sexta-feira, 18 de março de 2016

EUA versus Nixon não foi bem isso, doutor Moro

Se há semelhanças entre os casos Watergate e Lava-Jato, só se pode encontrá-las em meio a um oceano de diferenças

O juiz Sergio Moro, em despacho no qual justifica a decisão de levantar sigilo de grampos telefônicos em que foi flagrada conversa entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, escreveu o seguinte: "Ademais, nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente, podendo ser citado o conhecido precedente da Suprema Corte norte-americana em US v. Nixon, 1974, ainda um exemplo a ser seguido". 
 São dois casos em que se podem garimpar semelhanças em meio a um oceano de diferenças. 
 Em 1972, quando o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, disputava a reeleição, um grupo de escroques foi surpreendido pela polícia ao arrombar a sede do Comitê Nacional Democrata, no conjunto Watergate, em Washington D.C. Equipamentos em poder dos bandidos sugeriram que eles pretendiam instalar escutas telefônicas no local. Descobriu-se que alguns dos invasores tinham conexões e haviam recebido dinheiro de altos assessores de Nixon. Aos poucos, a investigação desnudou uma trama grossa de ilegalidades praticadas pelo presidente e seus colaboradores.
O caso citado por Moro – que passou à jurisprudência com o nome do processo, EUA versus Nixon – teve lugar dois anos depois do episódio do arrombamento, no momento em que o presidente, já reeleito, era investigado no foro previsto em lei, ou seja, o Congresso. Veio a público que Nixon costumava gravar conversas no Salão Oval da Casa Branca. As comunicações do presidente dos Estados Unidos e seus assessores são consideradas tema de máxima segurança – vide a polêmica atual sobre os e-mails privados utilizados por Hillary Clinton no Departamento de Estado. 
Na expectativa de que as conversas pudessem levar a provas sobre ilegalidades, um promotor solicitou que Nixon entregasse as fitas. A Casa Branca negou-as, sob o pretexto de que se tratava de intromissão indevida em assuntos do Executivo, tentou afastar o promotor e até mesmo fornecer versões editadas das conversas. 
Um novo promotor, ao defender acesso aos documentos, sustentou que o sigilo das conversas presidenciais não é absoluto e que deveria, nesse caso, estar subordinado ao fim da prova da verdade num caso criminal. A Suprema Corte decidiu favoravelmente à entrega das fitas. Mais tarde, Nixon foi julgado, condenado e afastado da presidência. 
No caso americano, não houve decisão judicial de grampear o presidente, e sim requisição de provas no contexto de uma investigação criminal na qual as ações de Nixon eram legal e expressamente devassadas. 
A entrega das fitas foi solicitada na forma da lei, respeitados os direitos e garantias de Nixon, que, utilizando-se de suas prerrogativas, tentou por todos os meios evitá-la. 
Toda a investigação transcorreu no âmbito legítimo, o do Legislativo, ao qual compete investigar o presidente. 
Se um juiz americano de primeira instância tivesse autorizado gravação da qual participa, ainda que acidentalmente, o presidente da República e, em seguida, tornado o registro público, não há a menor dúvida de que estaríamos, sim, diante de um caso exemplar: a carreira do magistrado estaria encerrada.
Fonte: http://zh.clicrbs.com.br

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