domingo, 13 de agosto de 2017

Processo contra Samarco suspenso: “Que justiça é essa? Eles não levam em conta o caos que se tornou a vida de milhares de pessoas”, diz jovem atingida



Revolta e tristeza. A jovem Mirella Sant´Ana, 19 anos, resumiu com essas duas palavras sua reação ao saber da decisão da Justiça Federal de Ponte Nova (MG), na último dia 7, que suspendeu a ação criminal contra a Vale, Samarco, BHP Billiton e VogBR, acusadas pelo rompimento da barragem de Fundão e morte de 19 pessoas, em 2015. A família de Mirella é uma das centenas atingidas, que perdeu tudo, teve de se mudar e hoje vive na cidade de Mariana (MG).

A jovem ficou sabendo um dia depois da decisão do juiz federal Jacques de Queiroz Ferreira, que suspendeu a ação contra as empresas e 22 diretores e funcionários. O juiz acolheu o pedido da defesa, que alegou que teriam sido usadas “provas ilícitas” no processo, uma vez que a quebra do sigilo telefônico dos acusados teria ultrapassado o período autorizado pela Justiça.



Dois anos depois, impunidade, dificuldades e preconceito
Mirella morava em Ponte do Gama, um pequeno distrito rural da região, que abrigava cerca de 50 pessoas, próximo a Bento Rodrigues e Paracatu. Contou que naquele dia 5 de novembro estava na escola quando chegou a notícia do rompimento da barragem. “Eu nem sabia de que existia aquilo próximo de onde morávamos e muito menos o que era uma barragem de rejeitos de minério de ferro. Só sabíamos da Samarco. O marido de uma vizinha trabalhava lá, o que era até motivo de status trabalhar numa grande mineradora”, contou.
“Eu estava na escola. Fazia o ensino médio. Quando chegou a notícia, a ficha não caiu do que significava ou que podia chegar na nossa casa. Minha família também não tinha noção. Mas quando ficamos sabendo do que realmente acontecia, bateu o desespero. Pensei que toda minha família tinha morrido. As aulas foram até suspensas”, relembra. “Meus pais quando souberam do acidente não imaginavam que poderia chegar lá, pois nossa casa era longe do rio. Quando perceberam já era tarde. Saíram de casa com a lama na altura do peito”, continuou Mirella.


Conforme vai relembrado daqueles dias, Mirella desabafa novamente: “Que Justiça é essa? Pra que e para quem? Li as matérias e fiquei triste com a alegação aceita pelo juiz. Eles não levam em conta o caos que se tornou a vida de milhares de pessoas. Foi muito difícil tudo o que aconteceu e ainda é”, disse.

Mirella falou sobre como a vida mudou. “Nossa vida é totalmente diferente hoje. Não temos mais o contato com as mesmas pessoas, a natureza e o lugar. Acho a vida na cidade muito estressante. Não estava preparada para cair numa cidade do tamanho de Mariana. Sempre moramos na roça. Meus pais não conseguem trabalho na cidade pela baixa formação. Só agora, depois de dois anos, meu pai conseguiu um emprego numa roça próxima daqui. Fica lá durante toda a semana e só vem no final de semana para ficar com a família. Meu irmão não volta mais na roça. Quando foi, chorou muito e não saia do colo da minha mãe”, contou.

A jovem destacou também o preconceito. “A gente também sente represália de uma parte da população. Acho que por desconhecimento ou por causa do desemprego causado pela parada da mineradora. Meu irmão teve de trocar de escola por causa de discriminação. Muitos apoiam, mas outros apontam o dedo para os atingidos e dizem que a Samarco faz um favor para gente. A Samarco não faz nenhum favor pra gente e isso é o mais dificil de fazer as pessoas entenderem”, conta Mirella.

“Na roça, minha mãe e meu pai trabalhavam. Quando viemos pra Mariana, a empresa disse que o chefe da família teria direito a um cartão no valor de um salário mínimo, mais 20% pra cada dependente e cerca de 300 reais pra cesta básica. Mas o custo de vida em Mariana é muito mais alto do que na roça. Só com muita luta, conseguimos garantir que minha mãe também tivesse o mesmo direito e a incluíram no cartão do pai”, relata. “A história de outros atingidos para terem seus direitos, desde serem reconhecidos como atingidos e ter acesso a essas pequenas formas de reparação também é de dificuldades”, completou.

“Sinceramente eu não sei se a empresa vai pagar pelo que fez. Bate uma angústia saber que o sistema em que a gente vive permite que essas empresas saiam impunes de muitos crimes. De todas as multas, a Samarco só pagou uma até hoje”, falou.

“A luta para conseguir nossos direitos é grande e cansativa. A Samarco, a Vale, não estão dispostas a pagar pelo que fizeram. Sempre botam empecilhos. O jogo dela é causar desunião entre os atingidos, pois eles sabem que a única forma que a gente tem de conseguir nossos direitos é se estivermos unidos”.

“Depois de uma notícia dessa bate um sentimento de não conseguir fazer nada e que vai ficar por isso. Mas a gente segue tentando, pois é a unica maneira de se resolver alguma coisa, é se a gente se unir e lutar. Essas empresas têm de pagar por tudo que causaram”, concluiu Mirella.

Para relembrar mais
O rompimento da barragem de Fundão, no dia 5 de novembro de 2015, atingiu 40 cidades em Minas Gerais e no Espírito Santo e contaminou a Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Uma onda de mais de 32 milhões de metros cúbicos de lama com rejeitos de minério de ferro invadiu e destruiu várias cidades no entorno. Oficialmente, morreram 19 pessoas, sendo que um corpo nunca foi encontrado.

Em julho deste ano, a Ação Civil Pública sobre os danos socioeconômicos e ambientais também foi suspensa até 30 de outubro, por uma decisão da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte.

O clima de impunidade também é reforçado por outras informações que vem sendo divulgadas pela imprensa. Segundo levantamento do El País, a Samarco pagou só 1% do valor de multas ambientais que recebeu. O Ibama e os governos de MG e ES aplicaram 68 multas, que totalizam 552 milhões de reais. Apenas a entrada de uma, parcelada em 59 vezes, foi paga. As demais foram alvo de recurso da empresa.


Fonte: http://cspconlutas.org.br/

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