Este artigo não é uma defesa do PT, que aceitou, aprendeu e adotou
o comportamento dos grandes partidos brasileiros. É, por outro lado,
defesa daquela que foi outrora a base desse partido, a heterogênea
classe trabalhadora brasileira, hoje em vias de criminalização. Tampouco
se pretende aqui fechar questão sobre os problemas da grave conjuntura
pela qual o país passa. É, ao contrário, uma contribuição para um canal
de diálogo e reflexão que deve permanecer aberto.
A conjuntura contemporânea coloca um
problema que extrapola o embate entre orientações partidárias e envolve
modificações de fundo do regime político: a ascensão de um movimento de
extrema direita apoiado, insuflado e sustentado pela grande empresa
midiática e pela maior entidade empresarial brasileira, a FIESP. As
intervenções dos grupos de extrema direta, organizados em entidades que
recebem apoio direto de empresariados diversos, representam a pauta do
comportamento político que o empresariado apoia e pretende impor. O
lastro comum, um violento anticomunismo primário e grotesco, não atinge
apenas o PT mas o conjunto das forças que ousam lutar por um mundo
diferente. E a própria classe trabalhadora.
A classe trabalhadora precisa preservar
os espaços que conquistou – ninguém os concedeu – para sua organização
livre, sua livre expressão e a defesa de seus interesses e opiniões. E
isso hoje está ameaçado no Brasil.
Ao deslocar a questão da corrupção
sistêmica que grassa em todos os grandes partidos e da conjunção carnal
entre Estado brasileiro e grandes interesses corporativos para quase
unicamente um dos partidos, um juiz se tornou estrela midiática e refém
desses grupos (e, infelizmente, parece acomodado a esse papel). Essa é
uma base dramaticamente fértil para todas as exceções com “apoio
jurídico”.
“A operação Lava Jato já tinha sido criticada não por aqueles que temiam sua extensão, mas por aqueles que queriam vê-la ir mais longe. Há tempos, ela mais parece uma operação Mãos Limpas maneta” (Safatle, 2016, Grifos adicionados).
Esta primeira inquietação aborda o
comportamento e o medo da burguesia. Medo, aliás, que ela realmente deve
ter: o de ir para a cadeia. Medo que deveriam ter também seus
“serviçais”, desde os partidos corrompidos, seus indicados para
comissões e cargos, até os mandantes de assassinatos recorrentes de
camponeses, trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas, assim como a
ação patrocinada de milícias nos grandes centros urbanos. Mortandade corriqueira e cotidiana, da qual somos tristes campeões internacionais.
A prisão de dirigente-proprietário de
uma das maiores empreiteiras brasileiras, Marcelo Odebrecht, suscita
poucos comentários na imprensa proprietária. Um silêncio sepulcral,
estranho numa mídia tão verborrágica e repetitiva quando são outros
setores sociais os atingidos. O lema da Fiesp para apoiar o impeachment é
prosaico: “não vamos pagar o pato”. Ora, esse lema pode ser lido também
como “nós, os empresários, não iremos para a cadeia”. Sugerem que
remetem a não mais “sustentar o Estado com seus impostos” – o que,
aliás, não é verdade, uma vez que a estrutura fiscal brasileira,
fortemente regressiva, repousa sobre a grande massa da população e não
sobre os endinheirados. Parecem zombar da inteligência alheia.
A grande burguesia brasileira tem medo. E
não é do PT que têm medo, mas de sua “fraqueza” em controlar a Polícia
Federal, como sempre fizeram os demais governos. E tem razão para tanto.
Os corrompidos são o outro lado dos corrompedores. A contradição do PT é
insolúvel: empurrado a sustentar a Lava Jato enquanto ela se volta
contra ele, é permanentemente manietado para sua ampliação em outras
direções. Acomodou-se nesse desconforto: quanto mais pressionado, mais
cede e negocia aos grandes interesses e mais perde coerência. Aceitou
leis inaceitáveis, consolidando as formas de exceção, como aquela
supostamente destinada a combater “terrorismo”.
Uma opção à altura da escassa
civilização do conjunto dessas burguesias é comprar – e rapidamente – os
novos “justiceiros”. Qual será a moeda? Não sabemos. Afinal, de acordo
com a lógica dominante dos grandes proprietários, expressas em muitas de
suas entidades, tudo se resolve no… mercado. Trata-se, para seus
valores morais, apenas de precificar. Ora, terão esses “justiceiros”
alguma causa além do bolso e do pequeno tempo de fama fulgurante?
São Paulo burguês também tem medo. O
fulcro do poder burguês no país está profundamente amedrontado. Suas
tensões internas são completamente silenciadas entre eles e na grande
mídia, inclusive no jornal Valor Econômico, filho do casamento entre A Folha de S. Paulo e O Globo.
O apoio que dão à operação Lava Jato tem data de validade: até
conseguir emplacar novo governo, que controle definitivamente o voo do
Ministério Público e da Polícia Federal. Para não esquecermos: até que
nomeiem um novo “engavetador geral da república”, como Brindeiro, que
protegeu FHC, sua entourage e os escândalos que pipocaram durante anos.
Candidamente, Mônica Bérgamo, cujo jornalismo tem os mesmos limites da grande imprensa brasileira, disse na Band News,
em 17 de março passado, que a destituição rápida de Dilma Rousseff
teria o mérito de lançar um balde de água fria na centralidade da Lava
Jato e de permitir uma nova governabilidade, com menos sobressaltos.
Ora, o que isso significa? Uma maneira de esfriar a Lava Jato, contê-la e
direcioná-la. Que partido político terá credenciais para isso? Michel
Temer e seu PMDB, juntamente com Eduardo Cunha? Eles representam o
partido que sustenta há décadas a institucionalização da prática da
compra generalizada, ampla e irrestrita, vitória das astúcias da
chantagem e de fartos dossiês comprometedores.
O próprio juiz Sérgio Moro se converterá
no responsável por amputar de vez as bases da legalidade, da
representação eleitoral e das regras do Estado de direito? Sua
proximidade com entidades patronais é mais do que inquietante. Para o
editorial de um jornal como O Globo, expressão de um dos
maiores conglomerados do país (três de seus proprietários figuram entre
os indivíduos mais ricos do país) do Rio de Janeiro, não importam os
meios nem os executantes:
“Nesta hora, não importam os interesses pessoais do investigado [Eduardo] Cunha ao executar o roteiro regimental [do impeachment acelerado]. Para o país, interessa que seja rápido e dentro da lei.” (O GLOBO, 2016).
Pensam os “sergiosmoros” de data recente
que a Polícia Federal terá alguma brecha para agir sob Cunha, Temer ou
qualquer outro na linha de sucessão? Ou desde já apoiam seu caráter
enviesado? Tudo aponta para a cristalização deste viés da Lava Jato, que
despreza a lei para ocupar-se apenas de um lado, e representa a perda
de direitos de todos.
Referências Bibliográficas
O GLOBO. Opinião. O impeachment é uma saída institucional da crise. O Globo, p. 20, 19 mar. 2016. Disponível em: glo.bo/25fXKWY
Safatle, V. O suicídio da Lava Jato. Folha de S. Paulo, 18 mar. 2016. Disponível em: bit.ly/1UawtSB
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