quarta-feira, 21 de maio de 2014

Importância das Greves



Nossa classe conhece muito bem a importância das nossas lutas, pois, foram através das greves que garantimos tanto a maioria das leis que hoje nos protege do assédio do governo como também impedimos a destruição do ensino público. 
Tomemos como exemplo dois momentos históricos dessas lutas: Em 1989 fizemos uma greve de 90 dias, inclusive com repressão da polícia militar, essa luta impediu a concretização da privatização da educação pública (via modelo chileno), impediu também a municipalização do ensino e derrubando o secretário de educação do “governo Quércia”, em 1993 organizamos uma greve de 89 dias, com ações que iam desde a ocupamos da Assembleia Legislativa por 4 dias colocamos até atos com paralização de vias públicas. Essas ações colocaram em xeque o projeto privatizante chamado de “escola padrão” imposto pelo “governo Fleury”.
Portanto, sabemos os significados que têm  greves bem organizadas e  nossas lutas por direitos ou para defendê-los. Sabemos também que se cada professor por si só é de todo impotente, em sua luta contra o governo, torna-se claro que os professores devem necessariamente defender juntos as suas reivindicações, devem necessariamente declarar-se em greve para impedir que os governos baixem os salários, ou degradem o ambiente de trabalho.  Em todos os lugares, os trabalhadores se sentem impotentes quando atuam individualmente e só podem opor resistência aos patrões e governos se estiverem unidos, quer declarando-se em greve, quer ameaçando com a greve.
É na greve, que tomamos consciência da exploração. Se agirmos individualmente o governo nos sufoca com suas leis quando, porém, nós professores lutamos juntos a coisa muda. Quando os professores enfrentam sozinhos os governos continuam sendo verdadeiros “escravos”, que trabalham eternamente para um estranho, por um pedaço de pão, como assalariados eternamente submissos e silenciosos. Mas, quando os professores levantam juntos suas reivindicações, e se negam a submeter-se a quem tem a “caneta de ouro”, deixam então de ser escravos, convertem-se em humanos  começam a exigir que seu trabalho não sirva somente para enriquecer a um punhado de parasitas, mas que permita aos trabalhadores viver como pessoas. Os “escravos” começam a apresentar a reivindicação de se transformar em donos: trabalhar e viver não como queiram  esses parasitas, mas como queiram os próprios trabalhadores.
As greves são sempre temidas pelos patrões e pelos governos porque começam a fazer vacilar seu domínio. Quando os professores se negam a trabalhar, todo o processo educacional ameaça paralisar-se. Cada greve lembra aos governos que os verdadeiros “donos da educação” não são eles, e sim os professores, que proclamam seus direitos com força crescente. Cada greve, desde que bem organizada, lembra aos professores que sua situação não é desesperada e que não estão sós. Vejam que enorme influência exerce uma greve tanto sobre os grevistas como sobre os professores das escolas vizinhas ou próximas. Atualmente, nós professores pacíficos, arrastamos em silêncio nossa carga, não reclamamos, não refletimos sobre nossa situação, pois até os HTPCs nos foram furtados. Mas, durante uma greve, o professor proclama em voz alta suas reivindicações, lembra aos governos todos os atropelos de que tem sido vítima, proclama seus direitos, não pensa apenas em si ou no seu salário, mas pensa também em todos os seus companheiros, que abandonaram o trabalho junto com ele e que defendem a mesma luta sem medo das provações. É bem verdade que toda greve acarreta ao professor grande número de privações: atraso no aluguel, na prestação do carro, perda do salário, e até em casos extremos, detenções. Mesmo diante desses problemas muitos professores das escolas próximas sentem entusiasmo sempre que veem que seus companheiros iniciaram a luta.
Quando a greve é bem organizada, basta que se declare em greve uma escola para que imediatamente comece uma série de greves em muitas outras escolas. Como é grande a influência moral das greves, como é contagiante a influência que exerce nos professores ver seus companheiros, que, embora temporariamente, se transformam de “escravos”  em pessoas com os mesmos direitos dos ricos!
A greve ensina os professores a compreenderem onde repousa a força dos governos e onde a dos professores, ensina a pensarem não só em seu “patrão” e em seus companheiros mais próximos, mas em todos “os patrões”, ensina a questionar todo o sistema lastreados por leis e regras injustas.
Muitos professores ignoram as leis, acreditando nas falácias do governo, em particular os altos funcionários (Coordenadores, Diretores, Supervisores e Dirigentes de Ensino), razão pela qual dá, frequentemente, crédito a tudo isso. Quando eclode, porém, uma greve, apresentam-se na escola o diretor, o coordenador, o supervisor, e então os professores percebem que infringiram a lei: a lei permite aos diretores "reunir-se e tratar abertamente sobre a maneira de conduzir antidemocraticamente uma escola, ao passo que os professores quando questionam         as arbitrariedades impostas pelos governos, logo, são tachados de delinquentes, subversivos “desconstrutores” do projeto coletivo. 
A repressão faz o professor começar a entender que as leis são ditadas em benefício exclusivo dos ricos para naturalizar a barbárie, o professores passam a observar também quem são aqueles que equivocadamente  defendem os interesses do governo, que tenta “tapar a boca do povo trabalhador” que silencia o trabalhador para que não  exprima suas necessidades. 
O professor também percebe nesse momento que a classe trabalhadora deve necessariamente arrancar o direito de greve, o direito de participar numa assembleia popular representativa encarregada de promulgar as leis e de velar por seu cumprimento.
Por sua vez, o governo compreende muito bem que as greves abrem os olhos dos professores, razão por que tanto as teme e se esforça a todo custo para sufocá-las quanto antes possível. Nesse sentido, durante cada greve cresce e desenvolve-se nos professores a consciência de que o governo é seu inimigo e de que a classe trabalhadora deve preparar-se para lutar contra ele pelos direitos do povo.
Assim, as greves ensinam os professores a unirem-se, as greves fazem-nos ver que somente unidos podemos aguentar a luta contra os patrões e governos, as greves ensinam os professores a pensarem na luta de toda a classe trabalhadora contra toda a classe patronal e contra o governo “autoritário” e policialesco.
Vendo a força que representam a união dos professores e até mesmo suas pequenas greves, pensam alguns, que basta aos professores deflagrarem a greve para poder conseguir dos governos tudo que queiram. Esta opiniãoporém, é equivocada. As greves são um dos meios de luta da classe trabalhadora por sua emancipação, mas não o único, e se os professores não prestam atenção a outros meios de luta, atrasam o desenvolvimento e os êxitos da classe trabalhadora. 
Com efeito, para que as greves tenham êxito são necessários os fundos de greve, organização no local de trabalho, reuniões de comandos de greve, comunicação com a comunidade escolar, uso da mídia, sínteses regionais e estaduais e outras que se fizerem necessárias;  a fim de manter os trabalhadores mobilizados enquanto dure o conflito. É interessante os professores (comumente os de cada escola) organizarem seus próprios fundos de greve. As greves só são vitoriosas quando os trabalhadores já possuem bastante consciência, quando sabem escolher o momento para desencadeá-las, quando sabem apresentar reivindicações.
  Elas mostram aos professores, como vimos, que o governo é seu inimigo e que é preciso lutar contra ele. Com efeito ensinam gradualmente à classe trabalhadora, em todos os países, a lutar contra os governos pelos direitos dos trabalhadores e pelos direitos de todo o povo.

“Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanha pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina”. (Freire) 

Fonte: MEOB - Movimento Educadores Organizados pela Base - Somos professores da zona sul da cidade de São Paulo, organizados na Oposição Alternativa da Apeoesp, na luta por uma escola pública de qualidade para os trabalhadores; por uma prática sindical com independência de classe, combativa e alicerçada na ação dos trabalhadores organizados em seu local de trabalho.

Participe conosco da construção da escola pública que queremos. Sugira, critique, opine. Organize sua escola, traga propostas e  ideias.

Nossos Contatos :
E-mail: educadores.organizadospelabase@gmail.com

Sobre a greve dos profissionais da educação do município de São Paulo.


Porque devemos aderir à GREVE?

Você está satisfeito com a situação da Educação em São Paulo? E você acredita que as coisas podem mudar, podem melhorar? Como? Qual é a melhor maneira de demonstrarmos nossa indignação? Com base na sua experiência, quais são suas propostas concretas para melhorar toda esta situação?
A greve não é uma solução eficaz e definitiva, mas é uma das ações concretas possíveis para o momento.
Mas a greve vai prejudicar os alunos?
 Sim, de imediato sim, mas iremos prejudicá-los muito mais se mantivermos um pensamento imediatista que desconsidera todas as demais gerações que ainda precisarão do ensino público.
O que você pensa, quando lembra que talvez tenha de matricular seus filhos ou seus netos numa escola pública daqui a alguns anos? A quem interessa a má qualidade e a precariedade da escola pública? A quem interessa a ignorância dos filhos da classe trabalhadora? Aos donos das escolas privadas e às elites econômicas e políticas, aos patrões e aos governos capitalistas.
Mas o sindicato não funciona, muda de ideia e não está verdadeiramente do nosso lado… Mudar de ideia, não é um problema, quando se reconhece um equívoco: o sindicato somos nós. O sindicato que queremos só vai existir no dia em que cooperarmos na sua construção. A crítica, à distância, é infrutífera e, por vezes, destrutiva, pois apenas afasta ainda mais as pessoas dos seus instrumentos de luta, perpetuando ou piorando a situação daquilo que desagrada.
Mas só entro de greve se todo mundo entrar, uma andorinha só não faz verão. O IDEAL é a nossa UNIDADE, unidos e organizados nos fortalecemos, mas esta unidade tem que ser construída pelo argumento, pelo diálogo, pela sensibilização do outro para interesses coletivos. Em última instância, a decisão de parar ou não é do indivíduo. Mas, como educador (a), lembrem-se: uma coisa é certa e necessária, mesmo que ninguém a faça, continuará sendo certa e necessária, e se uma coisa é errada, continuará sendo errada mesmo que todos a façam. Então se você acha que há motivos, que é correto e necessário entrar em greve, o exemplo também pode se tornar uma maneira de ensinar. Nenhum coletivo começa grande.
 Mas quais são mesmos os motivos para entrarmos em greve?
  • A escola pública está abandonada – Não há laboratórios, não há bibliotecas, os materiais pedagógicos são escassos, entre outros recursos para tornar nossas aulas mais atrativas e prazerosas.
  • Os educadores e os demais profissionais de educação estão com seus salários defasados. Veja tabelas comparativas:


  • Os professores estão ficando doentes;
  • As salas de aulas estão superlotadas, impossibilitando um ensino de qualidade;
  • Há falta de funcionários nas escolas;
  • Não há investimentos necessários para implementar uma educação de qualidade;
  • Tem ocorrido um aumento significativo de processos de assédio moral no interior das escolas - via legal, via funcional  e via gestão;
  • Aumento da precarização do trabalho – terceirizações;
  •  Abandono dos aposentados – congelamento dos salários;
  • Jornada de trabalho estafante;
  •  Inclusão precária – alunos com necessidades educacionais especiais (NEE’s) estão “abandonados” no interior das escolas – As salas estão superlotadas – o professor não consegue dar-lhes a atenção necessária, não há formação adequada para esses profissionais, não há espaço adequado para acolher os alunos NEE’s, e, em muitas escolas, não há estrutura necessária para a locomoção desses alunos.      


O que estamos exigindo do governo?
  • educação pública de qualidade para todos, em todos os níveis;
•    valorização dos educadores;
  • incorporação já;
  • condições dignas de trabalho;
  • segurança nas escolas;
  • saúde para os profissionais;
  • redução do número de alunos por sala/turma/agrupamento;
  •  módulos docentes e do Quadro de Apoio completos nas unidades educacionais;
  • recesso igual para todos (CEIs, Cemeis, Emeis, Emefs, Emefms,  Emebss e Ciejas);

  •  mais investimento em educação;
  • direito de intervalo nos CEIs;
  • material compatível com as necessidades e especificidades de cada unidade escolar;
  •  revogação do Sistema de Gestão Pedagógica;
  • fim das terceirizações;
  • isonomia entre ativos e aposentados;
  •  redução da jornada de trabalho do Quadro de Apoio, entre outros itens que integram a pauta de reivindicações da categoria, entregue ao governo pelo 
  • O salário está achatado. Nosso salário não permite satisfazer as nossas necessidades básicas. Muitos professores tem que realizar atividades adicionais para complementar sua renda. Segundo a pesquisa abaixo que compara os salários dos professores em todos os estados Brasileiros: (http://www.cut.org.br/sistema/ck/files/ANALISE-COMPARATIVA.pdf.)Constatou-se (p.21) a queda crescente da remuneração dos salários dos professores de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
  • ·A participação de SP no PIB brasileiro é muitas vezes maior que a do Acre e Roraima, que pagam salários melhores aos seus professores. Fonte:http://www.terra.com.br/economia/infograficos/pib-do-brasil/. Os dados são relativos ao ano de 2010. 
  • O Brasil é o país com menor gasto por aluno nas escolas de ensino médio entre 32 nações com dados analisados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2010, a despesa por estudante na rede pública brasileira de ensino médio foi de US$ 2.148, quase a metade do dispêndio da Argentina (US$ 4.202) e um quinto do que Espanha. Reino Unido, Suécia e Japão gastaram por aluno no ano cerca de US$ 10.000. (http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/ocde-brasil-o-pais-com-menor-gasto-por-aluno-no-ensino-medio-entre-32-nacoes-8801755#ixzz31Yqj3o3i)


E as consequências negativas?  Pode haver corte de ponte?
Arbitrariamente sim, mas o STF decidiu que governos não podem descontar dias de greve de servidores públicos, pois o desconto do salário do trabalhador grevista representa a negação do próprio direito de greve, na medida em que retira dos servidores seus meios de subsistência. (http://sindprev-al.org.br/informativos/stf-decide-que-governos-nao-podem-descontar-dias-parados-de-funcionarios-grevistas/).

Mas eu posso fazer greve? Não vou ser demitido?
Greve é um direito constitucional. Todos têm direito de fazê-la. Professores e demais servidores, efetivos e contratados , estando em estágio probatório ou não!
Não importa a natureza do vínculo trabalhista. Todos são iguais perante a lei (…) (art. 5º da Constituição). Não pode haver demissões de quem participa da greve. Ninguém pode ser demitido por participar de movimentos em defesas de seus direitos. A própria lei de greve, cuja aplicação ao servidor público é aceita pelo STF, expressamente protege o grevista da demissão no artigo 7º, parágrafo único. O STF, consolidando este entendimento, editou a súmula 316: A SIMPLES ADESÃO À GREVE NÃO CONSTITUI FALTA GRAVE.
Quando os governos julgam a greve ilegal, a partir de uma determinada data, com algumas sanções, cabe aos trabalhadores observar as sanções determinadas a partir da data da sanção.
E a reposição?
Todos têm direito e dever de repor as aulas depois. E a reposição é fruto de acordo entre o sindicato, representantes da categoria e o Governo. A Direção da escola e coletivos, isoladamente, não têm prerrogativa de decisão. Somente após findar o movimento é que o calendário de reposição é discutido com a categoria e aprovado em assembleia.

Texto do professor Antônio Marques – Professor de Filosofia – Escola Estadual Bueno Brandão – Uberlândia – Refletindo sobre a greve em Minas Gerais, adaptado para a realidade de São Paulo pelo Prof. Claudemir  Mazucheli - Professor de Geografia -. Conselheiro Estadual da APEOESP, Membro MEOB (Movimento de Educadores Organizados Pela Base) – CSP-CONLUTAS.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Sobre o Programa Mais Educação São Paulo

Mais Educação – Quando as grandes expectativas saem de cena

Os educadores que desejam se reinventar terão que intervir numa situação nova, em que os “discursos progressistas” são “práticas de dominação”. 
Por Danilo C. Nakamura
O presente texto é fruto da inquietação que atinge grande parte dos educadores vinculados à rede municipal de ensino de São Paulo. Afinal, a que veio essa atual reestruturação do ensino? Por que a ênfase na ideia do “direito de aprendizagem”? Como se deu a chamada consulta pública? A diversidade das vozes foi considerada? Longe de conseguir apresentar respostas consistentes para essas perguntas, o texto procura rememorar um momento histórico anterior em que a formulação da educação como direito, era uma “ideia-força” que projetava uma sociedade livre. Resgatar essa memória talvez nos permita apontar para o significado da noção de “direito de aprendizagem” apresentada pela atual gestão.
mais-educação
No dia 1° de fevereiro de 1989, foi publicado no Diário Oficial do Município de São Paulo o programa Aos que fazem educação conosco em São Paulo. Nele estava incluído o documento “Construindo a educação pública popular”, o “Regimento comum das escolas municipais” e mais alguns decretos. Na ocasião, a prefeita era Luiza Erundina e o secretário da educação, Paulo Freire. O documento partia de um diagnóstico dos problemas das escolas municipais: “40% dos professores exercendo suas funções precariamente em comissões”, “falta de carteiras para alunos e professores”, “conservação deficiente dos prédios”, “atendimento à demanda que deixa fora da escola muitas crianças, jovens e adultos”[1]. Como princípio, Paulo Freire afirmava que faria circular “todas as informações sobre a situação real de todos os setores da Secretaria” e, principalmente, que “não iria impor ideias, teorias ou métodos”, pois, junto com os educadores, “lutaria pacientemente impaciente por uma educação como prática da liberdade”[2].
Diante da falta de instâncias de participação dos professores, pais, alunos e comunidade, Paulo Freire defendia a implantação de Conselhos de Escola e Grêmios Estudantis, a reforma da Associação de Pais e Mestres e a substituição das burocráticas Delegacias Regionais do Ensino Municipal (DREMs) por Núcleos de Ação Educativa (NAEs), uma vez que era preciso romper “com a estrutura hierárquica da tomada de decisões sustentada de cima para baixo”[3]. Para ele, “a população organizada cumpre melhor a função fiscalizadora das DREMs”[4]. O secretário falava também na realização de “Plenárias Pedagógicas, uma espécie de embrião dos Conselhos Populares de Educação”[5], em todas as regiões da cidade, pois ele entendia que a mobilização que se manifestava deveria “ser mantida e estruturada por uma série de encontros em que a política educacional possa ser definida conjuntamente e não burocraticamente”[6].
Problemas como a evasão e a repetência, para além do conservadorismo, significavam uma “realidade de expulsão” de uma série de alunos do ensino público e “uma mostra clara da inadequação dos processos pedagógicos”[7]. Como contrapartida a isso, a escola deveria ser um espaço mais amplo do que uma instituição que é medida pela transmissão e assimilação de conteúdos, ela deveria ser um espaço em que o povo seria chamado para a construção do saber, para que este se torne “um instrumento de luta”. Seguindo o documento: “o filho do trabalhador deve encontrar na escola os meios de autoemancipação intelectual independente dos valores da classe dominante. A escola não é só um espaço físico. É um clima de trabalho, uma postura, um modo de ser”.[8]
mais educaçãoA educação é um direito, prosseguia o documento. Um direito integral que demanda a articulação com todas as secretarias (saúde, cultura, esporte, abastecimento, transporte etc.). A escola é pública e popular, não simplesmente porque todos podem utilizá-la, mas porque todos participam e constroem, porque nela a educação é uma prática que realmente atende aos interesses populares. Nesse sentido, o espaço escolar adquire uma nova qualidade, baseado no compromisso, na postura solidária, formando a consciência social e democrática. “Nela todos os agentes, e não só os professores, possuem papel ativo, dinâmico, experimentando novas formas de aprender, de participar, de ensinar, de trabalhar, de brincar e de festejar”.[9]
Vinte e quatro anos depois do programa “Construindo a educação pública popular”, redigido por Paulo Freire, temos o “Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino de São Paulo”, lançado pelo secretário de educação César Callegari, na administração do prefeito Fernando Haddad. Tal programa visa “oferecer condições de melhorias da qualidade social da educação” e seu grande objetivo é “revisar os conceitos e metodologias dos atuais currículos e alterar a estrutura de funcionamento do Ensino Municipal”.[10]
Como todo programa bem redigido, ele também parte de um diagnóstico da situação dada. Depois, temos algumas proposições práticas, tais como a garantia de que serão respeitadas as jornadas dos professores, uma menção à possibilidade de redução do número de alunos por sala de aula, o comprometimento com a construção de novas unidades escolares, o anúncio do funcionamento de polos de apoio presencial da Universidade Aberta para a formação de professores e, como grande novidade, a apresentação detalhada da reorganização dos ciclos do ensino fundamental, além da listagem da retomada de antigas práticas, ou melhor, da ênfase em práticas que, segundo o documento, não apareciam para a população, tais como a possibilidade de reprovação em cinco dos nove anos de ensino, lição de casa, uso de notas de zero a dez, divulgação bimestral dos resultados e recuperação nos períodos de recesso e férias escolares. Tudo isso constituirá, afirma o documento, “espaços de novas e mais ricas aprendizagem”.[11]
Partindo de textos que legislam sobre os direitos humanos e delimitam a estrutura e a organização da sociedade[12], todas as mudanças propostas são justificadas a partir da premissa da aprendizagem como um direito. Segundo o programa: a aprovação automática é um desvirtuamento da correta concepção de que os alunos têm direito ao aprendizado contínuo e progressivo [13]. “A organização dos ciclos está diretamente relacionada aos direitos e objetivos de aprendizagem” [14]. A Educação de Jovens e Adultos é “a garantia do direito da escolarização ao longo da vida” [15]. A interdisciplinaridade “pressupõe um trabalho integrado com as áreas de conhecimento do currículo, na garantia dos direitos e objetivos de aprendizagem” [16]. A avaliação bimestral “deve ser empreendida como um direito do aluno e da família de participar na vida intelectual e na formação cidadã de seus filhos” [17]. Em resumo, todas as práticas visam o direito dos “sujeitos de direitos”.
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Como as administrações anteriores (Serra e Kassab) não sinalizaram nenhuma solução para a transição do ensino fundamental de oito para nove anos, podemos afirmar que a reestruturação dos ciclos do ensino fundamental transformou-se numa necessidade absoluta para a atual gestão. Embora não anuncie para a população, o que a Secretaria de Educação está fazendo é, antes de qualquer coisa, tentar minimizar um problema que repercutiria na jornada de milhares de professores. Como se sabe, hoje, somente os professores com vinte e cinco aulas atribuídas podem fazer parte da JEIF (Jornada Especial Integral de Formação). Com a mudança no ensino fundamental de oito para nove anos, uma grande quantidade de professores não alcançaria as vinte cinco aulas atribuídas e perderiam a possibilidade de optar por essa jornada. Uma série de dúvidas ainda paira no ar, mas a prefeitura afirma que as jornadas serão garantidas, pois os professores poderão ter aulas compartilhadas e participar de projetos para alcançar o número de aulas necessárias para participar da jornada de formação.
O programa de reestruturação é também expressão da cultura política do país. Um cidadão que estiver de acordo com a proposta pode dizer que o texto é a expressão de uma vontade política e o anúncio de diretrizes que visam efetivar um programa educacional que respeita os direitos humanos. Ele pode enxergar uma possibilidade de mudança e se apegar em algumas proposições “progressistas” que remetem à história do Partido dos Trabalhadores. Em sentido contrário, outro cidadão pode dizer que o programa é apenas uma repaginação de programas que são propostos toda vez que a administração de um partido é substituída por outra. Assim, resolvida a questão da jornada que mencionamos no parágrafo anterior, a reestruturação visaria somente reconhecer as demandas sociais através da linguagem da inclusão e da defesa de generalidades abstratas. Abstratas, porque a defesa da educação como um direito, nesse caso, não aponta para mudanças reais nas relações de distribuição de poder, renda e de reconhecimento social [18] e, desta maneira, apenas anuncia de forma publicitária e eleitoreira a reconfiguração superficial do trabalho dos educadores.
Essa opinião crítica parece ser mais plausível, principalmente quando pensamos na forma como a população foi chamada a opinar. No dia 15 de agosto de 2013, Fernando Haddad e César Callegari, em evento público, anunciaram a reestruturação do ensino, dando ênfase na divisão dos ciclos, na obrigatoriedade das provas bimestrais e das lições de casa, na atribuição de notas de zero a dez e, claro, na possibilidade de reprovação em cinco dos nove anos do ensino fundamental, divididos em três ciclos (alfabetização, interdisciplinar e autoral). Salta aos olhos como essas propostas respondem ao senso comum que afirma que “escola boa era a escola antiga”, em que “o professor tinha a autoridade” e os “alunos temiam a reprovação” e precisavam trabalhar muito na escola e em casa para passar nos exames. Mas chama ainda mais atenção como o trabalho do professor até então executado (antes da obrigatoriedade das provas e lição de casa, por exemplo) é posto em dúvida.
mais-educação4Nesse evento, eles também anunciaram que essa reestruturação ficaria aberta para consulta pública por um mês, para que os educadores e toda a população pudessem dar sugestões. Feita a consulta e analisada a devolutiva, podemos avaliar esse processo sobre diversos ângulos. Em todos eles, a única constatação possível é que a consulta foi um mecanismo de participação sem qualquer possibilidade de mudança, reivindicação ou contestação. Ao todo, foram recebidas 3.126 postagens, um número inexpressivo, seja considerando a população de São Paulo, seja apenas o número de gestores, professores e funcionários que fazem parte da rede municipal. Nenhuma grande pauta foi incluída e nenhuma grande modificação foi proposta. Será que a proposta do governo já dava conta de todos os anseios por mudança na educação? E, por fim, o que é no mínimo contraditório, quando pensamos numa participação efetiva da população, as diretrizes norteadoras do programa já constavam no documento Considerações sobre o currículo e os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos na rede municipal de São Paulo, divulgado em 17 de abril de 2013 e no caderno do professor, Interfaces Curriculares, datado em 28 de julho de 2013.
Se alguém se der ao trabalho de ler os documentos que citamos acima perceberá rapidamente que o plano de educação para o Município de São Paulo é uma simples adequação às diretrizes do Ministério da Educação. Existe uma colaboração acordada entre o Ministério, os estados e as cidades. Há, por exemplo, metas em relação aos resultados do IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] que estão projetados até 2021. E nesse sentido, hoje, com uma política educacional de âmbito nacional, para o bem e para o mal, o espaço de atuação autônoma dos estados e municípios é mínimo, para não dizer inexistente.
O que podemos indagar é: se é a política nacional que está estruturando o ensino municipal, por que o recurso da consulta pública? As respostas são evidentes. Primeiro, o governo de um partido que nasceu nas classes populares precisa de uma publicidade que o diferencie dos demais. Segundo, porque, ao fazer questão de dialogar com os antigos programas do partido, eles se viram obrigados a encenar de forma trágica as antigas práticas democráticas.
Uma comparação dos dois momentos históricos, a partir dos documentos elaborados respectivamente por Paulo Freire e César Callegari, é um exercício revelador para iniciarmos uma interpretação crítica sobre o atual estado de coisas. Para além da diferença temporal, essa comparação também parece revelar a enorme distância entre o que cada gestão pretendia ou pretende, quando fala em “participação”, “direito”, “sujeito” e “saber”. Tal comparação não é forçada, uma vez que é a própria gestão de Callegari a sugerir isso, ao retomar a formulação da educação como direito. Para não dizer, quando arrisca dar a interpretação “correta” sobre o que seriam os ciclos e a reprovação na teoria freireana. Ou quando reduz o processo de autoconsciência do ser social, articulado no processo ação-reflexão-ação, a uma discussão sobre avaliação escolar.
No documento de elaborado por Paulo Freire, a força das ideias vinha da movimentação social, que havia sido represada pela Ditadura Militar. O secretário não concebia outro modo de construir uma política educacional a não ser promovendo encontros públicos e aproveitando a mobilização social em curso[19]. Em entrevista dada dois anos antes para o Jornal do Campus, Freire esclarece a necessidade de se manter a sociedade mobilizada no processo de emancipação da sociedade. Perguntado se a educação formal refreava as possibilidades revolucionárias, ele responde: “Não é a educação sistemática, a rede de escolas do Estado, a que constitui a sociedade desta ou daquela forma, é a sociedade organizada de certa forma em função dos interesses de quem tem o poder, a que estabelece a escola. Isto significa haver uma expectativa das classes dirigentes em face de como a escola deve funcionar, no sentido de contribuir para a sua permanência no poder”[20]. Assim sendo, cabia aos educadores “progressistas” ocupar o espaço público, mesmo em condições adversas, “para contribuir no esclarecimento dessa realidade” e, por fim, “para lutar no sentido da mobilização e da organização das classes populares”[21].
mais-educação5Embora a premissa atual também seja a educação como direito, o documento está longe de se legitimar a partir de uma mobilização social. Ele não foi elaborado dando vozes à mobilização dos professores no mês de abril desse ano. Também não tem qualquer relação com as manifestações que desde junho vêm conferindo uma vitalidade nada trivial no sentido de repensar os serviços públicos. E, como já afirmamos acima, a estrutura do documento já estava formulada de antemão. Nesse documento também não há qualquer menção às relações de dominação no interior da sociedade, sendo que a diversidade de sujeitos é pensada de uma forma homogeneizadora e, portanto, a noção de “direito” não tem um sentido de emancipação ou alargamento da participação política, mas sim, se forçarmos um sentido, de reconhecimento dos interesses individuais, sem que o lugar que esse indivíduo ocupa na sociedade seja, porém, problematizado.
As definições desses sujeitos são interessantes, na medida em que são completamente indeterminadas. O aluno aparece como sujeito “no desenvolvimento das atividades que permitem a identificação e posterior superação dos obstáculos”[22] (Quais obstáculos? Os do dia-a-dia que aparecem de forma fragmentada ou aqueles que configuram a essência de nossa sociedade?). As crianças são “sujeitos de direitos socialmente competentes, com direito à voz e à participação nas escolhas, construindo seus saberes”[23] (Escolha dos seus saberes significa ir além da disposição das coisas já dadas e dispostas?). E, em contrapartida, a ideia de coletivo só aparece na formulação de “bancos de questões e formulação de avaliações”[24] e, principalmente, na participação de “projetos de intervenção e autoria”[25]. Os projetos aparecem com uma noção peculiar de “intervenção social”, muito distante dos objetivos de ruptura de vinte e cinco anos atrás.
A socióloga Regina Magalhães já havia percebido que a ideia de projeto já ocupava um lugar central nos Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino médio de 2000, numa relação íntima com os documentos internacionais da ONU, UNESCO, e Banco Mundial e também com os programas de intervenção social das ONGs. Ele aparecia “como estratégia pedagógica ao ‘chamado ensino tradicional’, uma vez que estimularia a ‘reconstrução de conhecimento’, raciocínio, experimentação, solução de problemas e ‘outras competências cognitivas superiores’, e atenderia aos eixos da interdisciplinaridade e contextualização que devem presidir a organização curricular”. A “intervenção social” significava nada mais do que a reversão de uma situação negativa que afeta um grupo localizado de pessoas. E a ordem do dia era “fazer coisas”, ser “proativo”, “protagonista”, ou ainda, um “cidadão ativo”. Em resumo, um discurso que se colocava como sujeito e transformava os jovens em objetos de uma política que busca capturar uma energia social e um espírito de rebeldia, típica da juventude.[26]
Hoje, o projeto também já aparece nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica e é o norteador do caderno Interfaces Curriculares. Nas Diretrizes Curriculares está sugerido “a destinação de 20% do total de carga horária anual ao conjunto de projetos interdisciplinares, de modo que os sujeitos do Ensino Fundamental possam escolher aqueles com que se identifiquem e que lhes permitam melhor lidar com o conhecimento e a experiência”[27]. Percebe-se, assim, que o que está em jogo no discurso organizado no caderno Interfaces, do “sujeito de direito”, da resolução de “problemas como eixo curricular”, do “saber que deriva da experiência” e do “projeto como atividade permanente das sequências didáticas” nada mais é do que uma adequação a uma política em que se incorpora a atuação dos indivíduos ao mesmo tempo em que a domina e controla.
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Concluindo de uma forma esquemática, a ideia de educação como direito proposta na abertura democrática do país tinha sua força nos movimentos sociais que lutavam por direitos sociais efetivos. Atualmente essa ideia volta ao cenário social amparada num discurso que prescreve aos “sujeitos de direito” uma participação enquadrada pelos mecanismos de manutenção das desigualdades sociais.
Se o encadeamento das proposições que apresentamos até aqui faz algum sentido, o direito de aprender ou o “aprender a aprender”, como conceitua o mais novo caderno professor é, pura e simplesmente, a consagração de uma viração popular de todos os dias (diante do trabalho ou da falta dele, da ineficiência dos serviços públicos ou das atividades que ficam entre o legal e o ilegal). Enfim, um marco de sucesso adaptativo do nosso sistema de ensino[28], numa sociedade em que o horizonte de expectativa emancipatório saiu de cena. Os educadores que desejam se reinventar e, dentre outras coisas, escapar da validação de uma seleção já consumada de ganhadores e perdedores, terão que intervir numa situação nova, em que os “discursos progressistas” são “práticas de dominação”. Para não partirmos do zero, talvez, o conselho de Paulo Freire sobre a escola pública e popular ainda signifique alguma coisa: “Não as abandonem e delas não se deixem expulsar”.[29]
Notas
1 Diário Oficial de 1° de fev. de 1989. Paulo Freire – Construindo a educação pública popular.
2 Idem, p. 5.
3 Idem, p. 6.
4 Idem, p. 7.
5 Idem.
6 Idem.
7 Idem, p. 8.
8 Idem, p. 9.
9 Idem, p. 10.
10 Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, p. 2.
11 Ver quadro resumido de todas as novidades do programa e da consulta pública em: http://maiseducacaosaopaulo.prefeitura.sp.gov.br/
12 “Constituição” e “Lei de Diretrizes Básicas” (LDB). Além das “Considerações sobre o currículo e os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos na rede municipal de São Paulo: contexto e perspectivas”.
13 Idem, p. 17.
14 Idem, p. 25.
15 Idem.
16 Idem, p. 34.
17 Idem, p. 46.
18 Ver: Ver o recente livro de Marcos Nobre, Imobilismo em movimento, da abertura democrática ao governo Dilma. São Paulo: Cia das Letras, 2013.
19 Diário Oficial de 1° de fev. de 1989. Paulo Freire – Construindo a educação pública popular, p. 7.
20 Diálogo com Paulo Freire, Jornal do Campus, n° 50, 16 de jul. 1987.
21 Idem.
22 Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, p. 51.
23 Idem, p. 61.
24 Idem, p. 48
25 Idem, p. 42.
26 Ver: Regina Magalhães de Souza. O discurso do protagonismo juvenil.
27 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, p. 36.
28 Ver: Paulo Arantes. O MST recriou a escola.
29 Diário Oficial de 1° de fev. de 1989. Paulo Freire – Construindo a educação pública popular, p. 11.

Fonte: http://passapalavra.info/