terça-feira, 22 de outubro de 2013

Drogas, Imperialismo e Luta de Classe

Por Ney Jansen


Resumo: 
Este artigo trata da importância da economia da droga para o capitalismo, buscando demonstrar o papel da droga como um elemento de destruição das forças produtivas, destruindo a principal: a força de trabalho. Desemprego, desindustrialização e narco-reciclagem das economias serão os fatores que contribuirão para o desenvolvimento do narcotráfico a partir da década de 1970.  O crescimento da economia especulativa leva a necessidade de controlar os gigantescos fluxos de capitais dos narco-dólares que irrigam o sistema financeiro. Este é o sentido de propostas reacionárias de defesa da legalização das drogas. Combater a produção de drogas significa combater as políticas de ajuste estrutural sob a qual o narcotráfico encontra  seu  sustento. A luta contra as drogas, do ponto de vista da luta de classe, é fundamental para todos aqueles que defendem a emancipação humana e a revolução social.

A droga não é um fenômeno marginal

Nunca houve no mundo tantas drogas. A economia da droga movimenta cerca de 300 a 500 bilhões de dólares ao ano abastecendo um mercado de aproximadamente 200 milhões de pessoas. Esse número corresponde a 5% da população mundial entre 15 e 64 anos (ONU, 2005). A economia da droga irá se desenvolver a partir do final da década de 1970, início de 1980. Mas, o que permitiu o desenvolvimento do narcotráfico e quem lucrará com esse negócio?
O comércio de drogas tornou-se um dos mercados mais rentáveis do mundo. Cerca de 90% das receitas do tráfico vão para os bancos e são lavadas no sistema financeiro internacional. Os 10% restantes são repatriados aos países produtores e, são divididos entre os traficantes. A rentabilidade da droga é estimada em cerca de 3.000% enquanto que os camponeses ficam com apenas 0,1% do volume final dos negócios (KOPP, 1998).
O Brasil, um dos principais corredores de drogas do mundo é considerado pela ONU um “mercado de expansão do tráfico” (ONU, 2004). No nordeste, na região conhecida como “polígono da maconha”, a droga tornou-se a alternativa de sobrevivência dos agricultores arruinados. Um relatório produzido por uma comissão da Câmara dos Deputados em 1997 sobre a região afirmava que:
(...) a falta de uma política agrícola que garanta assistência técnica e preços justos, além da falta de investimentos sociais, tem servido de estímulo para que pequenos produtores optem pela maconha em vez de tomate, melancia, cebola e melão, base da agricultura irrigada do São Francisco. (MENEZES, 2001)
Desemprego, drogas, criminalidade...cada vez mais jovem
Segundo a OIT[1] (Organização Internacional do Trabalho) em 2003, 88 milhões de desempregados no mundo eram jovens. Esse número correspondia a 47,3% do total de desempregados do mundo mesmo sendo os jovens (de 15 a 24 anos) apenas 25% da população mundial.
Diante desse fato o aumento das atividades criminosas aparece como a única saída. SegundoDorothea Schmitd (OIT, 2003) co-autora do relatório:
Há regiões em que você não tem trabalho, não tem alternativa. É especialmente nessas regiões que vemos, ao lado de um aumento do desemprego, um aumento das atividades ilegais.
Relatório da ONU (2005) aponta que 18% dos jovens entre 15 e 24 anos vivem com menos de US$ 1 por dia. A cifra sobe para 45% se considerarmos os jovens que vivem com menos de US$ 2 (515 milhões de jovens) por dia.
O uso de drogas é cada vez mais cedo. De acordo com o Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) em 1997, o percentual de adolescentes do país que já consumiram drogas entre 10 e 12 anos de idade é extremamente significativo: 51,2% já ingeriram bebida alcoólica; 11% usaram tabaco; 7,8% solventes; 2% ansiolíticos e 1,8% anfetamínicos (SENAD, 2003).
Em 2002 é publicado um estudo tendo por base o envolvimento de jovens no tráfico na cidade do Rio de Janeiro na qual se demonstrou um aumento no número de crimes na década de 1990 e ao mesmo tempo a redução da idade do ingresso das crianças no narcotráfico. A média de 15-16 anos nos anos 1990 caiu para 12-13 anos em 2000. Os jovens são em sua maioria pobres, negros e com baixa escolaridade (média de 6,4 anos).
Entre 1996 e 2000 foram presas e atendidas na 2ª Vara da Infância e Juventude na cidade do Rio de Janeiro, 25.488 crianças. Os crimes envolvendo drogas representaram 36% dos casos. Desse total, 23% foram por tráfico e 13% por uso (OIT, 2002).
Drogas e capitalismo vão unidos
O comércio de drogas esteve vinculado à expansão internacional do capitalismo e também à sua expansão colonial-militar. Como testemunha as guerras do ópio (1840-1860). Os portugueses, a partir do século XVI e XVII, começam a comercializar ópio que compram na Índia e introduzem na China. No século XVIII os ingleses substituem os portugueses. Em 1729 o ópio é proibido pelo governo chinês.
A Inglaterra obtinha lucros na época, da ordem de 11 milhões de dólares com o tráfico de ópio para a cidade chinesa de Lintim. Na mesma época, o volume do comércio de outros produtos era de 6 milhões de dólares (COGGIOLA, 1991). Desde 1779 o ópio era um monopólio da East Indian Company(Companhia das Índias Ocidentais). Tudo isso aconteceu com a aprovação declarada e, documentalmente registrada, do parlamento inglês.
A droga como "negócio" também era observada por MARX (1978, p 67):
A fuga constante da prata causada pelas importações de ópio, tinha começado a afetar o Tesouro público e a circulação monetária do Império do Sol. Hsu Naichi, um homem de estado chinês dos mais distintos, propôs a legalização do comércio de ópio para fazer dinheiro com isso; mas, depois de grande discussão, na qual participaram todos os altos funcionários do império e que se estendeu por um período de mais de um ano, o Governo chinês decidiu que, ‘por causa dos males que infligia ao povo, o tráfico nefasto não deveria ser legalizado’.
O governo chinês alarmado pelos efeitos do ópio bem como pelo roubo do ouro e da prata apela a Rainha Victória, que não dá ouvidos. Os chineses começam então a destruir o carregamento de ópio e a Inglaterra então declara guerra. O resultado é a invasão inglesa com derrota da China, que é obrigada a ceder Hong Kong.
O uso generalizado de drogas apenas é possível quando esta se converte em mercadoria de alta rentabilidade. A produção massiva de drogas ocorrerá apenas a partir da Revolução Industrial. A agricultura industrial voltada à produção para mercados externos dá lugar à produção massiva de drogas. De acordo com COGGIOLA (1991, p 136):
a grande transformação das economias monoprodutoras em narcoprodutoras e o grande salto do consumo dos EUA e na Europa se produziu durante os anos oitenta, quando os preços das matérias primas despencaram no mercado mundial: açúcar (-64%), café (-30%), algodão (-32%), trigo (-17%). A crise econômica mundial exerceu uma pressão formidável em favor da narco-reciclagem das economias agrárias, que redundou num aumento excepcional de oferta de narcóticos nos países industriais e no mundo todo.
Essa narco-reciclagem das economias é a expressão direta das políticas de “ajuste estrutural” impostas pelo FMI e o Banco Mundial. A privatização de diversos setores das economias em muitos países resulta na supressão de milhões de empregos. Tudo isso provoca uma transferência maciça de mão de obra para a economia dita “informal” e em particular para a produção de drogas, em países como Bolívia, Peru, Colômbia, Afeganistão. Pela sua rentabilidade, as culturas de drogas permitem compensar com vantagens a falta de ganhos registrados em outras culturas.
Em 1985 na Bolívia sobe ao poder uma coalizão de direita. De acordo com DEL ROIO (1997, p 118):
(...)...foi aplicada uma política econômica que levou os índices de desemprego a 30%. As mineiras são fechadas, as atividades produtivas paralisadas e o que restava de Estado social, desmantelado. O Fundo Monetário Internacional aconselha e pressiona para a liberalização geral. O presidente Paz Estenssoro, com o decreto DS 21.060 declara que todas as moedas cotadas podem ser depositadas nos bancos bolivianos, em qualquer quantidade e sem controle nenhum, com respeito total ao sigilo bancário em relação a sua proveniência. Os aplausos dos organismos econômicos internacionais foram generalizados. Significou o sinal verde para grandes investimentos na coca. Ela se transformou em fonte de sustento para uma boa parte dos bolivianos, mergulhados na miséria. Aconteceu que em pouco tempo no planalto de Chapare[2], o melhor terreno para a plantação, a população passou de 20 mil habitantes para 200 mil. Caso quase único de esvaziamento das cidades e retorno ao campo.
A cocaína
Testemunhos arqueológicos do consumo da folha de coca pelos indígenas nos Andes (Peru) datam de 2.500 AC. O governo Inca tinha o monopólio da coca mas a distribuía com moderação apenas para usos rituais. De acordo com SOMOZA (1990, p 18):
A coca está ligada às origens das diversas culturas andinas, fazendo parte da economia do império Inca, baseada na troca, mas também na farmacopéia, tendo sido utilizada pelos médicos indígenas na cura e prevenção de diversos males e para amenizar dores.
No entanto:
(...) após a invasão espanhola, conhecida como 'descoberta' (séculos XV-XVI), a coca passou a fazer parte da economia colonial...Os espanhóis tinham interesse na difusão do hábito de consumir coca, pois era, de um lado, meio de sustentação da população explorada e de outro, produto a ser comercializado em larga escala em todo o país.
Os espanhóis a época da colonização estimulavam o consumo e o comércio de coca. Era um grande negócio. A Igreja católica cobrava dízimos sobre a nova mercadoria. Portanto, o uso da folha de coca na sociedade colonial começa a mudar quando:
(...) o boom da coca observou-se na metade do século XVI ligado ao desenvolvimento de outras atividades que concentrou milhares de índios nas zonas ricas em minérios...Essa grande massa de trabalhadores escravos tinha que ser mantida pela estrutura estatal colonial e a coca revelou-se o produto mais econômico, devido às suas características nutritivas e vitamínicas. Então, consumida em larga escala, permitia manter os mineiros vivos com uma pequena porção de batatas e feijões, pelo menos durante o período útil de sua vida, isto é, dez a quinze anos.
O interesse pela cocaína na história recente começou pelo seu isolamento químico em 1858-60 pelo alemão Albert Newman. A folha de coca possui cerca de 250 variedades mas, apenas 2 são ricas em alcalóides, componente químico necessário para a sua transformação em cocaína. A cocaína a partir de sua purificação passou a ser utilizada apenas para fins médicos.
No final do século XIX o uso de cocaína se alastrou e, algumas bebidas como o Vinho Mariani e a Coca-Cola apresentaram concentrações razoáveis da substância por vários anos. A partir da década de 1960 a cocaína passou a ser utilizada pelas elites. A cocaína só se tornará uma droga mais “popular” na década de 1980 com a queda dos preços das matérias primas no mercado mundial e a narco-reciclagem das economias.
O ópio
Originário do Oriente médio e introduzido pelos árabes na Índia e na China, é derivado da palavra grega que significa “suco”, e é extraído do fruto da papoula podendo ser fumado, ingerido ou injetado causando exagerada dependência. Os efeitos do ópio causaram a desintegração social na China dos séculos XVIII e XIX por ocasião da introdução massiva da droga feita por portugueses e depois os ingleses, facilitando a desestruturação social, resultando na invasão da China (na chamada “guerra do ópio”).
A maconha
Conhecida a cerca de 12.000 anos. Com a planta os gregos e os chineses faziam cordas que eram utilizadas em navios. Como medicamento começou a ser usada na China há 3.000 anos no tratamento intestinal, de malária e dores reumáticas.
Defensores da legalização da maconha propagam a idéia de que a cannabis seria uma “droga leve”. No entanto ao se comparar a maconha com a nicotina, o médico Phd LARANJEIRA (2001, p 17, 18) afirmará que:
(...) o fato do usuário de maconha reter a fumaça por mais tempo nos pulmões do que o fumante de cigarro comum facilita o aparecimento e o desenvolvimento do câncer. Além disso, a maconha é fumada sem filtro e sua fumaça tem cerca de 50% mais substâncias cancerígenas, o que contribui para um risco maior de desenvolvimento de câncer. Certamente as alterações cerebrais produzidas pela maconha são mais pronunciadas do que as produzidas pela nicotina. A maconha provoca alterações significativas no eletroencefalograma e no fluxo sanguíneo cerebral. Ademais, causa alterações consideráveis de memória e de capacidade mental, além de problemas psiquiátricos que a nicotina não causa.
O uso medicinal da maconha pode servir para o tratamento de depressões, convulsões, glaucoma, náuseas, apetite, mas a substância que auxiliaria nesse papel terapêutico é o THC, justamente o componente químico que traz os efeitos psicoativos.
O álcool
Mas a droga e o capitalismo não estão unidos apenas no que diz respeito às drogas ilegais, mas também na comercialização e abuso de drogas legais. ENGELS (1986, p 122, 123) demonstrará o papel destruidor do álcool no seio da classe operária inglesa do século XIX como o único consolo e lazer, a única maneira de se suportar a dor da jornada de trabalho:
(...)...há ainda outras causas que enfraquecem a saúde de um grande número de trabalhadores. Em primeiro lugar a bebida. Todas as tentações possíveis se juntam para levar o trabalhador ao alcoolismo (...) O trabalhador...tem uma necessidade urgente de se divertir. Precisa de qualquer coisa que faça o trabalho valer a pena, que torne suportável a perspectiva do amargo dia seguinte...o seu corpo...exige imperiosamente um estimulante externo...nessas condições, a necessidade física e moral faz com que grande parte dos trabalhadores tenha necessidade de sucumbir ao alcoolismo (...) que incitam o trabalhador (...) a certeza de esquecer sua embriaguez, pelo menos por algumas horas, a miséria e o fardo da vida (...).o alcoolismo deixou de ser um vício no qual se pode responsabilizar aquele que o adquire. Torna-se um fenômeno natural, uma conseqüência necessária e inevitável de condições dadas.
Entre 1919 e 1933 vigorará a Lei Seca nos EUA na qual a comercialização de álcool será proibida. Nesse período o consumo diminuirá (35% menor), por outro lado favorecerá o comércio ilegal promovido pelas máfias -como a de Al Capone- lucrando com esse novo negócio (os preços foram multiplicados de 3 a 4 vezes). No entanto, o retorno à legalização do álcool como justificativa para se acabar com os lucros das máfias não impede que os EUA estejam entre os primeiros países de mais alto consumo de bebidas alcoólicas como prova que nem a repressão nem a legalização resolvem o problema.
A dominação colonial das grandes potências sobre os povos indígenas teve também no álcool um de seus meios de extermínio mais importantes. A destruição pelo alcoolismo foi utilizada amplamente pelos colonizadores brancos contra os indígenas na América.
A revolução de Outubro de 1917 na Rússia também teve que enfrentar o grave problema do alcoolismo. O governo bolchevique proibiu a fabricação e a distribuição de vodka. Não é causalidade que foi o governo de Stalin que reintroduziu o comércio de vodka no começo dos anos 1930, por ocasião da coletivização forçada, o extermínio da resistência dos trabalhadores e da oposição de esquerda.. Depois do fim da URSS, uma onda de drogas "ilegais" invade as republicas ex-soviéticas.
Das sociedades primitivas à sociedade capitalista
O consumo de drogas se fez presente ao longo da história. Em determinadas sociedades se tratava de um consumo local, geralmente moderado e vinculado a práticas culturais e religiosas. A utilização de drogas fora de qualquer marco cultural-religioso ocorre apenas quando a droga se converte em mercadoria. A produção massiva ocorrerá apenas a partir da Revolução Industrial (o ópio[3] se converte em morfina e heroína e a folha de coca em cocaína no final do século XIX, início do século XX).
O poder de vício das drogas aliás, vem aumentando. Traficantes misturam à cocaína outros produtos como talco, açúcar, pó de vidro, farinha, para que a droga possa ser vendida em maior quantidade e possa "render" mais. O conteúdo da substância ativa da maconha (o THC), é cada vez maior. Era de cerca de 1% na década de 1960. Hoje, é cerca de 4%. Mas na Califórnia, EUA, maior produtora de maconha do mundo a concentração é de 30%. Em países como a Holanda onde a droga é liberada a concentração de THC é superior a 20% (LARANJEIRA, 2001). Ou seja, legalizada ou não, a droga vem aumentando o seu poder viciante. Esses fatos questionam a “bandeira” dos defensores da legalização da maconha por considerá-la “droga inofensiva”.
Drogas na guerra
Durante a segunda guerra mundial a OSS (Oficina de Serviços Estratégicos) – antecessora da CIA - estabelecerá contatos com a máfia italiana. Lucky Luciano, um dos principais traficantes da época que estava na cadeia em Nova York condenado há 40 anos faz um acordo: em troca de informações de espiões nazi-fascistas em sua terra natal ele e vários mafiosos italianos seriam libertados das prisões. Depois de voltar a Itália em 1943 pelas mãos da OSS, Luciano construirá seu império através da heroína (DEL ROIO, 1993).
A segunda guerra mundial foi marcada entre outras coisas pelo uso generalizado de drogas. Soldados de Adolf Hitler eram movidos a drogas para continuarem “estimulados” no front. A droga utilizada no caso era o perventin (conhecida hoje como speed) na época chamada de “a droga-milagre” do exército alemão. As tropas alemãs foram abastecidas com milhões de comprimidos. Após ter sido lançando no mercado pela primeira vez em 1938, desenvolvido pela companhia farmacêuticaTemmler de Berlim, entre abril e julho de 1940, mais de 35 milhões de comprimidos de perventinforam enviados ao exército e à força aérea alemã.
Numa carta com data de 09/11/1939, um soldado que estava na Polônia envia correspondência aos seus pais em Colônia:
As coisas não estão para brincadeira aqui, e eu espero que vocês vão entender se eu só escrever para vocês uma vez a cada dois ou quatro dias. Hoje, eu estou lhes escrevendo principalmente para pedir-lhes para me enviar mais um pouco de perventin...; Amo vocês, Hein.
Em 20/05/1940 outra carta: 
“Será que vocês podem conseguir para mim uma maior quantidade de perventin, de modo que eu possa constituir uma reserva aqui?” E, em outra de 19/07/1940: “Sem querer lhes pedir o impossível, por favor, me enviem mais perventin”.[4]
Alguns anos mais tarde, outra guerra será marcada pelo uso generalizado de drogas: a guerra do Vietnã (1964-1975). Cerca de 30.000 soldados estadunidenses se tornaram dependentes de drogas (maconha, heroína) para que continuassem estimulados no front.
A década de 1980 foi marcada nos EUA pela pretensa “guerra às drogas”. O ex-presidente Ronald Reagan anunciou em 1986 a “cruzada contra as drogas”. Mas será que interessa para os governos representantes da burguesia combater as drogas?
A invasão no Panamá
No início do século XX, os EUA compraram o governo panamenho com 10 milhões de dólares para se construir e administrar um canal que assegurasse a passagem de um oceano a outro. Ao longo do tempo, ocorreram revoltas incentivadas por militares nacionalistas. Aparece então em cena a figura de Manoel Antônio Noriega, agente da CIA desde 1967 e chefe da polícia panamenha a partir de 1970. Em 1981 ocorre misteriosa morte do presidente Omar Torrijos.
Noriega participou de esquema clandestino organizado pela CIA de financiamento das guerrilhas de direita (os “Contras”) contra o governo sandinista da Nicarágua, operação que ficou mundialmente conhecida em 1986 como o escândalo “Irã-Contras” (compra de armas no Irã para se financiar a guerrilha para derrubada do governo e da revolução sandinista na Nicarágua). Noriega, que esteve na folha de pagamento da CIA, chegou ao poder com um discurso nacionalista. Mas era um narco-traficante.
O Cartel de Medellín, com a ajuda de Noriega, exportou para os EUA entre 1984 e 1986, 2 toneladas de cocaína e 500 toneladas de maconha. A mídia nos EUA desenvolve uma campanha contra ele. Em 15/12/89 Noriega se proclama chefe de Estado e se declara em “estado de guerra” com os EUA. Resultado: 13.000 marines invadem o Panamá e dão um golpe de Estado. O pretexto: “combate ao narcotráfico”. O verdadeiro objetivo: se controlar o canal do Panamá.
O Afeganistão
Em 1978 ocorre no Afeganistão um golpe de Estado. O novo regime iniciou uma campanha antidrogas para erradicar a produção de ópio, provocando uma revolta das tribos que a cultivavam para exportação. Os rebeldes Mujhaidines (base da futura Al Qaeda de Osama Bin Laden), apoiados pela CIA, produziam ópio. A produção passou de 250 para 800 toneladas durante o tempo em que a CIA enviava armas à guerrilha para se lutar contra os soviéticos. Após assumirem o governo, os talibãs ordenaram em julho de 2000 a destruição dos cultivos de papoulas.
A produção de drogas foi retomada depois da invasão militar dos EUA ao Afeganistão em 2001. Após a invasão, o Afeganistão superou a Colômbia e se tornou o maior produtor mundial de drogas (principalmente ópio e heroína) e, em 2003, o negócio faturou 2,3 bilhões de dólares, mais da metade do PIB do país. O Afeganistão produz atualmente 92% do ópio mundial.
O caso da Colômbia
A Colômbia produz cerca de 80% da cocaína do mundo e o narcotráfico representa 10% do PIB num país com 60% de miseráveis. Isso só foi possível pois, na década de 1980, com a queda dos preços das matérias primas no mercado mundial, os fazendeiros deixaram de produzir café para produzir cocaína. O governo colombiano passa a autorizar empréstimos externos nos quais os dólares eram trocados por pesos, possibilitando que o dinheiro do narcotráfico ampliasse a atividade econômica. Esse plano ficou conhecido como a Ventanilla Siniestra. Com a introdução desse plano, diversos governos colombianos deram anistias tributárias, por meio das quais foram incorporados e legalizados os investimentos dos narcotraficantes (UPRIMIY, 1997).
Essa verdadeira oficialização da lavagem fortaleceu o poder político dos traficantes. O mega-traficante Pablo Escobar será eleito para a Câmara dos Deputados. O ex-candidato a presidente em 1989 Luis Galán defenderá a “guerra ao narcotráfico”. É fuzilado enquanto discursava no palanque. Vários políticos, congressistas e até presidentes (como o ex Ernesto Samper e o atual Álvaro Uribe) são acusados de terem pertencido e serem financiados pelos Cartéis. Militares colombianos e norte-americanos, membros da embaixada dos EUA, estão envolvidos com o narcotráfico. Em virtude do poder do narcotráfico nas estruturas estatais a Colômbia é considerada um “Narco-Estado”.
Os EUA e a União Européia investem bilhões de dólares com o chamado “Plano Colômbia”. No entanto, com relação à suposta proposta de erradicação do tráfico, as áreas de cultivos de coca variavam de 40.000 a 50.000 hectares entre 1986-1996 e, após o Plano Colômbia, aumentaram drasticamente atingindo o máximo histórico de 169.800 hectares (em 2001). O exército colombiano utiliza desfoliantes químicos que afetam a saúde humana, contaminam as águas e os animais, arruinando os camponeses que vivem do cultivo da droga (ao invés de fomentar uma efetiva política de substituição de cultivos).
O Plano Colômbia representa uma ameaça a soberania dos países da América latina com a justificativa para intervenções políticas e militares. O exemplo é a base militar de Manta no Equador, onde desde 1999 a CIA assessora o exército colombiano. O Plano Colômbia também visa atacar as guerrilhas de esquerda que surgiram com base nos movimentos por reforma agrária. Do ponto de vista geopolítico, os EUA procuram manter sua dominação no norte da América do sul (região do canal do Panamá e de produção e fornecimento de petróleo).
Através do aparato militar estadunidense instalado no continente se instituem mega-projetos financiados pelo Banco Mundial de constituição de hidroelétricas, petrolíferas e empresas de mineração para se apossar dos recursos naturais da Colômbia e de demais países da América latina.
O surgimento do crack
Na década de 1980 jovens do bairro pobre de South Central de Los Angeles, Califórnia, foram devastados pelo crack. Em 18/08/1996 o jornal local San José Mercury News, publicou uma série de artigos sobre como a droga se apoderou daquele território.
O que esteve por trás de tudo: o escândalo Irã-Contras e as ligações entre a CIA, DEA (Departamento Anti-Drogas) e os cartéis colombianos, protegendo a entrada de drogas nos EUA para financiar os “Contras” na Nicarágua A citação é longa mas merece ser reproduzida por extenso:
Os que possuem boa memória se recordarão do processo contra o coronel Oliver North, que terminou com sua condenação. Os autos desse processo demonstraram com nomes e fatos que por vários anos a CIA e a DEA estiveram em contato com os chamados cartéis colombianos, protegendo, a entrada de drogas nos Estados Unidos. Tal operação servia para encontrar fundos ilegais para financiar as forças opositoras ao governo sandinista da Nicarágua. Lembremos também que esses fatos foram provados por uma comissão no Senado, presidida pelo já citado, senador John Kerry.
É neste clima que Danilo Brandon, pertencente a uma das famílias mais ricas da Nicarágua e expoente do partido anti-sandinista Fuerza Democrática, entra em contato com Ivan Meneses, pequeno criminoso, já fichado pela polícia norte-americana. Juntos encontraram em Honduras um tal coronel Bermudez, regularmente pago pela CIA, que lhes propõe traficar a cocaína da Colômbia para o interior dos EUA para conseguir fundos. Entram em contato com o chamado cartel de Cáli e tentam entrar no mercado de Beverly Hills, famoso bairro onde se concentram os ricos de Hollywood. Porém os canais já estão ocupados. Experimentam então com as zonas mais pobres de Los Angeles, mas a cocaína custa muito caro para os bolsos dos jovens e o preço de mercado não deve ser rebaixado porque entrariam em conflito com outras quadrilhas.
Os valentes `combatentes pela liberdade` encontram-se num impasse, até que uma inovação tecnológica vem resolver seus problemas. Através dos cristais que restam da fabricação da cocaína, é possível fabricar uma droga muito mais barata e mortal, adequada aos pobres, que será chamada de crack. Eis que os guetos negros de Los Angeles, onde o desemprego juvenil chega a 45%, pode ser inundado com o novo produto. Por cinco anos de 1982 a 1987, os contras nicaragüenses, com a cobertura de organismos oficiais, despeja 100 quilos de cristais de coca semanais sobre South Central. Os lucros são lavados em Miami e partem para a América Central para alimentar a subversão contra o governo de Manágua.
Ao tomar conhecimento desses fatos, a comunidade negra justamente se rebela e exige a abertura de um processo que lance luz sobre os episódios e condene os culpados. A reação da administração Clinton é hesitante, e faz-se de tudo para sepultar o episódio. O jornal conservador Washington Post, mesmo reconhecendo que a CIA conhecia pelo menos parte das atividades dos traficantes e que não fez nada para bloqueá-los, tenta desmoralizar os artigos publicados pelo San José Mercury News, dizendo que a quantidade de cristais de coca que entraram em Los Angeles por mãos dos contras nicaragüenses não foram 27.000 quilos mas apenas 5.000!!!
Mesmo aceitando a cifra menor acenada pelo Washington Post, isso significa algo como 10 milhões de doses. Além do quê, a partir dessa atividade criminosa exercida contra os negros de Los Angeles, o crack espalhou-se pelas metrópoles dos Estados Unidos e de vários países latino-americanos. Esta é uma história para recordarmos quando vemos nas ruas de São Paulo as nossas crianças agonizando ou cometendo crimes porque viciadas em crack. Agora sabemos quem são os primeiros responsáveis, que elaboraram suas perversidades e decretaram que tantas crianças não deveriam possuir sonhos e nem futuro (DEL ROIO, 1997, p 120, 121, 122).
Drogas contra o movimento operário e popular
O surgimento do crack na década de 1980 além de evidenciar o papel criminoso do governo estadunidense, tem por antecedência o papel político que as drogas desempenharam nos EUA nas décadas de 1960 e 70. É nesse período que surge em 1966 o Partido dos Panteras Negras, organização - com ideais socialistas - da classe operária e da juventude negra dos EUA que no seu “programa dos 10 pontos” afirmava:
Acreditamos que o governo racista e fascista dos Estados Unidos usa de suas agências de lei domésticas para a execução do seu programa de opressão contra o povo negro, contra outras pessoas de outras etnias e contra as pessoas pobres nos Estados Unidos. Acreditamos ser do nosso direito, portanto, defender-mos a nós mesmos contra tais forças armadas, e de que todas as pessoas negras e oprimidas estejam armadas para a autodefesa dos nossos lares e comunidades contra estas forças policiais fascistas[5].
Defender a auto-organização política e militar do povo negro na luta contra a opressão social e racista do governo e da polícia tornou-se intolerável e uma preocupação para a burguesia e seu governo. Além de destruir as sedes, prender e assassinar os militantes Panteras Negras, a CIA e o FBI passarão em associação com narcotraficantes da América latina a despejar toneladas de cocaína, maconha, heroína, nos bairros negros visando a desarticulação política, levando à dissolução do Partido.
ABU-JAMAL (2001, p 96, 97, 98) ex-militante dos Panteras Negras, comentará o papel do crack nas comunidades negras nos EUA:
Um espectro assombra as comunidades negras da América. Como vampiro, suga a alma das vidas negras, não deixando nada senão esqueletos que se movem fisicamente mas que estão afetiva e espiritualmente mortos. Não é o efeito de um ataque do Conde Drácula nem de uma praga lançada por algum feiticeiro sinistro. É o resultado direto da rapinagem planetária, das manipulações dos governos e da eterna aspiração dos pobres a fugir, aliviar-se, ainda que brevemente, dos paralisantes grilhões da miséria extrema.
A sua procura de alívio se soletra C-R-A-C-K. Crack. Pedra. Chame como quiser, pouco importa; ele é na verdade, uma outra palavra para “morte” nas comunidades afro-americanas (...) A história recente, aquela dos anos 60, anos de protesto e mobilização, conheceu, igualmente, um súbito aumento no consumo de drogas nos bairros negros: pílulas variadas, maconha, heroína...A oposição radical da época já desconfiava que a mão maldita do Grande Irmão tinha aberto as comportas das drogas para sufocar a chama revolucionária negra de resistência urbana (...) A época é sinistra para os africanos nos Estados Unidos. Nós sobreviveremos a esse flagelo?
A lavagem do dinheiro e os paraísos fiscais
Um dos mecanismos fundamentais para a sustentação da economia da droga é o sigilo bancário, um empecilho à investigação do dinheiro sujo, que só pode ser quebrado por autorização judicial. O sigilo bancário, baseado no sagrado “direito de propriedade” do capitalismo, é um dos trunfos do narcotráfico e do sistema financeiro mundial, que absorve os lucros do crime sem perguntar pela origem.
Os “paraísos fiscais” são, como o próprio nome diz, o paraíso do capital financeiro, onde não se pagam impostos e onde há um rigoroso sigilo bancário. Estima-se hoje em 40, os paraísos fiscais no mundo onde se lavam os narco-dólares.
Lavar dinheiro significa reincorporar ao sistema financeiro os valores obtidos ilegalmente. Existem diversas formas. Uma delas é transferir o dinheiro dos paraísos fiscais para diversas outras contas ou fazer transações abaixo de 10 mil dólares (limite exigido para prestação de informações da Lei do sigilo bancário nos EUA). Ou então, através da venda de cartelas dos bingos ou da venda supervalorizada de jogadores de futebol.
O capitalismo nunca foi tão propício a aplicações, transferências e especulações beneficiadas pelas inovações tecnológicas e pelas “operações em rede”[6] do sistema bancário e financeiro. Segundo a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) estima-se que seja lavado até 1,5 trilhão de dólares por ano no mundo.
No Brasil, de acordo com o Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), apenas 34 dos 50 maiores bancos informaram ao governo brasileiro sobre contas suspeitas entre 1998 e 2002. A expansão do mercado ilegal de dólares (contrabando, narcotráfico) desenvolveu esquemas para remessas ilegais de divisas para o exterior. É o caso das famigeradas contas CC-5 (Carta Circular n° 5, do Banco Central de 1969), destinadas à pessoas físicas ou jurídicas que residem no exterior mas que movimentam dinheiro nas contas nacionais. Essas contas são o verdadeiro esgoto pelo qual passam o dinheiro sujo provenientes de atividades ilegais para o exterior e que é lavado e reinvestido na economia “legal”.
Mundialização do capital e economia da droga
A superprodução de capital gera o crescimento da economia especulativa. A economia especulativa, da qual os narco-dólares são um dos principais componentes passou a parasitar a economia “real” sob a base da superexploração da força de trabalho.
A “crise da dívida” na década de 1980 levará às políticas de "ajuste estrutural" impostas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). A partir do período de domínio das transações financeiras a economia mundial entrou num processo de estagnação. De acordo com GLUCKSTEIN (1994, p 28, 29):
A explosão do desemprego no mundo demonstra que os enormes lucros saídos da especulação são obtidos ao custo de uma desindustrialização generalizada que arrasta a destruição estrutural dos empregos... Desindustrialização e especulação avançam a par: fusão, resgate de empresas, criação de instrumentos financeiros cada vez mais numerosos, ‘junk-bonds’, especulação imobiliária, comércio da droga, delitos de iniciados...Todos os especialistas estão de acordo que somente uma fração mínima dessas transações (da ordem de 1 a 2%, segundo avaliações) está relacionada com alguma atividade produtora de riqueza. Quanto à parte restante (98 ou 99%), trata-se de transações unicamente destinadas a tirar partido da menor variação do valor dinheiro para extrair uma fração suplementar da mais-valia através da especulação.
No bojo do processo de mundialização do capital e de liberalização (livre-comércio), o lucro passou a se realizar de maneira ampla no terreno da especulação financeira. IDEM (p 30, 31):
Lucros excepcionais nas Bolsas sobre um pano de fundo de profunda recessão econômica. Nunca, desde que o capitalismo existe, houve tamanha disparidade entre lucros realizados com base na especulação e na finança e o desmoronamento da realidade econômica...É esta a fonte de todo o caos, de todas as explosões.
Esse processo de estagnação econômica favorecerá o desenvolvimento da economia da droga tendo por base a desindustrialização, o desemprego e a devastação das economias agrárias locais. Além disso, como os petrodólares que passaram a irrigar o capital financeiro, a droga (narco-dólares) também irá contribuir com o processo de valorização do capital, irrigando também o sistema financeiro.
Segundo GLUCKSTEIN (1994, p 40):
No plano financeiro, o mercado do petróleo e o da droga tem algumas semelhanças. Uma e outra destas mercadorias tem preços que possuem uma relação muito longínqua com o seu custo de produção...Mas a comparação para por aí. Se os petrodólares permitiram criar a dívida dos países dominados, os narcodólares vieram substituí-los para assegurar uma parte do pagamento dessa dívida. E, sobretudo, não se fala das mesmas massas de dinheiro...se a relação entre o preço de produção do petróleo e o seu preço de venda no varejo é de 1 para 40, os cálculos efetuados pela Agência americana da luta antidroga (DEA) apontam para uma relação de 1 para 200, para a cocaína, e 1 para 2000 para a heroína.
O capitalismo mafioso é produto do crescimento desenfreado do capital financeiro cuja avidez de ganância tem levado a transbordar todas as barreiras legais e morais. Sua evolução vem associada a desregulação dos fluxos de capitais, à privatização do Estado e a ruptura das formas tradicionais de funcionamento e acumulação nas empresas. Pode-se muito bem dizer que a expansão mafiosa dos anos 70, 80, 90, constitui um fato decisivo do processo de mundialização do capital.
Legalizar as drogas?
Um dos argumentos a favor da legalização é que “não se pode destruir o comércio de drogas” pois para o camponês o preço do acre da folha de coca é muito superior ao do milho por exemplo (ARBEX, 1997).  Mas, qual o  significado desse argumento?
Na Bolívia, a plantação da coca é legal desde que utilizada em locais de cultivos tradicionais e medicinais, em rituais religiosos, pelas culturas indígenas. Mas, até o final da década de 1990, apenas 10% da folha de coca produzida era utilizada de forma tradicional, enquanto que 90% constituía o “excedente” destinado à fabricação de cocaína (URQUIDI, 2002, p 205). Na cadeia do narcotráfico é reservada ao cocalero a menor parte dos lucros gerados pelo comércio da droga o que, no entanto, não faz o camponês se libertar da situação de pobreza em que vive. Fato esse que o IDH[7] (Índice de Desenvolvimento Humano) do Planalto do Chapare está abaixo da média da região de Cochabamba.
O fato da folha de coca representar para o camponês boliviano ou peruano a única saída de sobrevivência é fruto da narco-reciclagem da economia, da destruição e privatização de parte do parque industrial boliviano.
Uma das formas de se combater as drogas significaria defender junto aos camponeses uma política de substituição de cultivos. Defender a legalização das drogas com base no critério do preço rentável da folha de coca significa ser conivente com o narcotráfico.
Legalizada, a droga entrará na lógica do “livre-mercado”?
Com a droga legalizada o seu consumo explodirá, pois seu status de “proibido” será derrubado atraindo muito mais gente para o consumo. 
Sob o capitalismo a droga é uma mercadoria, o tráfico se organiza como uma empresa que objetiva o lucro. As máfias não deixarão de comercializar drogas. A legalização do álcool não impede o contrabando de whisky por exemplo. Assim como a legalização do álcool ou tabaco não impede que milhões morram de cirrose ou câncer de pulmão.
No tráfico de drogas não existe um “livre-mercado”.
No caso da coca o “livre-mercado” compreende no máximo as fases de transformação da matéria-prima. Por outro lado, a distribuição e a venda são comandadas por um número reduzido de grupos hierarquizados que controlam a fase mais rentável: a transformação da pasta-base em cocaína. (KOPP, 1998).
A Califórnia, maior região produtora de maconha do mundo, é comandada pelos latifundiários da droga. O mesmo vale para os latifundiários de maconha no nordeste brasileiro.
Legalizado, o comércio de drogas continuará oligopolizado, além da oferta de drogas aumentar, gerando lucros da mesma maneira para os narco-capitalistas.
Milton Friedman, economista, defensor do imperialismo diz “sou a favor da legalização de todas as drogas, não apenas da maconha” [8].
Friedman encabeça um abaixo-assinado junto com outros 500 economistas estadunidenses pela legalização da maconha apoiados pela ONG Marijuana Policy Project[9]. O que está em jogo para esses capitalistas é botar as mãos nesse rentável negócio que destrói a força de trabalho.
Segundo o estudo bancado por essa ONG “o governo deixaria de gastar bilhões em policiamento e arrecadaria bilhões de impostos”. Mas, esse mesmo estudo[10] afirma que com a legalização, lucrariam os latifundiários do agronegócio e empresas de bebidas alcoólicas. Não haveria nenhumboom de plantadores domésticos (ao contrário de diversos defensores da legalização que utilizam o slogan “não compre, plante”[11]). O comércio da droga como qualquer empresa capitalista estará nas mãos dos oligopólios. E o consumo obviamente aumentará.
Não é a toa que vários capitalistas já estão a espera da legalização para poder lucrar com isso. É o caso do mega-especulador George Soros que criou a ONG Lindesmith Center pela legalização das drogas.
O próprio estudo da ONG Marijuana Policy Project já cita os nomes das empresas que lucrarão com o novo negócio: os agronegócios Areher Daniels Midland e ConAgraFoods e as empresas de bebidasConstellation Brands e Allied Domecq.
Esse novo negócio interessa tanto a vários capitalistas que, no Canadá por exemplo, a maconha já rende mais do que o trigo girando cerca de 8,5 bilhões de dólares (cerca de 2.400 toneladas). Esse valor é três vezes o valor gerado pelo trigo canadense.
Muitos intelectuais e juristas para justificar a legalização das drogas afirmam que “a proibição gera o super lucro”. Como se o problema fosse o “super lucro” ou, como se legalizado, os lucros do narcotráfico diminuiriam...
Esse tipo de afirmação se baseia na crença de que as máfias das drogas sumiriam com a legalização. Como se fosse possível “humanizar” o narcotráfico, transformando o traficante em um “empreendedor”.
Ao se defender a legalização das drogas, na prática, trata-se de defender os interesses de vários setores da burguesia que querem lucrar com esse novo negócio. É a defesa de uma política reacionária.
Redução de danos e descriminalização?
Defensores da legalização total ou de sua vertente, a descriminalização[12], (o tráfico é proibido mas o seu consumo liberado)  argumentam que com a droga liberada o seu uso seria “controlado”, a droga seria de “melhor qualidade”. Mas, em países na qual a maconha é liberada (Holanda) a concentração de THC é superior a 20% comparada a média que é de 4% (LARANJEIRA, 2001, p 10). Ou seja, aumentando o seu poder viciante.
O governo Lula aprovou uma nova Lei sobre drogas (11.343/06) na qual o porte de droga continua caracterizado como crime, mas prevê que os usuários e dependentes não estejam mais sujeitos a prisão. O usuário será apenas advertido, prestará serviços à comunidade, etc.
As propostas de descriminalização são uma armadilha pois um traficante facilmente poderá transportar pequenas quantidades de droga sob alegação de “uso pessoal”. Aliás, burlar a lei é o que fazem os traficantes, no mercado financeiro com transações abaixo de 10 mil dólares ou nas estratégias de defesa dos advogados do narcotráfico.
Uma das experiências de descriminalização das drogas foi a instituição de zonas livres para o consumo de drogas em praças ou então a criação de “narco-salas”. Essa política tem o nome de “redução de danos”. Como o próprio nome diz não se trata de se eliminar as drogas mas, reduzir seus danos de uma maneira “controlada”.
Uma dessas experiências foi a da praça Platzpitz em Zurique, Suíça, no início da década de 1990. Pensava-se que liberando as drogas podia se controlar seu uso. O que ocorreu foi o aumento da criminalidade e a disseminação do vírus da Aids entre os freqüentadores. A área foi fechada em 1995.
Evidentemente distinguimos o traficante e o usuário. O usuário deve se submeter a um tratamento compulsório com todos os recursos disponíveis pelo Estado.
No entanto, instituir narco-salas ou zonas livres significa partir do pressuposto que os dependentes continuarão a se drogar, devendo então apenas se “reduzir os danos”.
A utilização de drogas acarreta uma doença crônica em que a recaída é a regra. Por isso, permitir a utilização de drogas “sob controle” através de narco-salas é absurdo. O uso contínuo de drogas acarreta doenças cerebrais e psíquicas, agravadas pelo caráter viciante do produto, comprovado cientificamente (LARANJEIRA, 2001).
Tratar realmente o usuário significa o governo bancar uma ampla rede pública com centros de tratamento com profissionais bem treinados. Os governos devem efetivamente combater pela eliminação do consumo e não destinar parcos recursos que não fazem outra coisa que manter os toxicômanos se drogando sem reabilitá-los, apenas “reduzindo danos”.
Conclusões
A economia da droga é parasitária, não contribui para melhorar as condições de vida das populações e arruína o componente decisivo das forças produtivas: o trabalhador. A economia da droga é uma força destrutiva pois destrói a força de trabalho se alimentando do desemprego, da desindustrialização, e da narco-reciclagem das economias agrárias.
Combater a produção de drogas exigiria que fossem completamente questionadas as políticas de “ajuste estrutural” sob a qual o tráfico encontra seu sustento (privatizações, demissões, sub-emprego). A luta contra a lavagem exigiria um ataque a todo o sistema mundial de circulação de capitais.
Portanto, não é a toa que, de acordo com GLUCKSTEIN (1994, p 41):
(...) se o dinheiro da droga fosse suprimido, seria um setor inteiro das fontes da atividade especulativa que desapareceria, o qual estima-se, tem uma progressão de cerca de 2 trilhões de dólares por ano, desde o início da década de 80. Pode-se mesmo dizer que, na falta de uma política de conjunto de erradicação da economia da droga, o imperialismo está empenhado numa via que é a do controle sobre os fluxos de capitais resultantes do tráfico de droga. A tal ponto que existem cada vez mais vozes a defenderem a legalização pura e simples do narcotráfico.
Todos aqueles que defendem a emancipação política e social da classe trabalhadora devem abordar o problema da droga do ponto de vista da luta de classe para defendermos os direitos e a própria existência dos trabalhadores e de suas organizações o que inclui a defesa da própria saúde. A droga não é apenas contra-revolucionária. A droga é uma forma privilegiada de ataque contra a classe operária e em especial contra a juventude operária.
Uma plataforma mínima contra as drogas significaria: fazer a reforma agrária nas terras em que se produz droga e incentivar a política de substituição de cultivos; confiscar todo o dinheiro e as propriedades oriundas do tráfico e da lavagem; acabar com o sigilo bancário e centralizar o crédito nas mãos do Estado (nacionalização dos bancos); defender um tratamento público, eficaz e humanitário aos dependentes de drogas com recursos suficientes bancados integralmente pelo Estado; por fim, uma política que gerasse emprego para todos, começando pela redução da jornada sem redução de salário.
O fim da droga não ocorrerá pelo capitalismo. Somente a expropriação do capital, a liquidação do Estado burguês, a liquidação da exploração, ou seja, somente com a revolução proletária, o problema da droga poderá ser cortado pela raiz.
 
Referências bibliográficas:
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KOPP, Pierre. A economia da droga. Bauru: Edusc. 1998.
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MENEZES, Josélia. Guerra à maconha tem seus primeiros resultados. Cadernos do Terceiro Mundo, n° 232, 2001.
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