terça-feira, 3 de agosto de 2010

Os arautos do reacionarismo

por Antonio Ozaí da Silva

Os reacionários temem mudanças, especialmente as que desafiam as suas certezas e dogmas. Se dependesse deles, as fogueiras da inquisição permaneciam a arder e a queimar os ateus, hereges e gays, que eles consideram anormais e aberrações da natureza. Conservadores até a medula, não suportam a mínima alteração no que consideram a ordem natural das coisas. Na cruzada contra o mal, isto é, contra tudo o que não se encaixe em sua tacanha concepção sobre o mundo, vêem-se como os salvadores de almas e imaginam ter o mandato divino para manter-nos no reto caminho do Senhor!

Não se contentam em se imaginarem “os eleitos”, lançam o dedo acusador contra os que ousam não compartilhar da sua cegueira. São missionários retrógrados que temem o aperfeiçoamento dos costumes e dos valores humanos. Seus corpos estão no presente, mas suas mentes são prisioneiras de um passado que urge superar. Obstinadamente, anunciam um mundo morto e mortificante. Eles são os arautos da regressão política, social, cultural e moral.

Se dependesse deles, o mundo não mudaria. Eles brandem suas espadas imaginárias e levantam suas vozes contra os que se dedicam a derrubar os muros simbólicos e reais que mantêm a segregação sexual, a opressão machista, heterossexual e homofóbica. Claro, as sociedades ainda são predominantemente machistas e resistem aos avanços feministas e dos gays, lésbicas e afins. Diferenças e valores morais e culturais introjetados por gerações, educadas por mães que consideram normal a dominação masculina e por pais homofóbicos e outros que até são transigentes em relação aos homoafetivos, desde que sua prole não seja um(a) deles(as).

As lutas das mulheres e dos homoafetivos tendem a fragilizar as muralhas que dão segurança à maioria. Assim, mesmo que as pessoas individualmente não gostem, a sociedade progride e reconhece a igualdade na diferença. Refiro-me à igualdade no plano formal e jurídico. A aprovação pelo Senado argentino do casamento entre pessoas do mesmo sexo é exemplar. É uma lei polêmica e a divergência é democrática. A sociedade argentina mobilizou-se e o debate foi intenso. O resultado apertadíssimo da votação (33 votos contra 27, com três abstenções) comprova-o. A Argentina pode orgulhar-se. Agora, está entre os dez países que adotam leis neste sentido (os outros são: Holanda, Bélgica, Espanha, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia, Portugal e Islândia).

Em tais condições, é patente e deve ser reconhecido o direito democrático dos que não aceitam o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. É importante frisar que a lei não anulará o estigma nem o preconceito. A questão é ainda mais profunda porque a polêmica extrapola o âmbito social e político e é alentada por argumentos de cunho religioso. Os arautos do reacionarismo, que se vêem como intérpretes e porta-vozes da palavra divina, escarnecem e acusam os pecadores que desafiam a Lei de Deus! E se tivessem o poder de aplicá-la? Deus nos livre desses fiéis seguidores!

Não questiono o direito de eles acreditarem em Deus. Aliás, é perda de tempo e energia discutir isto. Nunca vi nem falei com Ele, mas Ele existe na cabeça dos que acreditam. Na medida em que a maioria acredita, Ele se torna realidade – um fato social, como diria Durkheim. O problema, porém, começa quando estes crentes, cegos em sua leitura fundamentalista de um texto considerado sagrado e escrito pelo próprio Deus, arrogam-se serem intérpretes da Lei divina e intentam impô-la à sociedade e ao Estado. São teocratas disfarçados de missionários abnegados; são os arautos da intolerância que alimentam as fogueiras acesas por fanáticos de todas as espécies. Felizmente, o mundo muda… apesar deles!

Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/

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