A Geografia e o estudo da paisagem
Este
artigo será publicado brevemente em um livro organizado pelo Prof.Dr.
Roberto Verdum, do Departamento de Geografia da UFRGS. Esta publicação
pretende ser uma referência para os estudos sobre a paisagem, tema que
ganha força no Brasil, onde ainda existem poucas publicações a respeito.
A Geografia e o estudo da paisagem
A
paisagem, em uma definição mais abrangente, pode ser entendida como a
composição de elementos da natureza no espaço, dentre os quais a fauna e
a flora, o homem e as edificações que constrói com a sua ação no espaço
geográfico. A Geografia, enquanto ciência, estuda a paisagem por
deferentes vertentes do pensamento geográfico de distintas maneiras. Mas
todas têm como consenso, que a paisagem, é a materialização resultante
da interação do homem e os elementos da natureza.
A
paisagem também pode ser tudo que pode se ver num lance de vista ou o
"conjunto de componentes naturais ou não de um espaço externo que pode
ser apreendido pelo olhar" (HOUAISS, 2001, p. 2105). A polissemia da
paisagem traz consigo muitas definições. Entre estas, para Santos
(2002), "a paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento,
exprimem as heranças que representam as sucessivas reações localizadas
entre homem e natureza". Santos, aqui, agrega à paisagem o fator da
temporalidade na sua constituição.
Assim,
ao longo da história, as diferentes abordagens sobre paisagem tentam
não somente descrevê-la enquanto conceito geográfico. A paisagem é
diferenciada e compartimentada entre paisagem natural, que reflete a
interação dos elementos naturais (relevo, vegetação, solo, rios, etc.) e
paisagem cultural, como o resultado da ação do homem e da sociedade
sobre a natureza, da qual resulta os espaços urbanos e rurais. Mas,
também, a paisagem como objeto que pode ser sentida pelo homem,
trazendo-lhe inúmeras sensações e sentimentos.
Berque
(1998) afirma que a paisagem é uma marca, pois expressa uma
civilização, mas é também uma matriz, porque participa dos esquemas de
percepção, de concepção e de ação – ou seja, da cultura, que canaliza,
em um certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a
natureza e, portanto, corresponde a paisagem do ecúmeno.
Bertrand
(1968), ao propor o estudo de Geografia Física Global, pensou a
paisagem como "resultado sobre uma certa porção do espaço, da combinação
dinâmica e, portanto, instável dos elementos físicos, biológicos e
antrópicos, que, interagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem
da paisagem um conjunto único e indissociável em contínua evolução". A
paisagem também pode ser tida como a "configuração de símbolos e signos"
(COSGROVE e JACKSON, 2003, p. 137), sendo que a "linha interpretativa
da Geografia Cultural recente desenvolve a metáfora da paisagem como
’texto’, a ser lido como documento social".
Dessa
maneira, o estudo geográfico da paisagem apresenta dois enfoques
principais. Um que a considera total e a identifica como o conjunto do
meio, contemplando a este como indicador e síntese das inter-relações
entre os elementos inertes: rocha, água e ar, e os vivos: plantas,
animais e homem. E o outro, que considera a paisagem visual percebida
como a expressão dos valores estéticos, plásticos e emocionais do meio.
A
paisagem, em seu conjunto, reúne todos esses fatores, e aos quais se
adiciona a possibilidade de valores expressivos e de significação
cultural. Os mesmos podem compreender conteúdos estéticos e conotações
significativas, constituindo-se como um tema de inspiração para o homem.
Ao tratar sobre a origem e a conformação do processo de produção de uma paisagem, seja ela natural ou cultural, intervém um conjunto de fatores geológicos, geográficos e biológicos, que não permitem analisá-la como ente independente do ser humano e sobre sua incidência no mesmo, posto que sua ideologia, desenvolvimento e cultura modificam em maior ou menor grau tais fatores. Essa correlação entre o homem e esses fatores daria lugar à história de uma paisagem. Não se pode realizar uma análise específica de um lugar sem considerar os aspectos gerais, que tornariam esse estudo mais completo.
Ao tratar sobre a origem e a conformação do processo de produção de uma paisagem, seja ela natural ou cultural, intervém um conjunto de fatores geológicos, geográficos e biológicos, que não permitem analisá-la como ente independente do ser humano e sobre sua incidência no mesmo, posto que sua ideologia, desenvolvimento e cultura modificam em maior ou menor grau tais fatores. Essa correlação entre o homem e esses fatores daria lugar à história de uma paisagem. Não se pode realizar uma análise específica de um lugar sem considerar os aspectos gerais, que tornariam esse estudo mais completo.
Em "The Morphology of Landscape",
Sauer (1925) argumenta que a paisagem geográfica é formada pelo
conjunto de formas naturais e culturais associadas a uma dada área e
analisada morfologicamente, a integração das formas entre si e o caráter
orgânico delas. Portanto, a paisagem cultural ou geográfica é uma
resultante da ação, ao longo do tempo, da cultura sobre a paisagem
natural. Sauer também considera que a "paisagem possui uma identidade,
sustentada por uma constituição reconhecível, limites e uma relação com
outras paisagens, para construir um sistema geral".
O
estudo da paisagem cultural proporciona uma base para a classificação
regional, possibilita um insight sobre o papel do homem nas
transformações geográficas e esclarece sobre certos aspectos da cultura e
de comunidades culturais em si mesmas. Busca diferenças na paisagem que
possam ser atribuídas a diferenças de conduta humana sob diferentes
culturas, e procura desvios de condições "naturais" esperadas, causados
pelo homem.
A paisagem cultural aborda
a associação de características humanas, biológicas e físicas sobre a
superfície da Terra (especialmente as que são visualmente perceptíveis),
alteradas ou não pela ação humana. Como a paisagem, é considerada a
materialização da ação humana no espaço, através da necessidade de
adaptação à sobrevivência do homem na natureza, e, atualmente, a
sociedade, de alguma maneira, está presente em quase toda a superfície
terrestre, podemos dizer que, nessas circunstâncias, não mais existe uma
paisagem natural. Haja vista que toda a paisagem, mesmo que
aparentemente intocada, já perdeu a sua "naturalidade", pois foi,
segundo Santos (2002), coisificada. Mesmo que o homem não tenha nela
colocado os seus pés, já lhe foi atribuído algum significado e,
portanto, faz parte de uma cultura, até mesmo de uma cultura
capitalista, na qual faz parte o "racionalismo econômico" (LEFF, 2006) a
tudo dá valor. Assim sendo, mesmo de maneira genérica, poder-se-ia
dizer que toda a paisagem é cultural, pois mesmo nos recantos intocados
das florestas tropicais há a incidência dos valores sociais atribuídos
pelo homem.
Tomando como base essas definições, podemos dizer que:
"[...]
a paisagem que vemos hoje não será a que veremos amanhã e nem tão pouco
é a que foi vista ontem, pois a paisagem é produzida e reproduzida no
decorrer do tempo, através da ação do homem e da sociedade sobre o
território, levando em conta que cada ator social tem seu tempo próprio
no espaço. Assim, a paisagem é por conseguinte objeto, concreto,
material, físico e efetivo e é percebida através dos seus elementos,
pelos nossos cinco sentidos, é sentida pelos homens afetivamente e
culturalmente". (BERINGUIER, 1991, p. 7)
A paisagem como suporte para a leitura da percepção
A paisagem como suporte para a leitura da percepção
A
percepção da paisagem tem como pressuposto que seja produzida segundo a
cultura das pessoas que nela estão inseridas. Assim, não há como
entender a paisagem sem levarmos em consideração os preceitos
metodológicos e teóricos da Geografia Cultural.
A Geografia Cultural é tida como um ramo das ciências geográficas preocupado com a distribuição espacial das manifestações culturais, como: religiões, crenças, rituais, artes, formas de trabalho; enfim, tudo que é resultado de uma criação ou transformação do homem sobre a natureza ou das suas relações com o espaço, seja no planeta, em um continente, país, etc. A exemplos dos estudos sobre: "espaço e religião; espaço e cultura popular; espaço e simbolismo; paisagem e cultura; percepção ambiental e cultural; espaço e simbolismo..."(CORRÊA, 1995, p. 03-11).
A Geografia Cultural é tida como um ramo das ciências geográficas preocupado com a distribuição espacial das manifestações culturais, como: religiões, crenças, rituais, artes, formas de trabalho; enfim, tudo que é resultado de uma criação ou transformação do homem sobre a natureza ou das suas relações com o espaço, seja no planeta, em um continente, país, etc. A exemplos dos estudos sobre: "espaço e religião; espaço e cultura popular; espaço e simbolismo; paisagem e cultura; percepção ambiental e cultural; espaço e simbolismo..."(CORRÊA, 1995, p. 03-11).
Atualmente,
pode-se pensar na Geografia Cultural como aquela que considera os
sentimentos e as idéias de um grupo ou povo sobre o espaço a partir da
experiência vivida. Trata-se de uma geografia do lugar. Também pode ser
considerada como a dimensão espacial da cultura. Tradicionalmente, desde
o começo do século XX, essa dimensão espacial tem sido focalizada por
intermédio de temas como os gêneros de vida, a paisagem cultural, as
áreas culturais, a história da cultura no espaço e a ecologia cultural.
Para Cosgrove (2003, p. 103) "a tarefa da Geografia Cultural é apreender
e compreender a dimensão da interação humana com a Natureza e seu papel
na ordenação do espaço".
Como dito
anteriormente, é impossível falar na Geografia Cultural sem citar Sauer
ou a "Escola de Berkeley", que denomina a corrente do pensamento
geográfico fundamentada a partir de sua obra. A Geografia Cultural
surgiu no início do século, na Alemanha: era a "Kulturlandschaft". Na
Geografia Cultural alemã, as paisagens correspondiam a um conhecimento
específico, que servia para diferenciá-la das outras ciências.
Essa
Geografia considerava a paisagem como uma unidade espacial definida em
termos formais, funcionais e genéticos. A primeira obra teórica
importante de Sauer foi The Morfology of Landscape. Neste importante
trabalho, Sauer estabelece conceitos que fundamentaram a Geografia
Cultural, principalmente a norte-americana, entre eles: a valorização da
relação do homem com a paisagem (ambiente), que por ele é formatada e
transformada em habitat; a análise dessa relação sempre é feita a partir
da comparação com outras paisagens, formatadas organicamente, o que
gera uma visão integral da paisagem que individualiza a Geografia
enquanto disciplina.
Ao longo dos
anos, outros conhecimentos vêm fazer parte da Geografia Cultural,
enriquecendo as pesquisas geográficas que enfatizam a cultura como
agente transformador do espaço. São incorporadas diversas referências
teóricas e metodológicas, tais como os ramos da filosofia dos
significados, da fenomenologia, do materialismo histórico e dialético e
das humanidades em geral.
A esses aprofundamentos também são agregados à Geografia Cultural temas que não eram por ela tratados anteriormente. Nessa mudança, o conceito de cultura é repensado. A cultura não é mais vista como entidade supra-orgânica, nem como superestrutura. A cultura diz respeito às coisas do cotidiano, comuns, apreendidas na vida diária, na família, no trabalho e no ambiente local. As idéias, habilidades, linguagem, relações em geral, propósitos e significados comuns a um grupo social são elaborados e reelaborados a partir da experiência, contatos e descobertas – tudo isto é cultura.
A esses aprofundamentos também são agregados à Geografia Cultural temas que não eram por ela tratados anteriormente. Nessa mudança, o conceito de cultura é repensado. A cultura não é mais vista como entidade supra-orgânica, nem como superestrutura. A cultura diz respeito às coisas do cotidiano, comuns, apreendidas na vida diária, na família, no trabalho e no ambiente local. As idéias, habilidades, linguagem, relações em geral, propósitos e significados comuns a um grupo social são elaborados e reelaborados a partir da experiência, contatos e descobertas – tudo isto é cultura.
A
cultura pode ser vista, também, como o conjunto de manifestações
humanas que contrastam com a natureza ou comportamento natural, a soma
total dos modos de vida construídos por um grupo de seres humanos e
transmitidos de uma geração para outra, ser considerada uma propriedade
ou atributo inerente aos seres humanos, ou ainda ser meramente um
artifício intelectual para generalizar convenientemente a respeito de
atitudes e comportamentos humanos (WAGNER e MIKESELL, 2003).
A
noção de cultura não considera indivíduos isolados ou as
características pessoais que possam possuir, mas comunidades de pessoas
que ocupam um espaço determinado, amplo e geralmente contínuo. Assim, a
cultura está assentada em uma base geográfica. Dessa maneira, a
Geografia Cultural é a aplicação da idéia de cultura aos problemas
geográficos, os aspectos da Terra, em particular aqueles produzidos ou
modificados pela ação do homem (sociedade). Distingue, descreve e
classifica os complexos típicos de aspectos ambientais, incluindo
aqueles realizados pelo homem, que coincidem com cada comunidade
cultural, considerando-os como paisagens culturais e procurando origens
na história cultural. Assim, a cultura ao produzir e reproduzir o
espaço, deixa a sua marca visível, o resultado material da interação do
homem com o meio: a paisagem ou a paisagem cultural.
Qualquer
cultura é limitada em sua capacidade de transformar o habitat por meio
de conhecimento técnico, administração e organização institucional,
preferências, proibições, etc. "O geógrafo cultural não está preocupado
em explicar o funcionamento interno da cultura [...], mas avaliar o
potencial técnico de comunidades humanas para usar e modificar seus
habitats" (WAGNER e MIKESELL, 2003, p. 31).
As
pesquisas em Geografia Cultural se dão através da investigação sobre a
distribuição passada e presente de características da cultura, que
constitui a base para o reconhecimento e as delimitações de áreas
culturais. A área cultural implica uma uniformidade relativa ao invés de
absoluta. A similaridade cultural relativa aparece em diferentes graus,
desde a identidade virtual de atitudes e aptidões em num pequeno
território até semelhanças gerais ou ampla disseminação de
características individuais ou elementos da cultura em grandes áreas
(WAGNER e MIKESELL, 2003, p. 32). Em termos geográficos, uma área
cultural pode constituir uma região, forma uma unidade definível no
espaço, caracterizada pela relativa homogeneidade interna com referência
a certos critérios. A associação típica de características geográficas
concretas numa região ou em qualquer outra subdivisão espacial da
superfície terrestre pode ser descrita como paisagem.
A
paisagem, em seu conjunto, reúne esses fatores e adiciona a
possibilidade de valores expressivos e de significação cultural, os
mesmos podem compreender conteúdos estéticos e conotações
significativas, havendo se constituído como um tema de inspiração para o
homem.
Para Nassauer (1995), a cultura e a paisagem interagem em uma constante realimentação, na qual a cultura estrutura as paisagens e as paisagens incorporam a cultura. Há, por conseguinte, um feedback, em que a percepção do meio, através dos filtros da cultura, determina valores paisagísticos que são atribuídos a uma paisagem, que, por sua vez, podem ser modificados se houver uma mudança na paisagem. Essa dinâmica a ajuda explicar a estrutura da paisagem de duas maneiras: primeiro como um efeito da cultura, segundo como um produto das mudanças culturais.
Para Nassauer (1995), a cultura e a paisagem interagem em uma constante realimentação, na qual a cultura estrutura as paisagens e as paisagens incorporam a cultura. Há, por conseguinte, um feedback, em que a percepção do meio, através dos filtros da cultura, determina valores paisagísticos que são atribuídos a uma paisagem, que, por sua vez, podem ser modificados se houver uma mudança na paisagem. Essa dinâmica a ajuda explicar a estrutura da paisagem de duas maneiras: primeiro como um efeito da cultura, segundo como um produto das mudanças culturais.
Toda
a paisagem somente é paisagem, quando é vista, sentida e percebida. Não
podemos lembrar ou descrever alguma paisagem que nunca tenhamos visto,
mesmo por intermédio de algum artifício (filme, fotografia, desenho,
pintura, etc.). Então, a paisagem somente existe na relação do homem com
o meio. E essa relação é sempre repleta de significados que são
influenciados pela cultura de um determinado lugar e seu povo. Nesse
caso, os estudos da paisagem como texto podem descrever os significados
da ação humana sobre o processo histórico de sua formação e sua
percepção..
Pode-se comparar a
percepção da paisagem a um sistema de "filtros" e relacionar esses
filtros como se fossem a lente de uma câmara fotográfica. Tenta mostrar
que a significação individual da paisagem depende de múltiplos fatores,
dentre eles estão os culturais.
Cada
indivíduo tem a sua concepção a respeito da paisagem e, sendo o
indivíduo parte de uma sociedade que tem sua cultura distinta, cada
cultura tem, então, o seu ideal de paisagem. E essa paisagem vai também
refletir esse ideal, que juntamente com outros fatores vão influenciar
na percepção da paisagem. Assim, qualquer estudo dessa natureza que não
inclua a questão cultural em sua análise poderá resultar incompleto, sem
um componente indispensável: o homem e a sua ação no espaço.
Assim,
é importante que se inclua nesses estudos da interação homem/meio,
sociedade/natureza, o estudo das paisagens culturais, pois essas
consideram não apenas os atores, mas também as ações que elaboraram e
continuam a elaborar as paisagens (WAGNER e MIKESELL, 2003, p. 46).
Hoje
em dia, não se pode negar a relação entre cultura e urbano. Mas, nem
sempre foi assim, pois até, ao final da década de 1960, não era esse o
"objeto" de estudo dos geógrafos, que se debruçavam sobre as pesquisas
relacionadas ao urbano. Somente a partir do início dos anos 70, começa a
se entender essa imbricação. Segundo Corrêa (2003, p. 167),
"o urbano pode ser analisado sobre diversas dimensões que se interpenetram. A dimensão cultural é uma delas. Por seu intermédio amplia-se a compreensão da sociedade em termos econômicos, sociais e políticos, assim como se tornam inteligíveis as espacialidades e temporalidades expressas na cidade, na rede urbana e no processo urbano".
"o urbano pode ser analisado sobre diversas dimensões que se interpenetram. A dimensão cultural é uma delas. Por seu intermédio amplia-se a compreensão da sociedade em termos econômicos, sociais e políticos, assim como se tornam inteligíveis as espacialidades e temporalidades expressas na cidade, na rede urbana e no processo urbano".
Sendo
assim, os geógrafos passaram a perceber a dimensão cultural do urbano,
em que essa relação passa a ser mais valorizada e problematizada,
coincidindo com "as transformações em curso na sociedade, que se torna
mais urbana e multicultural[...]" (CORRÊA, 2003, p. 168).
O
urbano está repleto de significações culturais, desde a forma de
organização e de uso do solo, nas suas materialidades, que são expressas
em suas construções (ruas, casas, avenidas, edifícios, praças, parques,
monumentos, etc.) ou nas suas relações econômicas e sociais, redes
técnicas e informacionais (SANTOS, 2002, p. 263). Pode-se dizer também
que a cidade abriga atualmente um contigente majoritário da população, e
os interesses individuais são contraditórios. No espaço urbano, os
diferentes interesses, relacionados à ocupação e uso do solo, estão
repletos dessas contradições (CARLOS, 2005, p. 42). Santos (2002 p. 78)
diz que "através do trabalho, o homem exerce a ação sobre a natureza,
isto é, sobre o meio, ele muda a si mesmo, sua natureza intima, ao mesmo
tempo em que modifica a natureza externa". E como a paisagem é a
materialização do processo relacional homem/meio, a paisagem urbana tem,
sem dúvidas, esse significado.
Corrêa
(2002, p. 175) diz que, mesmo não se encerrando as possibilidades
temáticas, as relações entre cultura e urbano podem se manifestar de
diferentes modos. Mas ele relaciona aqui três dessas manifestações.
Primeiro, a toponímia e identidade que, segundo Corrêa, "constitui-se em
relevante marca cultural e expressa uma efetiva apropriação do espaço
por um dado grupo cultural" (p. 176). Segundo, a cidade e a produção de
formas simbólicas, "sendo que, em parte, por meio das formas simbólicas é
que a cidade expressa uma dada cultura e realiza o seu papel de
transformação cultural" (p. 177). E, em terceiro, a paisagem urbana e
seus significados, sendo esta que "constitui-se em importante temática,
tendo atraído a atenção dos geógrafos[...]" (p. 179).
Até
a década se 1960, o foco central dos estudos da paisagem estava na sua
morfologia, sendo a contribuição de Sauer, em seu artigo, já referido,
The Morfology of Landscape, uma das mais importantes nesse sentido. A
partir do final da década de 1970, Corrêa (2003, p. 179) sublinha que
diversos autores, entre eles Meinig (1979), introduzem, nos estudos da
paisagem, a interpretação. Assim, pode-se dizer que, a paisagem urbana é
um campo rico para a interpretação, permitindo "múltiplas leituras a
partir de diversos contextos históricos-culturais, envolvendo diferenças
sociais, poder, crenças e valores". Portanto, a paisagem urbana é
repleta de signos e símbolos, e seus significados podem ter inúmeros
sentidos.
Partindo-se do pressuposto
que a paisagem urbana é o produto e a materialização do trabalho social,
ela está profundamente impregnada de relações sociais e conflitos
(CORRÊA, 2003, p. 181), e é constantemente ressignificada, para que
possa viabilizar a circulação do capital. Na paisagem urbana,
evidenciado, dessa forma, um valor simbólico, "repositório de símbolos
de classes sociais e de herança étnica". Essa dialética está presente
nas diferenças das paisagens urbanas, tanto internamente, nas zonas
residenciais populares e de classes mais abastadas, "que se justapõem,
superpõem, contrapõem no uso da cidade" (SANTOS, 2002, p. 326), quanto
externamente, nas diferenças entre as cidades. Assim, os diferentes
grupos sociais, que ocupam áreas distintas das cidades e/ou cidades
diferentes, vão produzir, de acordo com o seu modo de vida e de ocupação
do solo, diferentes formas e diferentes paisagens no espaço urbano.
Essas diferentes paisagens serão percebidas de inúmeras maneiras e com
distintos significados, pois cada indivíduo "enxerga" a paisagem através
dos seus "filtros", dentre os quais o filtro da cultura.
A água na paisagem urbana
A água na paisagem urbana
Nas
áreas urbanas, a percepção da água na paisagem tende a ser mais
intuitiva e/ou subjetiva, pois o processo de urbanização que ocorre na
maioria das cidades brasileiras e no mundo tratou de canalizar e
esconder os cursos d’água, que geralmente servirão para escoar o esgoto
de seus moradores e das indústrias ali instaladas. E, ao adotar a
premissa de que as paisagens urbanas se formam a partir das relações
entre as pessoas, o território e os processos naturais, podemos dizer
que são paisagens culturais, transformando-se no tempo e no espaço. Essa
transformação tende, em muitos casos, a não levar em consideração a
relação homem/natureza. Para Costa (2002), "tem-se que destacar a
importância do design paisagístico , da percepção e acessibilidade
pública aos seus rios". A acessibilidade também pode ser obtida através
da visibilidade da paisagem, pois, como essa autora, acreditamos que o
acesso visual propicia um comportamento ambientalmente responsável em
relação à água no espaço urbano.
Nas
cidades, devido a efetiva impermeabilização dos solos pela ocupação
imobiliária, pelas vias de transporte e pelo material utilizado nas
canalizações, há pouca ou nenhuma realimentação do lençol freático e dos
cursos d’água pela chuva, transformando-os exclusivamente em redes de
esgotos. No atual processo de urbanização, a característica natural da
rede de drenagem é totalmente modificada, assim como a vegetação natural
é degradada ou suprimida, o relevo alterado e, até mesmo, a relação do
homem com o seu meio sofre influência desse processo.
Somente
nas periferias das cidades é que ainda existem redes de drenagem não
canalizadas. Mas, nesses locais, os pequenos cursos d’água, sofrem com o
despejo contínuo de esgotos e lixo, decorrentes da "quase total
inexistência de uma política de uso e ocupação do solo" (RANGEL, 2002,
p. 20).
Nas periferias das cidades,
onde ocorre a expansão urbana, esta se dá, em grande parte, em áreas
impróprias ou de forma inadequada, tendo-se como conseqüência inúmeros
problemas ao meio físico, à própria população assentada e aos poderes
públicos responsáveis pelos serviços de infra-estrutura nessas áreas.
Tem-se
como premissa a ser estudada que as populações desses locais
dificilmente percebem os problemas ambientais de onde vivem e não têm
consciência de que são responsáveis por esse ambiente, pois estão
demasiadamente envolvidas na sua própria subsistência. Essas populações
sofrem com a degradação ambiental, mas já estão "acostumadas" ao lugar. A
sua paisagem já foi totalmente modificada. O solo, a vegetação e,
principalmente, a água já estão seriamente comprometidos.
É
preciso entender como se dá o processo de percepção da paisagem pelas
populações locais e, principalmente, a percepção da água na paisagem. É
importante entender como os diversos grupos sociais a percebem e como é a
sua relação com os conflitos inseridos no seu espaço. Pois, para se
efetuar qualquer estudo geográfico a respeito da percepção da paisagem,
visando a implementação de medidas mitigadoras ou de reorganização do
espaço urbano e de ocupação territorial, tem-se que entender como é que
as pessoas sentem e entendem o lugar em que vivem, se esperam alguma
mudança e quais as mudanças que querem que sejam implementadas para
melhorar a sua qualidade de vida.
Não
se pode tratar dos impactos ambientais relacionados a qualidade dos
recursos hídricos em áreas urbanas de forma isolada. A comunidade
científica tem por cacoete compartimentar o estudo da água. No entanto,
"a água precisa ser pensada enquanto inscrição da sociedade na natureza,
com todas as contradições implicadas no processo de apropriação da
natureza pelos homens e mulheres por meio das relações sociais e de
poder" (PORTO-GONÇALVES, 2004, p.152). Segundo este autor, "o ciclo da
água não é externo à sociedade ele a contém com todas as suas
contradições".
O presente processo de
intensificação da urbanização da sociedade afeta cada vez mais os corpos
d’água e a sua qualidade, assim como implica uma maior demanda por
água. Essa contradição é motivo de conflitos de uso. A final, "um
habitante urbano consome em média três vezes mais água do que um
habitante rural" (p.153). Outro ponto a ser destacado é que a água está
sendo trazida de mananciais cada vez mais distantes, pois as fontes para
o abastecimento nos grandes centros estão inviabilizadas pela crescente
poluição.
Mas, como se pode, através
do estudo da percepção da paisagem, saber que um dos seus elementos,
nesse caso a água, está degradado? E como é que a população pode,
através de sua percepção, propor melhorias na qualidade do espaço urbano
e da água na paisagem?
Propõe-se
então, como referencial para os estudos que pretendam avaliar a
percepção da água na paisagem urbana, a comparação entre a percepção da
paisagem e da água na paisagem pela população local, com as análises
físico-químicas dos cursos d’água. Desta maneira, pode-se saber como
está a saúde da rede hídrica na realidade e, de outra forma, como é
percebida esta realidade pela população. Assim então, a partir dessa
comparação, se terá subsídios para futuras intervenções na paisagem
urbana, que tenham o objetivo qualifica-la, assim como qualificar as
paisagens onde a água está inserida.
Referências bibliográficas
Referências bibliográficas
BERINGUIER, C. e BERINGUIER, P. (1991). Manieres paysageres une methode d’etude, des pratiques. In: GEODOC.Toulouse: Univesité de Toulouse. p. 5-25.
BERQUE, A. (1998). Paisagem-marca, paisagem-matriz: elementos da problemática para uma geografia cultural. In: CORRÊA, R. L. e ROSENDAHL, Z. Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: Ed. UERJ. p. 84-91.
BERTRAND, G. (1968). Paysage et géographie physique globale. Esquisse méthodologique. In: Toulouse: Revue géographique des Pyrénnées et du SO, 39(2), p.249-72.
CARLOS, A. F. A. (2005). A cidade. São Paulo: Contexto. 98 p.
CORRÊA, R. L. e ROSENDAHL, Z. (1995) Espaço e Cultura. Rio de Janeiro: ed.uerj/ NEPEC. p.
_________. e _________. (Orgs.). (2002) Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 224 p.
CORRÊA, R. L. (2003) O espaço urbano. São Paulo: Ática. 94 p.
COSGROVE, D. E. e JACKSON, P. (2003.) Novos rumos da Geografia Cultural In: Introdução à Geografia Cultural. CORRÊA, R. L. e ROSENDAHL, Z. (Orgs.) Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 224 p.
COSTA, L. M. (2002). Rios Urbanos e Valores Ambientais. In: Projeto do Lugar. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria /PROARQ.
HUOAISS. A. (2007). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. 3008 p.
LEFF, H. (2006) Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 555 p.
NASSAUER, J. I. (1995). Culture and changing landscape estructure. In: Landscape Ecology v. 10 n. 4 p. 229-237, Amsterdam: SPB Academic Publishing bv.
PORTO-GONÇALVES, C. W. (2004). O desafio ambiental. Rio de Janeiro: Record. 179 p.
RANGEL, M. L. (2002). A influência da Ocupação Urbana na Qualidade da Água da Barragem Mãe D’Água. Trabalho de Graduação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 69 p.
SANTOS, M. (2002). A natureza do espaço: Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp. 384 p.
WAGNER, P. e MIKESELL, M. (2003). Temas em geografia cultural. In: Introdução à Geografia Cultural. CORRÊA, R. L. e ROSENDAHL, Z. (Orgs.) Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 224 p.
Nenhum comentário:
Postar um comentário