segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

376 famílias são violentamente expulsas de comunidade em Fortaleza

376 famílias são violentamente expulsas de comunidade em Fortaleza

Um cenário de guerra. Mulheres grávidas, crianças e trabalhadores desarmados contra 150 policiais da Tropa de Choque. Resultado: 376 famílias pobres violentamente despejadas de uma comunidade carente

Veja a seguir cenas do despejo forçado na manhã do dia 20 de fevereiro de 2014 na comunidade Alto da Paz, no bairro Vicente Pinzón, em Fortaleza. Cerca de 376 famílias ocupavam o terreno desde setembro de 2012. Após uma série de negociações frustradas com a Prefeitura (proprietária do terreno), a ordem judicial de despejo foi cumprida com a presença de 150 homens do Batalhão de Choque.
Vídeo:
Grávida agredida
Juliane Queiroz da Silva, 20, moradora da Comunidade Alto da Paz foi surpreendida pela chegada da polícia em seu barraco. Grávida de 8 meses, Juliane recebeu um chute de um policial.
despejo comunidade fortaleza
Girlane da Silva (dir.), grávida de 8 meses, foi agredida em despejo (Reprodução)
Sua mãe, Ana Célia, ao chegar no local, encontrou sua filha gritando de dor com a marca do coturno em sua barriga. A grávida foi imediatamente levada para a ambulância que estava no local.
“Disseram pra gente que era uma varrição na praia. Isso aqui tá errado. Se soubesse não teria vindo”
Vestidos de uniforme laranja, vários dos garis da Prefeitura escalados para o despejo pareciam desconfortáveis, enquanto ajudavam os moradores do Alto da Paz a retirarem seus pertences de casa. Não era só o calor, os estampidos de bala aqui e ali, a gritaria. Quando subiram na caçamba de um caminhão (“Viemos igual cachorro, no meio do entulho, de cheiro de merda…“) rumo ao Vicente Pinzón, não sabiam qual serviço lhes esperava.
1gari
Um disse pensar que iriam capinar o meio fio da avenida Dioguinho. Outro chegou furtivo e disse nos nossos ouvidos: “Disseram pra gente que era uma varrição na praia. Isso aqui tá errado. Se soubesse, não tinha vindo.” Todos com quem falamos moram em bairros periféricos de Fortaleza (Bonsucesso, Bom Jardim, José Walter), ganham um salário mínimo e pagam aluguéis entre R$ 200 e 350. Nenhum disse morar numa ocupação.
“Lembrei agora da minha cama…”
O seu Francisco, de 70 anos, desceu a rua Ismael Pordeus arrastando no calçamento o assoalho metálico de seu carrinho de catar material reciclado. Desceu rápido como se já soubesse pra onde ir. Cruzou no caminho com uma formação da cavalaria que subia a ladeira rumo à entrada da comunidade. Estancou dois quarteirões depois da barreira policial para descansar um pouco.
Seu Francisco (Reprodução)
Seu Francisco (Reprodução)
Carregava sacolas com roupas, a televisão de 14 polegadas, um fogão, o bujão de gás, panelas e o que sobrou da despensa. “Não é pra levar, não?”, assustou-se quando chegamos pra entrevistá-lo. Desconfiou que não poderia se tirar nada da casa. Depois mostrou a marca na batata da perna do que deve ter sido uma bala de borracha. Natural de Canindé, chegou a Fortaleza em 1970. Morou a vida toda nas redondezas da Praia do Futuro, sustentando-se da coleta de sucata e material reciclado. Disse que voltaria agora para um quartinho alugado na PF. E quando ia retomar a marcha, espantou-se num pulo com as mãos na cabeça: “Ih! Olha! Lembrei agora da minha cama… A cama novinha… Será que dá pra buscar ainda?”
Confira abaixo mais imagens do despejo da comunidade Alto da Paz:
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com informações de NigeriaFilmes e agências locais
Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/

Vândalos e Baderneiros (completo)



 Filme curta documental que reflete sobre os conceitos de vandalismo e baderna. Tentando desconstruir o discurso midiático e do senso comum associado a uma campanha de criminalização de manifestações e protestos. Para alcançar um entendimento mais complexo e crítico sobre os termos. Elaborado por Linhas de Fuga.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

"ENTRE RIOS" - a urbanização de São Paulo



 Um excelente documentário sobre a urbanização de São Paulo, com um enfoque geográfico-histórico, permeando também questões sobre meio ambiente, política. Produzido pelo coletivo Santa Madeira: 
http://vimeo.com/user2460823

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Bolsa banqueiro X Bolsa Família


José Arbex: No Brasil, maquiagem da pobreza é com “verniz humanista”

Trecho de artigo assinado por José Arbex na revista Caros Amigos (para íntegra, compre a revista ou faça como eu, assine):
“A entrada do capital especulativo nos níveis praticados na última década depende da capacidade do país de manter os juros nas estratosferas. Mas a remuneração escandalosa do capital especulativo só pode ser garantida mediante a destruição da indústria nacional, que não tem como suportar as mais altas taxas de juros do planeta.
O resultado, mostra um estudo realizado por Osvaldo Coggiola, é que entre 1985 e 2008, a indústria brasileira reduziu em 17% sua participação no PIB (de 33% para 16%). Entre 2004 e 2010, o percentual da indústria na pauta exportadora caiu de 19,4% para 15,8%: a relação manufaturas/exportações totais, que atingiu 60% na década de 1980, hoje se situa em 40%. O superávit comercial de U$ 24 bilhões na área de produtos industriais, em 2005, se transformou em 2010, em um déficit de U$ 36 bilhões.
Cerca de 60% das empresas brasileiras estão nas mãos de estrangeiros. As remessas de lucros ao exterior superam os U$ 34 bilhões (74% correspondem a empresas estrangeiras que fizeram investimentos diretos). Nesse quadro de destruição da economia real, há uma limitação objetiva à capacidade de manter a taxa de remuneração do capital nas estratosferas.
Se a desindustrialização tende a diminuir a oferta de empregos mais qualificados, a política de estimular a economia mediante o endividamento é receita certa de catástrofe, como mostrou a crise imobiliária estadunidense. Segundo um estudo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, em outubro de 2011, 64% das famílias que vivem nas 27 capitais estavam endividadas (88% em Curitiba e 86% em Florianópolis).
No último ano, o valor médio da dívida familiar aumentou em quase 18%: de 1.298 para 1.527 reais. O total da dívida das pessoas físicas chegou a R$ 653 bilhões (em dezembro de 2009, era de R$ 485 bilhões). O que acontecerá quando uma parte significativa das famílias notar que não terá como honrar os compromissos?
As políticas de compensação social mobilizam menos de 0,5% do PIB (cerca de R$ 15 bilhões anuais). Para efeito de comparação: o Brasil gastou, nos últimos anos, em média, mais de R$ 200 bilhões anuais apenas em juros e amortização da dívida pública. Entre 1995 e 2010 (FHC e Lula), os gastos com a dívida somaram mais de R$ 6,8 trilhões (dois PIBs).
No final do governo Lula, o Bolsa Família deixou 16,2 milhões de pessoas em situação de miséria absoluta (renda mensal inferior a 40 dólares), mais de 50% dos quais no Nordeste. Dilma lançou o programa Brasil Sem Miséria dirigido a esse setor, dotado de pífios R$ 1,2 bilhão. Se as compensações atenuam a miséria, estão muito longe de resolver qualquer problema real. Os recursos do país que poderiam construir escolas, hospitais e obras de infraestrutura que permitiriam dispensar o Bolsa Família, servem para engordar os cofres do capital financeiro. De fato, a desigualdade e a miséria são perpetuadas, mas maquiadas por um verniz ‘humanista’”.
Fonte: http://www.desenvolvimentistas.com.br/

domingo, 16 de fevereiro de 2014

16 sites para estudar de graça para concursos públicos

Para os ‘concurseiros’ de plantão, algumas matérias são consideradas ‘arroz com feijão’, são as disciplinas básicas exigidas na maior parte dos concursos. Abaixo lista com 16 sites com material gratuito para estudar de graça para concursos públicos, como videoaulas e simulados, para estudardireito administrativo, informática, inglês, matemática e português.
Jurisway (http://www.jurisway.org.br/videos/) – A página faz uma seleção com mais de 4 mil videoaulas postadas no YouTube que tratam de Direito Constitucional, Civil, Penal, Administrativo e Previdenciário, entre outros. Também há aulas de língua portuguesa e informática.
Concurso Solução (http://www.concursosolucao.com.br/simulado/) – Simulados de Direito Administrativo, Civil, Constitucional, do Trabalho, Penal, Processual Penal e Tributário com questões de concursos públicos para testar os conhecimentos na área, mas sem comentários das provas.
Resultado Concursos (http://www.resultadoconcursos.net/video-aulas-gratuitas-sobre-concursos/) – Osite reúne videoaulas de Direito Constitucional, Administrativo, do Trabalho, Penal, Processual Penal, Previdenciário e Civil. O conteúdo pode ser localizado por meio de busca.
Informática e Concursos Públicos (http://informatica-concursos.blogspot.com.br/) – O blog disponibiliza uma boa quantidade de simulados com questões que podem cair em concursos públicos. Os temas abordam o sistema Linux, BrOffice, Word, Windows, Excel, PowerPoint, internet e redes, hardware e gerais.
PCI Concursos (http://www.pciconcursos.com.br/simulados/informatica/coxvE) – O site oferece exercícios de informática de múltipla escolha, mais as respostas corrigidas. O usuário também pode postar comentários em cada uma das questões. Ao terminar o teste, outro pode ser automaticamente gerado para dar continuidade ao teste de conhecimentos.
Fernando Nishimura (http://www.scribd.com/FernandoNishimura/documents) – O estudante tem a sua disposição uma biblioteca online com 91 documentos no total. Cada um deles reproduz as provas de concursos públicos anteriores – alguns deles vêm com até cem questões. O material pode ser baixado para o computador para estudo.
Questões de Concursos (http://www.questoesdeconcursos.com.br/home/public) – O nome é autoexplicativo: o site fornece conteúdo das mais variadas matérias que caem em concursos públicos. Há uma considerável quantidade de provas em inglês que caíram em outros exames e gabaritos que acompanham os testes. Para baixar o material gratuito, é preciso fazer um cadastro simples no site.
OK Concursos (http://www.okconcursos.com.br/informacao/view/Apostilas/Lingua-Estrangeira/Provas-e-exercicios-de-Ingles/$escape.getHash().UZ9u1Nhz6p0) – São 11 provas com questões de inglês que já caíram em concursos públicos realizados anteriormente. O material pode ser baixado gratuitamente pelo estudante e é uma forma de se preparar para os testes futuros. O site também disponibiliza conteúdo de outras disciplinas, visando concursos de cargos de nível fundamental, médio e superior.
Calcule Mais (http://calculemais.com.br/) – A “especialidade” do site são questões de matemática retiradas de concursos públicos, vestibulares e Enem. São mais de 760 videoaulas explicadas com simplicidade e dicas para os estudantes.
Matemática Muito Fácil (http://www.matematicamuitofacil.com/) – Além do conteúdo teórico de matemática, há uma seleção de exercícios propostos e resolvidos. Entre eles, o “desafio” apresenta questões de álgebra e o de “concurso”, questões que já caíram em concursos públicos já realizados. O estudante também pode acompanhar o material com videoaulas disponíveis no site e no canal YouTube (http://www.youtube.com/user/matematicamuitofacil/videos) ou no Videolog (http://videolog.tv/MatematicaMuitoFacil.
Julio Battisti (http://www.juliobattisti.com.br/tutoriais/default.asp?cat=0009&ast=0070) – O site não tem uma oferta vasta no aprendizado de matemática, mas traz 23 conceitos que caem com frequência em concursos públicos, afirma o idealizador. Além de explicar cada um deles, traz exercícios resolvidos e comentados.
Só Matemática (http://www.somatematica.com.br/financeira.php) – Conteúdo sobre matemática financeira pode ser acessado gratuitamente depois de um cadastro como usuário. O estudante conta com a parte conceitual e depois pode praticar o que aprendeu com exercícios propostos. Há ainda questões de vestibulares e provas online para testar os conhecimentos adquiridos.
Só Português (http://www.soportugues.com.br/) – O site aborda estruturas gramaticais (morfologia, sintaxe, fonologia, semântica, estilística), redação, reforma ortográfica e erros mais comuns em português, entre outros assuntos. Há provas online, exercícios resolvidos e questões que caíram em vestibulares. Uma ferramenta interessante é o “conjugador de verbos”, que esclarece as principais dúvidas sobre verbos complicados e suas conjugações.
Colégio Web (http://www.colegioweb.com.br/portugues) – Figuras de linguagem, ortografia, preposições de uso obrigatório e agente da passiva são alguns dos temas gramaticais que integram o conteúdo do site, que é bem fácil de consultar. O estudante também pode esclarecer dúvidas sobre a ortografia de palavras que costumam gerar confusões ao serem escritas com “s”, “ss” e “ç”, entre outros.
Gramática Online (http://www.gramaticaonline.com.br/) – O estudante terá facilidade para encontrar seus objetos de estudo (acentuação, concordância verbal e nominal, formação das palavras e pontuação, entre outros assuntos), pois o site é bem organizado visualmente. Há explicações detalhadas para o uso da crase, a partir de exemplos, e análise de texto com questões de vestibulares. Há testes que são acompanhados por comentários que apontam onde se encontram os erros.
UOL Educação (http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/) – A página do UOL reúne material didático de português. Há, entre outras coisas, explicações sobre as principais dúvidas de gramática, ortografia e pontuação. No nosso site, o estudante encontra também simulados, quizzes e provas online para testar seu conhecimento.
Bom estudo!

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Marxismo e natureza humana

130302-MarxB

Para argumentar que capitalismo é inevitável, seus defensores associam ser humano a cobiça, rivalidade e ostentação. Marx desmontou tal crença
Por Valério Arcary, editor do Blog Convergência

Se se entende que toda transgressão contra a propriedade, sem entrar
em distinções, é um roubo, não será um roubo toda a propriedade privada?
Acaso minha propriedade privada não exclui a todo terceiro desta propriedade?
Não lesiono com isso, portanto, seu direito de propriedade? [1]

Karl Marx, Os debates na Dieta Renana sobre as leis castigando os roubos de lenha
O argumento que defende a justiça da propriedade privada foi sempre a pedra angular do liberalismo. Se o direito à propriedade privada fosse ameaçado, argumentaram os liberais, a liberdade seria destruída. Se a possibilidade de acumulação ilimitada de capital fosse reduzida, ou o direito de herança condicionado, as restrições à busca do enriquecimento teriam conseqüências catastróficas: o crescimento econômico seria sacrificado, a inovação tecnológica inibida e o espírito de iniciativa amputado. A sociedade estaria condenada ao atraso, à estagnação e até à preguiça.
Depois da restauração capitalista na Rússia e no Leste Europeu, inventaram-se eufemismos para garantir dignidade a valores desmoralizados diante da sociedade na etapa histórica anterior pela experiência social. Depois da derrota do nazi-fascismo a idéia da solidariedade humana tinha estabelecido raízes sólidas na maioria das sociedades urbanizadas. Para desqualificar os princípios mais elementares de justiça e solidariedade, a ganância foi validada como ambição legítima. A cobiça foi  promovida a aspiração de aquisitividade. A rivalidade ganhou ares respeitosos como competição pela eficiência. E a ostentação foi reconhecida como exibição da prosperidade.
O homem como lobo do homem
Remetendo as formas econômicas da organização social contemporânea às características de uma natureza humana invariável – o homem como lobo do homem –, o liberalismo fundamentava a justificação do capitalismo na desigualdade natural. A rivalidade entre os homens e a disputa pela riqueza seriam um destino incontornável. Um impulso egoísta ou uma atitude comodista, uma ambição insaciável ou uma avareza incorrigível definiriam a nossa condição. Eis o fatalismo: o individualismo seria, finalmente, a essência da natureza humana. E a organização política e social deveria se adequar à imperfeição humana. E resignar-se.
Uma humanidade dominada pela mesquinhez, pela ferocidade, ou pelo medo precisaria de uma ordem política disciplinada, portanto, repressiva, que organizasse os limites de suas lutas internas como uma forma de “redução de danos”.
Resumindo e sendo brutal: o direito ao enriquecimento seria a recompensa dos mais empreendedores, ou mais corajosos, ou mais capazes e seus herdeiros. A propriedade privada não seria a causa da desigualdade, mas uma consequência da desigualdade natural. É porque são muito variadas as habilidades e disposições que distinguem os homens que, segundo os defensores de uma natureza humana rígida e inflexível, existe a propriedade privada, e não o inverso. A diversidade entre os indivíduos, inata ou adquirida, seria o fundamento da desigualdade social. Em consequência, o capitalismo seria o horizonte histórico possível e o limite do desejável. Porque com o capitalismo, em princípio, qualquer um poderia disputar o direito ao enriquecimento. Os liberais sempre se apressaram em admitir que nem todos o conseguirão, por certo, para mascarar sua defesa com um tempero de realidade.
Esses argumentos não têm, no entanto, o mais mínimo fundamento científico.  Em oposição à visão de uma natureza humana inflexível, o marxismo nunca defendeu a visão simétrica e ingênua de uma humanidade generosa e solidária. Nem fundamentou a necessidade da igualdade social em uma suposta igualdade natural. O que o marxismo afirmou é que a natureza humana tem dimensão histórica e, portanto, se transforma.  O que o marxismo preservou foi a idéia de que a diversidade de capacidades não permite explicar a desigualdade social que nos divide. É a exploração de uns pelos outros a causa da desigualdade, e não o contrário.
O capitalismo não é meritocrático
A injustiça do mundo que nos cerca não repousa em critérios meritocráticos. A diferença de talentos e a variedade de capacidades não têm relação direta com o lugar que cada ser humano ocupa nas sociedades estratificadas em classes. Não há nenhum mérito em nascer em uma família burguesa, proletária ou de classe média. Não há nenhum valor em nascer na Nigéria ou na Noruega, na Grécia ou na Alemanha.
Na sociedade contemporânea, a condição de classe é determinada pelo direito de herança, na mesma proporção em que em outras épocas era garantida pelo berço familiar. Pior, na maior parte do mundo, as oportunidades de ascensão social ou permaneceram estagnadas ou vieram diminuindo no último quarto de século. A geração mais jovem desconfia que não irá melhorar suas condições de vida, comparativamente, às de seus pais.
A mobilidade social foi reduzida, tanto no centro como na periferia do capitalismo. As possibilidades de melhorar de vida pelo talento ou pelo esforço vieram sendo reduzidas. A inteligência ou a perseverança, a criatividade ou a audácia são aptidões que podem ser encontradas em todas as classes. Porém, a ironia é que será encontrada, com maior freqüência, entre os trabalhadores.
Estas qualidades serão descobertas em maior número entre os filhos do trabalho manual pela mesma razão que entre eles se encontrarão, também, a maioria dos que têm gripe, a maioria dos estrábicos ou a maioria dos que têm nariz grande: porque são as maiorias. A desigualdade do mundo que nos cerca não é nem justa, nem racional. Sua explicação, para os socialistas, é o capitalismo. Ser socialista é ser um inimigo irreconciliável do direito ilimitado à propriedade privada.
 A causa mais elevada do tempo que nos coube viver
O interesse pelo tema da natureza humana ressurgiu nos primeiros anos do século XXI provocado por novas linhas investigativas da biologia evolucionista e da antropologia cultural. Não foi a primeira vez que os caminhos da biologia se cruzaram com os da história. A tese de Darwin de que a espécie humana teria sido desenhada pelo seu passado revolucionou a biologia a partir de 1859, quando da publicação daOrigem das espécies, e foi uma das maiores realizações científicas de todos os tempos. Mudou profundamente a percepção que a humanidade tinha sobre si própria.
A descoberta de que a escala da vida nos remete a um processo de muitas centenas de milhões de anos não desvalorizou a humanidade; ao contrário, ofereceu-nos um sentido de proporções da responsabilidade com a nossa sobrevivência. A maioria das formas de vida que existiram na Terra já foi à extinção, e por mais de uma vez. A revelação de uma ascendência comum com os símios colocou de pernas para o ar a perspectiva de uma humanidade predestinada a ser a coroação da vida. A vida é frágil. Não há um destino à nossa espera. O amanhã nos reserva muitos perigos. Sabemos que a centelha de consciência que nos define foi o produto de uma aventura grandiosa.
As espantosas sugestões da biologia evolucionista não diminuíram as perspectivas de futuro da humanidade. Ajudam a compreender a imponência das realizações humanas na história. Construímos uma civilização tecnológica e, culturalmente, complexa. Mas, podemos nos autodestruir. Se não encontrarmos soluções para os impasses do mundo contemporâneo, com suas terríveis lutas de classes, poderemos perecer. A causa mais elevada do nosso tempo é a defesa da humanidade. Nada é mais importante. Para os socialistas, a permanência do capitalismo é a principal ameaça à vida civilizada.                            
Contra o determinismo biológico
O darwinismo deixou-nos um extraordinário alerta. A vida é delicada e a extinção não é excepcional. A extinção é o padrão mais regular. Porém, o darwinismo exerceu também uma influência duradoura – e desastrosa – sobre as ciências sociais. Os nacionalismos exaltados das potências européias, no final do século XIX, apropriaram-se abusivamente da idéia de uma competição individual pela sobrevivência dos mais adaptados, para justificar a conquista de um Estado sobre outros. Não fosse isso o bastante, defenderam a idéia abjeta do domínio de uma civilização sobre outras e, no limite mais repulsivo do nazismo, de uma suposta raça superior sobre outras. Os mais desenvolvidos economicamente seriam os mais capazes.
A idéia de uma seleção sexual dos mais aptos – aqueles que superaram os obstáculos e foram capazes de deixar descendência – foi transportada para a economia para justificar o mercado como forma mais eficiente, e até natural, de regulação de recursos. A desigualdade social seria, também, natural. E o que é natural, seria irremediável.
No final do século XX, a biologia viveu uma nova revolução científica que coincidiu, em muitas das suas conclusões, com hipóteses sugeridas pela história. Esses avanços científicos estão ampliando as possibilidades da pesquisa histórica e são muito animadores, como alertou Hobsbawm (2004): “Para resumir, a revolução do DNA invoca um método particular, histórico, de estudo da evolução da espécie humana [...] Em outros termos, a história é a continuação da evolução biológica do homo sapienspor outros meios.”
O projeto Genoma enterrou as teorias racistas ao demonstrar, definitivamente, que não existem raças humanas, e as pequenas variações entre as populações de ascendência americana, européia, africana ou asiática são muito recentes. Poderia não ter sido assim, se o intervalo de separação dos grupos humanos tivesse sido mais longo, mas as poucas dezenas de milhares de anos de isolamento, interrompido há 500 anos, não foram suficientes para a fixação de diferenças significativas.
As descobertas do DNA permitiram, por exemplo, por meio da marcação das mitocôndrias (uma molécula herdada em todos os seres humanos por linhagem materna), um novo método de datações. Já está sendo rediscutido que o povoamento original das Américas, pouco antes do fim da última glaciação, teria sido realizado em sucessivas vagas por populações geneticamente mais variadas do que até então se presumia.
As premissas anti-históricas criacionistas de uma natureza humana invariável, e ainda por cima cruel, sinistra e malvada, embora ainda exerçam alguma influência sobre o senso comum, são inaceitáveis.
A humanidade compartilhou a capacidade de amar e odiar, confiar e temer, identificar e repudiar, desejar e rejeitar, admirar e querer, sorrir e desprezar, invejar e imitar, ou seja, todo um repertório de ações e reações dos homens uns com os outros – colaboração e conflito –, impulsionadas pela necessidade de sobrevivência na natureza, que resultaram em experiências históricas, e se concretizaram em relações sociais. Transformamos valores e costumes, através da história, da mesma maneira que melhoramos nossas ferramentas, e podemos sonhar nas mudanças que ainda estão por vir.
A história foi um processo cultural de readaptação da humanidade. Essa capacidade de autotransformação foi uma das constantes que oferecem coerência interna à própria história, e permitem que ela seja compreendida. Por isso, a esperança triunfará.
*Valério Arcary é Professor no IF/SP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo)

Referências bibliográfias:

HOBSBAWM, Eric. Manifesto pela renovação da História. Le Monde Diplomatique, 1 dez. 2004.
MARX, Karl. Los debates de la VI Dieta Renana: debates sobre la ley castigando los robos de leña. Traducción y organización de ROCES, Wenceslao. In: Escritos de juventud. México: Fondo de Cultura Económica, 1987.p.248-283.
Fonte: http://outraspalavras.net/

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Educar para reproduzir as relações de produção ou educar para transformar o mundo?

por 

Nós, que participamos da luta sindical e política, e que atuamos no campo da educação pública, não podemos nos dar ao luxo de nos enganar: precisamos fazer de nossa prática educacional uma militância política cotidiana, comprometida com o desenvolvimento da consciência crítica dos jovens estudantes. Existe uma tendência, no seio da escola pública, a pensar que os governos não nos valorizam, logo, já que não somos valorizados, não temos motivos para pensar em um ensino público de qualidade para os nossos jovens. Ora, segundo nosso ponto de vista, desistir de dar uma aula de qualidade, por conta das manobras governamentais, é alienante e simplesmente ajuda o projeto de reprodução da lógica do capital.
Vamos raciocinar: quem estuda na escola pública? Filhos da classe trabalhadora, não é verdade? E quem somos nós, os educadores? Trabalhadores da educação, não é verdade? Então, quem sai prejudicado se desistirmos de lutar por uma escola pública, gratuita e de qualidade? Todos nós, da classe trabalhadora. E é preciso entender: não interessa aos governos, favoráveis ao capitalismo, o investimento na escola pública, gratuita e de qualidade, justamente porque nessa escola estão os filhos da classe trabalhadora e, no capitalismo, os trabalhadores são criados para serem escravos da exploração, escravos da mais-valia. Não somos criados-formados para sermos livres e críticos, com vida digna. Somos criados-formados para reproduzir as relações de produção do capital: lucro, consumismo, exploração, riqueza para poucos, destruição ambiental e da vida.
Qual, então, o lugar do educador nesse mundo? É preciso ser categórico, nosso lugar é o da militância política. Não podemos nos dar ao luxo de não sermos militantes políticos em nossas aulas, não podemos nos dar ao luxo de desistir. Um mundo melhor será parto da luta diária, não será filho do desânimo, da descrença ou da desesperança. É isso que os capitalistas querem, que fiquemos abatidos, desanimados, desesperançados, desapaixonados, entediados, assim não precisam gastar com a educação dos trabalhadores.
Porém, enquanto educadores, temos obrigação moral de sermos apaixonados pela educação, porque educar é despertar a crítica, é desnaturalizar as práticas, é desmistificar as falsas verdades, é arrancar o obscurantismo da sociedade, é questionar as políticas públicas ausentes, é combater as opressões machistas, racistas, homofóbicas, trabalhistas, políticas, de classe, educar é sonhar com outros mundos possíveis. Não existe aula neutra, a eleição de um tema X ou Y, a ser discutido em sala de aula, já está repleto de ideologia. Damos aulas para legitimar a visão burguesa do mundo ou damos aulas para despertar os filhos da classe trabalhadora para um outro mundo, um mundo sem opressões e sem exploração?
Nosso lugar precisa ser o do ânimo presente, caminhando com espírito de luta rumo ao futuro. Qual tem sido, em geral, o projeto dos governos para a educação, por exemplo? Doutrinar alunos e professores rumo às avaliações externas, como se bastasse subir as metas educacionais para alunos e professores terem uma vida melhor. Todos sabem que esse é um projeto de educação falso. Mesmo se tivéssemos uma avaliação externa em que os alunos fossem altamente bem sucedidos, sem despertar a postura crítica e o desejo de construir um mundo mais justo, no outro dia, após o resultado das avaliações, ainda teríamos as mesmas mazelas sociais, o mundo dos ricos e o mundo dos pobres, o mundo dos incluídos e dos excluídos socialmente. Portanto, não podemos educar pensando nessa lógica das avaliações externas, como se elas fossem o grande selo de qualidade da educação pública. Esse não pode ser o nosso projeto de educação, não pode ser o projeto de educação dos lutadores. Nós, os lutadores, temos que despertar a postura crítica dos estudantes. Temos de desnaturalizar, deseternizar, deslegitimar, questionar as pretensas verdades das diversas práticas sociais. Temos de despertar nos educandos o desejo do não existente, a partir de uma crítica lúcida daquilo que existe.
Por exemplo, o mundo é machista, deveríamos, na educação do dia a dia, despertar o desejo de um mundo em que as mulheres sejam respeitadas. O mundo é racista, deveríamos depertar o desejo de um mundo sem opressão. O mundo é homofóbico, deveríamos despertar o desejo de tolerância face ao diferente. O mundo é agressivo, deveríamos despertar o desejo da gentileza. O mundo é inculto, deveríamos despertar o desejo de descobrir. O burguês não paga o total de horas trabalhadas ao operário, deveríamos despertar em nossos jovens o desejo de justiça trabalhista. Os pobres morrem por diversas enfermidades nas filas do SUS, deveríamos despertar o interesse por um sistema de saúde decente. Os jovens são ceifados pelo mundo das drogas, deveríamos despertar perspectivas e sonhos outros para nossa juventude. O mundo não tem emprego para todos, deveríamos despertar o sonho do pleno emprego. O mundo não oferece sequer moradia para uma boa parte da população, deveríamos despertar nos jovens o desejo de morar dignamente. Os pobres sofrem, deveríamos despertar o desejo de não sofrer.
Infelizmente, os governos não tem sido nossos aliados nessa luta por uma educação crítica, pois ao comprometerem-se com o capitalismo, suas práticas políticas não toleram cinco minutos de exame crítico. Não é necessário e nem é natural, por exemplo, sufocar os professores dentro das escolas, simplesmente porque não lhes paga o suficiente para sobreviver. Qual governo, entretanto, não está fazendo isso? Existe algum? Não é legítimo e necessário manter escolas sem livros, sem laboratórios, sem jornais, sem espaços de lazer. Quantos se preocupam em resolver seriamente tais problemas? E os demais problemas mencionados acima: existe alguma política dos governos voltada para despertar nos jovens e no povo o desejo de um mundo melhor? Não temos visto tal prática. Portanto, a educação é o lugar de problematizar-discutir os problemas da sociedade, é o lugar de instigar o desejo do não existente, a partir de um exame atento das condições reais e vigentes.
Em toda disciplina, é possível fazer isso. Os lutadores precisam pesquisar e compartilhar práticas rumo a uma educação que desnaturalize as falsas verdades das práticas sociais. Nossos sindicatos precisam dar voz a esse debate. O que motiva a paixão de educadores e estudantes é a luta acompanhada da visão crítica. Quando temos a certeza de que o nosso trabalho é uma militância política cotidiana contra todos os inimigos políticos, econômicos e ideológicos que emperram a construção de um mundo mais justo, então encontramos sentido para o nosso trabalho, nos tornamos incansáveis, fazemos greves, preparamos aulas que despertam a consciência crítica, ganhamos aliados, ganhamos apoio na classe trabalhadora, ganhamos outros sujeitos para sonhar junto conosco, caímos, levantamos, sabemos que a cada dia estamos travando uma batalha contra o senso comum e contra a lógica da reprodução das relações de produção. É hora de debater, na escola, os temas que angustiam as vidas da classe trabalhadora. Esse é nosso papel. Educar para a vida futura começa educando os seres humanos para entenderem a vida presente, com a firme convicção de é possível modificar aquilo que não aceitamos. Não temos o direito de desistir. É preciso fazer das nossas aulas uma militância política em prol da luta para transformar o mundo.
Como Socialista Livre e trabalhando como professor, acredito que a educação pode e deve ser um lugar de militância política.
Por: Gílber Martins Duarte – Coletivo Socialistas Livres – Conselheiro do Sind-UTE-MG e diretor da subsede do Sind-UTE em Uberlândia – Professor da Rede Estadual de Minas Gerais – Doutor em Análise do Discurso/UFU – Membro do Movimento Nacional dos Educadores Organizados pela Base (MEOB) – Membro da CSP-CONLUTAS.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

"Tá com dó? Leva pra casa"

Menino agredido
Jovem foi amarrado em poste no Rio após ser espancado; para o senso comum, é assim que deixaremos de ser o "país da impunidade"

No fim do ano passado, três presidiários do Maranhão foram degolados por grupos rivais diante de uma câmera de celular. Divulgado nas redes, o vídeo chocou a comunidade internacional. Era o retrato de um país em que um detento é morto a cada dois dias de forma violenta. Quem assistiu às cenas não levaria dois segundos para concluir: este país pode ser tudo, menos um paraíso para bandidos.
Atualmente existe um déficit de 200 mil vagas no sistema penitenciário brasileiro. São 563.723 presos para 363.520 vagas. A lei da física segundo a qual dois corpos não ocupam o mesmo espaço não vale para quem está condenado pela vida antes da própria Justiça, morosa a julgar boa parte de seus enjaulados, muitos deles com mais tempo de detenção do que de condenação
Diante do quadro, ter pena ou não dos condenados chega a ser infrutífero. Piedade não resolve a tragédia; a racionalidade, sim. Esta não desconhece que o "país da impunidade" tem mais presos do que sua capacidade permite.
E questiona: impunidade para quem? Neste país, negros e brancos cometem exatamente os mesmos crimes, mas uns são maioria nas cadeias e outros, nas faculdades. Os segundos, não importam as atrocidades cometidas nas vidas pública ou privadas, serão chamados de cidadãos de bem; os primeiros terão sorte se não forem degolados. Mas, de acordo com o relato do senso comum dos almoços de domingo, os primeiros estão no paraíso, o "paraíso dos bandidos do país da impunidade"; os segundos, no inferno. De vez em quando, suas carteiras são surrupiadas, e a Terceira Guerra será proclamada. Os primeiros, quando pegos, são enquadrados na lei que o segundo grupo finge desconhecer. Se tiverem sorte. Se não, ouvirão gritos, tapa na cara de policial, de delegado, da vítima, será amarrado em postes ou vai mofar na cadeia até que alguém, com pena ou não da sua situação, lembre de vez em quando que uma vida vale mais que um iPod roubado. Ou uma carteira velha de cartões desbloqueados.
Esta é a vida real. Mas, no discurso moralizante, céu e inferno estão em lugares invertidos. Este discurso antes estava restrito ao ambiente familiar: o xucro falava atrocidades, se enfurecia, ficava vermelho, ameaçava infarto mas, ao fim do jantar, servia-se do café e se acalmava nos primeiros segundos da novela. Voltava a hibernar em paz sobre o sofá com uma baba pastosa no canto da boca. Depois o xucro descobriu a internet e se transformou em comentarista oficial de portais. É lá que ele transpõe tudo o que sabe sobre leis, direitos de ir e vir, humanidade e segurança pública, sempre sob o lema “bandido bom é bandido morto” e suas variações: “direitos humanos são direitos dos manos”, “direitos humanos para humanos direitos”, “tá com pena do bandido, leva pra casa”, “estatuto de criança e adolescente protege o jovem bandido”, etc.
A sofisticação de seu raciocínio denota uma deficiência lógica e cognitiva. Lógica porque vê impunidade em presídios superlotados destinados a animais, não para humanos. E cognitiva porque confessa a incapacidade de reconhecer a humanidade no outro – o outro é sempre o “bandido”, mas também pode ser a “biscate”, o “drogado”, o “mano”, o “playboy” e até o “que tem dó de bandido”. Para ele, não há nada, nem carne nem osso nem sangue debaixo do rótulo: tudo é uma questão de senso de oportunidade. Daí a paranoia, daí a patologia. O conselheiro Aires, célebre personagem de Machado de Assis, é quem costumava dizer: “a ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito”.
Esse comentarista de portal, também chamado de “sommelier de pena”, conseguiu emprego com um raciocínio parecido. Hoje é comentarista profissional. Disposto a jogar no lixo anos de lutas históricas, direitos adquiridos e proteção humana pelo fato de pagar imposto demais em seus produtos eletrônicos (que ele associa à corrupção, ao estado de insegurança, à impunidade, à ação de justiceiros e à necessidade do retorno ao estado de natureza), migrou o comentário de efeito retórico que apavorava os filhos (ou os pais, pois muitos mal saíram da fralda) para a internet e até para a tevê. Ali, seus delírios são reproduzidos como sentença definitiva. Por exemplo. Um menino, negro, é amarrado ao poste pelo pescoço, com a trava de uma bicicleta, nu e com a orelha cortada, em meio a uma movimentada avenida do Rio de Janeiro. Nestes delírios midiáticos, não se cogita sequer a possibilidade de ele ser inocente. Até que prove o contrário, é o “trombadinha” que transformava a vida das pessoas de bem em um inferno naquele trecho da Cidade Maravilhosa. Não importa se na Carta de 1988 não consta o vexame e exposição pública, com direito a mutilação, como meio de punir um crime antes de ser indiciado, denunciado, enquadrado, julgado e condenado.
Importa apenas o delírio.
Neste delírio, o inferno são os outros, e já que não inventaram uma capsula protetora para separar os que têm fome e os que não têm, resta esticar até o impossível a lógica de um argumento em partes desconectadas: “pagamos muitos impostos”, “a Justiça é morosa”, “vivemos no País da impunidade”, “a lei só protege bandidos”. E pronto: meia dúzia de clichês e embasamento mambembe e a salada está à mesa e os crimes, equiparados. É quando uma orelha decepada se torna menos grave que um suposto crime contra o patrimônio. Este país que aplaude o justiçamento é o mesmo que ignora uma questão histórica: o açoite é causa, não consequência, da tragédia - e esta não foi abolida com o fim da escravidão.
Para quem tem a solução debaixo do braço, a História é para os fracos. Para quem tem pena de quem não merece pena. Pela lógica dos comentaristas profissionais de portais, a ação dos justiceiros está legitimada quando a “pena” que tolera o crime é eliminada. Se a moda pega, não vai ter mão para amarrar nem desamarrar uns aos outros: uns farão justiça contra quem rouba carteiras; outros, contra quem desejar a mulher do próximo; outros, contra quem compra ou vende produto pirata; outros, contra suborno ao guarda para fugir da multa; outros, contra quem aceitar propinas; outros, contra quem faz vistas grossas sobre a venda ou consumo do crack nas grandes cidades. Se a lei não existe, tudo é permitido, e o Brasil se transformaria, assim, em uma grande Itaguaí  - com o perdão, novamente, a Machado de Assis, que criou a cidade onde todos os habitantes, de diferentes graus de insanidade, foram parar no hospício até que não sobrasse ninguém nas ruas no conto O Alienista.
Em algum momento da vida, todos passariam pelo educativo processo de purificação dos pecados: seriam açoitados em praça pública até refletir sobre os próprios atos, e não sobre a própria fome. Ficariam amarrados, inclusive, os que tem pena de quem não teve pena de quem não tem pena.
Nossa sede de justiça seria, assim, parte da paisagem sem precisar levar ninguém para casa. Estaria exposta e à vista de todos, como a desfaçatez de quem perdeu a vergonha de relinchar em horário nobre.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/

"Retrato da Repressão Política no Campo - Brasil 1962 – 1985. Camponeses torturados, mortos e desaparecidos"

Disponível para download gratuito o livro "Retrato da Repressão Política no Campo - Brasil 1962 – 1985. Camponeses torturados, mortos e desaparecidos", de Ana Carneiro e Marta Cioccari. Confira:http://goo.gl/5Qxmrb