terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Professoras não entram em concurso por serem obesas

Fabiana, Lídia e Ana Paula chegaram a ser nomeadas como professoras efetivadas do estado de São Paulo, mas, no momento de tomar posse, foram informadas de que não são aptas para o trabalho.

Três professoras, aprovadas em um concurso público em São Paulo lutam para saber por que não conseguem assumir o cargo que conquistaram. Quando finalmente vencem a burocracia, elas descobrem: não foram chamadas porque são obesas.

Fabiana e Ana Paula são professoras de português. Lídia, de matemática. As três já dão aula em escolas da rede pública do estado de São Paulo. Fabiana há um ano, Lídia há três e Ana Paula há mais de dez. Mas o contrato delas é temporário. Para serem efetivadas, prestaram um concurso público.

Fabiana, Lídia e Ana Paula fizeram um primeiro exame e foram aprovadas. Fizeram um curso preparatório, um segundo exame e foram aprovadas, chegaram a ser nomeadas com os nomes publicados no Diário Oficial, mas, no momento de tomar posse como professoras efetivadas do estado, o que aconteceu?
“Eu fiquei sabendo que o laudo médico da perícia eu fui considerada inapta para exercer a função de professora”, conta Fabiana Azevedo.
A mesma informação aparece no laudo médico das outras duas professoras e na cabeça delas surge a mesma pergunta: inapta para o cargo que já exercem por quê?
“Não deram justificativa nenhuma”, revela Lídia. “Nesse laudo, não vem nenhuma justificativa, simplesmente a informação de não-apta”, afirma Fabiana.
Mas as professoras têm a mesma desconfiança. “Durante a consulta com o endocrinologista, ele me disse que obesidade era um fator sim de reprovação em concurso público”, lembra Fabiana.
Com Lídia, primeiro foi o clínico geral que comentou: “Obesidade reprova”.
Será? Fomos ouvir a Secretaria de Gestão Pública do estado.
A obesidade é considerado um fator de inaptidão para exercer o cargo?
“A obesidade não. Só a obesidade não é motivo de não aptidão. Obesidade não pode ser o motivo, porque não é uma questão de aparência. Quem tem problema de vista usa óculos. Não tem sentido isso, não faz sentido”, comenta a perita médica Bartira Granata.
Então qual foi o motivo? As professoras procuraram o Departamento de Perícia Médica para saber. No momento em que a professora vai buscar o laudo, o resultado, ela tem direito de saber por que ela não foi aprovada.
Mas não foi isso que aconteceu e os protocolos provam. Lidia, por exemplo, foi agendada para ver seu prontuário só daqui a dois meses. “Pode ser uma falha dos atendentes, da parte burocrática. Mas ela tem esse direito”, aponta perita.
A repórter Renata Ceribelle pergunta se ela chegar no local com essas pessoas elas vão ter acesso. A perita é categórica: “Tem que ter. Obrigatoriamente, elas têm que ter acesso ao prontuário”.
Nós acompanhamos as professoras em uma nova tentativa de conseguir ver os seus prontuários médicos.
- Mas eu não posso ver hoje? Eu tenho o direito de ver na hora.
Renata Ceribelle: O que elas estão pedindo?
XXX: Vista do prontuário.
Renata Ceribelle: Por que elas não podem ver agora?
XXX: Há um rito a ser seguido aqui.
Passa um pouquinho e eles autorizam a gente a entrar. Enquanto elas são atendidas, o diretor técnico aparece e tenta impedir que a nossa câmera mostre os documentos.
Renata Ceribelle: Mas ela não tem o direito de saber o motivo na hora?
XXX: Na hora não. Tem que fazer uma solicitação para que ela adquira uma cópia e faça sua defesa.
Quando Fabiana tenta tirar uma dúvida do que está escrito no prontuário dela, ele tira o documento da mesa sem explicar.
Renata Ceribelle: Qual o motivo que ela foi considerada inapta?
XXX: Ela vai falar com o advogado dela e saber as motivações.
Enquanto isso, a outra professora, Lídia, já tinha conseguido olhar o parecer médico que a reprovou no concurso e nos mostra. Em cima do carimbo do médico está escrito: “obesidade”.
XXX: Não é discriminação.
Renata Ceribelle: É o que?
XXX: Ela está sendo considerada uma pessoa doente. Este é o ponto.
“Não vejo que obesidade seja obstáculo a ocupar um cargo publico, a menos que fosse para alguma atividade que exigisse um desempenho maior, como educação física. Fora isso, não vejo qualquer ligação entre obesidade e desempenho de uma atividade intelectual”, afirma Ives Gandra.
Mas a Secretaria de Gestão Pública informa que a obesidade não é uma informação definitiva, é só uma parte do processo da perícia.
Do lado de fora do Departamento de Perícias, Fabiana conta o que conseguiu ler antes do diretor retirar o seu prontuário da mesa: “No meu laudo, estava escrito inapta e ao lado estava escrito um ‘CID-E66’”.
CID é o Código Internacional de Doenças. E66 significa obesidade, que pode ser mórbida ou não.
“Me formei na USP, no ano de 1988, sempre morei na periferia, estudei em escola pública do estado. Foi uma batalha de vida para mim me formar, com o sonho de ser professora, e tentar ajudar essas pessoas que, como eu, moram na periferia e estudam em escola pública. Mas eu fui retida por ser obesa”, desabafa.

Fonte:http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1646177-15605,00.html

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