sexta-feira, 30 de abril de 2010

PT não fala em nome dos professores

PT não fala em nome dos professores
Por João Zafalão
Durante o lançamento da candidatura de Mercadante (PT) ao governo de São Paulo, no dia 24/04, o próprio e também Dilma Roussef (candidata a presidente) utilizaram em seus discursos a greve dos professores paulistas para atacarem Serra, por este não ter negociado e ter reprimido covardemente nosso movimento no Palácio dos Bandeirantes.
A intransigência de Serra com o movimento dos professores e a truculência deve ser repudiada por todos, pois para manter seu compromisso com o grande capital deixa a escola pública paulista ruir.Porém, não podemos nos calar diante do oportunismo de Mercadante e Dilma. Isso porque a greve dos professores além de reivindicar reposição salarial se colocou contra a política meritocrática do governo Serra, expressa na luta contra as provas do mérito, que levou ao congelamento de salário de mais de 80% dos professores além de demitir e precarizar o contrato de milhares de profissionais.Ocorre que durante nossa greve as medidas de Lula (do qual Dilma é a continuidade) foram de apoio a política de Serra.
A política de Lula para a educação está expressa no Plano de Desenvolvimento da Educação (Lei 6094/2007), que prevê a avaliação desempenho, exatamente como fez Serra em São Paulo. Para piorar ainda mais, durante nossa greve Lula publicou o decreto 7133/2009, que regulamentou a avaliação desempenho dos servidores federais e também enviou ao congresso o projeto de Lei 549/2009 que permite 10 anos sem reajuste aos servidores federias. Estas medidas de Lula reforçam a política de Serra de não conceder reposição salarial e de impor a avaliação desempenho aos professores.Se Mercadante e Dilma estivessem ao nosso lado, não apoiariam estas medidas de ataque aos servidores federais, que fortaleceram a política de Serra contra os professores.Também é necessário repudiar a política da direção majoritária da APEOESP(ArtSind/CUT e CTB), que por seu compromisso com Lula/Dilma tentaram rebaixar a pauta de reivindicação da categoria apenas ao tema salarial, para não se confrontar com Lula que apóia as medidas meritocráticas de Serra. Lula/Dilma/Mercadante apóiam as mesmas políticas de Serra/Alckmin e os ataques entre eles tem o único objetivo de vencer as eleições, pois defendem o mesmo projeto. Para se ter uma idéia, durante o governo de FHC se investiu em média 4% do PIB em educação, enquanto o governo Lula chegou a 4,7% em 2008(ver tabela), ambos abaixo do disposto no Plano Nacional de Educação que é de 7% e foi vetado por FHC, veto este mantido por Lula.
Vale ressaltar que a reivindicação histórica dos movimentos de educação é de no mínimo 10% do PIB para educação. Porém durante o governo FHC as matrículas em universidades pagas cresceram 70% e no governo Lula ocorreu outro crescimento de 75%, financiado pelos projetos governamentais, demonstrando que para os tubarões do ensino os dois governos garantiram fartos investimentos, reduzindo os percentuais para a rede pública. Para termos uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos, salários dignos e condições de trabalho temos que confiar em nossa luta e em nossa organização. Seja PT ou PSDB, os ataques à educação continuarão, pois estão ao lado do capital e dos banqueiros e não ao lado dos trabalhadores.
TABELA - Evolução do investimento público em educação em relação ao PIB:
Ano PIB Governo
2000 3,9% FHC
2001 4,0% FHC
2002 4,1% Lula
2003 3,9% Lula
2004 3,9% Lula
2005 3,9% Lula
2006 4,3% Lula
2007 4,5% Lula
2008 4,7% Lula
Fonte: MEC/Inep

*João Zafalão é Secretário de Política Sindical da APEOESPOposição Alternativa-CONLUTAS e militante do PSTU (fonte: Blog joaozafalao.blogspot.com)


Lula, Serra e a direção majoritária da APEOESP(ArtSind/CUT e CTB)seguem precarizando o trabalho dos profissionais da educação (Veja a tabela comparativa)

pde Serra/Lula

Fonte: Informativo Oposição Alternativa Apeoesp

domingo, 25 de abril de 2010

Educação pública e mobilidade social em perspectiva histórica


Por Valerio Arcary

“A doutrina materialista de que os homens são produtos das circunstâncias e da educação, e de que portanto, seres homens modificados são produtos de circunstâncias diferentes e de uma educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens, e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade.” Karl Marx[1]

Nas últimas três décadas governaram no Brasil, em algum momento, os partidos de direita, de centro-direita, de centro-esquerda, e da esquerda moderada. Um espectro amplo, que vai de distintas interpretações do neoliberalismo às mais diferentes versões da regulação estatal do capitalismo, teve a oportunidade de apresentar suas soluções para a educação.
As taxas de evasão escolar altas, os índices de repetência elevados, os maus resultados nos exames como o ENEM ou o PISA, entre tantos outros indicadores que expressam a péssima qualidade da educação pública e a mediocridade da educação particular, foram admitidos, embora com relutância, pelas autoridades. Mas, esta constatação não impediu que um governo municipal, estadual ou federal após o outro, ao longo dos vinte e cinco anos desde a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral em 1985, tenha se preocupado em destacar os pequenos avanços na universalização do acesso ao ensino básico para sublinhar que, gradualmente, estaríamos avançando na elevação da escolaridade média. Os governos tiveram uma especial fascinação em fazer campanhas de publicidade sobre a construção de escolas e, mais recentemente, faculdades.
Edifícios monumentais, instalações imponentes fazem a delícia dos publicitários na hora de campanhas eleitorais. Esqueceram, porém, de explicar ao povo que se pode construir um prédio com equipamento completo e moderno para 1000 alunos, ao custo de dois ou três anos de sua manutenção. A solução da crise da educação não vai ser encontrada na engenharia. É verdade que o Brasil partiu de patamares de escolaridade média, em comparação com os países do Cone Sul, dramaticamente, baixos, porque se manteve como uma sociedade agrária até os anos cinqüenta.
Não atingimos, contudo, ainda hoje, mais do que os sete anos, para a população com mais de quinze anos de idade. Avançamos dois anos, em trinta anos. Em comparação, a escolaridade média nas sociedades do Mediterrâneo – países que foram centros de Impérios, todavia, com regiões de industrialização muito tardia – alcança e, em alguns casos, até supera os doze anos. O atraso educacional brasileiro fica mais claro se considerarmos que, mesmo em São Paulo, a população em idade escolar matriculada em cursos pós-secundários é inferior a 20% - a média brasileira é de 15%- enquanto na Argentina está nos 30%, e nos EUA ou na França supera os 70%.
[2]Estagnação econômica e desigualdade social na longa duração
Esta terrível lentidão merece uma contextualização histórica. Parece incontornável concluir que tanto os indicadores quantitativos, quanto os qualitativos sobre a situação da educação são desoladores. A relação deste nível abominável de escolaridade com a rigidez social de uma sociedade que se mantém entre as mais desiguais do mundo tem sido, contudo, menos valorizada. Rigidez social significa que a mobilidade social ficou congelada e que, portanto, não aconteceu redução na desigualdade. Já sabemos que, historicamente, o que não avança, recua. Enquanto outros indicadores sociais, como a expectativa média de vida, não deixaram de crescer ao longo do mesmo intervalo histórico, a escolaridade média evoluiu em ritmo liliputeano. A estagnação do capitalismo brasileiro se manifestou na renda per capita, que permaneceu invariável em trinta anos, ou na evolução do salário médio, que teve viés de baixa.
Os mesmos fatores históricos que explicam porque o Brasil deixou de ser um capitalismo de pleno emprego e de crescimento acelerado, depois dos anos oitenta, e passou a ser uma economia de baixo crescimento e desemprego estrutural de 7% a 10% da população economicamente ativa, explicam, também, porque a elevação da escolaridade não garante sequer trabalho. O desemprego na população mais escolarizada é maior que naquela com pouca instrução.
Na longa duração, a estagnação econômica bloqueou a mobilidade social e o Brasil entrou em crise crônica até 2004. Se irá ou não sair dessa crise é algo, por enquanto, incerto, apesar do crescimento entre 2004 e meados de 2008, durante a última fase ascendente do ciclo mundial, interrompida pela recessão da crise mundial.
O que parece significativo é que a evolução da escolaridade média não oferece maiores oportunidades como antes. Por isso, a parcela da juventude que busca o EUA, a Europa e o Japão, ao contrário de países latino-americanos vizinhos, não tem instrução abaixo da média, mas acima. O argumento deste texto é que o aumento da escolaridade deixou de ser um fator de impulso à mobilidade social como antes dos oitenta.
Fobia de professores
Apesar desta defasagem histórica, as verbas para a educação não aumentaram, significativamente, mesmo depois da eleição de Lula.[3] Nossos governantes descobriram com maior ou menor ênfase, que não seriam necessárias mais verbas, embora os gastos públicos com educação no Brasil - 4,1%, em proporção do PIB - sejam 50% menores que na França e nos EUA (5,9%), e inferiores até aos de países mais pobres, como, surpreendentemente, o Paraguai (4,3% em 2005), um país em que 40% da população vive em área rural, e com renda per capita menor que US$2.000,00 por ano, enqunto a do Brasil é de US$6.852,00.[4]
No lugar de gastar mais, propuseram gastar melhor. Ninguém poderia discordar que a idéia de gastar melhor parece ótima. Descobriram que os estudantes deveriam ficar mais tempo na escola. Ninguém pode contrariar a idéia de que seria melhor crianças e jovens nas escolas do que nas ruas, ou em casa vendo televisão. Descobriram, também, que a responsabilidade por uma boa gestão das escolas deveria ser compartilhada para os pais. As famílias foram conclamadas a vigiar as escolas de seus filhos. Ninguém tampouco poderia discordar com a idéia de que precisamos de pais empenhados na aprendizagem dos seus filhos.
Isto posto, as autoridades em política-educacional têm tido uma especial preferência pela idéia de que a crise da educação é culpa dos professores. Reconhecem que a carreira ficou pouco atraente e aceitam que os salários são baixos, e as condições de ensino são difíceis. Priorizaram, todavia, uma apreciação que insiste na idéia de que os professores não ensinam como deveriam. Ninguém ignora, muito menos os professores, que o ensino oferecido nas escolas públicas não corresponde às necessidades da juventude brasileira. Mas, atribuir aos professores a responsabilidade pela situação da educação não explica a nossa crise, e não é justo.
Resumindo, e como em todo resumo sendo brutal, os governantes das últimas décadas atribuem a culpa pela crise da educação ora aos estudantes, que não querem estudar, porque estariam pouco motivados, ora aos pais, que estariam pouco engajados, ora aos professores, que estariam pouco preparados.
Todos seriam em alguma medida culpados. E, os mais honestos, admitem até que os governos seriam, também, culpados. Quando todos são culpados, não há inocentes. Esse “empurra-empurra” não é útil. Apesar destes escapismos, nossos governos repetiram, quase como um mantra, soluções que dependem, essencialmente, da disciplinarização dos professores. A crise da escola se explicaria porque os professores faltam às aulas. Ou, quando comparecem, não sabem ensinar e são pouco qualificados.[5]
Ou então, mudam muito de escolas, e não se comprometem. Em conseqüência, alguns governos privilegiaram as penalidades seletivas, e outros as gratificações seletivas, ou combinações variadas de punição e recompensa: demissão, cursos, exames, bônus por resultados.
Um pouco de tudo vem sendo tentado para criar estímulos materiais e morais recorrendo ao medo, à competição, à repressão, e até ao prêmio da ganância. Em uma palavra, fomos governados por gênios, mas, infelizmente, temos professores despreparados e desmotivados. A força da propaganda foi tão grande, que até uma parte dos próprios professores assimilaram o discurso, e aceitaram a premissa de que seriam incapazes e preguiçosos, desmoralizando-se.
Mas, como estamos aprendendo com a gripe suína, não é um bom critério confundir bananas com maçãs: sem um diagnóstico correto não há terapia bem sucedida. Uma epidemia virótica não pode ser derrotada com antibióticos: exige remédios antiviróticos, não antibacterianos. Não adianta o médico ser simpático, compreensivo e cheio de compaixão. Se errar na receita, o paciente não vai melhorar. E o que não melhora, já sabemos, piora.
Na vida política e social não é diferente. Um diagnóstico errado da situação da educação conduzirá, inevitavelmente - não importam, infelizmente, as boas intenções - a desastres. Apresentarei adiante quatro temas incômodos. Estes quatro temas revelam uma escolha teórico-política muito diferente daquela dominante nos Ministérios e Secretarias de Educação dos governos no poder. Serão usados os instrumentos da análise histórica para analisar alguns aspectos da situação da educação pública.
A primeira idéia é o impasse da educação pública no Brasil como instrumento da mobilidade social ascendente, a partir dos anos 80.
A segunda é o atraso educacional-cultural relativo do Brasil em relação a muitos países que têm uma inserção histórico- econômica comparável, como o Uruguay, o Chile, e a Argentina, e que nos remete à privatização da educação para os filhos da classe média e das classes proprietárias.
A terceira é a degradação profissional dos professores, a desvalorização da carreira docente como principal fator da crise da escola pública. A última é uma avaliação do papel do movimento sindical dos professores como última linha de defesa da educação pública nestes últimos trinta anos.Escolarização e mobilidade socialA educação pode ser um poderoso instrumento de mobilidade social. Mas, este campo de investigação econômico-social é ainda recente, e é importante não exagerar o seu significado.
A educação, por si só, não pode mudar a sociedade. Sociedades muito desiguais, como o próprio Brasil entre os anos 30 e os anos 80 do século XX, podem ter uma taxa de mobilidade social maior, por um período, que sociedades menos desiguais, como a Argentina na mesma etapa histórica, embora nossos vizinhos tivessem níveis educacionais superiores. Ou seja, a educação ajuda a mobilidade social, e esta favorece a redução da desigualdade, mas não são o mesmo fenômeno.Mobilidade social é um indicador que resulta do estudo de um conjunto de variáveis que permitem avaliar quais são as possibilidades da geração jovem elevar as condições da sua existência material e cultural, em comparação com a geração mais velha. Na medida em que a escolaridade média aumenta, parece existir uma tendência à elevação dos salários mais baixos, e uma redução das diferenças entre o salário médio dos assalariados de colarinho azul (vinculados ao trabalho manual), os assalariados de colarinho branco (vinculados às atividades de rotina na área de serviços) e os assalariados de elevada escolaridade (professores, médicos, engenheiros, médicos, gerentes, etc).
No entanto, a ilusão de que uma sociedade mais instruída seria, necessariamente, uma sociedade mais justa não tem fundamento histórico. Não existe um padrão na história contemporânea que associe aumento da escolaridade e redução da desigualdade. A elevação da escolaridade é condição necessária do aumento da mobilidade social, porém, não suficiente. A taxa mais acelerada de mobilidade social é condição necessária da redução da desigualdade, mas tampouco é suficiente. Existem até estudos que sugerem, inclusive, uma relação entre aumento da escolaridade média e crescimento econômico. No Brasil, todavia, aconteceu um impasse na relação entre escolaridade e mobilidade social a partir da década de oitenta do século passado. Impasse significa dificuldade, aparentemente, insolúvel.
Somente quando a maior homogeneidade salarial veio acompanhada de uma redução da participação do capital na renda nacional e, em conseqüência, do aumento da renda apropriada pelo trabalho, o que foi, historicamente, excepcional (um exemplo progressivo foi a Inglaterra depois da última guerra mundial, e um regressivo, os EUA, no mesmo período) acontece uma redução da desigualdade social. Ou seja, não basta que diminua a diferença entre o salário médio do pedreiro e o do doutor, porque eles podem estar ficando todos, relativamente à renda do capital, mais pobres, ainda que vivendo melhor do que os seus respectivos pais.
Não adianta aumentar o pudim, se as porções não forem mais bem divididas. Se os capitalistas não perderem, os trabalhadores não podem ganhar. É preciso que a renda do capital tenha sido, proporcionalmente ao aumento da riqueza nacional, menor do que no período histórico anterior, para que seja possível a redução da desigualdade social. Não é difícil concluir, portanto, que este processo é governado por muitas variáveis políticas complexas.
A elevação da escolaridade média parece ter sido um dos fatores que favoreceu a diminuição da desigualdade social em alguns países da Europa Ocidental, como na Holanda e Escandinávia, nas três décadas do pós-guerra.
Nada semelhante tinha acontecido antes: as férias de trinta dias remuneradas foram consagradas na França, por exemplo, somente em 1936, depois de uma greve geral. Uma combinação extraordinária de fatores econômico-sociais (crescimento, pleno emprego, fortalecimento do movimento sindical, transferência de renda por via fiscal) e políticos (o medo de novas revoluções sociais) permitiu reformas do capitalismo que ajudaram a consolidar os regimes democrático-eleitorais. Políticas públicas que reconheciam direitos universais garantiram a universalização crescente do acesso à educação, saúde e previdência.
Nos últimos vinte e cinco anos, contudo, a tendência histórica se inverteu, e estas conquistas sociais conheceram importante erosão, mesmo nos países centrais, e a desigualdade social voltou a crescer.Os critérios de aferição da mobilidade social podem ser diferentes. Estas variáveis podem ser a evolução do salário médio; a redução das taxas de desemprego; o aumento do consumo de bens perecíveis (alimentos, roupas) e bens duráveis (eletrodomésticos; motos, carros); do consumo de produtos culturais (livros, cinema, música); do acesso à casa própria; a oportunidade de viagens, entre outros. Entre eles, a evolução da escolaridade média parece ser uma das variáveis mais significativas.
O importante, entretanto, é destacar que em algumas sociedades, e em alguns períodos históricos, a mobilidade social é maior ou mais intensa. Em outras sociedades e em outros períodos pode ser menor e mais lenta. Há, também, a tragédia das regressões históricas, quando uma sociedade entra em decadência, e em vez das condições de vida do povo melhorarem, pioram. Países socialmente muito rígidos, em que a distribuição de renda é regressiva e as transformações político-sociais estão congeladas tendem a viver crises políticas crônicas que podem evoluir para situações revolucionárias.As sociedades com maior mobilidade social tiveram, historicamente, maior coesão social, portanto, maior estabilidade política das suas instituições. Os países que compõem a Tríade (EUA, União Européia e Japão) que dirige o sistema internacional de Estados, embora muito desiguais entre si, viveram nas décadas do pós-guerra essa situação.
Por outro lado, em sociedades agrárias em processo tardio de industrialização (China, Índia, Paquistão, Egito, Irã, Nigéria) a percepção da injustiça social é mais lenta do que aquelas em que a maioria da população já foi reduzida à condição do trabalho assalariado e vive em grandes cidades. Não obstante, nos países com intensa desigualdade social depois de completada a primeira etapa da urbanização, a coesão social foi menor e, portanto, menor, também, a estabilidade política, podendo evoluir para situações revolucionárias, como aconteceu na Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador entre 2001 e 2005.A promessa meritocrática da equidadeUma das premissas do liberalismo foi a igualdade jurídica dos cidadãos. A lei seria igual para todos. Direitos e deveres iguais, ainda que em uma sociedade de desiguais, seria a utopia possível.
A promessa dos governos que se sucederam no poder, no Brasil, depois do fim do regime militar foi, contudo, mais audaciosa: afirmaram durante as últimas décadas de regime democrático-liberal que a educação seria uma via de afirmação de maior justiça social: “estudem e trabalhem duro, e terão um futuro superior ao dos vossos pais”.Os defensores de um capitalismo mais ou menos regulado, fossem liberais ou reformistas, com inspiração na experiência norte-americana ou européia, presumiam que a escola poderia mudar o Brasil diminuindo as desigualdades sociais. Defendiam que através da meritocracia, portanto, da igualdade de oportunidades, a equidade, existiria a possibilidade de melhorar de vida. Toda a promessa da meritocracia consistia na premissa de uma justiça universal. Expliquemo-nos: sendo as oportunidades de educação e trabalho muito menores que as necessidades, seria justo regular a seleção dos mais capazes, mais tenazes, mais inteligentes, através de obstáculos ou de barreiras que deveriam ser universais. A equidade era o único horizonte possível, porque presumiam que a igualdade social seria uma utopia. Educação e trabalho para todos garantiriam, esperava-se, uma maior coesão social à democracia no Brasil, na periferia do capitalismo. A democracia liberal afiançaria, gradualmente, prosperidade. Seria uma questão de paciência. Os mais esforçados teriam uma melhor educação, conseguiriam melhores empregos e a mobilidade social premiaria o talento e a perseverança.Não obstante o discurso meritocrático, a educação esteve longe de ser a política social mais importante do último período histórico. Em São Paulo, o mais rico Estado, construíram-se muito mais prisões do que Universidades. Liberais e reformistas, quando no governo (porque em campanhas eleitorais se permitiram todas as liberdades da demagogia), insistiram que a diminuição da desigualdade não passava por retirar dos mais ricos para os mais pobres, mas elevando o padrão de vida dos trabalhadores, sem prejudicar os capitalistas, que não poderiam ser contrariados para favorecer a disposição de investimento.No entanto, todos os levantamentos estatísticos disponíveis a partir do censo do IBGE de 2000 e dos PNAD’s dos anos seguintes informam que, apesar de melhoras quantitativas modestas dos índices educacionais, a situação da educação pública é pouco animadora, e a situação social permanece crítica. Se considerarmos somente duas variáveis fundamentais, descobrimos que o desempenho médio dos alunos das escolas públicas em exames como o ENAD é abaixo de satisfatório, e o salário médio dos trabalhadores da seis principais regiões metropolitanas atingiu, em março de 2008, seis anos depois, o nível que tinha em setembro de 2002.A expansão da rede pública foi significativa nos anos sessenta, setenta e oitenta, mas não diminuiu a desigualdade social. Ao contrário, a desigualdade aumentou entre os anos sessenta e os anos noventa, mesmo quando o PIB brasileiro duplicava no intervalo de uma década, como entre os anos trinta e setenta. O aumento da escolaridade média aconteceu muito tarde em relação à velocidade da industrialização, e foi muito lento. O custo da universalização da educação revelou-se muito alto. O capitalismo brasileiro foi incapaz de garantir um financiamento do Estado suficiente para o custeio da escola obrigatória de qualidade universal.Depois, a partir dos anos noventa, vieram as políticas sociais focadas – primeiro em um governo do PSDB em Campinas, depois no de Cristóvão Buarque eleito pelo PT em Brasília e, finalmente com o de FHC - que o governo Lula está preservando e aumentando em escala. No intervalo que vai de 1980 a 2008, o PIB brasileiro duplicou, se consideramos a paridade do poder de compra com um vetor de ajuste, mas a população também quase dobrou, ou seja, a renda per capita permaneceu estagnada. Considerando estes números frios na longa duração, o Brasil nem avançou, nem recuou: transformou-se em uma sociedade de capitalismo de baixo crescimento.A mobilidade social, ou seja, a esperança de ascensão social de uma geração para outra permanece muito pequena.
Os estudos destes últimos anos que descobrem um Brasil de maioria de “classe média”, porque um pouco mais de 50% da população teria renda mensal familiar igual ou superior a R$1.200,00, ou seja, adquiriram a capacidade de se endividar para comprar alguns bens duráveis com a expansão do crédito consignado, são insuficientes para justificar otimismo. A desigualdade social brasileira continua entre as mais elevadas do mundo, e a participação do trabalho sobre o conjunto da riqueza nacional diminuiu de mais 50% antes de 1964, para menos de 40% nos dias de hoje. Mais de vinte anos de democracia e de alternância no poder municipal, estadual e nacional entre a centro direita e a centro-esquerda, que tiveram oportunidade de aplicar as mais variadas políticas econômicas e os mais diferentes projetos educacionais, não trouxeram maior mobilidade social.Segundo os dados do IBGE, os 10% mais ricos da população ainda são donos de 46% do total da renda nacional.
Já os 50% mais pobres ficam com apenas 13,3%. Há décadas o Brasil anda de lado, ou seja, fica para trás. Sem um diagnóstico que identifique as raízes deste processo não poderemos pensar políticas públicas adequadas às nossas necessidades.No Brasil, a experiência das classes populares com o regime democrático tem se desenvolvido, comparativamente, em forma mais suave e ritmos mais lentos que em alguns dos países vizinhos que viveram situações revolucionárias depois dos ajustes neoliberais – como Venezuela, Bolívia, Argentina e Equador - mesmo se considerarmos que, mais de vinte anos de democracia, não foram suficientes, não importando qual fosse o governo, para mudar no fundamental o destino da classe trabalhadora.
Fatores objetivos e subjetivos condicionaram esta experiência. O resumo da ópera é que Brasil entrou em decadência, e a escola pública se perverteu como instrumento da ascensão social. Seria ingênuo imaginar que esta degradação da promessa de equidade meritocrática pela educação não teria consequências nas escolas: desmotivação dos alunos e desmoralização dos professores.O pleno emprego foi, historicamente, o maior fator de mobilidade socialMesmo se ponderarmos fenômenos novos como o fim da longa etapa de migrações internas – do nordeste para o sudeste, e do sul para a nova fronteira agrícola no oeste – e a imigração de quase três milhões de jovens para o exterior; ou o impacto das políticas compensatórias sobre os setores mais vulneráveis e desprotegidos do povo, o principal fator que manteve, historicamente, a estabilidade da dominação burguesa no Brasil – estabilidade relativa, porque em comparação com os países vizinhos - foram taxas de desemprego muito baixas.
As ilusões reformistas das massas, ou seja, a esperança em mudanças negociadas pelos seus líderes sem a necessidade de grandes combates contra as classes dominantes, se fundamentavam na memória do intervalo entre os anos trinta e os anos setenta, quando a industrialização e urbanização permitiram uma intensa mobilidade social.O crescimento econômico acelerado que duplicava o PIB de dez em dez anos permitiu que a vida das amplas massas de origem rural, que partiam de condições de sobrevivência dramaticamente baixas, melhorasse. Essas ilusões reformistas permaneceram, mesmo depois que as condições históricas que tinham permitido as altas taxas de mobilidade social tinham desaparecido. Foram essas ilusões que garantiram a estabilidade do calendário eleitoral no Brasil desde 1985.Pesaram, também, os fatores históricos, mais ou menos invariáveis, como os medos “atávicos” herdados, geração após geração, e que remetem à baixa qualidade de organização independente da classe trabalhadora em relação aos patrões e ao Estado. A terrível herança da escravidão, os receios de uma insegurança social crônica, o sentimento de inferioridade de uma maioria iletrada, a tradição agrária e a inércia cultural, a história de repressão implacável contra as lideranças populares, a manipulação da miséria pelo coronelismo rural e pelo clientelismo urbano, a lumpenização de massas de jovens e o crescimento da delinqüência, todos estes fatores foram e são obstáculos na via da organização da luta dos trabalhadores no campo e nas cidades.
As pressões ideológicas das classes dominantes, também, pesam: enquanto permanecer o controle monolítico burguês sobre os meios de comunicação, sempre poderá renascer a ilusão de que existem saídas individuais para os filhos da pobreza. A ação coletiva baseada nos princípios de solidariedade de classe teve pela frente, portanto, muitos obstáculos.A educação não garante mais a mobilidade social ascendenteEis a primeira questão: a mobilidade social e o lugar da educação como instrumento de ascensão. A primeira constatação da realidade social no capitalismo periférico é que as possibilidades de ascensão social agora estão quase congeladas. A sociedade brasileira teve, durante algumas décadas entre 1930 e 1980, comparativamente à situação atual, uma mobilidade social significativa. Se analisarmos a origem social da maioria da população urbana adulta e, também, o que podíamos chamar o “repertório cultural” das gerações anteriores nas nossas próprias famílias, veremos que, com raras exceções, uma grande parcela foi, individualmente, favorecida pelo aumento da escolaridade de um período histórico anterior. Esse fenômeno é chave para compreendermos a crise atual, porque foi excepcional. O padrão histórico dominante na história do Brasil foi outro.
Durante gerações nossos antepassados foram vítimas da imobilidade social e da divisão hereditária do trabalho. Os que nasciam filhos de escravos, não tinham muitas esperanças sobre qual seria o seu destino. Os filhos dos sapateiros já sabiam que seriam sapateiros.No entanto, a sociedade brasileira entre 1930 e 1980, mesmo considerando-se os limites impostos pelo seu estatuto subordinado na periferia capitalista, foi uma das economias com mais dinâmica no mercado mundial. Perpetuaram-se as desigualdades, por suposto. Mas, existiu durante cinco décadas um capitalismo com taxas aceleradas de urbanização e industrialização. Os dois processos foram simultâneos, ainda que não tenham tido a mesma proporção em todo o país. O certo, todavia, é que existiu mobilidade social. O crescimento parece ter sido mais significativo que a escolarização, mas é provável que tenha ocorrido uma sinergia na confluência de causas. Logo, a promessa de que seria possível ir além dos limites do capitalismo agro-exportador, e fortalecer um crescimento apoiado na expansão do mercado interno e, portanto, viver melhor, através de reformas como uma educação pública universal – a percepção popular do nacional-desenvolvimentismo - era uma promessa que alimentava esperanças.
Garantia alguma coesão social para a estabilidade dos regimes políticos. A força de inércia das ilusões reformistas repousava nessa história. A sua superação exigirá uma experiência prática compartilhada por milhões.Quando raciocinamos neste horizonte de perspectiva, verificamos que a economia brasileira perdeu o impulso que teve até os anos oitenta. A questão decisiva é que o Brasil é hoje uma sociedade muito congelada, comparativamente, àquilo que ela foi. O capitalismo brasileiro do século XXI é um capitalismo com taxa de mobilidade social muito baixa, e a educação deixou de ser um trampolim social. O salário médio dos setores que alcançam uma escolaridade técnico-profissional como os operários qualificados, oscila pouco acima do salário médio. O daqueles com escolaridade elevada, ou seja, o ensino superior, mantém uma curva descendente contínua há mais de duas décadas: professores, quadros intermediários da administração pública ou privada, profissionais assalariados, como médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, etc.Todas as informações disponíveis confirmam que a possibilidade de se conquistar recompensas econômicas e sociais, ou uma vida mais segura e mais confortável, através do esforço individual de uma educação maior está reduzida. Além disso, a crise crônica da sociedade brasileira já foi percebida, pelo menos parcialmente, pelas massas trabalhadoras, e mesmo pelas camadas médias, ainda que esse mal estar não se manifeste, como nos anos oitenta, em uma elevação da participação política. Ainda que façam o possível e até o impossível para garantir uma escolaridade elevada para os seus filhos, a maioria da população assalariada está perdendo esperança no papel que a educação pode cumprir.
A função social da educação na sociedade é cada vez mais estabelecer a divisão do trabalho que vai permitir a perpetuação das relações sociais existentes. Ou seja, a educação não questiona as relações sociais, somente as perpetua.Uma outra forma de ilusão gradualista nas perspectivas de justiça social nos limites do capitalismo foi a esperança de que uma população mais educada mudaria, gradualmente, a realidade política do país. Se fosse assim, a Argentina ou a Coréia do Sul, dois exemplos de sociedades que conquistaram - a primeira no passado, a segunda mais recentemente - índices elevados de escolaridade, não seriam infernos de desigualdade social para os trabalhadores. Todas as promessas de que a educação seria o instrumento meritocrático que permitiria que, nos países de inserção periférica, cada um tivesse a sua justa função na sociedade, desmoronaram com a crise da globalização e dos ajustes neoliberais do final dos anos noventa.
A ideologia de que cada um tem o lugar social que merece é uma ideologia reacionária, porque naturaliza aquilo que não é natural. Legitima o que é anti-humano. A ideologia que justifica que os capitalistas cumprem uma função indispensável; que defende que o direito de herança ilimitado de fortunas (não raras vezes maiores que a economia de nações) é justa; que argumenta que a desigualdade social é inevitável, e a escola é o instrumento que permite a seleção que justifica a divisão do trabalho, é percebida como um fatalismo por milhões de pessoas.
Mas, ainda em crise, esta ideologia mantém influência entre as massas – porque as ilusões não morrem sozinhas - em especial entre os professores, que são, paradoxalmente, um dos instrumentos sociais de convencimento de que a escola poderia mudar a sociedade.A ordem capitalista não seria possível, de maneira duradoura, se a maioria das pessoas não acreditasse que esta divisão do trabalho, do dinheiro e da riqueza é algo razoável. O que está acontecendo é que de forma molecular, os setores mais organizados da classe trabalhadora estão perdendo as esperanças, embora ainda não tenham disposição de lutar. A desigualdade não é natural. Não é razoável vivermos numa sociedade em que a diferença entre o piso e o teto das remunerações varia de um para quinhentos. Como é possível aceitar que o trabalho de uma hora de alguém, como um poderoso acionista ou executivo das corporações, seja centenas de vezes mais valioso que o trabalho de outro?O atraso cultural da sociedade brasileira é responsabilidade do EstadoO segundo tema é a idéia de que nós vivemos numa sociedade culturalmente arcaica que não superou significativo atraso educacional. Uma aferição de qual é o nível de escolaridade e o repertório médio da sociedade de hoje em relação ao que ela foi no passado mas, também, em comparação com outras sociedades da periferia, como os países do Cone Sul, não é nada animadora. O Brasil é uma sociedade que tem uma forte defasagem cultural. A herança da escravidão tardia, da inserção dependente no mercado mundial, da urbanização atrasada e da industrialização lenta foi terrível. Somos uma nação de semi-letrados.O balanço é devastador: o número de estudantes matriculados aumentou, mas, para desespero nosso, tão lentamente, que a melhora é quase imperceptível. O número de certificados emitidos cresceu, mas a qualidade do ensino caiu. Mesmo com uma presença maior das crianças nas escolas, temos ainda pelo menos 14,6 milhões de analfabetos.
Os iletrados são, contudo, incontáveis. O analfabetismo funcional – incapacidade de atribuir sentido ao texto escrito em norma culta - está na escala das dezenas de milhões, talvez mais da metade dos brasileiros com mais de quinze anos. Da população de 7 a 14 anos que freqüenta a escola, pelo menos um em cada três não concluem o ensino fundamental. Na faixa de 18 a 25 anos, apenas 22% terminam o ensino médio e, mesmo em São Paulo, menos de 20% estão matriculados em cursos superiores, sendo a maioria ampla em faculdades particulares. Segundo Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp e atual presidente do IPEA: “no Chile, 80% dos estudantes de 15 a 17 anos estão no ensino médio. Se quisermos chegar lá, temos que incluir 5 milhões de jovens, formar 510 mil professores e construir 47 mil salas”.[6]O Estado brasileiro, mesmo na forma do regime democrático - não importando quais os partidos na sua gestão, se o PMDB, PSDB, PFL ou PT - continuou drenando recursos dos serviços públicos para o Capital. Políticas sociais focadas e compensatórias, como o Bolsa Família e outros que o antecederam, não obtiveram resultados significativos, no que diz respeito ao desempenho escolar. O Estado ao serviço do capital se demonstrou historicamente incapaz de garantir uma educação pública e universal. Muitas décadas nos separam do início do processo de urbanização e industrialização, e a desigualdade material e cultural não diminuiu.O atraso cultural da sociedade brasileira tem, entre outras manifestações, uma expressão terrível. O Brasil é um país de iletrados e semi-analfabetos. É cruel constatar isto assim, todavia, a realidade é arrasadora. Não é fácil abordar este tema porque a maioria dos trabalhadores nutre um sentimento de inferioridade cultural que é indivisível da humilhação social provocada pela pobreza. Todos os que nasceram nas classes trabalhadoras têm, em maior ou menor medida, a percepção de que sabem muito menos do que gostariam de saber e, portanto, sentem inseguranças culturais. Mas, essa dor é muito mais intensa nas amplas massas do nosso país. Não é só uma percepção subjetiva. Há um abismo educacional verdadeiro entre nossas classes populares e as classes médias e proprietárias.
É um assunto meio tabu, porque é desconfortável. Em geral o brasileiro médio se relaciona com sua pobreza material com dificuldades, mas se relaciona com muito mais constrangimento com sua ignorância. É um tema um pouco intimidador, porém, inescapável para quem trabalha com educação.A sociedade brasileira do início do século XXI continua uma sociedade iletrada. A burguesia fracassou em trazer o nosso povo para o que podemos chamar de um acervo cultural mínimo do século XX, que é dominar a matemática e a língua. Acontece que educação em um país com a nossa proporção de jovens é um serviço caro. O Estado não poderia remunerar o capital – a remuneração da dívida pública consome quase a metade da receita pública - e garantir, ao mesmo tempo, a educação pública. Inventaram, em conseqüência, um sistema brutal: cada classe tem a sua escola. O ensino passou a ser uma obrigação de responsabilidade familiar.A grande maioria do nosso povo não tem outro instrumento de comunicação que a língua coloquial. A televisão não é somente o grande canal de comunicação. Para a maioria é o único, porque estão prisioneiros da oralidade. O texto escrito é um obstáculo invencível. A norma culta do texto continua terra incógnita: um repertório desconhecido para a esmagadora maioria do povo. Os números oficiais consideram o analfabetismo como um fenômeno histórico residual. Reconhecem algo abaixo de 15% da população com quinze anos ou mais analfabeta. O ultimo número de 2003, registrava 12,8% de analfabetos. Aqueles que trabalham em educação sabem qual é, na verdade, a dificuldade que nós temos de enfrentar. Pelo menos metade do povo brasileiro reconhece as letras, reconhece que as letras são símbolos gráficos que reproduzem sons, os fonemas, mas o domínio da escrita não é isso.A dinâmica histórica deste atraso cultural não é prometedora, se compararmos o Brasil de hoje com o de nossos pais. O que aconteceu neste intervalo de meio século em que o Brasil deixou de ser uma sociedade agrária é que o acesso à escola pública realmente se massificou, mas a qualidade do ensino público é atroz. Hoje, a grande maioria das crianças brasileiras com até quatorze anos de idade, em números que superam os 90%, está matriculada na escola pública. Mas, esta escola não corresponde às suas necessidades. O fracasso escolar pode se manifestar de diferentes formas: repetição em alguns Estados, ou evasão em outros, ou ainda péssimos resultados nas avaliações por provas. Pode ser um fracasso oculto pela promoção automática, como em São Paulo.Temos uma situação na qual a divisão social se manifesta através do abismo que separa a escola pública da escola privada. Mercantilizaram a educação. O capitalismo brasileiro criou um monstro social: o apartheid educacional. A escola privada hoje no Brasil não é somente um fenômeno educacional, é um fenômeno econômico.[7]
O faturamento do ensino privado já tem peso significativo no PIB; foi estimado pelo IBGE, para o ano de 2004, acima de R$ 50 bilhões. Talvez nos surpreenda, mas uma das atividades menos regulamentadas pela Receita ou, se quiserem, uma das atividades em que há mais lavagem de dinheiro, é a educação. De tal maneira é a sonegação, que o principal projeto educacional do governo Lula foi a isenção fiscal do ensino superior em troca de bolsas: o ProUni, que renegociou dívidas em troca de matrículas.Este desastre político-educacional, um apartheid social na educação, tem uma história. Os governos que representam as classes proprietárias promoveram, objetivamente, através de seus variados partidos, o desmantelamento da escola pública, cortando as verbas. Comprometeram a qualidade do ensino na mesma proporção que a expansão do sistema público incorporava a maioria dos filhos do povo. O resultado é que a população em idade escolar dentro das escolas de ensino obrigatório cresceu atingindo quase a universalidade, mas a escola se transformou em um depósito de crianças e jovens, sem condições mínimas de funcionamento.No Brasil, se constituiu uma camada média urbana mais ampla a partir dos anos cinqüenta que, com a crise de estagnação aberta nos anos oitenta e a decadência do ensino público, se viu obrigada a retirar seus filhos das escolas públicas e os colocou na escola privada. Esse processo foi potencializado porque toda a estrutura educacional foi organizada em função de um elemento exógeno, exterior ao aprendizado, o vestibular.
O Brasil tem um sistema de acesso à universidade que é peculiar, é uma instituição brasileira, o exame vestibular. Ele ordena todo o edifício, e explica a privatização.Aqueles que já passaram pela experiência do vestibular não valorizam, freqüentemente, o lugar que ele tem na estrutura educacional. Mas, a morfologia da estrutura educacional no Brasil tem na sua raiz o vestibular. A diferença entre ensino privado e ensino público fundamental e médio é que o aluno que está no ensino público, tem muito menos possibilidades de ser bem sucedido numa experiência incontornável que se chama vestibular. E o vestibular separa os jovens entre aqueles que vão estudar na universidade pública, que são as melhores do Brasil e são gratuitas, e aqueles que vão estudar no ensino privado. E serão estes a maioria dos professores.A mercantilização do ensino destruiu a carreira docenteO terceiro tema é uma avaliação da situação do ensino público. A educação brasileira contemporânea agoniza, como já vimos, porque foi completamente mercantilizada. O capitalismo brasileiro quase destruiu a escola pública, e se não completou sua destruição até hoje foi, em primeiro lugar, pela resistência dos educadores da escola pública que estão lutando como leões e leoas há, pelo menos, trinta anos. Não é somente uma situação conjuntural.
A escola primária está em crise, as escolas secundárias são impossíveis de administrar, o ensino médio e superior foi privatizado em larga escala.A promessa liberal do ensino meritocrático – “estudarás, serás recompensado” - não tem correspondência com a realidade. Este discurso encontra uma contra-evidência esmagadora e muito simples. Os filhos de diferentes classes estudam em escolas separadas: segregação educacional. Isto não é secundário. Estamos tão habituados - até resignados - com o avanço da educação privada que já não ficamos chocados. A privatização da educação é, por suposto, um processo mundial. Mas, em vários países europeus, os filhos das diferentes classes estudam na mesma escola, do primário até á universidade. O critério de acesso para a Sorbonne, admitindo-se a classificação no exame de conclusão do ensino médio, permanece sendo o certificado de residência. Claro que viver no Quartier Latin não é barato. No entanto, é mais barato que pagar US$90.000 de mensalidades por ano em Harvard. No Brasil, qual é a possibilidade de encontrarmos na escola pública um filho de um burguês? Ao vivo e a cores, a maioria do povo brasileiro nunca viu e nunca verá um grande empresário- a menos que seja o seu patrão -, muito menos na sala de aula, ao lado dos seus filhos.A promessa meritocrática faliu e com ela a escola pública. Todos os jovens das classes populares sabem que a escola em que eles estão é uma escola na qual o seu destino social já está traçado. Aqueles que estão na escola pública sabem que, por maior que seja o seu talento, a chance de mobilidade social é reduzida, e os filhos da classe média, que estão na escola privada, sabem que vão ter que batalhar, desesperadamente, para conseguir uma vaga na universidade pública. Mesmo para um jovem de classe média argentino, a comemoração de quem é aprovado na USP – a família toda de lágrimas nos olhos, como se tivessem ganhado a loteria federal – é incompreensível.
Já os poucos que receberão herança, e vão viver da renda do capital, estão em absoluta tranqüilidade, fazendo faculdades privadas no Brasil ou no exterior. A escola pública afundou em decadência. Ela foi destruída por vários processos. Além da privatização, o principal foi a desvalorização da carreira docente, a degradação profissional dos professores.O que é a degradação social de uma categoria? Na história do capitalismo, várias categorias passaram em diferentes momentos por promoção profissional ou por deterioração profissional. Houve uma época no Brasil em que os “reis” da classe operária eram os ferramenteiros: nada tinha maior dignidade, porque eram aqueles que dominavam plenamente o trabalho no metal, conseguiam manipular as ferramentas mais complexas e consertar as máquinas. Séculos antes, na Europa, foram os marceneiros, os tapeceiros, e em muitas sociedades os mineiros foram bem pagos. Houve períodos históricos na Inglaterra – porque a aristocracia era pomposa - em que os alfaiates foram excepcionalmente bem remunerados. Na França, segundo alguns historiadores, os cozinheiros. Houve fases do capitalismo em que o estatuto do trabalho manual, associada a certas profissões, foi maior ou menor. A carreira docente mergulhou nos últimos vinte e cinco anos numa profunda ruína. Há, com razão, um ressentimento social mais do que justo entre os professores. A escola pública entrou em decadência e a profissão foi, economicamente, desmoralizada, e socialmente desqualificada, inclusive, diante dos estudantes.Os professores foram ideologicamente desqualificados diante da sociedade. O sindicalismo dos professores, uma das categorias mais organizadas e combativas, foi construído como resistência a essa destruição das condições materiais de vida. Reduzidos às condições de penúria, os professores se sentem vexados. Este processo foi uma das expressões da crise crônica do capitalismo. Depois do esgotamento da ditadura, simultaneamente à construção do regime democrático liberal, o capitalismo brasileiro parou de crescer, mergulhou numa longa estagnação. O Estado passou a ser, em primeiríssimo lugar, um instrumento para a acumulação de capital rentista. Isso significa que os serviços públicos foram completamente desqualificados.Dentro dos serviços públicos, contudo, há diferenças de grau. As proporções têm importância: a segurança pública está ameaçada e a justiça continua muito lenta e inacessível, mas o Estado não deixou de construir mais e mais presídios, nem os salários do judiciário se desvalorizaram como os da educação; a saúde pública está em crise, mas isso não impediu que programas importantes, e relativamente caros, como variadas campanhas de vacinação, ou até a distribuição do coquetel para os soropositivos de HIV, fossem preservados. Entre todos os serviços, o mais vulnerável foi a educação, porque a sua privatização foi devastadora. Isso levou os professores a procurarem mecanismos de luta individual e coletiva para sobreviverem.
Há formas mais organizadas de resistência, como as greves, e formas mais atomizadas, como a abstenção ao trabalho. Não é um exagero dizer que o movimento sindical dos professores ensaiou quase todos os tipos de greves possíveis. Greves com e sem reposição de aulas. Greves de um dia e greves de duas, dez, quatorze, até vinte semanas. Greves com ocupação de prédios públicos. Greves com marchas. E muitas e variadas formas de resistência individual: a migração das capitais dos Estados para o interior onde a vida é mais barata; os cursos de administração escolar para concursos de diretor e supervisor; transferências para outras funções, como cargos em delegacias de ensino e bibliotecas. E, também, a ausência. Tivemos taxas de absenteísmo, de falta ao trabalho, em alguns anos, inverossímeis. Além disso, temos uma parcela dos professores, inquantificável, que são aqueles colegas que freqüentam a escola, mas não dão mais aulas. Entram na sala de aula, passam uma atividade na lousa e dispensam os alunos – faz quem quer, quem não quer sai –, já desistiram de dar aulas, é o último degrau. Cria-se uma situação de conflito latente entre os professores que dão aula e os professores que não dão aula. Por último, uma parcela dos professores desabou. “Surtaram”: as doenças profissionais são elevadíssimas, entre elas, a depressão, que é, hoje, epidêmica.O papel defensivo do movimento sindical dos professores para a educação públicaO quarto tema é a defesa do papel do movimento sindical dos professores em defesa da escola pública. A acusação de que as greves explicam porque o desempenho escolar brasileiro é baixo, é de um cinismo horroroso. O corporativismo sindical pode ser nocivo. Mas, se os professores não tivessem ido à luta, a situação das escolas não seria melhor, seria, irrefutavelmente, pior. Um programa para a educação tem que primeiro identificar quem são os sujeitos sociais da luta pela mudança. Não é sequer razoável pensar na luta por uma melhor escola pública, se o projeto for construído “demonizando” os professores. O partido X diz na campanha eleitoral “o nosso programa para a educação é muito bom, e construímos tantas escolas”. Aí o partido Y responde “o nosso programa para a educação é melhor, e fizemos mais escolas que vocês”. Esquecem que construir escolas não é o bastante. Esquecem que não tiveram coragem de enfrentar o lobby do ensino pago.Um programa socialista para a educação brasileira começa por um resgate do lugar da educação e dos educadores. Os principais agentes de transformação da educação serão os estudantes e os trabalhadores da educação, pois são eles que a defendem contra os ataques do Estado. Em cada momento, qual será, entre os estudantes e os professores, o segmento que estará na vanguarda? Este é um falso problema. É um assunto sobre o qual não deveríamos ter um critério rígido; isto é indeterminado, é incerto. A experiência histórica sugere que, em alguns momentos, os professores serão vanguarda e, em outros, os estudantes.Um projeto para a reconstrução da escola pública e gratuita deve ser, também, um plano para a educação dos educadores. Ensina a sabedoria popular que podemos conduzir um cavalo até à água, mas não podemos obrigá-lo a beber. Não haverá uma nova educação sem a mobilização livre dos sujeitos ativos no processo educacional. Sem participação livre não haverá gestão democrática da escola, e sem gestão democrática não haverá melhoria da educação pública.[8]Essa não é a opinião dos gestores da rede pública. Eles defendem uma campanha, perdoem a crispação das palavras, imunda, que transforma os professores, de vítimas, em responsáveis pela crise da escola, criminalizando as greves de resistência.
O Estado defende que a vanguarda é o governo, o que seria cômico se não fosse trágico. Como transferem a responsabilidade do fracasso escolar para os professores e os estudantes, insistem em mobilizar os pais para dentro das escolas, argumentando que a pressão externa da comunidade poderá melhorar a gestão. Os neoliberais “descobriram” que o problema da educação não é o corte verbas, mas a má administração. Uma campanha abjeta na televisão, apresenta o trabalho voluntário como a solução da escola pública, o que seria, evidentemente, risível, se não fosse desprezível.Recordando a epígrafe de Marx que abre este artigo, transformaremos a escola, nos transformando a nós mesmos.
Lutamos por uma outra escola, porque nós mesmos lutamos para sermos diferentes daquilo que fomos e somos. Não haverá uma nova escola, se os professores não acreditarem nela. Não haverá uma nova escola, se a juventude brasileira não for chamada a construir essa nova escola, e não tiver paixão política pelo projeto.Um programa para a educação passa por investimentos maciços na educação, porque nós acreditamos que é justamente o socialismo ou, pelo menos, a primeira fase de construção do socialismo que vai, pela primeira vez na história do Brasil, transformar em experiência social o que hoje não são senão utopias.
O projeto do socialismo é a implantação da equidade. A equidade é a meritocracia que não existe na sociedade brasileira de hoje. Mas, a equidade não é mesma coisa que a igualdade. A igualdade é “de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”, um critério de distribuição imortalizado por Marx e que foi tomada por todos os igualitaristas do final do século XIX. Na primeira fase de transição, no entanto, o critério de distribuição deveria ser “de cada um segundo suas necessidades; a cada um segundo o trabalho realizado”. Isso é a meritocracia, é a equidade: mais igualitária que o capitalismo, mas ainda não é a igualdade social.
O projeto socialista é transformar a escola num dos instrumentos da equidade social. Esse projeto só é possível se os educadores compreenderem que eles têm que estar disponíveis para serem, permanentemente, reeducados. Se eles compreenderem que o processo de educação é permanente processo de reavaliação e que, portanto, essa vida que nós escolhemos é uma vida em que ensinar e aprender não se encerra nunca. A primeira aprendizagem que existe nesta profissão, é que para ser professor será preciso ser eternamente estudante. Aquele que está sempre disposto a se colocar no lugar do outro.
O lugar da escola hoje é um encontro de sociabilidade, mas não é um encontro mais com o tesouro científico e o repertório cultural que a humanidade construiu. Os professores se sentem tristes, sendo a última linha de defesa da escola pública. Nós sentimos essa angústia, que é reconhecer que a escola agoniza. Nós somos, contudo, os guardiões de uma promessa: que através da arte, da cultura, da ciência que as gerações anteriores nos legaram, poderemos construir um mundo melhor.
Referências Bibliográficas
DAVIES, Nicholas. Fundeb: a redenção da educação básica? Campinas, SP: Autores Associados, 2008.
LEHRER, Roberto. Um Novo Senhor da educação? A política educacional do Banco Mundial para a periferia do capitalismo, in Outubro n°3. São Paulo: Xamã, 1999.
SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. São Paulo, Cortez, 1983
MARX, Karl. Terceira Tese sobre Feurbach, Obras Escolhidas, São Paulo, Editora Alfa-Omega, s/d, p.208/9.
Alguns dados comparativos podem ser encontrados no site do IBGE: http://www.ibge.gov.br/paisesat/. Pesquisa em 10/08/2009.
Outros podem ser pesquisados no site de estatísticas da União Européia em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/education/data/main_tables. Pesquisa em 10/08/2009.
A novidade no financiamento da educação no Brasil nos últimos anos foi o Fundeb: Fundo de manutenção e desenvolvimento da Educação Básica e de valorização dos profissionais da Educação. O fundo é composto por percentuais fixos das receitas estaduais (6,66% da arrecadação do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores, ou IPVA; 16,66% do Fundo de Participação dos Municípios, ou FPM; 16,66% do Fundo de Participação dos Estados, ou FPE; entre outros) e uma complementação do Governo Federal: R$2 bilhões em 2007, e R$5 bilhões previstos em 2009.
O Fundeb foi construído para permitir a instituição, a partir de 2009, do Piso nacional de professores de R$950,00 mensais para uma jornada de 40hs com 1/3 da jornada sendo fora de sala de aula para preparação. Mesmo considerando-se que este piso é inferior ao salário médio das principais regiões metropolitanas, e ao salário médio na indústria, estimados entre R$1.100,00 e R$1.200,00, vários governadores, como Serra em são Paulo, se posicionaram em contra do piso. Nicholas Davies publicou um livro de referência sobre o tema, onde conclui que com o Fundeb não está garantido, nos maiores Estados, um aumento de verbas para a educação.http://www.ibge.gov.br/paisesat/. Consulta em 10/08/2009.A repercussão da pesquisa do economista norte-americano Martin Carnoy, que comparou a educação brasileira à cubana para chegar à conclusão que as redes públicas de ensino dão pouca prioridade para a didática.
Em outras palavras, os mestres aprendem mais na faculdade sobre teorias pedagógicas e menos sobre o que fazer na sala de aula. Eis a conclusão do editorial da Folha de São Paulo: “São eles: didática, programação, supervisão e permanência na escola. Além de treinamento didático, os mestres precisam ter clareza sobre o conteúdo que devem ensinar, e quando. É o segundo fator.
Em alguns sistemas públicos, como o do Estado de São Paulo, a carência começou a ser resolvida com a edição de guias curriculares, que organizam a matéria numa seqüência pensada para favorecer a assimilação.De nada adiantam os guias, contudo, sem o terceiro componente, supervisão e controle sobre o cumprimento da programação. São atividades quase desconhecidas no ensino oficial.
Há Estados em que o cargo de supervisor nem sequer existe. Onde há supervisores, por outro lado, eles raramente visitam as escolas e menos ainda as salas de aula, para inteirar-se do que de fato acontece nelas”.
www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1108200901.htm Consulta em 11/08/2009.Bia Barbosa, in Carta Maior, 02/01/06, http://agenciacartamaior.uol.com.br/Roberto Lehrer tem realizado um conjunto de estudos sobre o papel do Banco Mundial no Brasil, desde o final dos anos sessenta, na orientação de uma política educacional que favorece a privatização da educação, sob a alegação de que os custos da universalização do acesso ao ensino gratuito seriam desproporcionais para a capacidade do Estado.
A principal pressão do Banco Mundial tem sido no sentido de introduzir a cobrança de mensalidades nas Universidades públicas.A referência mais célebre para o debate sobre a gestão democrática é o livro de Demerval Saviani, do hoje longínquo ano de 1983, Escola e Democracia, no qual o autor invocou a metáfora de Lênin sobre a curvatura da vara, para ilustrar a idéia de que, quando uma vara está inclinada ao extremo em uma direção, para se poder encontrar o ponto de equilíbrio, é necessário vergá-la até o extremo oposto. Ao final da ditadura, a mobilização sindical dos professores, mesmo os seus excessos eram um fenômeno progressivo, depois de décadas de repressão. Seria necessário, segundo Saviani, um giro “conteúdístico” para garantir à juventude operária e popular o acesso ao conhecimento como repertório universal da cultura humana.
*Valerio Arcary é professor do IF/SP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), e doutor em História pela USP
Fonte: APEOESP SUBSEDE SUL

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Fundamentos da Educação: Pedagogia Hitorico-Crítica

Pedagogia Histórico-Crítica

Demerval Saviani - Teorias da Educação

Saviani - Para Alem Da Curvatura Da Vara

Metodologia e Didática de ensino

HISTÓRIA DAS IDÉIAS PEDAGÓGICAS

Educação no Brasil: a História das rupturas



Por José Luiz de Paiva Bello

Introdução
A História da Educação Brasileira não é uma História difícil de ser estudada e compreendida. Ela evolui em rupturas marcantes e fáceis de serem observadas.
A primeira grande ruptura travou-se com a chegada mesmo dos portugueses ao território do Novo Mundo. Não podemos deixar de reconhecer que os portugueses trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, o que não quer dizer que as populações que por aqui viviam já não possuíam características próprias de se fazer educação. E convém ressaltar que a educação que se praticava entre as populações indígenas não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu.
Num programa de entrevista na televisão o indigenísta Orlando Villas Boas contou um fato observado por ele numa aldeia Xavante que retrata bem a característica educacional entre os índios: Orlando observava uma mulher que fazia alguns potes de barro. Assim que a mulher terminava um pote seu filho, que estava ao lado dela, pegava o pote pronto e o jogava ao chão quebrando. Imediatamente ela iniciava outro e, novamente, assim que estava pronto, seu filho repetia o mesmo ato e o jogava no chão. Esta cena se repetiu por sete potes até que Orlando não se conteve e se aproximou da mulher Xavante e perguntou por que ela deixava o menino quebrar o trabalho que ela havia acabado de terminar. No que a mulher índia respondeu: "- Porque ele quer."
Podemos também obter algumas noções de como era feita a educação entre os índios na série Xingu, produzida pela extinta Rede Manchete de Televisão. Neste seriado podemos ver crianças indígenas subindo nas estruturas de madeira das construções das ocas, numa altura inconcebivelmente alta.
Quando os jesuítas chegaram por aqui eles não trouxeram somente a moral, os costumes e a religiosidade européia; trouxeram também os métodos pedagógicos.
Este método funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal. Se existia alguma coisa muito bem estruturada em termos de educação o que se viu a seguir foi o mais absoluto caos. Tentou-se as aulas régias, o subsídio literário, mas o caos continuou até que a Família Real, fugindo de Napoleão na Europa, resolve transferir o Reino para o Novo Mundo.
Na verdade não se conseguiu implantar um sistema educacional nas terras brasileiras, mas a vinda da Família Real permitiu uma nova ruptura com a situação anterior. Para preparar terreno para sua estadia no Brasil D. João VI abriu Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia. Segundo alguns autores o Brasil foi finalmente "descoberto" e a nossa História passou a ter uma complexidade maior.
A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Basta ver que, enquanto nas colônias espanholas já existiam muitas universidades, sendo que em 1538 já existia a Universidade de São Domingos e em 1551 a do México e a de Lima, a nossa primeira Universidade só surgiu em 1934, em São Paulo.
Por todo o Império, incluindo D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, pouco se fez pela educação brasileira e muitos reclamavam de sua qualidade ruim. Com a Proclamação da República tentou-se várias reformas que pudessem dar uma nova guinada, mas se observarmos bem, a educação brasileira não sofreu um processo de evolução que pudesse ser considerado marcante ou significativo em termos de modelo.
Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional, mas a educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do mundo, que é a de manter o "status quo" para aqueles que freqüentam os bancos escolares.
Concluindo podemos dizer que a Educação Brasileira tem um princípio, meio e fim bem demarcado e facilmente observável. E é isso que tentamos passar neste texto.
Os períodos foram divididos a partir das concepções do autor em termos de importância histórica.
Se considerarmos a História como um processo em eterna evolução não podemos considerar este trabalho como terminado. Novas rupturas estão acontecendo no exato momento em que esse texto está sendo lido. A educação brasileira evolui em saltos desordenados, em diversas direções.

Período Jesuítico (1549 - 1759)
A educação indígena foi interrompida com a chegada dos jesuítas. Os primeiros chegaram ao território brasileiro em março de 1549. Comandados pelo Padre Manoel de Nóbrega, quinze dias após a chegada edificaram a primeira escola elementar brasileira, em Salvador, tendo como mestre o Irmão Vicente Rodrigues, contando apenas 21 anos. Irmão Vicente tornou-se o primeiro professor nos moldes europeus, em terras brasileiras, e durante mais de 50 anos dedicou-se ao ensino e a propagação da fé religiosa.
No Brasil os jesuítas se dedicaram à pregação da fé católica e ao trabalho educativo. Perceberam que não seria possível converter os índios à fé católica sem que soubessem ler e escrever. De Salvador a obra jesuítica estendeu-se para o sul e, em 1570, vinte e um anos após a chegada, já era composta por cinco escolas de instrução elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga) e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia).
Quando os jesuítas chegaram por aqui eles não trouxeram somente a moral, os costumes e a religiosidade européia; trouxeram também os métodos pedagógicos. Todas as escolas jesuítas eram regulamentadas por um documento, escrito por Inácio de Loiola, o Ratio Studiorum. Eles não se limitaram ao ensino das primeiras letras; além do curso elementar mantinham cursos de Letras e Filosofia, considerados secundários, e o curso de Teologia e Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes. No curso de Letras estudava-se Gramática Latina, Humanidades e Retórica; e no curso de Filosofia estudava-se Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e Naturais.
Este modelo funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal. Se existia algo muito bem estruturado, em termos de educação, o que se viu a seguir foi o mais absoluto caos.
No momento da expulsão os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, além de seminários menores e escolas de primeiras letras instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já implantado e consolidado como modelo educacional.

Período Pombalino (1760 - 1808)
Com a expulsão saíram do Brasil 124 jesuítas da Bahia, 53 de Pernambuco, 199 do Rio de Janeiro e 133 do Pará. Com eles levaram também a organização monolítica baseada no Ratio Studiorum.
Desta ruptura, pouca coisa restou de prática educativa no Brasil. Continuaram a funcionar o Seminário Episcospal, no Pará, e os Seminários de São José e São Pedro, que não se encontravam sob a jurisdição jesuítica; a Escola de Artes e Edificações Militares, na Bahia, e a Escola de Artilharia, no Rio de Janeiro.
Os jesuítas foram expulsos das colônias em função de radicais diferenças de objetivos com os dos interesses da Corte. Enquanto os jesuítas preocupavam-se com o proselitismo e o noviciado, Pombal pensava em reerguer Portugal da decadência que se encontrava diante de outras potências européias da época. Além disso, Lisboa passou por um terremoto que destruiu parte significativa da cidade e precisava ser reerguida. A educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal. Ou seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos interesses da fé, Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado.
Através do alvará de 28 de junho de 1759, ao mesmo tempo em que suprimia as escolas jesuíticas de Portugal e de todas as colônias, Pombal criava as aulas régias de Latim, Grego e Retórica. Criou também a Diretoria de Estudos que só passou a funcionar após o afastamento de Pombal. Cada aula régia era autônoma e isolada, com professor único e uma não se articulava com as outras.
Portugal logo percebeu que a educação no Brasil estava estagnada e era preciso oferecer uma solução. Para isso instituiu o "subsídio literário" para manutenção dos ensinos primário e médio. Criado em 1772 o “subsídio” era uma taxação, ou um imposto, que incidia sobre a carne verde, o vinho, o vinagre e a aguardente. Além de exíguo, nunca foi cobrado com regularidade e os professores ficavam longos períodos sem receber vencimentos a espera de uma solução vinda de Portugal.
Os professores geralmente não tinham preparação para a função, já que eram improvisados e mal pagos. Eram nomeados por indicação ou sob concordância de bispos e se tornavam "proprietários" vitalícios de suas aulas régias.
O resultado da decisão de Pombal foi que, no princípio do século XIX, a educação brasileira estava reduzida a praticamente nada. O sistema jesuítico foi desmantelado e nada que pudesse chegar próximo deles foi organizado para dar continuidade a um trabalho de educação.

Período Joanino (1808 – 1821)
A vinda da Família Real, em 1808, permitiu uma nova ruptura com a situação anterior. Para atender as necessidades de sua estadia no Brasil, D. João VI abriu Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia. Segundo alguns autores, o Brasil foi finalmente "descoberto" e a nossa História passou a ter uma complexidade maior. O surgimento da imprensa permitiu que os fatos e as idéias fossem divulgados e discutidos no meio da população letrada, preparando terreno propício para as questões políticas que permearam o período seguinte da História do Brasil.
A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Para o professor Lauro de Oliveira Lima (1921- ) "a 'abertura dos portos', além do significado comercial da expressão, significou a permissão dada aos 'brasileiros' (madereiros de pau-brasil) de tomar conhecimento de que existia, no mundo, um fenômeno chamado civilização e cultura".

Período Imperial (1822 - 1888)
D. João VI volta a Portugal em 1821. Em 1822 seu filho D. Pedro I proclama a Independência do Brasil e, em 1824, outorga a primeira Constituição brasileira. O Art. 179 desta Lei Magna dizia que a "instrução primária é gratuita para todos os cidadãos".
Em 1823, na tentativa de se suprir a falta de professores institui-se o Método Lancaster, ou do "ensino mútuo", onde um aluno treinado (decurião) ensinava um grupo de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor.
Em 1826 um Decreto institui quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas primárias), Liceus, Ginásios e Academias. Em 1827 um projeto de lei propõe a criação de pedagogias em todas as cidades e vilas, além de prever o exame na seleção de professores, para nomeação. Propunha ainda a abertura de escolas para meninas.
Em 1834 o Ato Adicional à Constituição dispõe que as províncias passariam a ser responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. Graças a isso, em 1835, surge a primeira Escola Normal do país, em Niterói. Se houve intenção de bons resultados não foi o que aconteceu, já que, pelas dimensões do país, a educação brasileira perdeu-se mais uma vez, obtendo resultados pífios.
Em 1837, onde funcionava o Seminário de São Joaquim, na cidade do Rio de Janeiro, é criado o Colégio Pedro II, com o objetivo de se tornar um modelo pedagógico para o curso secundário. Efetivamente o Colégio Pedro II não conseguiu se organizar até o fim do Império para atingir tal objetivo.
Até a Proclamação da República, em 1889 praticamente nada se fez de concreto pela educação brasileira. O Imperador D. Pedro II, quando perguntado que profissão escolheria não fosse Imperador, afirmou que gostaria de ser "mestre-escola". Apesar de sua afeição pessoal pela tarefa educativa, pouco foi feito, em sua gestão, para que se criasse, no Brasil, um sistema educacional.

Período da Primeira República (1889 - 1929)
A República proclamada adotou o modelo político americano baseado no sistema presidencialista. Na organização escolar percebe-se influência da filosofia positivista. A Reforma de Benjamin Constant tinha como princípios orientadores a liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da escola primária. Estes princípios seguiam a orientação do que estava estipulado na Constituição brasileira.
Uma das intenções desta Reforma era transformar o ensino em formador de alunos para os cursos superiores e não apenas preparador. Outra intenção era substituir a predominância literária pela científica.
Esta Reforma foi bastante criticada: pelos positivistas, já que não respeitava os princípios pedagógicos de Comte; pelos que defendiam a predominância literária, já que o que ocorreu foi o acréscimo de matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino enciclopédico.
O Código Epitácio Pessoa, de 1901, inclui a lógica entre as matérias e retira a biologia, a sociologia e a moral, acentuando, assim, a parte literária em detrimento da científica.
A Reforma Rivadávia Correa, de 1911, pretendeu que o curso secundário se tornasse formador do cidadão e não como simples promotor a um nível seguinte. Retomando a orientação positivista, prega a liberdade de ensino, entendendo-se como a possibilidade de oferta de ensino que não seja por escolas oficiais, e de freqüência. Além disso, prega ainda a abolição do diploma em troca de um certificado de assistência e aproveitamento e transfere os exames de admissão ao ensino superior para as faculdades. Os resultados desta Reforma foram desastrosos para a educação brasileira.
Num período complexo da História do Brasil surge a Reforma João Luiz Alves que introduz a cadeira de Moral e Cívica com a intenção de tentar combater os protestos estudantis contra o governo do presidente Arthur Bernardes.
A década de vinte foi marcada por diversos fatos relevantes no processo de mudança das características políticas brasileiras. Foi nesta década que ocorreu o Movimento dos 18 do Forte (1922), a Semana de Arte Moderna (1922), a fundação do Partido Comunista (1922), a Revolta Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a 1927).
Além disso, no que se refere à educação, foram realizadas diversas reformas de abrangência estadual, como as de Lourenço Filho, no Ceará, em 1923, a de Anísio Teixeira, na Bahia, em 1925, a de Francisco Campos e Mario Casassanta, em Minas, em 1927, a de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro), em 1928 e a de Carneiro Leão, em Pernambuco, em 1928.

Período da Segunda República (1930 - 1936)
A Revolução de 30 foi o marco referencial para a entrada do Brasil no mundo capitalista de produção. A acumulação de capital, do período anterior, permitiu com que o Brasil pudesse investir no mercado interno e na produção industrial. A nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para tal era preciso investir na educação. Sendo assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram conhecidos como "Reforma Francisco Campos".
Em 1932 um grupo de educadores lança à nação o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados educadores da época.
Em 1934 a nova Constituição (a segunda da República) dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos.
Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando Salles Oliveira, foi criada a Universidade de São Paulo. A primeira a ser criada e organizada segundo as normas do Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931.
Em 1935 o Secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira, cria a Universidade do Distrito Federal, no atual município do Rio de Janeiro, com uma Faculdade de Educação na qual se situava o Instituto de Educação.

Período do Estado Novo (1937 - 1945)
Refletindo tendências fascistas é outorgada uma nova Constituição em 1937. A orientação político-educacional para o mundo capitalista fica bem explícita em seu texto sugerindo a preparação de um maior contingente de mão-de-obra para as novas atividades abertas pelo mercado. Neste sentido a nova Constituição enfatiza o ensino pré-vocacional e profissional.
Por outro lado propõe que a arte, a ciência e o ensino sejam livres à iniciativa individual e à associação ou pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do Estado o dever da educação. Mantém ainda a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário Também dispõe como obrigatório o ensino de trabalhos manuais em todas as escolas normais, primárias e secundárias.
No contexto político o estabelecimento do Estado Novo, segundo a historiadora Otaíza Romanelli, faz com que as discussões sobre as questões da educação, profundamente ricas no período anterior, entrem "numa espécie de hibernação". As conquistas do movimento renovador, influenciando a Constituição de 1934, foram enfraquecidas nessa nova Constituição de 1937. Marca uma distinção entre o trabalho intelectual, para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino profissional para as classes mais desfavorecidas.
Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, são reformados alguns ramos do ensino. Estas Reformas receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino, e são compostas por Decretos-lei que criam o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e valoriza o ensino profissionalizante.
O ensino ficou composto, neste período, por cinco anos de curso primário, quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou científico. O ensino colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para o ensino superior, e passou a se preocupar mais com a formação geral. Apesar dessa divisão do ensino secundário, entre clássico e científico, a predominância recaiu sobre o científico, reunindo cerca de 90% dos alunos do colegial.

Período da Nova República (1946 - 1963)
O fim do Estado Novo consubstanciou-se na adoção de uma nova Constituição de cunho liberal e democrático. Esta nova Constituição, na área da Educação, determina a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Além disso, a nova Constituição fez voltar o preceito de que a educação é direito de todos, inspirada nos princípios proclamados pelos Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos primeiros anos da década de 30.
Ainda em 1946 o então Ministro Raul Leitão da Cunha regulamenta o Ensino Primário e o Ensino Normal, além de criar o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC, atendendo as mudanças exigidas pela sociedade após a Revolução de 1930.
Baseado nas doutrinas emanadas pela Carta Magna de 1946, o Ministro Clemente Mariani, cria uma comissão com o objetivo de elaborar um anteprojeto de reforma geral da educação nacional. Esta comissão, presidida pelo educador Lourenço Filho, era organizada em três subcomissões: uma para o Ensino Primário, uma para o Ensino Médio e outra para o Ensino Superior. Em novembro de 1948 este anteprojeto foi encaminhado à Câmara Federal, dando início a uma luta ideológica em torno das propostas apresentadas. Num primeiro momento as discussões estavam voltadas às interpretações contraditórias das propostas constitucionais. Num momento posterior, após a apresentação de um substitutivo do Deputado Carlos Lacerda, as discussões mais marcantes relacionaram-se à questão da responsabilidade do Estado quanto à educação, inspirados nos educadores da velha geração de 1930, e a participação das instituições privadas de ensino.
Depois de 13 anos de acirradas discussões foi promulgada a Lei 4.024, em 20 de dezembro de 1961, sem a pujança do anteprojeto original, prevalecendo as reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares de ensino no confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da educação aos brasileiros.
Se as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional foi o fato marcante, por outro lado muitas iniciativas marcaram este período como, talvez, o mais fértil da História da Educação no Brasil: em 1950, em Salvador, no Estado da Bahia, Anísio Teixeira inaugura o Centro Popular de Educação (Centro Educacional Carneiro Ribeiro), dando início a sua idéia de escola-classe e escola-parque; em 1952, em Fortaleza, Estado do Ceará, o educador Lauro de Oliveira Lima inicia uma didática baseada nas teorias científicas de Jean Piaget: o Método Psicogenético; em 1953 a educação passa a ser administrada por um Ministério próprio: o Ministério da Educação e Cultura; em 1961 a tem inicio uma campanha de alfabetização, cuja didática, criada pelo pernambucano Paulo Freire, propunha alfabetizar em 40 horas adultos analfabetos; em 1962 é criado o Conselho Federal de Educação, que substitui o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação e, ainda em 1962 é criado o Plano Nacional de Educação e o Programa Nacional de Alfabetização, pelo Ministério da Educação e Cultura, inspirado no Método Paulo Freire.

Período do Regime Militar (1964 - 1985)
Em 1964, um golpe militar aborta todas as iniciativas de se revolucionar a educação brasileira, sob o pretexto de que as propostas eram "comunizantes e subversivas".
O Regime Militar espelhou na educação o caráter anti-democrático de sua proposta ideológica de governo: professores foram presos e demitidos; universidades foram invadidas; estudantes foram presos e feridos, nos confronto com a polícia, e alguns foram mortos; os estudantes foram calados e a União Nacional dos Estudantes proibida de funcionar; o Decreto-Lei 477 calou a boca de alunos e professores.
Neste período deu-se a grande expansão das universidades no Brasil. Para acabar com os "excedentes" (aqueles que tiravam notas suficientes para serem aprovados, mas não conseguiam vaga para estudar), foi criado o vestibular classificatório.
Para erradicar o analfabetismo foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, aproveitando-se, em sua didática, do expurgado Método Paulo Freire. O MOBRAL propunha erradicar o analfabetismo no Brasil... Não conseguiu. E, entre denúncias de corrupção, acabou por ser extinto e, no seu lugar criou-se a Fundação Educar.
É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física, que é instituída a Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1971. A característica mais marcante desta Lei era tentar dar a formação educacional um cunho profissionalizante.

Período da Abertura Política (1986 - 2003)
No fim do Regime Militar a discussão sobre as questões educacionais já haviam perdido o seu sentido pedagógico e assumido um caráter político. Para isso contribuiu a participação mais ativa de pensadores de outras áreas do conhecimento que passaram a falar de educação num sentido mais amplo do que as questões pertinentes à escola, à sala de aula, à didática, à relação direta entre professor e estudante e à dinâmica escolar em si mesma. Impedidos de atuarem em suas funções, por questões políticas durante o Regime Militar, profissionais de outras áreas, distantes do conhecimento pedagógico, passaram a assumir postos na área da educação e a concretizar discursos em nome do saber pedagógico.
No bojo da nova Constituição, um Projeto de Lei para uma nova LDB foi encaminhado à Câmara Federal, pelo Deputado Octávio Elísio, em 1988. No ano seguinte o Deputado Jorge Hage enviou à Câmara um substitutivo ao Projeto e, em 1992, o Senador Darcy Ribeiro apresenta um novo Projeto que acabou por ser aprovado em dezembro de 1996, oito anos após o encaminhamento do Deputado Octávio Elísio.
Neste período, do fim do Regime Militar aos dias de hoje, a fase politicamente marcante na educação, foi o trabalho do economista e Ministro da Educação Paulo Renato de Souza. Logo no início de sua gestão, através de uma Medida Provisória extinguiu o Conselho Federal de Educação e criou o Conselho Nacional de Educação, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Esta mudança tornou o Conselho menos burocrático e mais político.
Mesmo que possamos não concordar com a forma como foram executados alguns programas, temos que reconhecer que, em toda a História da Educação no Brasil, contada a partir do descobrimento, jamais houve execução de tantos projetos na área da educação numa só administração.
O mais contestado deles foi o Exame Nacional de Cursos e o seu "Provão", onde os alunos das universidades têm que realizar uma prova ao fim do curso para receber seus diplomas. Esta prova, em que os alunos podem simplesmente assinar a ata de presença e se retirar sem responder nenhuma questão, é levada em consideração como avaliação das instituições. Além do mais, entre outras questões, o exame não diferencia as regiões do país.
Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional, mas a educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do mundo, que é mais o de manter o "status quo", para aqueles que freqüentam os bancos escolares, e menos de oferecer conhecimentos básicos, para serem aproveitados pelos estudantes em suas vidas práticas.
Concluindo podemos dizer que a História da Educação Brasileira tem um princípio, meio e fim bem demarcado e facilmente observável. Ela é feita em rupturas marcantes, onde em cada período determinado teve características próprias.
A bem da verdade, apesar de toda essa evolução e rupturas inseridas no processo, a educação brasileira não evoluiu muito no que se refere à questão da qualidade. As avaliações, de todos os níveis, estão priorizadas na aprendizagem dos estudantes, embora existam outros critérios. O que podemos notar, por dados oferecidos pelo próprio Ministério da Educação, é que os estudantes não aprendem o que as escolas se propõem a ensinar. Somente uma avaliação realizada em 2002 mostrou que 59% dos estudantes que concluíam a 4ª série do Ensino Fundamental não sabiam ler e escrever.
Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais estejam sendo usados como norma de ação, nossa educação só teve caráter nacional no período da Educação jesuítica. Após isso o que se presenciou foi o caos e muitas propostas desencontradas que pouco contribuíram para o desenvolvimento da qualidade da educação oferecida.
É provável que estejamos próximos de uma nova ruptura. E esperamos que ela venha com propostas desvinculadas do modelo europeu de educação, criando soluções novas em respeito às características brasileiras. Como fizeram os países do bloco conhecidos como Tigres Asiáticos, que buscaram soluções para seu desenvolvimento econômico investindo em educação. Ou como fez Cuba que, por decisão política de governo, erradicou o analfabetismo em apenas um ano e trouxe para a sala de aula todos os cidadãos cubanos.
Na evolução da História da Educação brasileira a próxima ruptura precisaria implantar um modelo que fosse único, que atenda às necessidades de nossa população e que seja eficaz.
REFERÊNCIAS

LIMA, Lauro de Oliveira. Estórias da educação no Brasil: de Pombal a Passarinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Brasília, 1969. 363 p.
PILLETTI, Nelson. Estrutura e funcionamento do ensino de 1o grau. 22. ed. São Paulo: Ática, 1996.
________ . Estrutura e funcionamento do ensino de 2o grau. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995.
________ . História da educação no Brasil. 6. ed. São Paulo: Ática, 1996a.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
Para referência desta página: BELLO, José Luiz de Paiva. Educação no Brasil: a História das rupturas. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 2001.