sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A educação na sociedade de classe: possibilidade e limites


Paulino José Orso

Em um artigo denominado “As possibilidade da educação”, publicado por ocasião das comemorações dos 130 anos da Comuna de Paris de 1871, realizadas em 2001, concluía o mesmo afirmando que quem acredita na educação luta para transformar a sociedade. Pois bem, neste partimos desta premissa para tratarmos da educação na sociedade de classes.

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Muito se tem discutido sobre o papel da educação na sociedade, se ela apenas reproduz a sociedade em que está inserida ou se ela é ou pode ser revolucionária a ponto de transformar toda a sociedade. Entretanto, muitos, em vez de analisá-la e compreendê-la de acordo com a categoria da totalidade, caem na perspectiva positivista e simplesmente deslocam-na do conjunto das relações sociais de produção, embrenham-se pelo idealismo e apresentam-na como se fosse capaz de promover o desenvolvimento econômico, garantir o bem estar social e conduzir a todos à felicidade; fazem dela a responsável pelo sucesso ou fracasso década um. Analisando-a de forma abstrata, deslocada das contradições e dos antagonismos de classes, atribuem a ela um caráter redentor.

Entretanto, existem “n” formas de educação; não é possível para falar de educação abstratamente, nem desconsiderando a história. Além disso, as finalidades com que se educa também não são as mesmas em todas as épocas, em todos os lugares e em todas as sociedades. Simplificando, poder-se-ia dividir a educação àquela ministrada em sala de aula, com professores, programas e conteúdos, objetivos definidos, que é realizada de forma sistemática. A segunda diz respeito à realizada cotidianamente, baseada nos costumes, nas leis, nas tradições, nas lutas do dia-a-dia, nas mobilizações, na aprendizagem durante a vida. Ambas são as relações de força envolvidas, com a época, com o estágio de desenvolvimento e o lugar em que ocorrem. Mas, afinal de contas, o que é ou em que consiste a educação? Se pudéssemos abarcá-la numa mesma definição, poderia se dizer que a educação é a forma como a própria sociedade prepara seus membros para viverem nela mesma.
Ora, se a educação é a forma como a sociedade educa seus membros para viverem nela mesma, então, para compreender a educação precisamos compreender a sociedade. Assim, na medida em que a compreendermos, também entenderemos aquela. Partindo do princípio de que, após o surgimento da propriedade privada dos meios de produção, a história da humanidade tem sido a história das lutas de classes e que atualmente vivemos no modo de produção capitalista, baseado na extração de mais-valia, na exploração, na competição e na concorrência, a educação, submetendo-se às determinações da base material, no geral acaba contribuindo para a reprodução desta sociedade, pois, “na produção social de sua vida, os homens contraem determinadas relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das forças produtivas materiais”. Ou seja, a educação tende a “refletir” a sociedade que a produz, pois, expressa o nível de compreensão dos que a fazem, permitida pela sociedade de cada época, de acordo com a etapa de desenvolvimento e das relações sociais.

...Para a sociedade capitalista, em sua forma pública ou privada, em princípio não há nenhum problema em oferecer educação para todos. Aliás, paulatinamente vemos o acesso à escola se popularizar cada vez mais, a ponto de que, mais dia menos dia, ela até possa ser universalizada...

Quanto á educação formal, ela geralmente se parece mais com uma forma de adestramento, disciplinarização, treinamento e docilização dos indivíduos, do que como meio de transformação e de revolução social. Mesmo quando tem a preocupação de ser crítica, de subverter a ordem acadêmica e de questionar o sistema vigente, o que é um tanto raro e incomum nos tempos atuais, é envolvida por um amplo aparato disciplinar e burocrático deixando pouco espaço para a flexibilidade e para a realização das experiências alternativas. Além disso, na maioria das vezes, os conteúdos estão mais voltados para ensinar que “a Eva viu a uva”, ou seja, conteúdos abstratos, do que para compreender a vida concreta, isto é, a matemática da fome, o português da violência, a geografia e a história da exploração e dos problemas sociais, a ciência da história da vida real dos homens e voltam-se mais para a adaptação, para a alienação e para o conformismo do aluno ao meio do que para desmistificar, para questionar as condições de vida e o modo de produção capitalista.

Estas forma de educação corresponde à essa sociedade, que tem na alienação da força de trabalho e, conseqüentemente, na alienação da consciência um meio de se reproduzir e se perpetuar. E não poderia admitir outra, pois se o fizesse, corresponderia a outra sociedade e não à de classes. Como ela não é constituída por um bloco monolítico, também é permeada por contradições e, eventualmente, até pode permitir a realização de algumas experiências diferentes. Todavia, no geral, predomina um tipo de educação abstrata, necessária á essa sociedade, pois, sendo o determinante maior que a base material, ela condiciona a consciência estabelecendo-se assim um tipo de educação correspondente a ela. Ou seja, uma educação voltada para estimular o individualismo, para fomentar a competição, para enaltecer resultados não desejados, permitindo, assim, selecionar os mais aptos e mais adaptados, de acordo com os valores vigentes nessa sociedade – uma educação para a subserviência.
Ao lado desta, na América Latina, têm surgido inúmeras formas de educação popular; umas de forma institucionalizadas outras não. No Brasil, por exemplo, tivemos a experiência realizada por Paulo Freire, em que o aluno, ao mesmo tempo que aprendia a ler e escrever, também era levado a ler, compreender e interpretar o mundo e a sociedade em que vivia. Todavia, a ditadura militar se encarregou de esmagar a experiência e exilar seu idealizador. Em substituição a esse método, implantaram o Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral, que visava eliminar um determinado conteúdo político e ideológico e substituí-lo por outro, por uma educação moral e cívica, adequada ao militarismo desenvolvimentista da época.
Mas, se a educação está mais voltada para a adaptação do indivíduo ao meio e se este se constitui na sociedade capitalista em que um homem explora e domina o outro, por que se preocupar em alfabetizar e educar milhões de seres humanos que não sabem ler e escrever? Nossa sociedade é uma sociedade gráfica, isto é, baseada na escrita. Saber ler e escrever significa ter acesso a um mínimo de sociabilidade, ter um mínimo de autonomia individual. Entretanto, a escrita foi inventada há mais de 6.500 asnos e um bilhão de pessoas ainda não sabe ler e escrever. No Brasil, por exemplo, ainda temos cerca de 18 a 20 milhões de analfabetos, sem contar os analfabetos funcionais, que mal ou apenas sabem ler e escrever. Portanto, alfabetizar e possibilitar o acesso ao conhecimento formal, não significa fazer nenhuma grande revolução social. Mas, pelo menos, significa permitir que a pessoa saia do estado vegetativo e conquiste um mínimo de autonomia e independência perante o mundo em que vive, ainda que isto seja insuficiente para que realmente seja um homem livre e viva com um mínimo de dignidade.
Mas, mesmo nessa sociedade capitalista, é possível garantir que todas as pessoas tenham acesso a um mínimo de educação formal ou até mesmo à escola pública e gratuita? Para a sociedade capitalista, em sua forma pública ou privada, em princípio não há nenhum problema em oferecer educação para todos. Aliás, paulatinamente vemos o acesso à escola se popularizar cada vez mais, a ponto de que, mais dia menos dia, ela até possa ser universalizada.
No campo da educação, nesse momento também vemos a iniciativa privada avançar a passos largos. Contudo, é possível que em algum momento, de acordo com o grau de exigência social, a chamada educação pública possa vir a ser ofertada a todos ( tese esta um tanto utópica, mas perfeitamente possível). Se ela preservar, não questionar e não pôr em risco a propriedade privada, se houver condições econômicas suficientes para bancá-la, não há nenhum problema em universalizá-la. Entretanto, sabemos que a extensão da educação a mais ou menos pessoas, dependerá da pressão da sociedade, da exigência social e das necessidades do capital em cada época. Por isso, ainda que em determinado momento existam as condições matérias necessárias para possibilitá-la a todos, poderá não ser estendida ou somente será oportunizada quando existir pressão popular suficientemente forte e capaz de transformar o potencial em algo real. Pois, ela pode ser utilizada como ma moeda de negociação e canalização das lutas sociais. Por outro lado, se ela for paga, o problema será menor ainda. Pois, até servirá como um campo de extensão e de ampliação do capital em um momento de crise e de acumulação, por exemplo.

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No momento em que o capital passa por uma profunda crise de superprodução, em que o capital encontra-se estrangulado, existem duas saídas para ela. Ima está na imposição da flexibilização e liberalização das fronteiras, no rompimento das barreiras e na desburocratização para abrir novos espaços e campos para o seu desenvolvimento. A outra está na necessidade de queimar e destruir forças produtivas, por exemplo, por meio da guerra, sob pena de provocar seu próprio aniquilamento. Então, a desestatização e a privatização transformam-se em alternativas que permitem desafogar, ao menos temporariamente, a crise do capital e garantir um novo, porém pequeno, período de desenvolvimento, até gerar uma nova crise.

O sucateamento da escola pública e a expansão da escola privada inserem-se dentro da necessidade do capital, uma vez que, “os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados”. Assim, para compreender as características da escola, para entender o processo de expansão e de retração da escola pública, bem como, da expansão da escola particular é preciso entender o processo de desenvolvimento do capital e seus ciclos de desenvolvimento e de crise.
Portanto, é um equívoco centrar a discussão educacional numa abstração em, se ela é ou não é reprodutora, se ela é ou não é transformadora, se ela é ou pode ser revolucionária. Como a sociedade não é homogenia, como está permeada de contradições, de lutas e antagonismos de classes, a educação se transforma de acordo com movimento da sociedade, que ao se transformar e ser transformada, também possibilita uma educação de tipo diferente, adequada à nova realidade. Assim, em cada época e em cada sociedade, a educação “reflete” as condições do desenvolvimento social, o nível de desenvolvimento das forças produtivas e a relação de forças entre as classes envolvidas.
Desse modo, falar de educação numa sociedade de classes, numa sociedade capitalista, significa dizer que ela está voltada à conservação do status quo e á legitimação das estruturas sociais vigentes. Se quisermos ter outro tipo de educação não nos resta outra alternativa senão lutar pela transformação da sociedade.
A sociedade centralizada, hierárquica, especializada, elitista e seletiva como está organizada atualmente, bloqueia, cerceia e inibe as iniciativas que possam desafiá-la. Nesse sentido como diz Harper.
É certo, porem, que estas experiências, ao aproveitarem as brechas existentes e ao utilizarem os espaços disponíveis, esgotam o campo do possível no interior do sistema escolar. Os educadores, os pais de alunos e os estudantes que conseguirem criar esses espaços de liberdade e de experimentação fazem de sua prática educativa uma negação viva do modo de organização social dominante e do tipo de escola seletiva e elitista que lhe é funcional.
O bom profissional da educação, ao esmerar-se na realização de seu trabalho, também perceberá os limites dele e de sua ação no interior de sala de aula; perceberá que sua luta não poderá circunscrever-se à escola, apesar de ser este o local de seu trabalho profissional.
Entretanto, a transformação da sociedade depende do processo de desenvolvimento das forças produtivas, das relações sociais e das contradições gestadas no seu interior. Pois, como diz Marx:
(...) ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas matérias da sociedade se chocam com as relações de produção existentes (...) De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela.
Todavia, se a educação não é propriamente reprodutora nem redentora, também não é revolucionária. Ela expressa as contradições e a própria sociedade em que está inserida. A sociedade estabelece os limites e as possibilidades da educação; estabelece sua qualidade e sua quantidade, sua forma e seu conteúdo. Isto significa que lutar somente pela educação, é lutar em vão; que é necessário lutar pela educação lutando simultaneamente pela transformação da sociedade. Pois, “a exigência de abandonar as ilusões sobre a sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita ilusões”.
Mas, a superação das ilusões, bem como daquilo que as produz, não ocorre por um ímpeto voluntarista. Entretanto, nessas condições o acesso ao conhecimento científico, que se identifica com o domínio da organização e do funcionamento da realidade, aparece como uma condição sine qua non à transformação, mas não suficiente por si só. O acirramento das contradições e dos antagonismos sociais desencadeiam as condições para a mobilização social. Até não se apresentar uma situação limite em que esteja em jogo a sobrevivência do homem, imperará o individualismo, a competição, a concorrência, a busca de saídas de tipo personalista e, no geral, de cada um a suas custas. Se a base material exige o estabelecimento de relações necessárias e independentes da vontade, somente no momento em que uma situação nova revelar a insuficiência das relações anteriores e exigir outras novas, elas serão desencadeadas.

De que adianta “dizer” que é preciso mudar de mentalidade, que é preciso deixar de ser individualista, que é preciso ser solidário, que é preciso pensar no outro, que é preciso ser fraterno, que é preciso deixar o egoísmo de lado, se isso não passar de palavras de efeito e de tipo moralistas? Por isso, é necessário considerar o modo como a sociedade está organizada para garantir a sobrevivência. As pessoas até podem não querer explorar e dominar os outros; podem querer ser fraternas e solidárias, mas são forçadas a fazer o contrário devido ao modo de produção dominante.

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Portanto, não basta dizer que a educação é mediadora. Afinal, ela é mediadora para “n” coisas. Assim como é inócuo pensar que basta diferenciar educação de formação; que em vez de aluno (sem luz própria) os denominemos de educandos; que basta estabelecer novos “paradigmas” de produção do conhecimento, pois impõe-se a mesma observação feita por Marx na Tese 3 sobre Feuerbach, em que afirmava:
A doutrina materialista da transformação das circunstancia e da educação esquece que as circunstancias têm de ser transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado. (...) A coincidência da mudança das circunstancias e da atividade humana ou autotransformação só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionária.
Ou seja, Marx reforça a tese de que, quem de fato educa o homem é a sociedade, tanto pelas pessoas que a fazem quanto pelas condições em que vivem. A educação corresponde ao nível de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção de cada sociedade, em cada época. Assim, as educação se transforma ou é transformada à medida em que também se transforma a sociedade, em que a luta se acirra.. Novas relações de produção exigem novas relações sociais. Estas suscitam novas representações ideais, novas teorias, novos conceitos, novas idéias, condições para novas ações e novas práticas, para mudanças que possam ir além das do tipo resposta. Dessa forma, impõe-se mais do que nunca, conhecer cada vez melhor a sociedade, conhecer como ela se movimenta, como se transforma, para poder intervir nela nos momentos adequados. A verdadeira aprendizagem se dá na luta concreta, na percepção de que a sociedade de classe e a sociedade capitalista é inviável ao ser humano; na destruição das promessas e ilusões burguesas. Isso ocorre com as transformações sociais, que vão provocando novas relações e que, por sua vez, vão minando o sistema e desencadeando novas formas de se organizar e se viver socialmente. As formas de organização baseadas no individualismo e na competitividade, vão sendo superadas por formas de organização baseada no coletivo e na cooperação, na negação do individualismo; vão rompendo com o personalismo e com a competitividade e levam à descoberta da necessidade de luta, de cooperação e do outro.
Como se pode perceber, nesta sociedade, a educação, ainda que seja um espaço de contradição, no geral prepara o indivíduo para o mercado, para explorar ou para ser explorado, ou seja, para a adaptação e reprodução das condições vigentes. Entretanto, o que é que de fato importa? Importa é que a classe trabalhadora se liberte, que supere a dominação e conquiste a liberdade, não a ilusória e falsa liberdade burguesa, mas sim a liberdade humana; que construa uma nova humanidade e um novo homem, resultados do fim da propriedade privada e das classes sociais. Num sistema que submete tudo e todos à sua lógica é insuficiente promover reformas pontuais, periféricas e marginais. Mas, como conseguir isso? Vou citar três exemplos, dentre tantos que permitem perceber que é possível construir uma nova humanidade.
O primeiro é o exemplo da Comuna de Paris, que em 1871 demonstrou que se quisermos construir uma nova humanidade e ter uma nova educação que permita que o homem se desenvolva integralmente, não basta promover reformas, é preciso acabar com o modo de produção capitalista, com a sociedade de classes e com o Estado. A comuna demonstrou não apenas a possibilidade, mas a necessidade de unidade de classe dos trabalhadores, condição para o enfrentamento da classe dominante.
O segundo é o exemplo das Madres da Praça de Maio da Argentina. AS Madres que tiveram seus filhos perseguidos, presos, torturados, exilados e mortos por lutar e defender uma sociedade, inicialmente, passaram a procurar e buscar por seus filhos cada uma individualmente. Depois, os desafios fizeram com que elas se unisses e percebessem que o problema não era individual; perceber que outras mães também tinham filhos seqüestrados e mortos. Então passaram a se organizar e a lutar coletivamente. Na luta, perceberam que a comissão de direitos humanos, a igreja, os juízes, os políticos, além de não resolver seus problemas, de não trazer seus filhos de volta, eram cúmplices dos desaparecimentos e das atrocidades. Por isso, perceberam que era inútil recorrer a eles. Na luta compreenderam que a causa dos problemas está na sociedade de classes, na sociedade capitalista e que a única saída que havia para superá-lo era lutar pela transformação radical da sociedade. Ou seja, de donas de casas, a luta levou as Madres a superar suas diferenças individuais, seus interesses pessoais e imediatos, e fez com que percebessem que a única condição dos fracos se fortalecerem é na unidade. Com isso, perceberam a necessidade de se transformarem em revolucionárias.
O terceiro exemplo é do MST – Movimento dos trabalhadores Sem Terra. Os sem-terras também cansaram da enganação, das ilusões e das promessas burguesas; cansaram das promessas de liberdade e de democracia; cansaram das promessas de que, “primeiro é preciso fazer crescer o bolo para depois dividi-lo”; de que primeiro é preciso acabar com a inflação, para depois promover a distribuição de renda; de que é preciso fazer a reforma agrária dentro da lei, dentro da negociação.. Todas essas estratégias burguesas revelaram-se ilusões. Entretanto, disso tudo resultou a aprendizagem de que, só pela organização e pela luta o povo consegue conquistar seus “diretos”; só o povo organizado pode revolucionar e transformar a sociedade em que vive. Como diz Marx, a liberação dos trabalhadores será uma conquista dos próprios trabalhadores ou não será de mais ninguém. Os sem-terra também perceberam que não basta conquistar um pedaço de terra, pois o sistema produz um número infinitamente maior de sem-terra do que os que consegue conquistar um pedaço de chão. Então, de uma luta voltada apenas para a conquista da terra individualmente, perceberam que mesmo que a luta fosse apenas por ela, no plano individual seria muito difícil de conquistar. Dessa aprendizagem resultou a compreensão de que a luta deveria ser coletiva, pois os seus problemas eram comuns. Além disso, entenderam que se a luta, mesmo sendo coletiva, tivesse seu fim apenas na conquista da terra e não como parte de um processo mais amplos, a superação do modo de produção capitalista, mais dia, menos dia, os problemas seus ou de outros voltariam a ser os mesmos.

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Se quiséssemos enumerar teríamos mais uma série de exemplos semelhantes a estes para citar, nos quais se revela que a verdadeira aprendizagem ocorre na luta. Mas, penso que estes já são suficientes para ajudar os educadores a perceberem que também precisam aprender com a luta e com a história. Basta olhar um pouco para a história para perceber as mentiras seculares propagadas pela burguesia e deixar de acreditar em suas promessas de progresso, de bem estar, de redenção pela educação. Portanto, é preciso perder a ilusão, deixar de ser ingênuo. É preciso partir para a luta, tendo como referência a identidade de classe. Como diz Marx, ou se resolvem os problemas na prática ou não se resolve.

As armas da crítica não podem, de fato, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta pela força material, mas a teoria também se converte em força material uma vez que se apossa dos homens. A teoria é capaz de prender os homens desde que demonstre sua verdadeira face aos homens, desde que se torne radical. Ser radical é atacar o problema em suas raízes. Para o homem, porém a raiz é o próprio homem.

Mas, se é a sociedade que educa, qual o papel que cabe ao professor? Não nos esqueçamos que ele também faz parte da sociedade. E, nesse sentido, tem uma tarefa importante a cumprir.
O professor realiza um trabalho social específico, não melhor, nem mais nobre ou superior, mas sim diferente dos demais trabalhadores; o professor não é um sacerdote. Se não fosse professor, como um trabalhador que precisar vender sua força de trabalho para poder sobreviver, possivelmente estaria realizando um outro tipo de trabalho qualquer e vendendo sua força como padeiro, marceneiro, agricultor, confeiteiro, vendedor, pedreiro, coveiro, escriturário, motorista, etc. – estaria educando e sendo educando em outro local. Ou seja, seria membro da classe trabalhadora, submetido à mesma lógica do modo de produção capitalista. Muitas vezes, pelo fato de o professor trabalhar com as idéias, tem a impressão de que não é trabalhador, de que não pertence à mesma classe dos demais. Daí a importância de se reconhecer como trabalhador, como membro da mesma classe, com a “missão” de, por intermédio do trabalho que realiza, contribuir para a superação de sua própria condição social.
Enfim, o professor é um trabalhador que se especializou na arte de ensinar/aprender e, assim como os demais trabalhadores, deve realizar seu trabalho da melhor maneira possível. Para isso, não pode se dar o luxo de fazê-lo de qualquer jeito, confiar apenas na sua experiência, nos seus anos de trabalho, na sua própria sorte.
Como profissionais da educação realizam um tipo de trabalho de certa forma privilegiado que, ao mesmo tempo, permite que os educandos tenham acesso ao saber científico historicamente acumulado e fazer a crítica radical do conhecimento e da própria sociedade que o produz. Dependendo da forma como for realizado, o trabalho pode revelar a própria condição existencial dos trabalhadores em educação e também dos demais trabalhadores, possibilitando identificar-se como pertencentes a uma classe, à classe trabalhadora. O reconhecimento dos trabalhadores em geral e dos da educação como classe e o reconhecimento das condições a que esta classe está submetida, exige que, por meio do trabalho que realizam, contribuam para a superação de sua condição. No mínimo seria um contra-senso os trabalhadores da educação fazerem de conta que esta é uma instância neutra e limitarem-se à sua própria reprodução. Quando esta compreensão se generalizar, quando a classe trabalhadora compreender isto, quando sua consciência for tal que não mais aceite sua condição de explorado e de classe, ela própria se transformará na força material que deporá as estruturas que a produzem e construirá as condições para humanização do homem. Cabe ao professor, por meio do trabalho que realiza, portanto, ajudar a preparar os alunos para uma nova sociedade; a ajudar ao aluno transitar do estado de consciência alienada para a superação de seu estado de classe; servir de ponte entre a realidade atual e a que se quer construir.

Os três exemplos acima, apesar de reforçarem o papel da luta organizada para educar e transformar a sociedade não desprezam a educação escolarizada, mesmo que dentro de suas limitadas possibilidade, dado o caráter dependente em relação às demais estruturas sociais. Tanto a Comuna de Paris, quando as madres da Praça de Maio como os sem-terras trataram de construir suas próprias escolas e elaborar suas próprias propostas educacionais, adequando-as, porém, às suas concepções e aos seus projetos de mundo e de sociedade.
Ou nos organizamos e lutamos pela transformação da sociedade ou então não teremos uma educação de nova modalidade nem construiremos um homem novo.

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Universidade Florestan Fernandes do MST

Paulino José Orso

Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste -, membro do Espaço Marx – SP, líder do Grupo de pesquisa em História, Sociedade e Educação – GT da Região Oeste do Paraná - HISTEDOPR

Artigo publicado no livro Educação e luta de classes - Editora Expressão Popular

Fonte: http://www.uni-vos.com

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