MST comemora 15 anos de existência da Escola Itinerante
Por Isabela Camini,
Da Caros Amigos
"Os poderosos não temem os pobres, temem os pobres que pensam. As escolas do MST ensinam os estudantes a pensar e, por isso, são condenadas e proibidas. Esta condenação apenas vem confirmar o fato de que os que não amam a democracia querem o povo ignorante para poder continuar a tratá-lo como massa de manobra e impedir que busque seus direitos e viva sua cidadania" (Eduardo Galeano).
Comemorar  15 anos de existência da Escola Itinerante dos acampamentos do MST -  uma experiência escolar pública, estadual, itinerante, que se pretende  contra-hegemônica à existente escola capitalista, pode-se considerar um  avanço importante para os movimentos sociais do campo, de modo especial  para o MST, cuja luta pela Reforma Agrária, em toda a sua história, é  entrecruzada com a luta pela educação e escola.
Frente às inúmeras criações e  invenções no campo da educação, com pouco êxito e sustentação, nos  últimos anos, seja pela fragilidade da proposta ou falta de convicção e  projeto social de seus propositores, se torna necessário que o MST faça  uma reflexão acerca das experiências escolares itinerantes,  desenvolvidas no decorrer de 15 anos da Escola Itinerante, reconhecida e  aprovada pela primeira vez (1996), no estado do Rio Grande do Sul.  Salientamos que neste período, esta experiência se expandiu para outras  regiões do país, forjando o Movimento a voltar seu olhar, com mais  afinco, para a escola e para a formação de educadores, na perspectiva da  classe trabalhadora. Vale destacar também as inúmeras pesquisas e  sistematizações, realizadas neste período, que referenciam, de modo  especial, a Escola Itinerante organizada e desenvolvida nos acampamentos  do MST do Rio Grande do Sul e Paraná, como um projeto de escola próximo  à Pedagogia do Movimento, conectada com a vida e com as práticas  sociais que a cercam.
Para lembrar, atualmente a forma  escolar itinerante encontra-se aprovada em seis estados: Rio Grande do  Sul (1996), Paraná (2003), Santa Catarina (2004), Goiás (2005), Alagoas  (2005) e Piauí (2008). Porém, em Goiás a experiência foi desenvolvida  durante apenas dois anos, e no Rio Grande do Sul suas atividades foram  interrompidas pelo TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado entre  Secretaria de Estado da Educação e Ministério Público do RS, no final do  ano de 2008, essa questão será abordada mais adiante.
É, portanto, sobre algumas  lições e aprendizados obtidos com a Escola Itinerante, construída,  praticamente, em cenários de conflitos: tensões, contradições e  dificuldades que queremos refletir neste pequeno texto. Todavia, temos  presente à impossibilidade de tratarmos, brevemente, aspectos  importantes desta experiência, dada sua singularidade em cada  acampamento, marchas, despejos, e outros espaços, nos quais esta escola  se fez presente pelo período e/ou tempo exigidos pelas mobilizações das  famílias acampadas. Situações essas, impostas pela morosidade no que  tange às questões relacionadas ao projeto de Reforma Agrária proposto  pelos trabalhadores.
Rememorando a história
Para melhor entendimento de  nossa reflexão, acerca da Escola Itinerante, reportamo-nos ao tempo e à  memória, trazendo presente dois fatos/acontecimentos, expressos com  particularidades diferentes, mas que marcaram a história do MST,  ocorridos em um dos períodos mais férteis de expansão do Movimento para  outras regiões (1990), os quais são expressos com particularidades  diferentes. Para entender a relação que estabelecem entre si e o  sentimento que provocam nos militantes, a cada ano que passa, esses  acontecimentos serão identificados pela ordem cronológica.
Em abril de 1996, o Massacre do Eldorado dos Carajás, no Pará, com dezenove trabalhadores sem terra, assassinados.
Em novembro do mesmo ano,  aprovação da proposta de Escola Itinerante dos acampamentos do MST no  Rio Grande do Sul, Estado pioneiro em reconhecer a trajetória e a  experiência de escola que vinha sendo delineada e construída como  projeto, para o atendimento às crianças e adolescentes em situação de  acampamento, desde as primeiras ocupações de terras improdutivas no  estado, na década de mil novecentos e oitenta.
Embora o primeiro fato, que  indignou o mundo pela sua crueldade, tenha ocorrido no mês de abril, em  uma ponta do país - na região Norte, e o segundo, um acontecimento que  representou um avanço para o projeto educativo do Movimento, ocorrido no  mês de novembro, em outra ponta do país - na região Sul, são fatos  relacionados entre si, porque ambos aconteceram no interior do Movimento  Social, articulado pelos mesmos princípios, em vinte e quatro estados  da Federação. Portanto, os acontecimentos do MST no RS, no Pará, ou  noutro estado, repercutem imediatamente na Organização em nível  nacional. Sendo assim, tanto o massacre sangrento dos dezenove sem-terra  no Pará, quanto à criação da Escola Itinerante no Rio Grande do Sul,  respeitadas suas particularidades, são acontecimentos que marcaram o  calendário de lutas do MST lembrados de maneira especial nos meses de  abril e novembro de cada ano. 
Seguramente, pela sua repercussão e significado, esses dois fatos continuam irradiando seus efeitos 15 anos depois.
Criação em 1996
Em relação ao Massacre de  Eldorado dos Carajás assistimos a cada ano, na agenda de lutas batizada  de Abril Vermelho, em várias regiões do país, inúmeras manifestações,  ocupações e celebrações visando manter viva a memória daqueles  companheiros que tombaram pela mão do poder opressor do capital. Essas  manifestações intencionam relembrar à sociedade o crime cometido pelo  Estado burguês contra a vida dos trabalhadores do campo, denunciar a não  realização da Reforma Agrária e, ao mesmo tempo, preservar a memória de  fatos que marcaram a época, e que ainda sangram nas veias do MST, por  ver a impunidade dos culpados.
O segundo fato anunciado, o qual  se constitui a razão fundamental deste pequeno texto, se relaciona com a  Escola Itinerante dos acampamentos do MST, criada em 19 de novembro de  1996, no estado do Rio Grande do Sul, e, em seguida, expandida para  outras regiões do país onde o MST está organizado.
Assim, como o primeiro fato, que  continua a indignar até hoje, merecedor de denúncia permanente, o  segundo, também é destacado com comemorações alusivas a data de 19 de  novembro, de cada ano, de modo especial nos estados e comunidades  acampadas, onde a escola pública está sendo recriada/reinventada - em  sua forma e conteúdo, denominada de Escola Itinerante.
Entre tantos fatos marcantes, na  história da luta pela terra encampada pelo MST, na década de 1980 até  nossos dias, os dois fatos que anunciamos acima, motivam e renovam, a  cada ano, a vivência de uma mística que neutraliza os ídolos do egoísmo,  que recoloca a necessidade de lutar e construir ao mesmo tempo, capaz  de mexer com a alma dos militantes.
Como se pode observar, a  contradição é visível, pois o Estado burguês que matava trabalhadores  sem terra, acampados no Pará, ao mesmo tempo aprovava o direito de  crianças em iguais condições frequentarem a escola pública estadual, no  sul do país.
Fechamento no RS
Embora nosso texto não queira  centrar o foco no Termo de Ajuste de Conduta - TAC, firmado entre  Secretaria de Estado da Educação e Ministério Público do RS, no final do  ano de 2008, o qual determinou o fechamento das sete escolas  itinerantes dos acampamentos do MST do RS, deixando sem escola, em torno  de 600 crianças e adolescentes, obrigando-as a estudarem em escolas  urbanas, é importante fazer uma pequena memória do ocorrido, uma vez  que, até o momento, dois anos e meio após o ocorrido, as atividades  escolares itinerantes ainda não foram retomadas.
Em consequência desse fato, no  início do ano letivo de 2009, inúmeras mobilizações foram realizadas,  pelo MST e seus apoiadores, do campo e da cidade, na direção de  retomá-las. No entanto, governo e Ministério Público mantiveram-se  inertes e indiferentes à voz e as manifestações da sociedade civil que  se via no direito de lutar e exigir que o governo e Ministério Público  revissem suas decisões. Todavia, as vezes que se manifestaram foi no  sentido de reafirmar a intransigente decisão da não reabertura das  mesmas, alegando que os conteúdos escolares veiculados na Escola  Itinerante eram de cunho ideológico. Ignorando o drama das famílias  acampadas, obrigadas a separar-se dos filhos em idade escolar, Governo e  Ministério Público se limitaram a pressioná-las para que buscassem  vagas em escolas da rede pública, estadual ou municipal, localizadas  próximas dos acampamentos. 
No entanto, esta procura só foi  feita mediante pressão e ameaça da brigada militar e oficiais de justiça  junto aos acampados. Surpreendentemente, essas instituições visitaram  as comunidades acampadas a fim de fiscalizar se havia alguma criança não  matriculada nas escolas indicadas. No entanto, se negaram a informar  que em alguns casos, a escola mais próxima se encontrava há 30 ou até 50  km, distante. Ou seja, aqueles educandos que encontraram vagas e se  submeteram ao transporte escolar para chegarem à escola, tiveram de  enfrentar muitas horas de viagem, além de conviver com o preconceito por  serem “sem terra”.
Como é do conhecimento de muitas  pessoas, porque o debate à época foi polêmico e veiculado pela  imprensa, relembramos que a decisão do fechamento das sete escolas  itinerantes, pelos mesmos órgãos públicos que deveriam assegurar o  direito, em vez de violá-lo, levou inúmeros educandos à reprovação, à  perda do ano letivo, e, consequentemente, ao fracasso escolar. 
Curiosamente e estranhamente a  Secretaria de Estado da Educação, em vez de resolver o problema baseado  no princípio do diálogo, buscou solucioná-lo da forma mais violenta e  truculenta possível, apoiando-se no efetivo da brigada militar, uma  instituição que tem outras funções sociais. Desse modo, confirmam-se as  inúmeras críticas já conhecidas ao sistema escolar vigente, sempre muito  preocupado com o acesso das crianças à escola, porém, deixando em  segundo plano a preocupação com a permanência e qualidade do ensino nas  escolas onde estudam os filhos dos trabalhadores, especialmente nas  escolas do campo. 
É dessa forma que a Escola  Itinerante, solução encontrada ainda no ano de 1996, no Rio Grande do  Sul, para atender as crianças e adolescentes nos acampamentos, tem suas  atividades escolares proibidas doze anos depois, sem diálogo e sem  consentimento do Movimento Social que conquistou essa escola, como  solução viável para manter os filhos próximos aos pais enquanto lutam  pela terra. Portanto, se constituiu um ato autoritário e prejudicial, em  grande medida, para as famílias Sem Terra. Em outras palavras, podemos  dizer que este foi mais um ato, contra os direitos humanos de um povo,  já desprovido de outros direitos, pela sua humanidade roubada, há tempo,  pelo sistema capitalista.
Dignidade
Todavia, no que pese a  importância desta Organização e o sonho que alimenta seu projeto social,  este povo tenta de todas as formas reencontrar sua dignidade, esperança  e sentido, participando da luta pela terra, vivendo nos acampamentos e  mobilizando-se com eles, sem descuidar da escola para seus filhos.
Neste momento, praticamente três  anos deste ocorrido, o referido termo (TAC) está sendo questionado e  considerado sem valor legal pelo atual governo do estado.
Em face deste novo cenário, sem  visualizar a solução do problema em curto e médio prazo, algumas  perguntas se fazem necessárias: Porque esta escola foi fechada e negada  como direito do povo e dever do Estado? Qual a responsabilidade cabível  ao Estado, no que se refere aos prejuízos causados para as crianças e  adolescentes Sem Terra, durante quase três anos em que a Escola  Itinerante se encontra proibida de desenvolver atividades escolares? O  governo de Yeda Crucius, à frente deste Estado, no período de 2007-2010,  não será responsabilizado por isso?
Como integrante na luta pela  Escola Itinerante do MST, e pesquisadora nesta área, tenho contribuído,  ao longo dos 15 anos, no processo de construção e elaboração de sua  proposta educativa, fundamentalmente pelo papel social que a escola  desempenhou e desempenha ao tornar-se referência, expandindo-se para  outros estados da federação. Temos presente que, à medida que fomos  recriando a escola e construindo a Itinerante com uma forma escolar  diferente, ela tem nos provocado a pensar uma outra escola nos  assentamentos. Talvez, por isso, ela tenha sido tão questionada por  parte do Sistema, ao mesmo tempo, elogiada por aqueles que acreditam  nesta possibilidade.
Educação básica
Ainda nesta parte, é importante  salientar que a Escola Itinerante dos acampamentos, mesmo tendo sido  reconhecida pelos órgãos públicos somente em 1996, é uma retomada das  primeiras experiências educativas iniciadas na década de 1980, no Estado  do Rio Grande do Sul, que foi pioneiro em reconhecer a Escola  Itinerante como pública estadual, e também, pioneiro em interromper e  proibir as atividades da mesma.
Faz-se necessário mencionar e  destacar, neste texto, que no Paraná, o segundo Estado a reconhecer a  Escola Itinerante (2003), tomando por base a experiência em  desenvolvimento no RS, gradativamente foi ampliando a experiência da  Escola Itinerante para o conjunto da Educação Básica, ou seja, hoje,  mantém escolas itinerantes de ensino fundamental e ensino médio,  organizadas em várias comunidades acampadas, evitando problemas de  reprovação, ou ainda, a perda do ano letivo para muitos Sem Terra. 
Todavia, este avanço e  compreensão da necessidade de uma escola alternativa, itinerante, viável  para a condição em que vivem os Sem Terra no Paraná, não resultam do  simples fato do Estado Burguês empenhar seus esforços e acreditar neste  projeto, mesmo que em alguns casos tenha sido parceiro, especialmente no  apoio aos processos de sistematização e divulgação da proposta de  Escola Itinerante no período de 2007 - 2010. Esse avanço, sem dúvida, é  fruto do enfrentamento das contradições e dificuldades nas relações  entre Movimento Sem Terra e Estado, que, independente do apoio ou não do  poder público, continua sua luta pelo direito à escola e sua  transformação, propondo e construindo pouco a pouco, a nova escola,  mesclando o ensino com a vida.
Ajustamento
Neste sentido, tem-se a clareza  dos limites e dificuldades que teremos que enfrentar, enquanto  Organização Social, na tentativa de contrariar o projeto hegemônico de  escola. Mesmo assim, existe a certeza que valerá a pena assegurá-la nos  acampamentos, fazendo de tudo para que a escola dos sem terra não tenha  um retrocesso e volte ao leito e a vocação para a qual a instituição  escolar foi organizada e assegurada historicamente, a serviço dos  interesses e ideais das classes dominantes no decorrer dos últimos  séculos.
Como acabamos de ver, o fato da  referida experiência de escola do RS ter sido motivadora e incentivadora  para a criação de escolas itinerantes no Paraná, em Santa Catarina, em  Goiás, no Piauí e em Alagoas, e de ter motivado inúmeras pesquisas  acadêmicas e processos de sistematização, que tornaram conhecida a  Escola itinerante dos Sem Terra, não foi determinante para a abertura de  diálogo que pudesse reverter o TAC. Cabe destacar que, enquanto as  escolas itinerantes do RS se encontram fechadas há mais de dois anos, em  outros estados, essa forma escolar continua sendo a solução adequada e  viável para o atendimento dos filhos das famílias que vivem em condições  de itinerância na luta pela Reforma Agrária.
Embora nosso texto tenha por  objetivo principal tratar das lições e aprendizados obtidosnos espaços  das escolas itinerantes, comemorando sua existência há 15 anos nos  acampamentos do MST, não seria justo deixar de mencionar, e mais uma  vez, denunciar, a intransigente decisão tomada pelo Estado do Rio Grande  do Sul, de negar o direito à educação às famílias Sem Terra. Também, é  oportuno dizer que mesmo a Escola Itinerante almejando êxito por se  constituir um contraponto à escola convencional, por estar inserida em  uma realidade em que as práticas sociais são latentes, tal qual um  acampamento, uma marcha, conforme comprovado em tese, não se tornaria  conhecida, estudada e debatida, senão tivesse sido impedido seu  funcionamento, no final de 2008.
Retrocesso
Contudo, entende-se que esta  foiuma decisão, a princípio, profundamente contraditória e autoritária,  pois desrespeitou o direito das famílias acampadas, de manterem seus  filhos próximos a elas, situação, essa, favorecida quando do  reconhecimento da Escola Itinerante na itinerância dos acampamentos, em  19 de novembro de 1996, pelo Conselho Estadual de Educação e Secretaria  de Educação, em um governo pouco progressista do PMDB. 
Esse foi um ato de governo,  considerado à época, sensível às causas pelas quais o povo lutava, entra  elas, o direito a uma educação alternativa, podendo organizar e recriar  a escola em locais distantes onde se encontra o povo em luta.  Entretanto, após doze anos do desenvolvimento desta experiência, vem  outro ato de governo, retrocedendo o anterior, determinando o fechamento  e a proibição desta Escola.
Concluindo esta breve reflexão  sobre o fechamento da EI, trazemos novamente Eduardo Galeano, porque ele  sintetiza o pensamento dos trabalhadores: “Os poderosos não temem os  pobres, temem os pobres que pensam. As escolas do MST ensinam os  estudantes a pensar e por isso são condenadas e proibidas...”.
Perspectiva e tarefa atual
Hoje, analisando a trajetória  desta escola, contabilizando-se todos os desafios enfrentados percebe-se  o quanto a Escola Itinerante tem representado para o Movimento,  sobretudo, pelas provocações e interrogações que vem lhe fazendo, no  decorrer de 15 anos. Também, pelo trabalho e dedicação exigidos das  comunidades, que lutam por mantê-la em suas áreas, por exemplo, frente a  um despejo do acampamento, frente a um vendaval que destrói sua  estrutura física, e/ou frente ao inesquecível acontecimento da queima da  Escola Itinerante Dandara, pelo efetivo da brigada militar, no  acampamento Sepé Tiarajú, Fazenda Guerra, município de Coqueiros do Sul  em 2006, entre outros.
Aqui, poderíamos trazer inúmeros  exemplos que indignaram e mobilizaram as comunidades acampadas na  construção e em defesa dessa escola. Sabe-se, porém, que a Escola  Itinerante, para essas comunidades, teve e terá sempre um novo sentido, à  medida que se mantém conectada à vida e as práticas sociais dos  sujeitos engajados na luta por outro projeto social. Sendo assim, a  escola neste contexto não teria sentido e viabilidade em outro espaço.  Portanto, a presença da escola nestes espaços terá que ser na  perspectiva da intencionalidade formativa do projeto social que este  povo tem como horizonte. Neste sentido, relembramos o que foi dito  acima. Ao ser fechada a Escola Itinerante no RS, acusada de ser  ideológica, a classe dominante tenta negar que toda a instituição  escolar é ideológica, porém, de forma não explicitada. Sabemos que por  ser itinerante imersa na luta social, a Escola Itinerante explicita sua  não neutralidade, frente à luta social latente e as condições de vida  extremadas que vivem os Sem Terra.
O Movimento, enquanto  Organização social, não tem dúvida do papel que a Escola Itinerante  assumiu ao longo de 15 anos. Nas diversas escolas organizadas nos  acampamentos, denominadas com nomes de lutadores do povo, tais como: Che  Guevara, Olga Benário, Zumbí dos Palmares, Oziel Alves, Paulo Freire, e  outros, escolarizaram-se centenas de crianças, adolescentes e jovens  que puderam continuar seus estudos no ensino médio e superior, além de  contribuir e forjar este Movimento a mover-se na direção do cuidado com o  conjunto da escola, seja de acampamento ou de assentamento. Neste  sentido, Alessandro Mariano, do setor de educação do MST do Paraná, nos  revela algo bem importante: “A Escola Itinerante do MST, criada em 2003,  no estado do Paraná, nos obrigou a olhar para a escola do MST”.
Referência
Sendo assim, a Escola  Itinerante, embora ainda longe de ser a escola que os trabalhadores do  campo buscam, torna-se referência de escola para os filhos dos  acampados, dando-lhes a oportunidade de estudar enquanto lutam, sendo  agente-fermento, contribuindo na formação desses lutadores sociais, de  acordo com a realidade de cada região onde está inserida. Essa Escola, e  sempre provocada para ser diferente econtrariar o projeto de escola  hegemônica, continua a refazer-se em acampamentos dos Sem Serra do  Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí, como “semente que se espalha e  cresce com vigor”, conforme depoimento de Pedro Tierra, ao perceber a  presença de inúmeras crianças e adolescentes, em idade escolar, no  acampamento de Eldorado dos Carajás, logo após o massacre dos dezenove  sem terra, em 1996.
Portadora de uma experiência  singular, a escola da qual estamos falando, é itinerante, mesmo que  possa parecer estranho aos olhos de muitas pessoas, incapazes de admitir  uma forma escolar diferente daquela escola, geralmente cercada pelas  grades e localizada, fisicamente, distante da vida daquelas pessoas que a  frequentam.
É itinerante porque inserida no  meio social que a conquistou, a mantêm viva sob a orientação da  Pedagogia do Movimento. É itinerante por sua natureza. E é de sua  natureza não fechar-se sobre si mesma, ignorando a realidade que a  cerca, ou visitando-a de vez e outra, sem importar-se com ela ao  retornar à sala de aula e ao retomar o currículo pré-estabelecido,  exigido e imposto pelo Sistema. É de sua natureza manter-se aberta para a  vida, sem, contudo sentir-se aprisionada pelas estruturas físicas que a  impedem de mobilizar-se, à medida da necessidade da luta. 
É itinerante porque construiu  uma organização coletiva que a permite caminhar em movimento, sem  aprisionar-se a um único lugar - sala de aula, considerado pela escola  convencional, quase único e imprescindível espaço favorável para  aprender. Por isso, a Itinerante, ao mesmo tempo em que assusta,  despertando debates acerca dela, também aponta a possibilidade de outro  jeito de escola.
Sendo assim, torna-se difícil e  complexo descrever o que significou a conquista do direito de estudar  nos acampamentos, a presença desta forma escolar num espaço de  permanentes lutas e contradições, além de todo o trabalho realizado no  sentido de transformar esta escola no decorrer de quinze anos. Nossa  pretensão aqui é apenas fazer memória e levar o leitor a refletir sobre  alguns fatos que marcaram a sua trajetória.
Desafio
Herdeira das primeiras  iniciativas educativas do Movimento, a Escola Itinerante, por  pretender-se diferente da escola burguesa, tem se tornado um desafio  permanente para o MST, pois é um projeto a ser construído passo a passo,  com persistência, tendo em vista as reais circunstâncias físicas e  conjunturais onde ela precisa ser construída, desfeita e reconstruída  novamente, dependendo da mobilização, ocupação ou um despejo. Neste  sentido, precisamos destacar o trabalho incansável dos coletivos de  educadores e comunidades acampadas, onde existe ou já existiu alguma  escola itinerante, no sentido de não reproduzirem nesse espaço escolar, a  forma escolar hegemônica, da qual, a classe trabalhadora precisa se  libertar, à medida que se empenha para construir a sua escola, buscando  conhecer as experiências educativas bem sucedidas de outros países,  mesmo que em tempos e contextos distintos.
Construída com muito trabalho,  identidade e mística, a Escola Itinerante do MST, sempre foi uma  interrogação para o Movimento, porque desde o início ela não poderia  atrapalhar e impedir as mobilizações, próprias do movimento pela Reforma  Agrária. Por isso, buscououtra forma deorganização, capaz de acompanhar  a luta, sem prejuízo de dias letivos. Portanto, a forma escolar  itinerante deu conta deste objetivo.
Experiências
Entre muitos debates e estudos  realizados para encontrar o caminho que viabilize essa escola,  atualmente, o desafio vem se constituindo, fundamentalmente, na busca e  compreensão de experiências que já foram realizadas em outros tempos e  contextos sociais, tais como a educação socialista, no período  revolucionário de 1917-1930, na Rússia, tendo presente, todavia, que a  primeira experiência que ousou contrariar a escola capitalista, se  desenvolveu em um contexto social bem distinto do atual. Ao estudá-la e  compreendê-la, nosso maior desafio hoje, se constitui, basicamente, em  exercitar alguns aspectos desta escola, tendo presente a realidade atual  capitalista em que nos encontramos – onde se desenvolve a Itinerante -  sem previsibilidade, a curto e médio prazo de mudança estrutural.
É nesta perspectiva que já  exercitamos, no interior da Escola Itinerante, espaços de  auto-organização dos estudantes, levantamento, pesquisa e sistematização  das questões do seu entorno, além de avançarmos na compreensão e na  construção processual dos Complexos de Estudo já experimentados pela  escola russa. Neste sentido e na direção que vai essa escola, se torna  necessário e imprescindível pensar um projeto de formação dos educadores  que lhe dê condições de acompanhar e analisar as lutas em que se insere  a escola, além de refletir e sistematizar a pedagogia que se constrói  na itinerância. 
Nosso entendimento é que o  acompanhamento pedagógico aos educadores é um esforço que precisamos  fazer, tendo em vista a escola que queremos construir, conectada com o  projeto social da classe trabalhadora. Conforme Freitas, 2011, “forma-se  o educador segundo a forma escolar que se tem em vista, uma forma  escolar que lhe sirva de horizonte”.
Perspectiva social
Por fim, temos presente que a  construção dessa escola é tarefa dos trabalhadores Sem Terra,  principalmente pela sua importância no processo educativo e formativo da  referida classe. Todavia, não é qualquer escola, mas sim uma escola que  seja capaz de acompanhar sua perspectiva social. Por isso mesmo, se faz  necessário começar sua projeção e construção, neste momento, sem  esperar pela transformação social, pela qual lutamos e acreditamos que  venha ocorrer.
O desafio, pois, é ir fazendo a  ocupaçãoda escola, e a partir dela e de dentro dela, pensar a escola dos  trabalhadores, tendo presente que não será tarefa simples, mexer com a  instituição escolar - uma construção social e histórica, conservadora, e  colocá-la em nossa direção, pois a forma escolar usual é a referência  mais conhecida, se não a única, aceita sem questionamentos pela maioria  das pessoas.
Que todas as interrogações,  lições e aprendizados extraídos nestes 15 anos de Escola Itinerante,  sejam um incentivo e provocação para denunciarmos que “fechar escola é  crime”, além de um grande retrocesso, especialmente no campo;  determinação para continuarmos a luta pela transformação da escola, sem  esquecer, todavia, que esta transformação nos custará muito trabalho e  dedicação, principalmente porque enquanto não houver uma transformação  social, estaremos todos os dias, remando contra a maré, contra o projeto  hegemônico da escola capitalista.
Por fim, o que deve fortalecer  nossa luta é a tripulação com quem comungamos nossos projetos, a pressa  para construí-los, e a direção em que remamos.
* Isabela Camini é mestre e  doutora em Educação pela UFRGS, pesquisadora da Escola Itinerante,  autora do livro: "Escola Itinerante: na fronteira de uma nova escola",  São Paulo, Expressão Popular, 2009.
 

 
 

