segunda-feira, 21 de março de 2016

Biblioteca do Marxismo: + de 1300 livros para download gratuito

Karl Marx, 1818 – 1883. Imagem: Pinterest.
O Marxismo é uma teoria revolucionária proposta por Karl Marx e Friedrich Engels. Ambos, amigos, reuniram a filosofia alemã e a crítica à economia política inglesa, juntamente com aspectos políticos franceses e ingleses, para dar vida a uma das maiores invenções na filosofia moderna.
Entenda um pouco do nascimento do marxismo e baixe quantos livros quiser na biblioteca do marxismo, disponível no fim da matéria.

Índice

A teoria do marxismo

Marx fundou uma nova ciência: a ciência da história. Vou ilustrar isso. As ciências com as quais somos familiares têm seus alicerces em alguns “continentes”. Antes de Marx, dois desses continentes haviam sido abertos ao conhecimento científico: o continente da matemática e o continente da física. O primeiro pelos gregos (Tales), o segundo por Galileu. Marx abriu um terceiro continente ao conhecimento científico: o continente da história [Louis Althusser, A Filosofia Como Uma Arma Revolucionária]
O marxismo nasceu no século XIX, em meio a miséria da classe operária, com jornadas de trabalho de 14 à 16 horas diárias, e entre as revoluções de 1848, em que a burguesia experimenta pela primeira vez o medo de ter sua posição dirigente na sociedade destituída.
Segundo Althusser, a “fusão da teoria marxista com o movimento operário é o evento mais importante de toda a história da luta de classes, ou seja, de praticamente toda a história da humanidade”, já que o marxismo atua como arma na mão do proletariado.
A classe proletária não tinha uma forma de se defender sistemática e com pretensões científicas, os poucos pensadores da época que tinham alguma solidariedade aos operários vilipendiados pela camada intelectual eram filiados a órgãos da burguesia, como Fourier e Saint Simon.
Suas análises também não tocavam o ponto-chave: a centralidade da estrutura econômica como determinante social e a luta de classes como motor da história.
Foi somente com Marx e Engels que o proletariado conseguiu vislumbrar alguma esperança em destruir seus grilhões e, definitivamente, se emancipar.
O marxismo figura como uma teoria e uma arma de guerra, uma ciência e uma espada. Não é uma brincadeira acadêmica, apesar de convenientemente estar concentrado nos muros da universidade.
Marxismo é uma teoria da práxis, da prática que se renova a partir da experiência, é uma das formulações teóricas mais estudadas do mundo contemporâneo.
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A biblioteca do marxismo é um vistoso drive com mais de 1300 livros de diversos pensadores proeminentes da teoria marxista, como Karl Marx, Friedrich Engels, Lênin, Fredric Jameson, Theodor Adorno, Rosa Luxemburgo, Slavoj Zizek, Alain Badiou, E.P. Thompson entre outros.
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Acervo fornecido pela fanpage Livros Marxistas.
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Inquietações sobre a Lava Jato e o medo

Ilustração de Marlon Anjos 

Este artigo não é uma defesa do PT, que aceitou, aprendeu e adotou o comportamento dos grandes partidos brasileiros. É, por outro lado, defesa daquela que foi outrora a base desse partido, a heterogênea classe trabalhadora brasileira, hoje em vias de criminalização. Tampouco se pretende aqui fechar questão sobre os problemas da grave conjuntura pela qual o país passa. É, ao contrário, uma contribuição para um canal de diálogo e reflexão que deve permanecer aberto.
A conjuntura contemporânea coloca um problema que extrapola o embate entre orientações partidárias e envolve modificações de fundo do regime político: a ascensão de um movimento de extrema direita apoiado, insuflado e sustentado pela grande empresa midiática e pela maior entidade empresarial brasileira, a FIESP. As intervenções dos grupos de extrema direta, organizados em entidades que recebem apoio direto de empresariados diversos, representam a pauta do comportamento político que o empresariado apoia e pretende impor. O lastro comum, um violento anticomunismo primário e grotesco, não atinge apenas o PT mas o conjunto das forças que ousam lutar por um mundo diferente. E a própria classe trabalhadora.
A classe trabalhadora precisa preservar os espaços que conquistou – ninguém os concedeu – para sua organização livre, sua livre expressão e a defesa de seus interesses e opiniões. E isso hoje está ameaçado no Brasil.
Ao deslocar a questão da corrupção sistêmica que grassa em todos os grandes partidos e da conjunção carnal entre Estado brasileiro e grandes interesses corporativos para quase unicamente um dos partidos, um juiz se tornou estrela midiática e refém desses grupos (e, infelizmente, parece acomodado a esse papel). Essa é uma base dramaticamente fértil para todas as exceções com “apoio jurídico”.
“A operação Lava Jato já tinha sido criticada não por aqueles que temiam sua extensão, mas por aqueles que queriam vê-la ir mais longe. Há tempos, ela mais parece uma operação Mãos Limpas maneta” (Safatle, 2016, Grifos adicionados).
Esta primeira inquietação aborda o comportamento e o medo da burguesia. Medo, aliás, que ela realmente deve ter: o de ir para a cadeia. Medo que deveriam ter também seus “serviçais”, desde os partidos corrompidos, seus indicados para comissões e cargos, até os mandantes de assassinatos recorrentes de camponeses, trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas, assim como a ação patrocinada de milícias nos grandes centros urbanos. Mortandade corriqueira e cotidiana, da qual somos tristes campeões internacionais.
A prisão de dirigente-proprietário de uma das maiores empreiteiras brasileiras, Marcelo Odebrecht, suscita poucos comentários na imprensa proprietária. Um silêncio sepulcral, estranho numa mídia tão verborrágica e repetitiva quando são outros setores sociais os atingidos. O lema da Fiesp para apoiar o impeachment é prosaico: “não vamos pagar o pato”. Ora, esse lema pode ser lido também como “nós, os empresários, não iremos para a cadeia”. Sugerem que remetem a não mais “sustentar o Estado com seus impostos” – o que, aliás, não é verdade, uma vez que a estrutura fiscal brasileira, fortemente regressiva, repousa sobre a grande massa da população e não sobre os endinheirados. Parecem zombar da inteligência alheia.
A grande burguesia brasileira tem medo. E não é do PT que têm medo, mas de sua “fraqueza” em controlar a Polícia Federal, como sempre fizeram os demais governos. E tem razão para tanto. Os corrompidos são o outro lado dos corrompedores. A contradição do PT é insolúvel: empurrado a sustentar a Lava Jato enquanto ela se volta contra ele, é permanentemente manietado para sua ampliação em outras direções. Acomodou-se nesse desconforto: quanto mais pressionado, mais cede e negocia aos grandes interesses e mais perde coerência. Aceitou leis inaceitáveis, consolidando as formas de exceção, como aquela supostamente destinada a combater “terrorismo”.
Uma opção à altura da escassa civilização do conjunto dessas burguesias é comprar – e rapidamente – os novos “justiceiros”. Qual será a moeda? Não sabemos. Afinal, de acordo com a lógica dominante dos grandes proprietários, expressas em muitas de suas entidades, tudo se resolve no… mercado. Trata-se, para seus valores morais, apenas de precificar. Ora, terão esses “justiceiros” alguma causa além do bolso e do pequeno tempo de fama fulgurante?
São Paulo burguês também tem medo. O fulcro do poder burguês no país está profundamente amedrontado. Suas tensões internas são completamente silenciadas entre eles e na grande mídia, inclusive no jornal Valor Econômico, filho do casamento entre A Folha de S. Paulo e O Globo. O apoio que dão à operação Lava Jato tem data de validade: até conseguir emplacar novo governo, que controle definitivamente o voo do Ministério Público e da Polícia Federal. Para não esquecermos: até que nomeiem um novo “engavetador geral da república”, como Brindeiro, que protegeu FHC, sua entourage e os escândalos que pipocaram durante anos.
Candidamente, Mônica Bérgamo, cujo jornalismo tem os mesmos limites da grande imprensa brasileira, disse na Band News, em 17 de março passado, que a destituição rápida de Dilma Rousseff teria o mérito de lançar um balde de água fria na centralidade da Lava Jato e de permitir uma nova governabilidade, com menos sobressaltos. Ora, o que isso significa? Uma maneira de esfriar a Lava Jato, contê-la e direcioná-la. Que partido político terá credenciais para isso? Michel Temer e seu PMDB, juntamente com Eduardo Cunha? Eles representam o partido que sustenta há décadas a institucionalização da prática da compra generalizada, ampla e irrestrita, vitória das astúcias da chantagem e de fartos dossiês comprometedores.
O próprio juiz Sérgio Moro se converterá no responsável por amputar de vez as bases da legalidade, da representação eleitoral e das regras do Estado de direito? Sua proximidade com entidades patronais é mais do que inquietante. Para o editorial de um jornal como O Globo, expressão de um dos maiores conglomerados do país (três de seus proprietários figuram entre os indivíduos mais ricos do país) do Rio de Janeiro, não importam os meios nem os executantes:
 “Nesta hora, não importam os interesses pessoais do investigado [Eduardo] Cunha ao executar o roteiro regimental [do impeachment acelerado]. Para o país, interessa que seja rápido e dentro da lei.” (O GLOBO, 2016).
Pensam os “sergiosmoros” de data recente que a Polícia Federal terá alguma brecha para agir sob Cunha, Temer ou qualquer outro na linha de sucessão? Ou desde já apoiam seu caráter enviesado? Tudo aponta para a cristalização deste viés da Lava Jato, que despreza a lei para ocupar-se apenas de um lado, e representa a perda de direitos de todos.
Referências Bibliográficas
O GLOBO. Opinião. O impeachment é uma saída institucional da crise. O Globo, p. 20, 19 mar. 2016. Disponível em: glo.bo/25fXKWY
Safatle, V. O suicídio da Lava Jato. Folha de S. Paulo, 18 mar. 2016. Disponível em: bit.ly/1UawtSB

domingo, 20 de março de 2016

Brasil: combater o “golpe paraguaio” sem apoiar o governo Dilma

O que a direita prepara é um golpe “constitucional” para derrubar o governo mantendo o regime. Mas denunciar estes golpistas não significa dar o apoio a uma presidente e uma política que fraudaram as expectativas nelas depositadas. 

Um amigo de longa data envia-me uma mensagem, preocupado com a minha segurança. Quer saber se estou em Portugal ou no Brasil e, no segundo caso, se cuidei da minha segurança e da minha família diante do golpe militar iminente. Procuro tranquilizá-lo: não é um golpe militar que está em curso no Brasil, apesar de um setor minoritário das manifestações multitudinárias pelo afastamento de Dilma Rousseff pedir a intervenção das Forças Armadas. A maioria dos partidos da direita, o patronato representado pela poderosa FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o setor financeiro, os donos do agronegócio querem de facto afastar Dilma da Presidência e o PT do governo, mas o que preparam é um “golpe constitucional”, que seria a aprovação do impeachment da Presidente pelos deputados e senadores, mesmo sem haver fundamentação jurídica, isto é, sem haver um crime de responsabilidade cometido por Dilma Rousseff.
Este tipo de golpe, que derruba o governo mas mantém o regime, ficou conhecido por “golpe paraguaio” em memória da destituição do presidente daquele país, Fernando Lugo, por votação do senado, num processo relâmpago que durou pouco mais de 24 horas, no dia 22 de junho de 2012.
Tal como o processo de Lugo, o de Dilma é uma farsa, porque a presidente não é acusada de qualquer falta que possa ser considerada crime de responsabilidade. É uma farsa porque o processo de impeachment foi aceite por um presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que está acusado de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo Procurador Geral da República e foi tornado réu pelo próprio Tribunal Superior Federal. É uma farsa porque a primeira decisão de realmente abrir ou não o processo cabe a uma comissão de 65 deputados eleitos nesta quinta-feira, 40 dos quais receberam, para as suas campanhas eleitorais, contribuições financeiras de empresas investigadas pela Operação Lava Jato. Quatro desses deputados estão mesmo sob investigação dos procuradores.
Mais: pela lei, se Dilma for afastada, tomará posse o seu vice, Michel Temer, do PMDB, que é igualmente responsável pelas “pedaladas fiscais” que servem de pretexto para o impeachment da presidente.
Se o governo de Dilma cair, fruto desta farsa e da pressão das manifestações massivas que pedem o seu afastamento, o governo que vier a seguir será mais agressivo socialmente que o seu tem sido, mais austeritário, mais pró-imperialista, mais repressivo. Mas não será uma ditadura militar.
Depois desta longa explicação, o meu amigo não ficou muito tranquilo. Perguntou-me:
– Mas, então, para ti é indiferente haver ou não esse tal de impeachment?
Claro que não – respondi-lhe. Não se pode ficar neutro diante do impeachment. É preciso denunciá-lo e opor-se à farsa.
Governo indefensável
Mas uma coisa é denunciar e opor-se ao impeachment e outra muito diferente é apoiar este governo. Porque, desde que tomou posse, Dilma Rousseff aplicou uma política oposta àquela que defendeu na campanha eleitoral e a levou à Presidência. E, absurdo dos absurdos, é justamente a mesma política que defendia o seu adversário derrotado, Aécio Neves. O “ajuste fiscal”, o nome que dão no Brasil à nossa conhecida austeridade, começou logo por reduzir o subsídio de desemprego e o auxílio na doença, prosseguiu nos cortes de orçamento nas áreas sociais, e prepara-se para fazer uma reforma na Previdência Social que aumentará a idade da reforma e outros ataques. Numa economia já atingida pela recessão internacional e em particular pela queda de preços das matérias primas que o Brasil exporta, esta política teve um efeito devastador, levando o desemprego a crescer em flecha, aproximando-se dos 10%.
Até no terreno das liberdades democráticas o governo Dilma aplicou a política da direita, fazendo aprovar uma lei antiterrorista que pode ser usada para atacar o direito à manifestação e os movimentos sociais.
Como disse o Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Sem Teto, não vamos defender este governo, porque é indefensável. Ele é o culminar de uma política que começou a ser aplicada por Lula, de fazer tudo o que o grande capital financeiro e industrial querem, ao mesmo tempo que aproveitava a conjuntura internacional favorável para aplicar algumas medidas assistencialistas – as diversas bolsas, como a Bolsa Família – e aumentar um pouco, em termos reais, o salário mínimo. Num país com uma desigualdade tremenda, esse pouco significou muito para milhões de pessoas, mas o próprio Lula reconheceu que no seu governo os banqueiros ganharam como nunca.
Ao mesmo tempo, Lula procurou consolidar o seu poder através das mais espúrias alianças. Fernando Collor, seu adversário nas eleições de 1989 e o primeiro presidente a sofrer impeachment em 1992, é hoje um fervoroso aliado de Lula e de Dilma. Bem como o sinistro Paulo Maluf, que nos extertores da ditadura militar foi o candidato oficial a presidente na eleição indireta do Colégio Eleitoral e sobre o qual pesa um mandato de prisão internacional por movimentação de dinheiro ilícito. As alianças com o PMDB, o partido que está sempre por cima, com a Igreja Universal, com outros partidos menores de direita, implicaram o estabelecimento de uma rede de favores e de negócios que foi deixando de lado a “ética na política”, imagem de marca defendida originalmente pelo PT, para culminar em escândalos como o “Mensalão” e o “Petrolão”. O PT da afirmação da classe trabalhadora na cena política, porque “trabalhador vota em trabalhador”, transformou-se no partido do sistema, que governa o país há 13 anos e que em nada se diferencia dos outros. O Lula das greves do ABC transformou-se no “Lulinha paz e amor” que garante não oferecer perigo algum aos banqueiros e empresários.
Durante algum tempo, criou-se a ilusão que esta política conseguia o milagre de agradar a todos: o povo mais pobre melhorava, os banqueiros lucravam como nunca, o país crescia e os índices de popularidade de Lula batiam recordes. Mas quando a conjuntura internacional se alterou, a ilusão desfez-se, e a grande burguesia chegou à conclusão que já não precisava do PT para nada, que podia governar diretamente através dos seus partidos, como o PSDB.
Diante disto, Lula volta agora à ribalta política para defender a mesma política. O discurso que fez na manifestação desta sexta-feira em S. Paulo voltou a ser o do consenso, o do Lulinha paz e amor.
Por isso defendo que a esquerda socialista deve manter total independência em relação ao governo e combater a sua política. Porque Lula, o PT e esta política são os responsáveis pela atitude expectante em que está a classe trabalhadora, permitindo que uma classe média radicalizada pela extrema-direita assuma a hegemonia dos protestos de rua.
Corrupção e Lava Jato
E aqui entra a questão que tem estado no centro da atual crise política, a da corrupção.
O Brasil deu enormes avanços na investigação e punição da corrupção. Só os dois anos de Operação Lava Jato, que investiga exclusivamente os casos relacionados com a Petrobrás, já produziu a condenação de 93 pessoas, entre eles os presidentes ou ex-presidentes de empresas de construção gigantes, como a Odebrecht, a Camargo Correia, a OAS, ex-diretores da Petrobrás, um ex-tesoureiro do PT, empresários e doleiros. Até agora, os procuradores dirigidos pelo juíz Sérgio Moro conseguiram recuperar 2.900 milhões de reais e bloquear em contas nacionais ou no estrangeiro 2.400 milhões de reais.
O juíz Sérgio Moro foi construindo uma imagem de implacável e incorruptível, que lhe granjeou uma fama sem precedentes para um magistrado. E o facto de os políticos mais investigados serem do Partido dos Trabalhadores parecia explicar-se por ser o partido que está no poder ininterruptamente desde 2003. Ainda assim, causava estranheza que denúncias de outros políticos, como o senador Aécio Neves, citado cinco vezes em delações premiadas obtidas pela Lava Jato fossem deixadas de lado enquanto a investigação se concentrava cada vez mais exclusivamente no PT.
Nas últimas semanas, porém, ficou claro que há um desvio político na operação que se concentra agora na figura do ex-presidente Lula da Silva. Apesar de as suspeitas que pesam sobre Lula serem muito frágeis (um apartamento na cidade litoral do Guarujá não é nada que Lula não pudesse ter, apesar de o ex-presidente garantir que não é dele), houve o episódio da condução coercitiva de Lula a um interrogatório que repetiu as perguntas que já tinham sido feitas antes, e o pedido de prisão preventiva do ex-presidente, tão desastrado que foi quase unanimemente condenado, até por políticos do PSDB. A cereja no topo do bolo foi a atitude de Moro de divulgar ilegalmente escutas telefónicas com pouca ou nenhuma relevância para o processo, alegando que eram do “interesse público”.
A atitude de Moro foi tão condenável que até a Folha de S. Paulo, insuspeita de ter simpatias por Lula, disse em editorial esta sexta-feira que “em meio à crise, a Justiça deve dar o exemplo, mas o juiz Sérgio Moro se deixou levar por um cálculo político incompatível com o cargo”, acusando o magistrado de fazer uma “temerária incursão pelo cálculo político”, e argumentando que “não cabe a um magistrado ignorar ritos legais a fim de interromper o que sem dúvida representa um mal maior”.
A Operação Lava Jato está pois a ser usada como arma política. Mas isto não quer dizer que o envolvimento do PT com a corrupção não seja um facto: pelo menos dois ex-tesoureiros do PT e importantes quadros partidários, como José Dirceu, estão presos e foram condenados por se beneficiarem de esquemas corruptos. Nesse sentido, a decisão de Lula ir para o governo apareceu – mesmo que não seja essa a primeira intenção – como uma fuga à Justiça e constituiu um erro de cálculo evidente.
Mas é provável que, no caso de o “golpe paraguaio” triunfar, as investigações da Lava Jato comecem a marcar passo, que muitos dos denunciados, como Aécio Neves ou Michel Temer nunca venham a ser investigados e que a corrupção volte a ser a regra nas relações das empresas com o Estado.
Terceiro campo
Diante da extrema polarização contra e a favor do governo, a posição da esquerda socialista é difícil, tanto mais que a correlação de forças lhe é desfavorável. Combater a direita, denunciar o impeachment mantendo a independência em relação ao governo e lutando contra as suas políticas. Fazer uma frente entre os partidos como o PSOL. o PSTU e o PCB, organizações sociais como o MTST ou a CSP Conlutas e a Intersindical para construir um terceiro campo que apareça como uma alternativa. Será possível pelo menos começar a discutir esta frente? Será possível construir este terceiro campo? Todas as divergências entre estas organizações deveriam ser secundárias em função desta tarefa inadiável. A ver vamos.

Sobre o/a autor(a)

Jornalista do Esquerda.net - http://www.esquerda.net/
 

sexta-feira, 18 de março de 2016

EUA versus Nixon não foi bem isso, doutor Moro

Se há semelhanças entre os casos Watergate e Lava-Jato, só se pode encontrá-las em meio a um oceano de diferenças

O juiz Sergio Moro, em despacho no qual justifica a decisão de levantar sigilo de grampos telefônicos em que foi flagrada conversa entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, escreveu o seguinte: "Ademais, nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente, podendo ser citado o conhecido precedente da Suprema Corte norte-americana em US v. Nixon, 1974, ainda um exemplo a ser seguido". 
 São dois casos em que se podem garimpar semelhanças em meio a um oceano de diferenças. 
 Em 1972, quando o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, disputava a reeleição, um grupo de escroques foi surpreendido pela polícia ao arrombar a sede do Comitê Nacional Democrata, no conjunto Watergate, em Washington D.C. Equipamentos em poder dos bandidos sugeriram que eles pretendiam instalar escutas telefônicas no local. Descobriu-se que alguns dos invasores tinham conexões e haviam recebido dinheiro de altos assessores de Nixon. Aos poucos, a investigação desnudou uma trama grossa de ilegalidades praticadas pelo presidente e seus colaboradores.
O caso citado por Moro – que passou à jurisprudência com o nome do processo, EUA versus Nixon – teve lugar dois anos depois do episódio do arrombamento, no momento em que o presidente, já reeleito, era investigado no foro previsto em lei, ou seja, o Congresso. Veio a público que Nixon costumava gravar conversas no Salão Oval da Casa Branca. As comunicações do presidente dos Estados Unidos e seus assessores são consideradas tema de máxima segurança – vide a polêmica atual sobre os e-mails privados utilizados por Hillary Clinton no Departamento de Estado. 
Na expectativa de que as conversas pudessem levar a provas sobre ilegalidades, um promotor solicitou que Nixon entregasse as fitas. A Casa Branca negou-as, sob o pretexto de que se tratava de intromissão indevida em assuntos do Executivo, tentou afastar o promotor e até mesmo fornecer versões editadas das conversas. 
Um novo promotor, ao defender acesso aos documentos, sustentou que o sigilo das conversas presidenciais não é absoluto e que deveria, nesse caso, estar subordinado ao fim da prova da verdade num caso criminal. A Suprema Corte decidiu favoravelmente à entrega das fitas. Mais tarde, Nixon foi julgado, condenado e afastado da presidência. 
No caso americano, não houve decisão judicial de grampear o presidente, e sim requisição de provas no contexto de uma investigação criminal na qual as ações de Nixon eram legal e expressamente devassadas. 
A entrega das fitas foi solicitada na forma da lei, respeitados os direitos e garantias de Nixon, que, utilizando-se de suas prerrogativas, tentou por todos os meios evitá-la. 
Toda a investigação transcorreu no âmbito legítimo, o do Legislativo, ao qual compete investigar o presidente. 
Se um juiz americano de primeira instância tivesse autorizado gravação da qual participa, ainda que acidentalmente, o presidente da República e, em seguida, tornado o registro público, não há a menor dúvida de que estaríamos, sim, diante de um caso exemplar: a carreira do magistrado estaria encerrada.
Fonte: http://zh.clicrbs.com.br

quinta-feira, 17 de março de 2016

A crise do PT: o ponto de chegada da metamorfose

 mauro iasi lula

Por Mauro Luis Iasi.

“Na luta política, não se pode macaquear os métodos de luta das classes dominantes sem cair em emboscadas fáceis”. – ANTONIO GRAMSCI

No momento em que encerrava meus estudos de doutorado sobre o PT em 2004 (As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o amoldamento. São Paulo: Expressão Popular, 2006) utilizei uma citação de José Genoino que me parecia bastante representativa do ponto a que chegara este importante partido em sua trajetória. O mais interessante é que no texto, que foi publicado em 1989, o ex-presidente do PT que na época se localizava nas fileiras da esquerda daquela agremiação, buscava descrever as características dos partidos conservadores, próprios da estrutura política tradicional. Por uma das ironias da história, pareceu-me que tal descrição poderia bem ser utilizada para descrever o ponto a que chegou a metamorfose do PT.

Dizia Genoino:

“Genericamente, na sociedade industrial moderna, os partidos políticos da ordem nascem e atuam fundamentalmente no terreno das instituições representativas do Estado. O seu modo de ser e sua atuação política têm como referência e destino estar aí, operando em algum dos aparatos do Estado. A forma como estes partidos se organizam e se estruturam já vem marcada por este objetivo interesseiro, o de conservar a funcionalidade do estado de coisas estabelecido. Ou, no máximo, moldando as exigências de mudanças a um esquema de representações significativas que não abalem os alicerces das relações sociais determinadas pelo conservadorismo. Estes partidos mantêm uma relação com as massas populares essencialmente manipulatória, fazendo-as crer que a sociedade (e o Estado) só terá garantias de funcionamento se determinados limites não forem ultrapassados e se determinados esquemas funcionais forem mantidos. E não poucas vezes, a manipulação e a mentira são revestidas com discursos moralizantes para encobrir a sua descarada hipocrisia”.

(GENOINO, José. “Um projeto socialista ainda em construção”. In: GADOTI, Moacir. Pra que PT?. São Paulo: Cortez, 1989. p. 356)

O paradoxo é que o PT não nasceu no terreno das instituições representativas do Estado, mas no terreno fértil da luta de classes. Entretanto, a descrição acima indica com clareza o ponto de chegada de uma organização que, nascida no solo da luta de classes, deslocou seu ser para o terreno perigoso do “estar aí, operando em alguns dos aparatos de Estado”, com todas as consequências que daí derivam. Não apenas o respeitar dos limites, afirmados como intransponíveis pois ancorados nas restrições da “funcionalidade do estado de coisas estabelecido”, mas sobretudo aquilo que hoje se torna dramático: fazer crer às massas que a garantia de sua vitalidade só de dará na medida em que sejam respeitados tais limites, levando à uma ação marcada pela “manipulação e a mentira” revestidas por um discurso moralizante que tenta encobrir sua descarada hipocrisia.

Seria este um destino inescapável para aqueles que buscam o poder? Creio que não. Tal conclusão nada mais é que a expressão mais sofisticada da máxima do senso comum segundo a qual o “poder corrompe”. Caso nos rendêssemos a esta conclusão, teríamos que nos aprofundar nos escritos de John Holloway buscando os caminhos para mudar o mundo sem tomar o poder, apenas para descobrir que ele também ainda não os encontrou.

Continuo convencido de que a explicação para a metamorfose do PT tem de ser buscada na própria estratégia adotada pelo partido e seus limites. Ainda que o desfecho atual não possa ser entendido como o único desenvolvimento possível desta estratégia (governos como o da Venezuela e da Bolívia comprovam que haviam outras trajetórias possíveis, ainda que não isentas de impasses semelhantes), é seguro afirmar que o ponto de chegada guarda uma coerência com o caminho escolhido.

A TRAJETÓRIA DA ESTRATÉGIA DEMOCRÁTICA POPULAR

O caminho que leva das intenções iniciais da Estratégia Democrática Popular à sua implementação numa situação de governo é muito longo e cheio de matizes que não é possível aqui reproduzir. Desta maneira, vou centrar a atenção em alguns pontos que considero centrais para jogar um pouco mais de luz no desfecho trágico que agora presenciamos e pensar sobre perspectivas que se abrem.

Em sua substância mais essencial, a Estratégia Democrática Popular esperava, através de uma combinação de dois movimentos em “pinça” (a construção de um movimento socialista de massas de um lado, e assegurar as expressões institucionais destas lutas na conquista de espaços institucionais de outro), chegar ao Governo Federal para executar um programa anti-latifundiário, anti-imperialista e anti-monopolista. Buscando diferenciar-se da antiga formulação do PCB sobre a Revolução Democrática Nacional, um governo nestas condições que busca realizar este programa não representaria uma nova teoria de “etapas”, uma vez que sua implementação só poderia se dar por um governo “hegemonizado pelos trabalhadores”, sem nenhuma aliança estratégica com a burguesia.

Completa tal formulação a afirmação presente no V Encontro Nacional do PT (1987) segundo a qual a superação do capitalismo e o início da construção socialista marcava uma “ruptura radical” que pressupunha a necessidade dos trabalhadores tornarem-se classe “hegemônica e dominante no poder de Estado”, eliminando o “poder político exercido pela burguesia”.

A conjunção de vários fatores (a derrota eleitoral para Collor, a reestruturação produtiva do capital, a crise nas experiências de transição socialista, etc.) fará com que um processo de inflexão moderada se iniciasse a partir do VII Encontro Nacional (1990). A diferença sutil, mas cheia de significado, aparece nas resoluções deste encontro quando cita a formulação do V Encontro que apresentamos antes, afirmando que os trabalhadores devem se tornar hegemônicos na sociedade civil e no Estado, deixando outros aspectos do projeto socialista como “desafios em aberto”.

Para os bons observadores, é fácil notar que o que desaparece da frase é a necessidade dos trabalhadores tornarem classe dominante no Estado destruindo o poder político da burguesia e a desconsideração explicita na primeira formulação segundo a qual não haveria “qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem colocar o poder político – o Estado – a seu serviço”.

O que parece ficar implícito é que os trabalhadores poderiam ocupar a máquina do Estado burguês e colocá-la a seu serviço. Tal raciocínio se explicita já no I Congresso em 1991, quando as resoluções afirmam, para apontar o tipo de socialismo que se desejava e diferenciá-lo das experiências históricas do século XX, que no caso petista o socialismo deveria se dar no quadro de um “Estado de Direito”. Ainda que tal debate se dê no contexto de uma avaliação necessária da relação entre democracia e socialismo e os problemas nas experiências de transição realizadas, no caso do PT isso, parece-me, acaba desembocando para muito além. Vejamos mais de perto a passagem das resoluções do I Congresso que trata do tema:

“O socialismo pelo qual o PT luta prevê, portanto, a existência de um Estado de Direito, no qual prevaleçam as mais amplas liberdades civis e políticas, de opinião, de manifestação, de imprensa, partidária, sindical etc.; onde os mecanismos de democracia representativa, libertos da coação do capital, devem ser conjugados com formas de participação direta do cidadão nas decisões econômicas, políticas e sociais. A democracia socialista que queremos construir estabelece a legitimação majoritária do poder político, o respeito às minorias e a possibilidade de alternância do poder”. (Resoluções do I Congresso (1991)

Quando analisamos mais detidamente a afirmação, percebemos que trata-se do mesmo Estado Burguês na forma “democrática”, com todas seus princípios tornados universais (ordenamento jurídico como fundamento das relações, liberdades civis, democracia representativa combinada com formas de democracia direta, legitimação da maioria, respeito às minorias e alternância de poder), as famosas “regras do jogo”, tal como define ninguém menos que Norberto Bobbio e que foram invocadas pelo ex-presidente Lula em seu discurso recente. A diferença é que esta máquina política seria, agora, liberta da “coação do capital”.

O problema é que se estas concepções navegam em um inevitável terreno de abstrações, na situação concreta da possibilidade de chegar ao governo do Estado burguês elas ganham materialidade. A principal alteração na operação da estratégia surge exatamente da possibilidade de chegar ao Governo Federal antes que o trabalho da “pinça” estivesse avançado o suficiente para criar uma correlação de forças que permitisse implementar o programa anunciado.

Tal dilema se expressa em algumas perguntas: É possível, mesmo nesta situação, chegar ao governo? É desejável? Caso se chegue é possível manter-se, isto é, não ser derrubado por um golpe? As respostas a estas questões são chave na compreensão de nosso tema. Porque depois de avaliar que por conta crise econômica, das contradições dos governos burgueses de plantão, etc. essa era sim uma alternativa possível, e depois de definir que ela era de fato desejável, a discussão passa a se centrar nas condições para manter-se no governo.

O sentido geral desta equação resolveu-se da seguinte forma. É possível chegar ao governo mesmo sem a correlação de forças necessária, mas isto implica que não seria possível implementar o programa anti-latifúndio, anti-imperialista e anti-monopolista, o que significaria seguir o acúmulo de forças em novo patamar – agora numa situação privilegiada de poder por se encontrar no governo.

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REGRAS DO JOGO

Neste ponto, no entanto, a operação da estratégia se torna complexa, pois a chegada ao governo significava, no esquema anterior, a oportunidade para desencadear o programa democrático popular e, num segundo momento, confirmada a impossibilidade de levá-lo a cabo em sua integralidade no interior da ordem burguesa (até pela resistência óbvia dos segmentos conservadores), a possibilidade de seguir com uma ruptura mais radical em direção ao socialismo. Agora, no novo contexto, trata-se de seguir a acumulação de forças utilizando-se do espaço de governo, para depois buscar este desfecho. Mas, para isso, é preciso e essencial permanecer no governo e a única forma de fazê-lo era não implementar os eixos do programa e sua radicalidade para não despertar a reação das classes dominantes.

A forma do Estado proposta e os termos deste dilema se resolvem, no andar da carruagem, na equação que conduziria à inflexão moderada: rebaixar o programa, ampliar alianças, ganhar as eleições e garantir a governabilidade.

Durante todo o tempo em que, nas novas condições apresentadas, o PT levaria o processo de acúmulo de forças para uma situação de governo, o Estado burguês não interviria no sentido da interrupção do processo, uma vez que o PT estaria comprometido a respeitar as regras do jogo.

Acontece que as regras não dizem respeito apenas ao tabuleiro político. O jogo principal se dá na luta de classes, e é em seu terreno (que são as relações sociais de produção e as formas de propriedade) que se encontram as principais regras que a burguesia quer ver respeitada. O equilíbrio não estaria, portanto, apenas na aceitação das regras da disputa política e do exercício de governo, mas na aceitação explícita que ninguém estava disposto a chutar o tabuleiro da acumulação capitalista, ou nas palavras do jovem Genoino, “moldando as exigências de mudanças a um esquema de representações significativas que não abalem os alicerces das relações sociais determinadas pelo conservadorismo”, diríamos nós, determinadas pela forma capitalista de produção e a sociabilidade burguesa que dela deriva.

É neste ponto que a estratégia petista desemboca no pântano do pacto social e da conciliação de classes como condição de sua governabilidade. Os termos do XII Encontro Nacional em 2002, às vésperas da eleição que levaria Lula ao seu primeiro mandato é reveladora desta intenção ao falar da necessidade de um “novo contrato social”, uma ampla aliança entre forças políticas para dar “suporte ao Estado-Nação”, leque de forças que deveria incluir “empresários produtivos de qualquer porte”. O problema era como atrair o empresariado de qualquer porte e a resposta é os benefícios de superar a lógica rentista, a ampliação do mercado de massas e garantir a “previsibilidade para o capital”.

Ora, previsibilidade para o capital significa garantir para a burguesia que não se mexerá nas formas de propriedade, nas relações sociais de produção e, conjunturalmente, não se alteraria o rumo da contra reforma em curso e seus mecanismos macro-econômicos. Ou seja, exatamente o que foi depois expresso na “Carta aos brasileiros”, de Lula em 2002.

Quatro mandatos presidenciais demonstram, é certo, a eficiência tática do caminho do pacto social. Mas algo salta à vista de qualquer analista atento: a tática de permanência no governo não acumulou forças no sentido esperado no quadro da estratégia democrática popular. Pelo contrário: desarmou a classe trabalhadora de sua autonomia necessária, a desorganizou, despolitizou, e deslocou o campo de luta para o terreno do inimigo: seu Estado. Aí está um nó principal no grande equívoco de implementação da estratégia na situação de governo. O Estado não é neutro, nem altera sua natureza de classe pela ocupação de seus espaços por forças sociais oriundas de outras classes, segue funcionando como Estado-classe, nos termos gramscianos.

Para manter os termos necessários ao pacto e a conciliação de classes, o governo é obrigado a golpear os trabalhadores em seus direitos mais elementares. O preço da governabilidade não é o adiar da execução integral do programa democrático popular, é sua mais retumbante renúncia.

MAS E A OPERAÇÃO LAVA JATO?

Neste ponto da exposição, o leitor inquieto do Blog da Boitempo se pergunta: “puxa, a conjuntura explodindo em fatos dramáticos, a Presidente sob risco de impedimento, Lula sendo levado sob condução coercitiva para depor na Lava-Jato, e este cara nos falando de estratégia!?”

Pois é, o problema é que não creio ser possível entender os acontecimentos envoltos nas brumas enganosas da conjuntura, e muito menos posicionar-se politicamente, sem compreender estes fatos à luz do processo histórico mais recente. Aquele que tomar as decisões pelo fígado ou movido pelas paixões mais candentes, corre um enorme risco de errar.

Uma lembrança pessoal pode me ajudar a finalizar esta reflexão. Inúmeras vezes, quando militava no PT, era provocado pela veemente afirmação segundo a qual Lula tinha uma casa no Morumbi. Ocorre que naquela época eu morava em São Bernardo e era vizinho de Lula. Ele morava ao final da Rua São João e eu uma rua acima. Era uma casa absolutamente compatível com as condições de um operário e dirigente sindical. Desta forma, sempre respondia a tais provocações com humor, afirmando que meu pequeno apartamento na cidade do ABC paulista tinha então valorizado muito, pois não sabia que ali era o Morumbi.

Conto isso para afirmar duas coisas. Primeiro, que o que tem aparecido é apenas uma cortina de fumaça. Não se trata de bens pessoais ou favorecimentos. Não tenho o menor interesse em saber onde fica ou qual o tamanho da moradia do ex-Presidente, nem de onde ele descansa nos fins de semana. Segundo, que diferente daquela época, não estou disposto a botar minha mão no fogo para atestar a inocência de Lula, como parece ter se prontificado Fernando Morais. Não pelos fatos que o imputam, como disse, mas por algo maior que se refere à reflexão aqui apresentada.

Uma das consequências da conciliação de classes operada é uma relação promiscua entre o poder público e os interesses monopolistas privados. Vejam, não discuto a dimensão legal de tais atos, uma vez que exércitos de bons advogados podem chegar a provar que nada do que foi feito é ilícito. Não opino e não quero opinar neste campo. Interessa-me uma dimensão política e moral.

Pode ser perfeitamente legal, num exemplo hipotético, que um ex-Presidente aproveite suas viagens para apresentar a um determinado candidato em um certo país, seu amigo publicitário com um portfólio invejável de vitórias eleitorais; ou ainda, um esforçado empresário de uma grande empreiteira disposto a contribuir desinteressadamente com os custos de tal campanha e depois discutir, já que está por ali, a eventualidade de um ou outro contrato caso o candidato ganhe. Independente de discutir a legalidade de tais procedimentos, do ponto de vista moral é reprovável e do ponto de vista político tal postura é indefensável.

Em outro plano, com o perdão dos adoradores da álea singular dos acontecimentos conjunturais, o desenvolvimento da estratégia petista na situação de governo comprovou que o malabarismo do pacto social acabou por favorecer muito os interesses das camadas dominantes, ao mesmo tempo em que se operavam ataques severos contra nossa classe trabalhadora, como a reforma da previdência, o rigor na aplicação do ajuste fiscal, a lei antiterrorismo que criminaliza as lutas sociais, a entrega do pré-sal, o abandono da reforma agrária, o código florestal e o código de mineração, a liberação dos transgênicos, e uma lista que não caberia neste espaço.

Assim, nos parece que a burguesia está disposta a se livrar de seu aliado, não por suas eventuais virtudes de um líder operário que um dia foi, mas pelo simples fato de que, tendo sido muito útil para operar uma democracia de cooptação fundada no apassivamento da classe trabalhadora, torna-se agora fonte de instabilidade que pode colocar em risco os interesses dominantes. E a burguesia vai usar todos os meios para tanto, fazendo uso inclusive daqueles instrumentos de seu Estado-classe que o PT julgava que fossem “republicanos” e que estariam a serviço desta abstração chamada “nação”.

O PT não se preparou para esta eventualidade pelo simples fato de que em sua estratégia tal possibilidade inexistia – seria neutralizada pelo caminho escolhido e o respeito às regras do jogo. Não há culpados na luta de classes, não somos cristãos. Mas há responsabilidade. Se a direita, como parece ser o caso, resolver se livrar do PT com os métodos mais escusos, certamente a responsabilidade não pode ser atribuída àqueles que sempre apontaram esta possibilidade e indicaram os limites do desenvolvimento desta estratégia.

O argumento que convoca à defesa pública de Lula (e, por via de consequência, de seu partido), de que se é a direita que o ataca, a esquerda “tem a obrigação de defendê-lo”, é absolutamente falacioso. A única maneira de defender Lula é torná-lo um fetiche. Isto é, abstrair toda a particularidade concreta que o constitui para produzir um Lula simbólico muito distinto da pessoa real que ele é e que sua prática demonstrou ser. Para emergir um Lula defensor injustiçado dos mais pobres e dos trabalhadores, perseguido pelos poderosos, é necessário abstrair o Lula amigo destes poderosos, levando-os em vôos fretados para fazer negócios e criando as condições para que ganhassem dinheiro como nunca, como ele próprio gosta de dizer. Mas mesmo assim, proclamam outros, este símbolo pode ser o que nos resta para resistir contra o ataque da direita.

Os caminhos nefastos do culto à personalidade – de se acoplar o destinos da classe ao carisma pessoal de um líder independente do sentido real que sua ação política aponta – já demonstrou seus enormes riscos na história de nossa classe. Se um Lula abstrato e fetichizado – em outras palavras, o lulismo – for nossa última e única linha de resistência (o que não creio que seja verdade) contra o próximo movimento da direita, seja qualquer que for o resultado, nós já estaremos derrotados.

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PARA APROFUNDAR A REFLEXÃO… 5 DICAS DE LEITURA DA BOITEMPO

A legalização da classe operária, de Bernard Edelman Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis, de Marcio Bilharino Naves Estado e forma política, de Alysson Leandro Mascaro Hegemonia às avessas: Economia, política e cultura na era da servidão financeira, organizado por Chico de Oliveira, Ruy Braga e Cibele Rizek O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência, de Mauro Iasi

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Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

Três perguntas e três respostas breves sobre um domingo triste