quinta-feira, 29 de julho de 2010

Paulo Freire - "O Imortal"


Paulo Reglus Freire (1921-1997) faz opção e assume clareza política pelos que denomina oprimidos. Sua Filosofia, Pedagogia, Epistemologia, Teoria do Conhecimento para a Educação e Práxis Educacional vem sendo estudadas no mundo inteiro. O método freireano de alfabetização política (com ~ 40 horas para aprender a ler, a escrever e iniciar a formação de consciência política) foi sistematizado em 1962 a partir de experiências alfabetizadoras de adultos realizadas por ele durante todos os anos da década de 1950.
A. CONCEPÇÕES FREIREANAS – CONCEPÇÃO DE PESSOA: a pessoa é autora e criadora da história e da cultura; um ser naturalmente pedagógico, histórico, incompleto, inacabado, que se faz humana a na relação com o mundo histórico-social e na convivência com as demais pessoas. A PRIMEIRA IDÉIA-FORÇA DAS CONCEPÇÕES FREIREANAS ES´TÁ NA HARMONIA ENTRE A VOCAÇÃO ONTOLÓGICA DA PESSOA HISTÓRICA E TEMPORAL (DE SER SUJEITO) E AS CONDIÇÕES PARTICULARES DESSA SITUAÇÃO HUMANA (DE SUJEITO).

CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA, SOCIEDADE, CULTURA E PROCESSO HISTÓRICO:
História, sociedade, cultura e processo histórico são criados e transformados pelas pessoas humanas, educadas para suprimirem a consciência ingênua e formarem a consciência política.
CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO:
Educação é ato e processo sociopolítico e uma situação gnoseológica aonde as pessoas, mediadas pela realidade histórico-social, em relação dialógica umas com as outras e em permanente leitura analítico-crítica daquela realidade superam a pobreza política e a consciência ingênua construindo, até a morte, a consciência política pela rejeição a todas as formas de opressão.
CONCEPÇÃO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:
“Não existe ensinar sem aprender”; “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”; “Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”.
CONCEPÇÃO DE EDUCADOR E EDUCANDO: Dodiscência é o conceito que expressa a mutualidade inseparável entre educador e educando no processo de ensinar-aprender. Nos processos educativo e de aprendizagem há dodiscentes –sujeitos do processo ensino-aprendizagem.

CONCEPÇÃO DE ESCOLA E AULA:
Círculo de Cultura é o espaço e a forma para a aprendizagem. A Escola formal e Aula tradicional são descartáveis para a aprendizagem.

CONCEPÇÃO DA FUNDAMENTAMENTALIDADE DA REFLEXÃO CRÍTICA: s
em reflexão crítica na formação docente e na prática educativo-crítica a teoria vira “blablabla” e a prática é apenas “ativismo”. Na reflexão crítica a leitura do mundo sempre precede a leitura da palavra.

FINALIDADE DO ENSINO: c
riar e promover curiosidade epistemológica, criar e manter possibilidades para produção/construção/reconstrução de conhecimentos.

CONCEPÇÃO DE UTOPIA:
Ato de conhecimento e de compromisso histórico para denunciar a estrutura desumanizante, para anunciar a estrutura humanizante e comprometer-se permanentemente com a realidade concreta.

ALGUNS CONCEITOS DA PEDAGOGIA POLÍTICA
Ciclo gnosiológico; Compartilhamento; Consciência crítica; Consciência política; Consciência ingênua; Conscientização; Criatividade; Criticidade; Curiosidade epistemológica; Curiosidade ingênua; Curiosidade domesticada; Diálogo; Estética (pureza); Ética (decência); Ética do humano; Pedagogia; Pedagogicidade; Postura dialógica; Realidade concreta; Realidade idealizada; Reflexão crítica; Responsabilidade ética; Responsabilidade histórica; Responsabilidade política; Responsabilidade social; Rigorosidade metódica; Saberes socialmente construídos na prática comunitária.

CONCEPÇÃO DE LEGÍTIMA PRÁTICA DE ENSINAR-APRENDER: a legítima prática de ensinar-aprender é “uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética”.

CONCEPÇÃO DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO: compaginado do diálogo com a realidade viva formando um universo vocabular do qual se extraem temas/palavras geradoras para o processo de ensinar-aprender.

CONCEPÇÃO DE LEITURA: a leitura verdadeira compromete o leitor com o texto lido; o ato de compreensão do texto torna o leitor sujeito do texto lido.

CONCEPÇÃO DE CICLO GNOSIOLÓGICO: fundamentais é conhecer o conhecimento existente (acumulado) e tornar-se aberto e apto para produzir conhecimento ainda não existente.
Ciclo gnosiológico é o momento de ensino e aprendizagem do conhecimento já existente e o momento de trabalhar a produção do conhecimento ainda não existente. As práticas da dodiscência e da pesquisa são fundamentais nos dois momentos do ciclo gnosiológico.


CONCEPÇÃO DE EDUCAR: a experiência e o exercício educativos são atos para formação moral do educando.

CONCEPÇÃO DAS 27 EXIGÊNCIAS DO ENSINAR
Ensinar exige:
-rigorosidade metódica
-pesquisa
-respeito aos saberes dos educandos
-criticidade
-estética e ética
-corporeificação das palavras pelo exemplo
-risco, aceitação do novo e rejeição a quaisquer formas de discriminação
-reflexão crítica sobre a prática educativa
-reconhecimento e assunção da identidade cultural
-consciência do inacabamento
-reconhecimento de ser condicionado
-respeito à autonomia do ser do educando
-bom senso
-humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores
-apreensão da realidade
-alegria e esperança
-convicção da possibilidade de mudança
-curiosidade
-segurança, competência profissional e generosidade
-comprometimento
-compreensão de que educação é forma de intervenção no mundo
-liberdade e autoridade
-tomada consciente de decisões
-saber escutar
-reconhecer que educação é ideológica
-disponibilidade para o diálogo
-querer bem aos educandos

CONCEPÇÃO DE ENSINAR: Ensinar é trabalhar os conteúdos educacionais dentro da rigorosidade do pensar certo.
Não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino.

CONCEPÇÃO DO PENSAR CERTO
a) Uma das condições do pensar certo é não estar inteiramente certo de certezas.
b) É o pensar rigorosamente ético e gerador de Estética, incompatível com a “desvergonha da arrogância de quem se acha ceia ou cheio de si mesmo”.
c) É a atitude transparente e afirmadora de que a maneira de estarmos no mundo e com o mundo como seres históricos é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo.
d) É exigência dos momentos do ciclo gnoseológico fazendo com que a curiosidade ingênua se torne mais e mais metodicamente rigorosa, transitando da ingenuidade para a curiosidade epistemológica.
A curiosidade epistemológica produz superação e não ruptura com a curiosidade (que deixa de ser ingênua).
e) Exige profundidade e não superficialidade na compreensão e na interpretação dos fatos.
f) É radicalmente coerente: as palavras tem corporeidade no exemplo; quem pensa certo faz certo.
g) Não há pensar certo sem prática testemunhal.
h) É disponibilidade ao risco, à aceitação do novo.
i) É rejeitar quaisquer tipos de discriminação.
j) Não é isolamento, mas ato comunicante e co-participado de entendimento.
k) É dialógico e não polêmico.
l) É rigorosidade metódica.

CONCEPÇÃO DE ALFABETIZAÇÃO EM ÁREA DE MISÉRIA: A dimensão humana é a única que dá sentido à tarefa de alfabetizar oprimidos.
Para a alfabetização é necessário realizar uma “espécie de psicanálise histórico-político-social” para extrojetar a culpa indevida que o poder ideológico dominante inculca nos dominados por responsabilizá-los por sua situação. Em seguida à psicanálise histórico-político-social inicia-se o ensino da escrita e da leitura da palavra.
Por Carlos Fernandes (http://escola.seduc.mt.gov.br/andremaggi/)

A educação é mercadoria no Brasil!


"Civita compra Anglo e fará mais aquisições"

Por Beth Koike e Cynthia Malta - Reproduzido do Valor Econômico

Em uma transação de apenas dois meses, a Abril Educação adquiriu 100% do Anglo, conhecido pelos seus sistemas de ensino e curso pré-vestibular. A negociação é o pontapé inicial da Abril Educação para uma fase de fusões e aquisições de empresas ligadas à área de ensino.

A compra do Anglo foi feita pela família Civita e não pela Abril S.A. Em janeiro, a Abril Educação foi separada do grupo, que continua tendo o sul-africano Naspers como sócio, com 30%. Hoje as editoras de livros didáticos Ática e Scipione e os sistemas de ensino Ser e Anglo pertencem a Roberto Civita e seus três filhos.

Ao adquirir o Anglo, a Abril Educação deixou para trás concorrentes de peso como a inglesa Pearson, dona do Financial Times, e a espanhola Santillana, que também disputaram a empresa brasileira, considerada uma das mais renomadas entre os sistemas de ensino. "A participação dos grupos internacionais deixou o jogo mais emocionante. Vou ligar para a Marjorie [Scardino, CEO da Pearson]", disse, sorridente, Roberto Civita, presidente do conselho de administração do grupo Abril. O contato com a sua colega Marjorie não é à toa. Em 2008, a Pearson tentou comprar, sem sucesso, as editoras Ática e Scipione e agora perdeu a disputa para a Abril.

O valor da transação não foi divulgado. Segundo o ex-sócio do Anglo Guilherme Faiguenboim, o Crédit Suisse avaliou a empresa em R$ 600 milhões, mas o mercado é unânime em afirmar que esse valor é muito alto. Segundo estimativas feitas pelo consultor especializado em educação, Ryon Braga, a transação saiu, no máximo, por R$ 450 milhões, considerando que o Anglo faturou R$ 150 milhões em 2009 e a margem lajida (ou ebtida) é de 50%. "O mercado não paga mais do que seis vezes o ebtida para uma instituição de ensino", diz o consultor. "Mas pode ter chegado até R$ 450 milhões porque o Anglo é a bola da vez. É uma das últimas empresas de sistemas de ensino que não estavam nas mãos de grupos consolidadores", observou Ryon. Com o Anglo, Civita comprou também cursinho para vestibular e para concurso público.

Abertura de capital

A Abril Educação entra para o grupo das cinco maiores empresas de sistemas de ensino do país, com mais de 330 mil alunos. Até então, a Abril tinha 85 mil alunos usando as apostilas do sistema Ser. Seus principais concorrentes são Positivo, Objetivo, além do COC e Pitágoras. Estas duas pertencem, respectivamente, a SEB e Kroton, que já estão na bolsa.

"Com o Anglo vamos entrar na área pública, onde o Ser não atuava. Existe um grande mercado a ser explorado", disse Manoel Amorim, novo presidente da Abril Educação. Ele, que estava na instituição americana Laureate até maio, teve como primeira missão comprar o Anglo. "Nossa meta é aumentar, em cinco anos, a atual receita de R$ 500 milhões para R$ 2,5 bilhões, o equivalente ao faturamento da Abril", disse Civita, que recebeu a reportagem do Valor na tarde de ontem [12/7], ao lado de Amorim, na sede do grupo Abril. Para atingir esses patamares, a Abril Educação inicia um forte processo de expansão, que inclui mais aquisições e eventuais fusões. Estão no foco ensino profissionalizante, idiomas e ensino à distância. "A ideia é diversificar nossa atuação", disse Amorim, que já está em conversações para fechar um novo negócio, a ser concluído ainda neste ano.

A operação do Anglo dentro da Abril será comandada pelo próprio Guilherme e seu filho Assaf Faiguenboim, que foram contratados como executivos da Abril. O outro sócio, Emílio Gabríades, vendeu sua participação de 50% e saiu totalmente do negócio. A outra metade estava dividida entre Guilherme e sua irmã.

Outro projeto que pode ajudar a Abril Educação a aumentar sua receita em cinco vezes é um IPO (oferta inicial de ações). "Achamos que podemos nos financiar, abrindo o capital", diz Civita. E ir à bolsa tendo o estrangeiro Naspers como sócio não seria possível. Amorim observou que o IPO poderá ser feito bem antes de a empresa chegar a um faturamento de R$ 1 bilhão.

***

Com Naspers, grupo vai focar em mídia e internet

Com a compra do Anglo, o Grupo Abril, o maior do país no setor de revistas, tem nova configuração e nova estratégia. Sem a área de educação, que fica nas mãos da família Civita, o grupo foca em mídia e internet, com planos de expandir as áreas de distribuição e gráfica.

"O Naspers, nosso sócio, não quer investir em educação. Ele quer mídia e internet. Com a separação, podemos fazer as duas coisas", disse ao Valor o presidente do conselho de administração do Grupo Abril, Roberto Civita.

O grupo de mídia sul-africano Naspers, que ficou com 30% da Abril em 2006, comprou no terceiro trimestre do ano passado 91% do site de comparação de preços Buscapé, por US$ 342 milhões. Nos últimos quatro anos, o sócio da Abril já investiu mais de US$ 800 milhões em aquisições no Brasil.

Brilho nos olhos

Para Roberto Civita, o futuro das publicações impressas – revistas ou jornais – passa pela internet. Mas países em desenvolvimento como Brasil, China e Índia, ainda há muito espaço a ser explorado pela mídia impressa. "O Brasil vende duas revistas per capita/ano. Em país de primeiro mundo essa relação é superior a 20", diz Civita, que não abre mão de imprimir em seu cartão de visitas o cargo de "Editor de Veja". Essa é a revista semanal mais vendida no país e significa 40% do negócio de revistas da Abril. Tamanha dependência, diz o empresário, só será reduzida com o lançamento de novas revistas.

Neste ano foram lançados dois títulos: Minha Casa e a feminina Máxima. As duas são dirigidas para a classe média emergente. A primeira, que fala de decoração, teve todos os 250 mil exemplares da primeira edição vendidos. Em agosto deve começar a circular a masculina Alfa, mais sofisticada do que a Playboy. E até o fim do ano, mais uma feminina deve chegar às bancas.

Os olhos de Civita brilham quando o assunto é "revista". Lembra-se que tem dados fresquinhos na sua sala. Quando volta, traz um papel: a audiência total da Abril é de 42 milhões de pessoas – 21 milhões leem revista e não acessam sites do grupo; 14 milhões não leem revista, mas acessam os seus sites e 7 milhões fazem as duas coisas. "Você vê? Estamos em um mundo novo!". (CM e BK)

Fonte: Observatório da Imprensa

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A Ecopedagogia e os Commons

Por Ivan Illich

Tanto o vazio interno, que requer o equipamento da educação, como o entorno de escassez, que deve converter-se lenta mas firmemente em valores econômicos, são ilusões politicamente homogêneas. Se o sentido de escassez frustrante que define nossa cultura tem um princípio na história, poderia também ter um final.

Educação e desenvolvimento são duas vacas sagradas que desde 1949 têm sido consideradas os animais de tiro do que chamamos progresso. Têm sido utilizados em muitas ocasiões.

Foi o presidente Truman quem deu a bênção financeira a essa união ao destinar orçamentos comuns em seu Programa do Quarto Ponto [1]. O tema do presente ensaio não é nenhuma das duas bestas, mas sua sagrada união. Com frequência tenho achado que ela está muito mais protegida que os animais que une.

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Com o passar dos anos tem sido alterado o significado dos dois termos, contudo o de sua união sofreu uma mudança muito mais profunda. Há quarenta anos, educação queria dizer escolaridade. A palavra evocava aulas, aprendizes de macacão [fato macaco], universitários debaixo das palmeiras e leitores em cada lar. Com a chegada de Kennedy à Casa Branca, o montante do financiamento aumentou: a nova agenda incluiu a administração de sistemas, projeto de currículo, materiais audiovisuais, rádio e a iminente TV, via satélite. Ao longo da frustrante década de setenta já não restavam orçamentos por aumentar; o que mudou foi a esperança. As expectativas giraram ao redor da conscientização e dos computadores. Durante todo o período a educação prometia uma participação cidadã informada e produtiva enquanto, de fato, só entregava certificados.

O “desenvolvimento” sofreu uma metamorfose paralela. No início significava pisos de cimento, mãos lavadas, artefatos elétricos, defensivos e hélices, cooperativas e cabines eleitorais que se esperava surgiriam das fábricas, das reformas agrárias e da construção das nações. Durante a primeira metade de sua vida, a cenoura do desenvolvimento foi a promessa de um cheque para todos. Depois incrementaram os preços do petróleo, chegou a contaminação, aumentaram as taxas de juros e os salários podiam comprar cada vez menos.

Como resultado de uma dependência cada vez maior do dinheiro real, grandes grupos da população adquiriram o sabor da pobreza modernizada. O desenvolvimento modificou de tal maneira o entorno, que os pobres perderam grande parte de sua habilidade para sobreviver dominando-se. O homem comum perdeu muito rapidamente suas oportunidades tradicionais e aos desempregados se somaram as mulheres. Para apontar a legitimidade do desenvolvimento durante a segunda metade de sua vida, a retórica se concentrou em subsidiárias locais, produção em pequena escala, autovalorização, em detrimento da vaga promessa de microprocessadores, da engenharia biológica e dos efeitos dos dejetos das gigantescas e caras plantas [fábricas] industriais.

Com a idade, as vacas sagradas perderam imagem mas não prestígio; todavia ainda estão bem alimentadas. O homem branco e barbado continua as venerando. Os cínicos seguem as invocando em seus discursos eleitorais. O sacerdócio profissional que floresceu em sua honra está dedicado a pesquisas que podem ser utilizadas como garrote para intimidar a todos que depreciam as vacas sagradas.

Quando me convidou, o senhor Garret sabia muito bem que essa é minha maneira de pensar. Inscreveu-me indicando-me como pensador. Senti-me honrado pelo epíteto, e também animado. Falar como pensador permite que me dirija somente àqueles que querem pensar comigo e que para isso estão dispostos a sair dos sulcos deixados pela teoria do progresso.

O tema da minha conferência é o vínculo que forma E e D, que é o modo a que me referirei à educação e ao desenvolvimento quando são considerados como binômio. Não posso buscar as origens desse vínculo no Romantismo nem na Ilustração [Iluminismo], mas posso observar sua história a partir da Segunda Guerra Mundial. Interessa-me o vínculo porque está se convertendo em um mal de origem desconhecida. Também me interessa porque considero que os pressupostos que o tornaram possível já deixaram de existir.

Ocupar-me-ei em primeiro lugar das duas formas de encarar os custos não econômicos do progresso: as externalidades e a função contrapositiva que aparecem tanto na educação como em outros setores econômicos básicos. Com o objetivo de simplificar utilizarei o exemplo dos transportes como contraponto da educação. Posteriormente chamarei a atenção sobre o pressuposto da escassez que é comum a ambos. Só então abordarei a história do nosso binômio e o perigo ao qual dá lugar: políticas ecopedagógicas altamente repressivas.

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Os termos E e D têm permanecido juntos ao longo de quatro décadas, mas conforme o binômio avança em idade, duas discrepâncias são seus significados. Como resultado disso, é mais difícil estudá-los hoje do que antes. Para alguns as duas palavras acendem um sinal de alerta; sentimos a necessidade de reduzir a marcha. Para outros, a luz é vermelha. O que tenho a dizer, não é para aqueles que a vêem verde; eles são o tema de meu estudo.

Para os que vêem o alerta, o crescimento de E e D continua sendo o objetivo. De alguma forma, após décadas de frustração aprenderam a não esperar a Shangrila. Sabem que não apenas terão que mudar a direção mas também os métodos e pressupostos. Há uma boa dúzia de alertas: o transbordamento dos custos, a deserção escolar, a maior polarização social, a decrescente qualidade e valor dos conhecimentos e mercadorias que dão status, as proliferantes burocracias, o profissionalismo incapacitante, a crescente repressão, a violência sobre o corpo e a mente, a transferência nítida de privilégios, a quantidade de externalidades específicas de classe. Cada uma dessas palavras indica uma categoria de mal que já conhecemos. Quando em meados dos anos cinquenta falávamos de desenvolvimento da educação, na Direção de Planejamento da Commonwealth de Porto Rico, apenas meus melhores colegas sabiam disso. Hoje não é necessário insistir que esses termos denominam efeitos sociais que se aplicam por igual à produção em massa de bens e serviços: que esses efeitos são inerentes ao crescimento e que aparecem independentemente do partido político que presida o jogo. Com a luz de alerta se reduz a velocidade, se a experiência nos ensinou que nenhum desses custos sociais pode ser evitado; pode haver ajustes entre eles e, no melhor dos casos, uma redistribuição social da carga.

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Conheço dezenas de pensadores que não perderam a fé na educação como necessidade básica e que possuem esperanças de melhorá-la e oferecê-la a mais pessoas. Tudo isso enquanto explode a caixa de Pandora! Embora continuem tendo esperanças, aprenderam a questionar as “verdades” fundamentais do passado. Pensemos em Majid Rahnema quando questiona a alfabetização obrigatória como objetivo das Nações Unidas. Lembremos John Holt quando organiza os pais de família para resistir à escolaridade obrigatória; John Ohliger desmascarando a educação obrigatória para adultos como solução final para as oportunidades de aprendizagem; os queixosos que objetam o tratamento preferencial outorgado aos diplomados e os tribunais norte-americanos que decidem em seu favor. O mesmo sucede no campo do desenvolvimento. Uma década atrás, o ecodesenvolvimento parecia ser apenas o passatempo de Ignacy Sachs. Hoje é quase um conhecimento convencional, embora em conflito com a maioria dos interesses estabelecidos. Existe um sem-número de exemplos.

É difícil sintetizar essa renovação sobretudo porque carece de uma ideologia comum. O que é comum às distintas iniciativas é um progresso incerto frente a casualidades insuperáveis. Portanto, qualquer síntese refletirá as categorias de quem a faz; nesse caso, as minhas. Para mim, aqueles que reduzem a marcha na corrida de E e D buscam uma transformação social que fomente uma aprendizagem mais informal e maiores oportunidades para atividades não econômicas orientadas à subsistência. Como resultado, à luz dos sinais de alerta, a educação como objetivo está flanqueada pela busca de oportunidades de aprendizagem não programada. O crescimento econômico como objetivo está rodeado de atividades que reduzem a necessidade de adquirir mercadorias. A aprendizagem sem educação e a satisfação sem produção nem consumo aparecem como a outra cara de E e D.

Sei muito bem que os efeitos que acabo de resumir de nenhum modo são a intenção da maioria que, apesar dos sinais de alerta, se compromete modesta e realisticamente com E e D. A síntese é o resultado de minhas reflexões sobre a luz vermelha. As obscuridades que associo com a educação e o crescimento econômico não são primordialmente as externalidades sociais que acendem o alerta. Para mim elas foram muito mais importantes nos anos setenta. Hoje vinculo esses dois empenhos principalmente aos efeitos colaterais diretamente contrapositivos que têm arrastado. Associo a educação a uma espécie de turma de natação, na qual os alunos são treinados para se manterem flutuando em uma maré sempre maior de bits, uma inundação que há tempo os separou do terreno do significado pessoal. À medida que se ensina o aluno a manejar com cada vez maior habilidade a investida da informação, até mesmo seu desejo de se apoiar em um sistema significativo vai se erodindo. De forma similar ao desenvolvimento e ao crescimento econômico, considero a contraprodutividade como a frustrante capacidade das instituições de afastar seus clientes, especialmente a maioria desfavorecida, exatamente do objetivo para o qual foram criadas. Por essa razão considero a educação como a ameaça mais direta às condições nas quais pode ter lugar uma aprendizagem significativa, e considero o crescimento econômico como o desafio mais direto aos commons [baldio onde existe uso comum pelos habitantes do lugar] e aos costumes sobre os quais se baseia a subsistência vernácula.

Dessa forma, as análises das luzes de alerta e vermelha se complementam. Com as primeiras se dá luz a externalidades; as segundas representam um prejuízo metódico que nos exige uma comparação contínua dos objetivos expressos de uma instituição e seus efeitos diretamente contrapositivos. Sob a luz de alerta, as instituições educativas são fonte de desigualdade, de privilégio, de tributação negativa e de ruptura do espaço urbano. Sob da luz vermelha, a educação ameaça de forma direta a aprendizagem não formal ao legitimar a separação entre as oportunidades de aprender e o entorno, e ao preparar os alunos para depender da informação programada. Sob a luz amarela, o trânsito gera contaminação, acidentes, barulho e privilégios; sob a luz vermelha, o crescimento e a aceleração do trânsito são percebidos como uma forma de reduzir o acesso mútuo a um custo de tempo muito elevado.

Separadas, as análises das luzes de alerta e vermelha ficam incompletas, mas ao não distingui-las entre si, a confusão persiste. Somente por meio do claro reconhecimento da diferença entre produção de externalidades e produção contrapositiva podemos conceber formas que vão mais além da necessidade de um crescimento indefinido. Isso se dá porque a análise sob a luz de alerta questiona meios e objetivos, não pode questionar pressupostos fundamentais. Somente sob a luz vermelha, esses pressupostos, sobre os quais foram construídos os propósitos e os objetivos, se tornam objeto de análise. Tratarei de mostrar como, referindo-me à história do nó ou vínculo de nossas vacas sagradas.

Não se pode sequer falar de educação e desenvolvimento sem dois pressupostos. Primeiro, que os mundos interno e externo estão separados entre si, ambos sujeitos a uma administração. O segundo pressuposto é que esses dois espaços necessitam ser preenchidos com algum produto que é escasso. Educação se refere à empresa institucional que dota o mundo interno dos alunos de habilidades, competências ou atitudes escassas e que – a juízo do educador – são socialmente desejáveis. O desenvolvimento denota o processo institucional correspondente mediante o qual o mundo externo, concebido como um entorno cheio de recursos escassos, é transformado em um espaço social cheio de bens de valor econômico. A educação, no sentido limitado em que utilizo o termo, refere-se à aprendizagem sob o pressuposto de que o conhecimento socialmente valioso é escasso. O “desenvolvimento” se converte em uma ameba verbal inútil, a menos que seja utilizado para designar a criação de valores sob o pressuposto de sua escassez. Desde que se ataram E e D, o crescimento humano e material foram considerados empresas construtoras em domínios de diferente natureza.

Em cada década mudou a ótica a partir da qual se considerava essa complementaridade. No início a retórica era política e idealista. Falava-se de desenvolvimento como a construção de um mundo apto aos egressos de escolas socialistas ou democráticas. Nos anos cinquenta a relação recíproca dos dois espaços já era percebida de maneira distinta. A coordenação do interno e do externo era perseguida com o objetivo de alcançar o chamado progresso sócio-econômico. Discutiu-se pela primeira vez os ajustes entre os investimentos em capital humano e material. Em termos claros, dever-se-ia dar às pessoas as qualificações que as converteriam em ativos produtivos. A força de trabalho era vista agora como um recurso humano. O investimento educativo em capital humano, junto com a capacidade industrial, as matérias-primas e o crédito, era reconhecido como um fator econômico determinante do crescimento econômico.

Nos anos setenta mudaram novamente as tendências e as modas interpretativas devido à ecologia e aos microprocessadores – que tomo como símbolo. Por um lado se compreendeu que somente dentro de limites muito estreitos, o entorno pode ser utilizado como uma mina ou como uma lata de lixo. Por outro lado, parecia que até aquele momento a educação havia incrementado as necessidades muito mais rapidamente do que a produtividade. Havia contribuído a impulsionar as demandas politicamente formuladas muito além da capacidade de sustentação do entorno, e isso justamente no momento em que os microcomputadores começaram a substituir as pessoas na produção. À exceção de uma minoria científica e profissional, a educação é agora mais importante para converter as pessoas em consumidores disciplinados do que em trabalhadores produtivos.

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Nesses dois casos, o vínculo E e D perdeu sua inocência. A educação, como qualificação da mão-de-obra é um empreendimento através do qual se disciplina as pessoas para a realização competente de um trabalho que para ela não significa nada. Mais recentemente, a educação, como treinamento para tornar-se cliente da indústria de serviços, para usar computadores e para consumir, é um empreendimento que ensina as pessoas a conformar-se com vidas que, fora do trabalho, carecem de sentido. Em ambos os casos, a educação é uma forma de fazer com que as pessoas sejam apêndices do crescimento econômico. Mas esse crescimento econômico não chegará e, se chegar, será de natureza totalmente simbólica. Se o termo “desenvolvimento” há de sobreviver, deve adquirir um novo sentido. Até hoje ele significou maior quantidade de bens de uso intensivo de energia e mais serviço profissional. Ambos os tipos de crescimento alcançaram sua assímptota, não tanto porque suas externalidades tenham se tornado intoleráveis, mas porque se tornaram contraprodutivas. Nesse caso, desenvolvimento só pode significar uma mudança de crescimento a um estado estável. Mas o sentido de estado estável dependerá inteiramente da forma que interpretarmos o presente.

Podemos continuar com a ilusão de que nossos pressupostos básicos sobre a natureza humana e a sociedade são de alguma forma “naturais” e que, sem sabê-lo, todas as culturas os compartem conosco. Agindo assim, continuaremos pressupondo que todas as culturas de alguma forma provêem os jovens com educação e que em todos os lugares as pessoas vivem de produtos escassos. Sob essa hipótese, a dependência da educação e das mercadorias sempre foi uma condição do homem, e não há sentido em transcendê-la.

Se continuarmos presos a esse esquema mental, o desenvolvimento de uma sociedade de estado estável requererá uma intensidade educativa e administrativa sem precedentes. Somente um alto grau, inimaginável até agora, de produção sóbria, prudência no consumo e vigilância mútua tornará possível a sobrevivência. Somente um ensino vitalício, projetado em conformidade com o entorno, poderá proporcionar tanta “educação”. Reler Skinner poderia nos preparar para esse cenário de uma ditadura ecopedagógica.

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Mas não temos que continuar nesse caminho. Agora que o trabalho, a educação, o progresso, o transporte e o crescimento perderam seu esplendor chegou o momento de revelar publicamente as origens históricas de nossos pressupostos. Tomemos a escassez. A maioria hoje em dia aprendeu esse pressuposto nessa geração. Tomemos como exemplo o transporte. Grande parte dos que hoje estão vivos nasceram auto-móveis. Só contavam com seus pés para deslocar-se. A cultura definiu seu espaço de alcance, mas dentro desse, tinham acesso quase ilimitado entre si. De forma geral, transladar-se de um lugar a outro não dependia de um recurso escasso, que você não podia ter e eu tinha. Isso mudou completamente para nós. Criamos um mundo no qual temos que nos deslocar, no qual temos que consumir quilômetros-passageiro. E sempre se escasseiam – se eu chego, competirei contigo por um assento. Pertencemos à subespécie humana do homo transportandus. Da mesma forma pertencemos à subespécie do homo educandus. Houve o tempo em que, em todos os lugares, qualquer coisa que as pessoas tinham aprendido a necessitar, o haviam aprendido porque tinha sentido para ela e havia sido demonstrada sua utilidade. Hoje nos é ensinado constantemente o que tem sentido desde uma ótica que todavia não é a nossa, e nos são ensinadas coisas que, segundo nos dizem, algum dia nos será útil. E nos é ensinado só aquilo que podemos pagar, ou o que a sociedade está em condições de nos dar. A educação, como resultado do ensino, é sempre uma mercadoria, um serviço e, como tal, é escassa.

À luz desses dois exemplos podemos entender por que a educação pôde ser acoplada tão facilmente ao crescimento econômico; ambos empreendimentos se baseiam no pressuposto da escassez e ambos tendem a propagar o pressuposto, a experiência e a organização da escassez.

Tanto a educação quanto o desenvolvimento são empreendimentos de construção social. Cada um cria esse novo tipo de espaço que depois equipa. A educação cria o vazio psíquico interno que exige ser equipado e depois monopoliza a produção da sua escassa mobília. O desenvolvimento redefine o mundo exterior como “o entorno” – uma palavra que atualmente é utilizada para designar o continente de escassos recursos em que vivemos. E e D, juntos, são o catalisador que sintetiza ambos nessa realidade de uso intensivo de mercadorias na qual pensamos e nos movemos.

Dessa forma, E e D atuam como profecias auto-realizadoras sobre o homem. Criam o sujeito que eles mesmos dotam dos recursos monetários necessários: o homo economicus. Em ambos os casos, resultam “ambientalmente” eficazes. Ao criar um vazio interno, a educação priva de sentido os commons e como resultado o homo se torna educandus: para aprender necessita ser educado. A língua materna ensinada desvaloriza a fala e o sentido vernáculos. O crescimento industrial atua de maneira semelhante. Conceitual e simbolicamente metamorfoseia os commons em um recurso para extração, produção e circulação de mercadorias, e com isso destrói o meio para uma subsistência vernácula, local, culturalmente definida. Os itinerários e as distâncias criadas pelas estradas criam o homo transportandus: um bípede imóvel a menos que tenha acesso a um veículo. Dessa forma, o homo educandus e o homo transportandus não são seres fictícios; não obstante, confio em que não representem uma mutação irreversível de nossa espécie.

Essa minha esperança é compartilhada por muita gente dos bairros humildes e pelas comunidades indígenas do México. Encontra sua expressão em centenas de brincadeiras engraçadas e às vezes irônicas sobre E e D. Mas essa esperança é estranha à maioria de meus colegas. Como consequência, não conseguem ver além de seu nariz profissional. Sua preocupação atual está enfocada cada vez mais a uma só pergunta: como educar com muito menos dinheiro para um entorno que requer “operadores muito mais qualificados do que se pensou há dez anos”. Embora agora queiram que se vá “devagar”, para eles o homo economicus representa uma mutação irreversível. E essa é a razão pela qual a transição do crescimento ao estado estável requer um novo tipo de co-administração que eu tenho chamado de ecopedagogia.

Como disse no início, a ecopedagogia me interessa por duas razões: primeiro porque a racionalidade industrial alcança seu ponto mais alto na chamada co-administração pós-industrial dos dois espaços e, segundo, porque através do intuito de co-administração ambos espaços podem ser facilmente expostos como construções recentes que poderiam rapidamente se desvanecer.

Tanto o vazio interno, que requer o equipamento da educação, como o entorno de escassez, que deve converter-se lenta mas firmemente em valores econômicos, são ilusões politicamente homogêneas. Ambos espaços são coerentes com a fantasia ética que Luis Dumont chama de homo economicus e que tomou corpo de Mandeville a Marx. Ambos supõe também que esse novo ser vive em um meio mundial aonde circulam a informação e a energia, ilusão que permitiu a nossos barbados antepassados reduzir a linguagem à comunicação, o costume a trabalho, o gênero a sexo. Antes de tudo, E e D são poderosos motores para criar escassez: estendem seu pressuposto, intensificam seu sentido e legitimam as instituições criadas a seu redor. Estou trabalhando para mostrar a história da escassez, porque se o sentido de escassez frustrante que define nossa cultura tem um princípio na história, poderia também ter um final.

De fato, o ideal de ilustração da molécula “humana” está se desvanecendo por duas razões: em primeiro lugar, porque muitos de nós reconhecem que têm um futuro obscuro e, em segundo lugar, porque compreendemos que sua descendência de ideais passados é muito menos legítima do que havíamos suposto. Longe de ser uma aspiração fundamental, E e D podem ser simplesmente complementos úteis que devemos tomar com sobriedade. A transição do crescimento ao estado estável não tem que se predicar ao homo economicus, cuja necessidade cotidiana de aprendizagem e sobrevivência deve ser satisfeita através da produção social de educação e de bens.

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Como chamar o projeto inverso de reconquista do direito de viver em comunidades autolimitadas nas quais cada um guarde seu próprio modo de subsistência? Se me visse pressionado, denominaria esse projeto como a recuperação dos commons. Os commons, na tradição e no direito, se referem a um tipo de espaço que é fundamentalmente diferente do espaço do qual falam quase todos os ecologistas. Os biólogos falam de habitat e os economistas de um receptáculo que contém recursos e oportunidades. O entorno público se opõe ao domicílio privado. Nenhum deles é um common.

Os commons são um espaço cultural que está além da minha porta e desse lado do deserto. O costume define as distintas utilidades dos commons para cada um. Os commons são porosos. Cada pessoa pode utilizar o mesmo lugar com propósitos diferentes. E, sobretudo, o costume protege os commons. Não são recursos comunitários; os commons se convertem em recurso somente quando o lord [o nobre, o senhor] ou a comunidade os cerca. Os cercos metamorfoseiam o common em um recurso para extração, produção ou circulação de mercadorias. Os commons são tão vernáculos como a fala vernácula. Não pretendo dizer que seja possível recriar os antigos commons. Mas ao carecer de uma analogia melhor, falo da recuperação dos commons para indicar como, ao menos conceitualmente, poderíamos avançar para além de nossas vacas sagradas.

A ação realmente orientada à subsistência transcende o espaço econômico, reconstitui os commons. Isso é tão certo para a fala que recupera a linguagem comum como para a ação, que recupera os commons do meio ambiente.

Tradução: Leo Vinicius.

Notas

[*] Texto lido no Congresso organizado pelo Centre for Overseas Studies, Escola de Educação da Universidade de Bristol, em abril de 1983. Esse texto de Ivan Illich é oportuno, em meio à suposta polêmica que um livro de Elisabeth Badinter estaria causando. Badinter afirma que o discurso ecologista estaria levando a uma maior sujeição das mulheres. Veja matéria aqui: http://www1.folha.uol.com.br/bbc/742187-feminista-diz-em-livro-que-movimento-ecologista-oprime-as-maes.shtml Por fazer uma crítica do desenvolvimentismo, alertando para o caráter repressivo das políticas ecopedagógicas que viriam com ele, Illich já havia se antecipado a isso (Nota do Tradutor).

[1] Em 1949 o então presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, enunciou linhas de ação para a política externa norte-americana, sendo o quarto ponto o compromisso de tornar o conhecimento técnico norte-americano disponível para as nações pobres (Nota do Tradutor).

Ilustrações: de cima para baixo, uma colagem de Richard Hamilton (1956); uma escultura de Andy Warhol (1969), na janela de destaque e no thumbnail estão outras versões; uma escultura de Arman (1962); uma escultura de George Segal (1964-1966); uma composição em arte electrónica de Richard Gallatin (2006); e uma escultura de não sabemos quem, embora gostássemos de saber.

Fonte: Passa Palavra

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Por uma estratégia revolucionária contra o regime democrático-burguês

Por uma estratégia revolucionária contra o regime democrático-burguês

Por Eduardo Almeida Neto

a) As tarefas democráticas e nacionais e a revolução socialista

A época de dominação imperialis ta tornou impossível para a bur­guesia a realização das tarefas democráticas não realizadas da revolu­ção burguesa, como a independência nacional e a reforma agrária.

Isto se dá, em primeiro lugar, em função de seus próprios inte­resses. Como vimos, a dominação imperialista se faz também pela associação com setores da burguesia nacional. Não existem hoje setores importantes da burguesia nacional com posturas anti-im­perialistas.

Por outro lado, o domínio capitalista no campo associa a burgue­sia industrial com a burguesia agrária. Não existe no Brasil uma bur­guesia industrial diferenciada ("interessada no mercado interno") que geraria a reforma agrária, que queira enfrentar a burguesia agrária. Ao contrário, grandes empresas industriais como a V olkswagen e bancos como o Real possuem grandes latifúndios.

Em segundo lugar, porque para realizar estas tarefas da revolução democrático-burguesa, a burguesia teria de recorrer à mobilização revolucionária das massas, que inevitavelmente não se limitaria a estas propostas. O proletariado moderno e concentrado existente no país exigiria seguramente melhores salários e condições de vida, o que se chocaria com os lucros da burguesia. Hoje, a luta por questões míni­mas como salários e empregos se choca com a dominação burguesa capitalis ta.

Não existem condições para avançar nem em relação às tarefas democráticas da revolução burguesa (independência nacional, refor­ma agrária), nem em relação às questões básicas da sobrevivência (salá­rio, emprego, moradia, saúde, educação) sem se chocar com a domi­nação capitalis ta.

Por este motivo não é a burguesia que pode levar adiante a luta pela reforma agrária ou contra a dominação imperialista, mas sim os traba­lhadores, com o proletariado a frente. Esta não é uma especificidade brasileira, mas uma característica da época imperialista deste século re­fletida no Brasil.

Esta é a razão de fundo para que nesta época não tenha mais senti­do a separação entre o programa mínimo (salário, emprego, etc.) e máximo (a luta pelo poder, pelo socialismo). Hoje se impõe um pro­grama de u:ansição, que articule as lutas cotidianas das massas por suas condições de vida, as tarefas nacionais, a luta contra o governo, o regime e a exploração capitalista. A única forma de aplicar um progra­ma deste tipo é a tomada do poder, a destruição do Estado burguês.

Na Rússia de 1917, a revolução democrática de fevereiro, que der­rubou a monarquia do czar, rapidamente transformou-se em revolu­ção socialista. O fim da guerra e a reforma agrária só foram possíveis através da revolução socialista, feita pelo proletariado em aliança com o campesinato. Não foi nenhum setor da burguesia que garantiu a reforma agrária, uma tarefa democrática, que corresponderia à revo­lução burguesa.

Não descartamos a possibilidade de outros setores de classes pode­rem assumir uma dinâmica revolucionária (como o próprio campesi­nato na revolução chinesa, setores da pequena-burguesia urbana junto ao campesinato na revolução cubana) e este último século tem de­monstrado isso por características especiais de sua conformação histó­rica, atraso do proletariado, etc.

Aqui no Brasil, no entanto, e em inúmeros outros países, os pro­cess~ revolucionários que começaram com tarefas democráticas como as derrubadas das ditaduras e mesmo a deposição de Collor, não avan­çaram para uma revolução socialista.

O predomínio das direções reformistas é o principal fator que ex­plica este atraso no processo, que vai se refletir em uma ausência de consciência anticapitalista das massas e na falta de uma organização independente em relação à burguesia. Isso leva a que as lutas sejam congeladas nas tarefas democráticas. Não estamos dizendo que estas lutas poderiam chegar cada uma delas até a revolução socialista. Estamos dizendo que poderiam avançar, acumulando forças neste sentido. A derrubada da ditadura terminou na constituição de um regime demo­crático-burguês ao qual o PT se integrou completamente. A derruba­ da de Collor foi encaminhada para a posse do vice - Itamar Franco­com o apoio entusiástico da direção do PT, da CUT e do PC do B.

É importante ter presente que tarefas democráticas e/ou conquis­tas democráticas, regime democrático-burguês e política de reação democrática não são a mesma coisa. Defendemos as conquistas demo­cráticas que as massas arrancaram com suas lutas, quando ameaçadas, bem como palavras de ordem democráticas que se enfrentem com o regime. Não confundimos a luta contra o regime democrático-burgu­ês com a recusa sectária e ultra esquerdista a defender palavras de or­dem democráticas. No Brasil, por exemplo várias palavras de ordem democráticas já foram de grande importância. no passado recente como "Abaixo a ditadura", "Diretas, já", etc.

b) A democracia burguesa é uma ditadura de classe

O Estado burguês, como qualquer Estado, é uma ditadura de uma ciasse sobre as outras. "O Estado é o produto e a manifestação do antago­nismo inconciliável das classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classe não podem objetivamente ser conciliados. E, reciprocamente, a existência do Estado prova que as contradições de classes são inconciliáveis" (O Estado e a revolução, Lenin, pago 9)

No caso específico do Estado burguês, trata-se da dominação da burguesia - uma ínfima minoria - sobre a maioria dos trabalhadores. Para garantir essa dominação, o Estado necessita se apoiar em uma força armada. "O segundo traço característico do Estado é a instiluição de um poder público que já não corresponde diretamente à população e se organiza também ,'omo força armada. Esse poder público separado é in­dispensável, porque a organização espontânea da população em armas se tornou impossível desde que a sociedade se dividiu em classes...Esse poder público existe em todos os Estados. Compreende não só os homens arma­dos, como também elementos materiais, prisões, e instituições coercivas de toda espécie, que a sociedade patriarcal (clã) não conheceu" (Engels, citado no livro acima)

A democracia burguesa é um regime, uma articulação deter­minada das instituições do Estado burguês e, portanto, também uma ditadura da burguesia sobre os explorados, uma democracia para os ricos. "A sociedade capitalista, considerada nas suas mais favorá­

veis condições de desenvolvimento, oferece-nos uma demo,'racia mais ou menos completa na república democrática. Mas essa democracia é sempre comprimi­da no quadro estreito da exploração capitalista; no fundo, ela não passa nunca da democracia de uma minoria, das classes possuidoras, dos ricos. A liberdade na sociedade capitalista continua sempre a ser, mais ou menos, o que foi nas Repúblicas da Grécia antiga: uma liberdade de senhores fundada na escravidão"(livro citado, pág. 107).

"De outra parte, os operários sabem muito bem que a liberdade de reunião, mesmo na república burguesa mais democrática, é uma frase va­zia de sentido, Dois os ricos possuem os melhores pré1ios públicos e priva­dos, assim 'como o ócio necessário, para se reunirem sob a proteção deste aparelho governamental burguês... A liberdade de imprensa é igualmente uma das grandes divisas da democracia pura... esta liberdade é uma men­tira, na medida em que as melhores impressoras e os maiores estoques de papel são açambarcados pelos capitalistas" (Teses de Lenin sobre a de­mocracia burguesa e a ditadura do proletariado, 10 Congresso da III Internacional).

A dominação burguesa se apóia, em primeiro lugar, na propriedade dos meios de produção e distribuição: as grandes empresas industriais e comerciais, os bancos e fazendas.

A burguesia se utiliza do poder econômico para controlar o poder

político. No caso da democracia burguesa existente no Brasil, o con­trole se faz através da presidência da República e dos governos estadu­ais e municipais; dos parlamentos federal, estaduais e municipais; as­sim como da justiça. No caso brasileiro, com um regime presiden­cialista, é o executivo federal, a presidência da República, a instituição política mais importante e centralizadora.

4 existência dos três poderes serve para a burguesia ter alternati­vas a mais para controlar a sociedade, podendo se utilizar de um con­tra o outro quando o necessite. Estes centros de poder também ser­vem para resolver os conflitos internos da burguesia.

As democracias burguesas, assim como qualquer Estado, sobrevi­vem por estarem apoiadas em um poder militar, a coerção. Ao contrá­rio das ditaduras (quando as Forças Armadas assumem diretamente o poder político), na democracia burguesa as FFAA assumem uma mai­or presença quando são necessárias em momentos de crise. Mas, mes­mo quando não estão em ação, servem para garantir o poder político da burguesia, para que ninguém se atreva a contestar suas decisões.

A dominação da burguesia se dá também por um controle políti­

co-ideológico (consentimento). No caso da democracia burguesa isto se faz por uma complexa rede que inclui desde as instituições do Estado (governo, parlamentos) aos partidos políticos, igrejas e escolas. Os meios de comunicação, com especial destaque para a televisão e os jornais, são componentes essenciais desta rede.

Por este sistema de instituições do Estado e não estatais se di­fundem as políticas da burguesia (a defesa do Plano Real, da estabi­lidade econômica, por exemplo) assim como suas ideologias (o di­reito legítimo da propriedade dos meios de produção, "trabalhan­do se pode subir na vida", "a vida é mesmo assim, e nunca vai ser

diferente", etc.). .

Segundo Perry Anderson, a força deste regime advém da legiti­mação que a burguesia consegue para sua dominação através das elei­

ções: "a novidade deste consenso é que adota a forma fundamental da crença pela massas de que elas exercem uma autodeterminação definitiva no interior da ordem social existente" (As antinomias de Antonio Gramsci, página 52).

O desgaste de um governo pode ser resolvido no interior da de­mocracia burguesa pela sua substituição por meio do voto, em novas eleições, o que dá a ilusão da "autodeterminação". Mesmo com o iní­cio da crise do regime e a desconfiança em relação as eleições e aos "políticos", a democracia burguesa mantém uma força relativa enquan­to não houver uma alternativa das próprias massas (ou também da ultradireita).

A "reação democrática" é como chamamos a política da burguesia e dos reformistas de encaminhar a resolução das crises políticas para as eleições, um terreno controlado e viciado pela burguesia. Tem como objetivo manter as massas distantes da luta política direta, dissolver tudo no pântano da democracia burguesa. Esta é uma política defensi­va da burguesia, mas eficaz para a recomposição do regime, na medida em que as massas confiem em direções que estão dispostas a colaborar com a burguesia.

Enquanto não existir uma alternativa própria das massas, não é possível destruir o Estado e a democracia burguesa. Essa alternativa só pode ser a construção de um poder que esteja apoiado nas mobiliza­ções e organizações dos próprios trabalhadores, em grandes ascensos revolucionários, em que a autodeterminação das massas passe por sua ação direta, que possibilite a luta pelo poder.

Assim, nos grandes ascensos revolucionários existe a tendência a um duplo poder (um poder das massas que coexiste com o poder

burguês por um curto período), que termina pela derrota de um ou

de outro. Foi assim com os soviets da revolução russ~, vitoriosos em 1917, com os cordões industriais no Chile em 1973, a COB na Bolívia em 1985, e o Solidariedade em 1980, derrotados por golpes contra­revolucionários. Ocorreu também o duplo poder em Portugal, com os conselhos da revolução portuguesa de 1975, derrotados pelo enca­minhamento do processo revolucionário para as eleições, via reação democrática. Ocorre hoje na Colômbia, com a guerrilha ocupando 40% do território. O surgimento do Parlamento dos Povos, em janei­ro deste ano no Equador, e a Coordenadora das Águas, no mês de abril em Cochabamba, ressalta a importância que podem ter estes or­ganismos no próximo período.

c) A crise do Plano Real e da democracia burguesa no Brasil

Com a explosão da âncora cambial e a conseqüente desvaloriza­çào do real, abriu-se uma crise do modelo de dominação imperialista no país. Estamos perante, portanto, nào somente uma crise de gover­no - como foi a do governo Collor - mas diante da crise de um mode­lo (o modelo neoliberal) que uniu a burguesia estes anos todos, assim como uma crise da democracia burguesa.

O Plano Real é o mais anti-social e pró-imperialista de toda a história do país. Ele propiciou um grau inédito de rapinagem, desnacionalização, sangria e transferência de uma enorme massa de mais",valia e capitais para os oligopólios e o sistema financeiro dos países centrais. O país foi à insolvência com esse processo.

O modelo de endividamento e financiamento externo levado a cabo por FIlC - que elevou a dívida externa de US$100 para US$ 250 bilhões e a dívida interna de R$ 61 para mais de R$ 500 bilhões - está se esgotando. Esse endividamento todo nestes anos financiou as im­portações de mercadorias estrangeiras, remessas extraordinárias de lucros das multinacionais para o exterior, os passeios e viagens da clas­se média alta para fora do país. A remuneração (pagamento de juros e de prestações) destas dívidas foi não só consumindo parcelas cada vez maiores das receitas do governo, como patrimônio público: a entrega das estatais.

Os dólares atraídos pelo governo não se reverteram em inves­timentos na produção, em aumento da capacidade instalada (salvo a implantação de um punhado de montadoras) e infra-estrutura: o país cresceu a taxas medíocres nestes anos (em média 2,7% do PIB ao ano - taxa de crescimento inferior à da década de 80 que foi de 2,8%).

Agora, o Estado tem nas mãos duas dívidas - externa e interna ­impagáveis nos termos atuais. Duas tremendas bombas de tempo, àbeira da explosão. E o imperialismo quer que o país coloque o conjun­to da economia a serviço do pagamento destas.

A crise do modelo econômico da ditadura (o fim do "milagre eco­nômico") levou à derrubada da mesma e à chamada "década perdida", nome dado à década de 80. Naquele momento, a burguesia não tinha um projeto unificado r que garantisse a valorização sustentada do capi­tal e tinha contra si uma correlação de forças desfavorável, com um ascenso sustentado e contínuo das massas. Freqüentemente a burgue­sia se dividia, oscilava em diferentes tentativas de planos que se sucedi­am e fracassavam: ora optavam por uma saída mais apoiada no merca­do interno (plano Cruzado), ora guinavam para saídas mais apoiadas no imperialismo (planos Bresser e Verão).

A crise de hoje é mais grave que a do fim da ditadura. A crise da economia mundial imperialista é hoje mais profunda e mais grave que a da década de 70 e o país é muito mais dependente, subordinado e desnacionalizado. O governo FHC, recém entrado em seu segundo mandato, perdeu muito da força de seu primeiro mandato.

Mas a resultante não está definida. A crise pode terminar por ser absorvida pelas instituições, através de novas eleições dentro do calen­dário eleitoral, ou mesmo fora dele. Na queda de Collor, perante uma ruptu1:a em curso, a ação das oposições levou à recomposição do regi­me com a posse do vice-presidente.

Neste momento, o governo está reagindo com uma repressão crescente, em uma polarização contra a retomada do ascenso das massas.

É natural que isto ocorra, a semelhança de outros países da Am. Latina ( o auto-golpe de Fujimori, o estado de sítio de Banzer, etc.).Este rumo autoritário é o que chamamos de "bonapartismo", em referên­cia ao Bonaparte francês .

A burguesia tem poucas margens para fazer concessões econômi­cas, tem que atacar o movimento de massas, e vai tender a reações bonapartis tas.

Pode ser, no entanto que pelas derrotas frente ao movimento de mas­sas, o governo caminhe para uma "sarneyzação" (semelhante a paralisia do governo Sarney em 89 , depois da greve geral), ou mesmo para a derrubada (como ocorreu com Collor).

Pode ser ainda que avance para um enfraquecimento das institui­ções da democracia burguesa, no caminho de um regime onde predo­mine a conçiliação de classes, ~om a incorporação de partidos operári­os como o PT. Isto já ocorreu em muitos momentos na história do movimento operário, com o exemplo clássico de 1917 na Rússia com o governo burguês de Kerensky, que para tentar superar sua debilida­de incorporou os Mencheviques e Socialistas revolucionários ao go­verno, permanecendo os bolcheviques na oposição. Daí surge a deno­minação deste tipo de regime como "kerenkista". Isto pode ocorrer ao menos parcialmente no Brasil, porque já se tornou comum que o PT cumpra o papel de bombeiro para ajudar o regime em momentos de crise.

O governo FHC , para chegar ao final pode se apoiar em um recurso ao bonapartismo ou a uma incorporação crescente da susten­tação do PT.

É fundamental atentar para o processo latino-americano, para ter claro que não temos pela frente como única hipótese uma evolução linear de enfraquecimento de FHC até sua substituição eleitoral em 2002. Além disso, é preciso atentar para a distância que as massas sen­tem do regime e seus representantes, o que aponta para a possibilidade de movimentos por fora dos trilhos normais da democracia burguesa, como já começa a ocorrer com a radicalização das lutas. Em particular os revolucionários tem a obrigação de estimular a ação direta das mas­sas e toda uma série de políticas de enfrentamento e desgaste com o reglme.

d) A estratégia de acúmulo de forças para a luta pelo poder

Na conjuntura atual, evidentemente não temos nenhuma condi­ção de lutar pelo poder. Isto só será possível a partir de uma mudança na realidade objetiva, de um grande ascenso revolucionário. Mas te­mos a obrigação, no período de crise que se abre, de discutir uma estratégia de acúmulo de forças para a luta pelo poder. Isso significa a construção de um poder dos trabalhadores através de suas mobilizações e organizações, contraposto ao poder da burguesia.

Todas as nossas mais variadas táticas têm que estar a serviço dessa estratégia. Para isso, é necessário o desenvolvimento de alguns elementos fundamen tais:

Mobilização das massas - esse é o fator básico, o desenvolvimen­to da ação direta, sem o qual nenhuma estratégia revolucionária seria viável. Isso implica, que antes de mais nada temos que estimular e ser os campeões da defesa da ação direta como prioritária em relação à ação institucional. No Brasil de hoje, isto significa a estratégia de der­rubar FHC pela via da ação das massas e não apostar no calendário eleitoral de 2002, como faz a direção do PT.

Na Venezuela, significa apostar na mobilização independente dos trabalhadores em relação ao governo Chávez. Na Colômbia, significa desenvolver o caminho das lutas diretas das massas que já levaram a uma greve geral dos trabalhadores. No Equador, no Paraguai, na Bo­lívia significa apostar na mobilização direta das massas para cumprir a tarefa que está colocada que é a derrubada de seus respectivos governos.

Auto-organização das massas - O desenvolvimento dos organis­mos das massas está estreitamente ligado ao nível de suas lutas. Nada mais delirante que tentar desenvolver sovietes em um momento de refluxo das massas como é hoje no Brasil. Nada mais importante do que desenvolver um organismo de duplo poder como o Parlamento dos Povos no momento da insurreição no Equador.

A materialização desta estratégia hoje no Brasil é a disputa pela direção dos organismos das massas que existem: os sindicatos e as­sociações, contra as posições reformis tas. Significa revolucionar estas entidades, colocando-as em direção a esta estratégia, o que transcende os limites sindicais. Significa também criar e aprofundar relações entre os sindicatos, o movimento dos sem-terra, associa­ções de bairros, etc, ao redor das lutas comuns. Estes serão os em­briões de novas organizações no momento das grandes mobiliza­ções do futuro.

As lutas políticas contra o governo e o regime são parte das tare­fas dos organismos sindicais hoje. Nós buscaremos e defenderemos a

mais ampla democracia e autodeterminação do movimento (comandos amplos e de base nas lutas). Com o desenvolvimento das lutas, vamos buscar construir organismos que reunam todos os setores dos movimen­tos sindicais / populares / es tudan til, sem-terra, etc.

No futuro estas organizações de massas, ou as que surgirem nas mo~ bilizações revolucionárias, poderão se contrapor ao poder burguês atra­vés de um poder das massas, estabelecendo um duplo poder, típico das situações revolucionárias. A lut"a contra todas as instituições do regime democrático-bur­gy§ - é preciso lutar contra todas estas instituições, desde o gover­no até o parlamento, justiça e forças armadas. Os reformistas em geral só lutam contra o governo nos marcos do regime, buscando capitalizar eleitoralmente o espaço de oposição.

Nós participamos das eleições como uma tática, não como uma estratégia que subordina nossa intervenção. Não nos integramos ao regime, ao contrário, lutamos para destruí-Io.

Na Venezuela, não só denunciamos o Congresso e a Corte Supre­ma, mas também utilizamos o método de exigências e denúncias con­tra a Assembléia Constituinte e o governo Chávez.

No Equador, não apontamos para a convivência do Parlamento dos Povos com a democracia burguesa, mas para a estratégia de dar todo o poder ao Parlamento dos Povos.

Apresentar uma saída classista para a crise - defendemos um go­verno dos trabalhadores e um programa anticapitalista para enfrentar a q:ise do capital. O governo dos trabalhadores é a principal palavra de ordem do nosso programa desta situação, a que sintetiza nossa es­tratégia.

Aqui, se materializam muitas de nossas diferenças estratégicas com várias das direções majoritárias das massas, desde a Articulação até as guerrilhas das FARC Colombianas e a direção do Parlamento dos Povos no Equador.

Estas correntes, usam o método reformista das eleições, a luta ar­mada das guerrilhas ou ainda a insurreição para reivindicar um pro­grama de desenvolvimento capitalista como alternativa à crise do neoliberalismo. Da mesma forma, propõem governos conjuntos com a burguesia, sejam de frente popular como a direção do PT, de unida­ de nacional como as FARC, ou com os "empresários honestos" do Par­lamento dos Povos.

A construção de uma direção revolucionária - que possa dispu­tar a direção das massas com a direção da CUT e do PT. A nosso ver esta tarefa se materializa na construção de um novo partido revolucionário, que reuna os revolucionários dispersos no Brasil, ao redor de um progra­ma revolucionário e de um estatuto apoiado no centralismo democrático.

Fonte: Brasil reforma ou revolução

O que é Ideologia






Como nasce a ideologia? - uma estória para começar...- Numa certa tribo primitiva da Austrália, o ritual de passagem da infância para a vida adulta era cercado de crueldades, para provar a força, resistência e coragem dos jovens. Entre outras coisas, o jovem era fechado numa cabana, junto a um enxame de furiosas abelhas. O jovem deveria suportar todas as ferroadas sem soltar um ai. Depois ele deveria enfrentar feras no mato com instrumentos precários de autodefesa...Enfim, somente após um ritual de atrocidades é que ele poderia ser considerado membro adulto da tribo, com todos os privilégios reservados apenas aos guerreiros. Só os filhos dos chefes religiosos da tribo, que presidiam tais rituais, é que estavam isentos dessas práticas, porque só pelo fato de serem de descendência sagrada, eles já partilhavam da força dos deuses, o que os habilitava para posições privilegiadas. Foram os próprios deuses que, no princípio, assim estabeleceram as coisas!

Nem é preciso dizer, que num passado muito distante, foram os religiosos que criaram e regulamentaram os rituais de passagem.

A ideologia é um conhecimento deformado e falseado da realidade que beneficia um grupo em detrimento de outro. Quem tem mais poder na sociedade, tem mais possibilidade de impor sua ideologia. Porque tem um pensamento mais elaborado e tem à sua disposição melhores meios para difundi-la. Os membros sagrados da tribo, devido sua posição privilegiada tinham maiores condições de impor sua cosmovisão a todo o grupo. Afinal, seu papel é altamente legitimado pela crença generalizada no seu poder sobrenatural. O fenômeno ideológico é um produto necessário do fenômeno da desigualdade social.

A desigualdade é um fenômeno de poder e esse poder precisa legitimar-se.

Precisam, portanto, justificar a necessidade da permanência da realidade como ela é, mantendo um quadro de idéias para convencer os outros disso.

A ideologia é a justificação das posições sociais. Nesse sentido, a ideologia conta com a participação e colaboração da filosofia, da literatura, das ciências, do direito etc. A realidade é transformada em mito e o dominado crê no mito. Conscientizar é desmitificar.

A ideologia usa a ciência:

Há uma “atitude ideológica”, quando um cientista, um jurista ou um meio de comunicação são utilizados para falsificar a realidade. Nesse sentido, nem a ciência nem o direito são neutros. É impossível existir neutralidade em questões sociais.

No século XVII, os “cientistas” da Igreja tinham que acreditar e ensinar que a Terra era o Centro do Universo (teoria geocêntrica), pois assim faziam supor as Sagradas Escrituras, interpretadas pelos Santos Padres e pela Hierarquia da Igreja. Mesmo tendo apontado o telescópio para os céus e comprovado que o Sol era o centro do nosso sistema, Galileu foi obrigado a abjurar, em 1633, para não ser queimado vivo, como acontecera com Giordano Bruno, em 1600. Galileu ficou em prisão domiciliar até o final da vida. Só em 1992 a Igreja reconheceu publicamente que Galileu estava certo.

Principalmente em Estados Totalitários, a ciência é muito usada para fins de justificação do regime. Por isso há controle e censura à produção científica. Hitler, por exemplo, queria provar, cientificamente, a superioridade da raça ariana sobre todas as outras raças. Faziam-se experiências, inclusive com seres humanos. Uma ditadura pode usar “explicações científicas” para provar a necessidade e a oportunidade de se construir uma Usina Nuclear em Angra dos Reis, ou uma Rodovia Transamazônica. Recorrer à ciência, às estatísticas, dá uma maior importância, uma aparência de certeza da verdade, ao fato em discussão.

Até os dominados "defendem" a ideologia dominante:

- Foi Deus quem quis assim. Quando ele quiser, ele manda chuva para nós. Não podemos reclamar, não.
Uma pobre mulher nordestina dizia isso em junho de 2001.
- Minha senhora, não foi Deus, não! O dinheiro que já foi enviado para a SUDENE daria para ter inundado o Sertão. O Sertão poderia ter virado mar... Grande parte da culpa é dos corruptos que ficam com nosso suado dinheirinho... que, juntado, dá um dinheirão!

VIDEO SOBRE IDEOLOGIA...ESCUTE A LETRA DA MÚSICA:


X+

1. Estude bem o texto e diga o que é ideologia , com suas próprias palavras .

PARA PENSAR:
É negra, mas é limpinha!
É negro, de alma branca!
É pobre, mas honesto!
Mora na favela, mas não é bandido!
É homossexual, mas é gente boa!
É loura, mas é inteligente!
É sem-terra, mas não é baderneiro!

Bibligrafia
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. Coleção Primeiros Passos. Editora Brasiliense.

MARX, Karl, ENGELS, F. A ideologia alemã. Trad. José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. 6ª ed. São Paulo: Hucitec, 1987.