Se há semelhanças entre os casos Watergate e Lava-Jato, só se pode encontrá-las em meio a um oceano de diferenças
O juiz Sergio Moro, em despacho no qual justifica a decisão de
levantar sigilo de grampos telefônicos em que foi flagrada conversa
entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
escreveu o seguinte: "Ademais, nem mesmo o supremo mandatário da
República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações,
aqui colhidas apenas fortuitamente, podendo ser citado o conhecido
precedente da Suprema Corte norte-americana em US v. Nixon, 1974, ainda um exemplo a ser seguido".
São dois casos em que se podem garimpar semelhanças em meio a um oceano de diferenças.
Em
1972, quando o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon,
disputava a reeleição, um grupo de escroques foi surpreendido pela
polícia ao arrombar a sede do Comitê Nacional Democrata, no conjunto Watergate, em Washington D.C.
Equipamentos em poder dos bandidos sugeriram que eles pretendiam
instalar escutas telefônicas no local. Descobriu-se que alguns dos
invasores tinham conexões e haviam recebido dinheiro de altos assessores
de Nixon. Aos poucos, a investigação desnudou uma trama grossa de
ilegalidades praticadas pelo presidente e seus colaboradores.
O
caso citado por Moro – que passou à jurisprudência com o nome do
processo, EUA versus Nixon – teve lugar dois anos depois do episódio do
arrombamento, no momento em que o presidente, já reeleito, era
investigado no foro previsto em lei, ou seja, o Congresso. Veio a
público que Nixon costumava gravar conversas no Salão Oval da
Casa Branca. As comunicações do presidente dos Estados Unidos e seus
assessores são consideradas tema de máxima segurança – vide a polêmica
atual sobre os e-mails privados utilizados por Hillary Clinton no Departamento de Estado.
Na
expectativa de que as conversas pudessem levar a provas sobre
ilegalidades, um promotor solicitou que Nixon entregasse as fitas. A
Casa Branca negou-as, sob o pretexto de que se tratava de intromissão
indevida em assuntos do Executivo, tentou afastar o promotor e até mesmo
fornecer versões editadas das conversas.
Um novo promotor, ao
defender acesso aos documentos, sustentou que o sigilo das conversas
presidenciais não é absoluto e que deveria, nesse caso, estar
subordinado ao fim da prova da verdade num caso criminal. A Suprema Corte decidiu favoravelmente à entrega das fitas. Mais tarde, Nixon foi julgado, condenado e afastado da presidência.
No
caso americano, não houve decisão judicial de grampear o presidente, e
sim requisição de provas no contexto de uma investigação criminal na
qual as ações de Nixon eram legal e expressamente devassadas.
A
entrega das fitas foi solicitada na forma da lei, respeitados os
direitos e garantias de Nixon, que, utilizando-se de suas prerrogativas,
tentou por todos os meios evitá-la.
Toda a investigação transcorreu no âmbito legítimo, o do Legislativo, ao qual compete investigar o presidente.
Se
um juiz americano de primeira instância tivesse autorizado gravação da
qual participa, ainda que acidentalmente, o presidente da República e,
em seguida, tornado o registro público, não há a menor dúvida de que
estaríamos, sim, diante de um caso exemplar: a carreira do magistrado
estaria encerrada.
Fonte: http://zh.clicrbs.com.br
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