Marx, embora não tenha sido suficientemente desenvolvida.

O Manifesto Ecossocialista, que o sr. ajudou a escrever em 2001, diz que o capitalismo não é capaz de resolver a crise ecológica que ele produz. Como o sr. analisa as soluções a esse problema que vêm sendo apresentadas pelo capitalismo, como é o caso da economia verde?

A assim chamada ‘economia verde', propagada por governos e instituições internacionais (Banco Mundial, etc), não é outra coisa senão uma economia capitalista de mercado que busca traduzir em termos de lucro e rentabilidade algumas propostas técnicas ‘verdes' bastante limitadas. 

Claro, tanto melhor se alguma empresa trata de desenvolver a energia eólica ou fotovoltaica, mas isto não trará modificações substanciais se não for acompanhado de drásticas reduções no consumo das energias fósseis. 

Mas nada disto é possível sem romper com a lógica de competição mercantil e rentabilidade do capital. Outras propostas ‘técnicas' são bem piores: por exemplo, os famigerados ‘biocombustíveis' que, como bem diz Frei Betto, deveriam ser chamados de ‘necrocombustíveis', pois tratam de utilizar os solos férteis para produzir uma pseudogasolina ‘verde', para encher os tanques dos carros – em vez de comida para encher o estômago dos famintos da terra.

É possível implementar uma perspetiva como a do ecossocialismo no capitalismo?

O ecossocialismo é anticapitalista por excelência. Como perspectiva, implica a superação do capitalismo, já que se propõe como uma alternativa radical à civilização capitalista/industrial ocidental moderna. Por outro lado, a luta pelo ecossocialismo começa aqui e agora, na convergência entre lutas sociais e ecológicas, no desenvolvimento de ações coletivas em defesa do meio ambiente e dos bens comuns. É através destas experiências de luta, de auto-organizaçâo, que se desenvolverá a consciência socialista e ecológica.

A perspectiva ecossocialista pressupõe uma crítica à noção de progresso. Em que consiste essa crítica?

Walter Benjamin insistia, com razão, que o marxismo precisa libertar-se da ideologia burguesa do progresso, que contaminou a cultura de amplos setores da esquerda. Trata-se de uma visão da história como processo linear, de avanços, levando, necessariamente, à democracia, ao socialismo. 

Estes avanços teriam sua base material no desenvolvimento das forças produtivas, nas conquistas da ciência e da técnica. Em rutura com esta visão – pouco compatível com a história do século 20, de guerras imperialistas, fascismo, massacres, bombas atómicas –, precisamos de uma visão radicalmente distinta do progresso humano, que não se mede pelo PIB [Produto Interno Bruto], pela produtividade ou pela quantidade de mercadorias vendidas e compradas, mas sim pela liberdade humana, pela possibilidade, para os individuos, de realizarem suas potencialidades; uma visão para a qual o progresso não é a quantidade de bens consumidos, mas a qualidade de vida, o tempo livre - para a cultura, o ócio, o desporto, o amor, a democracia - e uma nova relação com a natureza. Para o ecossocialismo, a emancipaçâo humana não é uma ‘lei da história', mas uma possibilidade objetiva.

Quais as principais diferenças entre o ecossocialismo e a forma como o socialismo real lidou com os problemas ambientais? E a socialdemocracia, conseguiu construir alternativas a essa lógica destrutiva do capital?

O assim chamado ‘socialismo real' - muito real, mas pouco socialista - que se instalou na URSS sob a ditadura burocrática de Stalin e seus sucessores tratou de imitar o produtivismo capitalista, com resultados ambientais desastrosos, tão negativos quanto os equivalentes no Ocidente. O mesmo vale para os outros países da Europa Oriental e para a China. As intuições ecológicas de Marx foram ignoradas e se levou a cabo uma forma de industrialização forçada, copiando os métodos do capitalismo. A social-democracia é um outro exemplo negativo: nem tentou questionar o sistema capitalista, limitando-se a uma gestão mais ‘social' de seu funcionamento. 

Mesmo nos países em que governou em aliança com os partidos verdes, a social-democracia não foi capaz de tomar nenhuma medida ecológica radical. O ecossocialismo corresponde ao projeto de um socialismo do século 21, que se distingue dos modelos que fracassaram no curso do século 20. Ele implica uma rutura com o modelo de civilização capitalista e propõe uma visão radicalmente democrática da planificação socialista e ecológica.


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/

Natal! A verdadeira história, o sentido verdadeiro


É Natal. As luzes brilham, clareando as noites citadinas (apenas nas áreas centrais, pois as periferias continuam mal iluminadas). As redes de televisão intimam-nos para comparecimento aos templos do consumo. E as crianças sonham que o “papai Noel” virá lhes deixar o presente que tanto almejam.
O comércio está aí, aberto de domingo a domingo para que o “bom velhinho” possa buscar o brinquedo, a roupa, o eletrodoméstico, o calçado, o carro novo, enfim, algo que possa satisfazer o desejo estimulado pela mídia, não só dos pequeninos, mas também dos adultos, cuja mente é também povoada de fantasias infantis.
Preocupa também a preparação da ceia farta para comemorar um aniversário especial no dia 25 de dezembro, no Mundo inteiro, pelo menos na porção ocidental do planeta (e em vários pontos do Oriente, sem dúvida).
Somente um extraterrestre desavisado não saberia que nessa data, há 2012 anos (pois o novo tempo começou a ser contado com seu nascimento), vinha à luz na Palestina um ser especial, que ficou conhecido como Jesus de Nazaré, o Cristo.
Teria sido ele um rei cioso de luxo e suntuosidade, tal qual seu antecessor Salomão? Até parece. Mas quem lembra que Jesus, um homem “manso e humilde de coração”, filho de um pobre carpinteiro galileu, se exasperou quando, ao visitar o templo de Jerusalém, encontrou à sua  porta  um sem-número de comerciantes  lucrando com a fé das pessoas. “A Casa do meu Pai é casa de oração e não covil de ladrões”, esbravejou Jesus, ao tempo em que descia o chicote no lombo dos exploradores e junto com os discípulos virava as bancas cheias de mercadorias.  (Evangelho de João, 2. 13-16)
Tudo era Comum
As primeiras comunidades cristãs buscavam viver exatamente o que pregara e praticara o Mestre. “Tudo o que tinham era colocado em comum, e não havia necessitados entre eles” (Atos dos Apóstolos).
Naquele tempo, as pessoas não costumavam comemorar aniversários. Lembravam sempre Jesus e tinham como datas especiais A Páscoa/ressurreição. Como Ele pedira, a reverência era feita em ceias coletivas, ocasião em que os novos adeptos colocavam seus pertences à disposição da Comunidade e todos partilhavam o resultado de seu trabalho. Sem esquecer, naturalmente, de orar em ações de graças.
Pregando e praticando a igualdade, a partilha e a cooperação mútua, o cristianismo se firmou como religião dos escravos e dos pobres, se espalhando por todo o Mundo então conhecido, inclusive em Roma, sede do Império.
Foi duramente perseguida, com freqüentes assassinatos de líderes e do próprio povo cristão, na cruz ou lançados à fúria de leões famintos nos circos romanos.
Em vez de afastar, o martírio atraía novos adeptos. E enquanto o império decaía econômica, política e moralmente, os cristãos eram exemplo de retidão, honestidade e cumprimento dos deveres.
Os ricos começaram a aderir à nova religião, que ganhou a liberdade de culto no ano 313, no governo do convertido imperador Constantino e se tornou religião oficial do Império em 380, no governo de Teodósio I.
Acontece que os ricos não aceitavam colocar em comum todos os seus bens, oferecendo apenas uma pequena parte à Comunidade. As comunidades resistiram, mas foram convencidas por dirigentes do quilate de um Paulo de Tasso (São Paulo), para quem era bastante a Fé e a Caridade.
Não foi fácil a aceitação dessa mudança, como mostra a Epístola de Tiago: “…Vossas riquezas, ó ricos, entrarão em decomposição. Vossas roupas luxuosas ficarão podres e serão devoradas pelos vermes. Vosso ouro e vossa prata serão corroídos pela ferrugem porque todos os ricos acumulam poderes roubando os salários dos operários que lavram os campos”.
A esmola substitui a partilha. Para festejar a memória de Jesus, em vez de refeição compartilhada, a distribuição de uma sopa para os mais pobres e miseráveis já seria o suficiente. Ficaram cada vez mais raras, clamando no deserto, as vozes de sacerdotes em defesa da vida comunitária, a exemplo de São Gregório de Nissa (de Capadócia, atual Turquia), que admoestava: “…Talvez dês esmolas. Mas de onde as tiras senão de tuas rapinas cruéis, do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu óbulo, ele  o recusaria porque teria a impressão de morder a carne de seu irmão e sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com lágrimas de meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de seus companheiros de miséria. De que vale consolar um pobre, se tu o fazes outros cem?”
Não adiantou. “No século IV, os elementos comunistas do cristianismo refugiaram-se nos claustros ou foram perseguidos como hereges” (Max Beer, História das Lutas Sociais e do Socialismo). Eles ressurgiriam na Idade Média, mas foram eliminados nos porões da Inquisição. Renascem outra vez no século XX, com a Teologia da Libertação, dão avanços institucionais com o Concílio Vaticano II, mas retroagem completamente nos dois últimos papados.
Os cismas da Idade Média que originaram novas igrejas cristãs (Luteranismo, Calvinismo…) não pregavam o retorno às Comunidades. Ao contrário, se propuseram a adequar a doutrina e a estrutura ao capitalismo que avançava, enquanto a Igreja Católica era muita presa ao sistema feudal.  Hoje, as neopentecostais adotaram a chamada Teologia da Prosperidade, a qual define que enriquecer é divino. O bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, diz com todas as letras que sua relação com Deus é uma parceria de negócios: toma lá-dá cá,  por sinal exitosa, pois está montando um verdadeiro império, que abrange países de todos os continentes.
E a Verdade vos Libertará, dissera Cristo  
A comemoração do nascimento do Cristo (e a data escolhida-25 de dezembro) – foi decretada pelo imperador romano Justiniano (527-565), para absorver a festa pagã milenar Saturnália, em homenagem ao deus da Agricultura (Saturno). Era um mês de bacanais, comida farta, desregramento total (lembra um pouco o nosso carnaval).
As Escrituras não registram o dia do nascimento de Jesus. Mas a data não tem tanta importância, e sim, o conteúdo das celebrações.
O capitalismo, que transforma tudo em mercadoria e objeto de lucro, não poderia perder a oportunidade. A vida de um homem simples “vim para os pobres e pecadores”, que nasceu numa manjedoura e morreu numa cruz, foi transformada em data suprema do consumo. Arrasta multidões aos shoppings, lojas, supermercados, etc., Ou seja, em vez de festejado, o Filho do Homem é novamente crucificado a cada final de ano (para não dizer o ano todo).
E para envolver as crianças, criaram a lenda do Papai Noel, o bom velhinho de barbas brancas que vem deixar presentes nas casas, na calada da noite. A inspiração foi em São Nicolau Taumaturgo, conterrâneo e contemporâneo de São Gregório, mas que pensava diferente dele. Costumava encher um saco de moedas de ouro e, às escondidas, sair deixando nas casas das pessoas necessitadas.
Nem se preocupam que estão deseducando as crianças, pois induzindo-as a acreditar numa mentira e formando um espírito consumista. E as que não recebem os presentes sonhados? Muitas ainda são chantageadas pelas mães (e pais): “Ah! Papai Noel não veio porque você não se comportou direito este ano. Seja sempre obediente, estudioso, etc., e no próximo ano ele traz seu presente”.
Com o tempo, elas descobrirão como Assis Valente (compositor brasileiro) que nem todo mundo é filho de papai Noel.   Constatarão que “…já faz tempo que pedi mas o meu papai Noel não vem. Com certeza já morreu ou então felicidade é brinquedo que não tem”.   
O desencanto com o sistema capitalista pode ser canalizado para o engajamento na luta pela transformação da sociedade. Aí está um desafio essencial para os movimentos sociais e organizações políticas que visam  a essa transformação. Caso contrário, a revolta individual leva, como tem levado, facilmente ao banditismo (tráfico de drogas, assalto, etc.) como forma de acesso aos bens de consumo tão propagados pela mídia, status, poder, enfim, aos valores inerentes ao capitalismo.
Um Mundo sem Senhor nem Escravos!
O mês de dezembro é ainda caracterizado pelas caminhadas pela Paz em nosso país. Mas não basta manifestar o desejo de paz. Ela só acontecerá se forem superadas as causas da violência que se encontram na dominação e exploração de classe.
Lembremos a Oração pela Paz, pronunciada por dom Helder Câmara, na Missa dos Quilombos celebrada na Praça do Carmo, Recife, em 22 de novembro de 1981, no mesmo lugar onde foi exibida a cabeça do líder negro Zumbi dos Palmares. Depois de dizer que em vez de armas, o mundo precisa fabricar é paz, dom Helder descreve os requisitos para que reine a paz: “…Basta de injustiças, de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo de terra onde morar. Basta de uns tendo de vomitar pra poder comer mais e 50 milhões morrendo de fome num ano só. Basta de uns com empresas se derramando pelo Mundo todo e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia. Mariama, Nossa Senhora, Mãe querida, Nem precisa ir tão longe como no teu hino. Nem precisa que os ricos saiam de mãos fazias e os pobres de mãos cheias. Nem pobre nem rico. Nada de escravo de hoje ser senhor de escravos amanhã. Basta de escravos. Um mundo sem senhor e sem escravos. Um mundo de irmãos. De irmãos não só de nome e de mentira. De irmãos de verdade” .
Pois, celebrar o nascimento de Cristo, para os verdadeiros cristãos é trilhar o caminho em vista desse mundo novo de que fala dom Helder. Repetindo, a pergunta de Lennon, o que temos feito para romper com este sistema decadente que, enquanto mais agoniza mais massacra povos e nações, e caminhar para um mundo sem explorados nem exploradores, sem pobres nem ricos, um mundo de irmãos, de partilha, onde cada um contribua conforme às suas capacidades e receba segundo as suas necessidades?  Dependendo da resposta, você  estará crucificando Jesus Cristo mais uma vez ou então deixando-o muito feliz com a comemoração do seu aniversário. Ele nem vai se importar se a data não está correta…“
Então, Bom Natal, Ano Novo também, e que seja feliz quem souber o que é o Bem!” (John Lennon).
José Levino, historiador
Fonte: http://averdade.org.br