sábado, 17 de dezembro de 2011

A teoria em evolução


Darwin Estava Errado? Não. Os indícios da evolução são inegáveis.   

 por David Quammen

Os esqueletos de pombos estudados por DarwinDarwin era um experiente dissecador e experimentador. Montou um aviário ao lado de sua casa e iniciou a criação de pombos especiais, chegando a possuir quase 90 aves. Ele comparou o esqueleto de estirpes diferentes, buscando semelhanças que indicassem a descendência de uma única espécie selvagem, a Columba livia

A evolução por meio da seleção natural, a concepção fundamental de toda a obra de Charles Darwin, é uma teoria – uma teoria sobre a origem da adaptação, complexidade e diversidade dos seres vivos na Terra. Para os mais céticos e menos familiarizados com a terminologia científica, é grande a tentação de dizer que se trata de “apenas” mais uma teoria. No mesmo sentido, a relatividade, tal como descrita por Albert Einstein, não passa de uma teoria. A noção de que a Terra gira em torno do Sol, proposta por Copérnico em 1543, também é “apenas” uma teoria. A deriva continental é outra. A existência, estrutura e dinâmica dos átomos? Teoria atômica. Até mesmo a eletricidade é uma elaboração teórica, postulando a existência dos elétrons, minúsculas unidades de massa eletricamente carregadas e jamais vistas. Todas essas teorias são explicações que foram confirmadas, até certo ponto, por meio de observações e experimentos, e que os especialistas aceitam como fatos. É isso o que os cientistas querem dizer quando propõem uma teoria: não uma especulação vaga e pouco confiável, mas uma explicação capaz de dar conta das evidências. Eles adotam tais explicações de maneira provisória – considerando-as como a melhor concepção disponível da realidade, até que surjam dados conflitantes ou melhores.
Nós, que não somos cientistas, em geral concordamos na prática com eles. Ligamos nosso aparelho de TV na tomada da parede, nosso ano é medido pelo comprimento da órbita da Terra e, de muitas outras maneiras, levamos adiante nossa vida, confiando na realidade dessas teorias.
A teoria da evolução, porém, é um pouco diferente. Afinal, é uma concepção da vida tão fantástica e abrangente que alguns a consideram inaceitável, apesar da montanha de indícios comprobatórios. Quando aplicada à nossa própria espécie, Homo sapiens, ela parece ainda mais ameaçadora. Muitos cristãos fundamentalistas e judeus ultra-ortodoxos não se conformam com a idéia de os seres humanos descenderem de primitivos primatas, em contradição com suas leituras literais do Gênesis bíblico. O desconforto tem paralelo entre os criacionistas islâmicos que consideram uma verdade literal o relato da Criação em seis dias. Para o falecido Srila Prabhupada, do movimento Hare Krishna, Deus criou “os 8,4 milhões de espécimes vivos no princípio”, a fim de oferecer múltiplos patamares para a ascensão das almas reencarnadas.
Mas há outros, além dos adeptos da leitura literal das escrituras, que ainda não se convenceram da evolução. Segundo uma pesquisa Gallup, realizada em 2001 com base em mais de mil entrevistas telefônicas, nada menos que 45% dos adultos americanos ouvidos admitiram que “Deus criou os seres humanos tal como eles são hoje em algum momento nos últimos 10 mil anos”. Para eles, a evolução não foi um fator relevante em nossa formação. Apenas 37% dos americanos consultados reconheceram a importância tanto de Deus como de Darwin – ou seja, que o mundo surgiu por iniciativa divina e depois foi modelado pela evolução. (Essa concepção, de acordo com mais de um pronunciamento papal, é compatível com os dogmas da Igreja Católica.) Uma proporção ainda menor, apenas 12%, acreditava que os seres humanos haviam evoluído de outras formas de vida, sem nenhuma intervenção divina.
O mais assombroso nos resultados dessa pesquisa não é que tantos americanos rejeitem a evolução, e sim que as opiniões mudaram pouco nas últimas duas décadas. Os entrevistadores do Instituto Gallup propuseram as mesmas perguntas em 1982, 1993, 1997 e 1999. A crença no criacionismo – ou seja, de que apenas Deus, e não a evolução, produziu os seres humanos – nunca ficou abaixo dos 44%. Quase metade dos americanos prefere acreditar que Charles Darwin estava errado na questão mais importante de sua obra.
Por que tanta gente é contrária à evolução? O respeito pelas escrituras talvez seja apenas parte da resposta. Sem dúvida, há nos Estados Unidos um grande segmento de pessoas que preferem ler de modo literal a Bíblia – mas esse segmento não é assim tão amplo, da ordem de 44%. Defensores do criacionismo e ativistas políticos empenhados em abolir o ensino da biologia evolucionista nas escolas públicas também constituem parte da explicação. Importantes também são a mera confusão e a ignorância de milhões de americanos adultos. Muita gente nunca assistiu a aulas de biologia que tratassem da evolução nem leu obras de divulgação que explicassem a teoria.
A evolução é, porém, um conceito ao mesmo tempo impecável e útil, hoje mais do que nunca crucial para o bem-estar das pessoas, para a ciência médica e para o entendimento do mundo. A evolução também é convincente – ela é uma teoria a toda prova. Seus pontos capitais são um pouco mais complexos do que em geral se imagina, mas não a ponto de ser incompreensíveis a um leitor atento. Além disso, os indícios a seu favor são abundantes, variados, cada vez mais numerosos, coerentes e facilmente acessíveis em museus, livros populares, manuais e pilhas de estudos comprovados por cientistas. Não é necessário – nem conveniente – que a teoria da evolução seja aceita apenas como uma questão de fé.
Não apenas uma, mas duas grandes idéias estão no centro dessa teoria: uma é a evolução de todas as espécies, um fenômeno histórico; a outra é a seleção natural, o principal mecanismo desse fenômeno. No primeiro caso, trata-se do que ocorreu; no segundo, do modo como isso se deu. A idéia de que todas as espécies descendem de ancestrais comuns fora sugerida por outros pensadores, entre os quais Jean-Baptiste Lamarck, muito antes de Darwin publicar A Origem das Espécies, em 1859. Mas o que tornou esse livro tão extraordinário ao ser divulgado, e tão influente a longo prazo, foi o fato de proporcionar uma explicação racional para o mecanismo da evolução. A mesma explicação ocorreu, de modo independente, a Alfred Russel Wallace, um jovem naturalista que realizava pesquisas no arquipélago malaio no final da década de 1850. Nos anais da história, ainda que não na consciência das pessoas, Wallace e Darwin partilham a honra à descoberta da seleção natural.

Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL
Ira Block
Crãnio de H. Floresensis 
Crânio de H. Floresensis
No início pensamos que fosse uma criança, talvez com 3 anos. Um exame revelou, porém, que os pequenos ossos, recém-desenterrados de uma caverna na ilha indonésia de Flores, pertenciam a um adulto plenamente amadurecido – mas com cerca de 1 metro de altura.
Será que havíamos achado um ser humano moderno cujo crescimento fora tolhido por alguma doença ou por desnutrição? Não. A ossada tinha aparência primitiva, e os outros restos mortais presentes em Liang Bua – “Caverna Fresca”, na língua local, o manggarai – indicavam que o esqueleto não era de nenhum espécime isolado. Na verdade, era típico de toda uma população de criaturas diminutas que no passado ocupou essa ilha remota. O que havíamos achado era um tipo até então desconhecido de ser humano.
De volta ao laboratório, onde analisamos os ossos e outros artefatos, a dimensão de nossa descoberta tornou-se mais clara. Esse pequeno parente dos seres humanos, a quem apelidamos de Hobbit, viveu há 18 mil anos, numa época em que o Homo sapiens – ou seja, pessoas como nós – já se dispersava por todo o planeta. Ele, no entanto, se parecia mais com uma versão reduzida de antepassados humanos 100 vezes mais antigos, encontrados na outra extremidade da Ásia.
Nós havíamos tropeçado em um mundo perdido: pigmeus sobreviventes de uma época anterior, vivendo à margem das principais correntes da pré-história humana. Quem seriam eles?
Com 300 quilômetros de comprimento e situada entre a Ásia e a Oceania, a ilha de Flores nunca esteve ligada por pontes de terra a qualquer dessas massas continentais. Mesmo nos períodos em que o nível do mar estava baixo, a navegação da Ásia até Flores, com escalas, exigia travessias oceânicas de até 24 quilômetros. Antes que os seres humanos começassem a levar animais, como porcos e cães, para a ilha, há 4 mil anos, os únicos mamíferos que lá chegaram foram os estegodontes (um antepassado dos elefantes) e roedores – os primeiros, nadando, e estes, de carona em troncos à deriva. Nenhum povo chegou a Flores até os homens modernos, dotados de inteligência suficiente para construir barcos. Pelo menos, era isso o que sustentavam os cientistas.
Nas décadas de 1950 e 1960, entretanto, o padre Theodor Verhoeven, arqueólogo amador, já encontrara sinais de presença humana anterior em Flores. Na bacia de Soa, ele achou instrumentos de pedra, junto a fósseis de estegodonte, cuja idade estima-se de 750 mil anos. Uma vez que o Homo erectus, um hominídeo arcaico, encontra-se na ilha vizinha de Java há pelo menos 1,5 milhão de anos, Verhoeven concluiu que espécimes de H. erectus haviam conseguido atravessar o mar e chegar a Flores.
Tais alegações extraordinárias não impressionaram os arqueólogos profissionais. Na década de 1990, porém, outros pesquisadores recuaram a idade dos artefatos da bacia de Soa para 840 mil anos. Verhoeven estava certo: os hominídeos haviam chegado a Flores bem antes de a ilha ser alcançada por humanos modernos. Todavia, nenhuma ossada deles jamais fora encontrada.
Foi isso o que nos levou à ilha, até Liang Bua, no planalto ocidental de Flores. Em setembro de 2003, nossa equipe de pesquisadores indonésios e australianos, auxiliados por 35 trabalhadores manggarais, já escavara 6 metros no piso da caverna. As camadas recentes eram ricas em instrumentos líticos e ossos de animais, mas ainda assim parecia difícil atingir nosso objetivo.

Pequenos homens grandes

Hominídeos da Indonésia sugerem que os humanos não estão isentos de seleção natural

por Mike Morwood
Crãnio de H. Floresensis 

No início pensamos que fosse uma criança, talvez com 3 anos. Um exame revelou, porém, que os pequenos ossos, recém-desenterrados de uma caverna na ilha indonésia de Flores, pertenciam a um adulto plenamente amadurecido – mas com cerca de 1 metro de altura.
Será que havíamos achado um ser humano moderno cujo crescimento fora tolhido por alguma doença ou por desnutrição? Não. A ossada tinha aparência primitiva, e os outros restos mortais presentes em Liang Bua – “Caverna Fresca”, na língua local, o manggarai – indicavam que o esqueleto não era de nenhum espécime isolado. Na verdade, era típico de toda uma população de criaturas diminutas que no passado ocupou essa ilha remota. O que havíamos achado era um tipo até então desconhecido de ser humano.
De volta ao laboratório, onde analisamos os ossos e outros artefatos, a dimensão de nossa descoberta tornou-se mais clara. Esse pequeno parente dos seres humanos, a quem apelidamos de Hobbit, viveu há 18 mil anos, numa época em que o Homo sapiens – ou seja, pessoas como nós – já se dispersava por todo o planeta. Ele, no entanto, se parecia mais com uma versão reduzida de antepassados humanos 100 vezes mais antigos, encontrados na outra extremidade da Ásia.
Nós havíamos tropeçado em um mundo perdido: pigmeus sobreviventes de uma época anterior, vivendo à margem das principais correntes da pré-história humana. Quem seriam eles?
Com 300 quilômetros de comprimento e situada entre a Ásia e a Oceania, a ilha de Flores nunca esteve ligada por pontes de terra a qualquer dessas massas continentais. Mesmo nos períodos em que o nível do mar estava baixo, a navegação da Ásia até Flores, com escalas, exigia travessias oceânicas de até 24 quilômetros. Antes que os seres humanos começassem a levar animais, como porcos e cães, para a ilha, há 4 mil anos, os únicos mamíferos que lá chegaram foram os estegodontes (um antepassado dos elefantes) e roedores – os primeiros, nadando, e estes, de carona em troncos à deriva. Nenhum povo chegou a Flores até os homens modernos, dotados de inteligência suficiente para construir barcos. Pelo menos, era isso o que sustentavam os cientistas.
Nas décadas de 1950 e 1960, entretanto, o padre Theodor Verhoeven, arqueólogo amador, já encontrara sinais de presença humana anterior em Flores. Na bacia de Soa, ele achou instrumentos de pedra, junto a fósseis de estegodonte, cuja idade estima-se de 750 mil anos. Uma vez que o Homo erectus, um hominídeo arcaico, encontra-se na ilha vizinha de Java há pelo menos 1,5 milhão de anos, Verhoeven concluiu que espécimes de H. erectus haviam conseguido atravessar o mar e chegar a Flores.
Tais alegações extraordinárias não impressionaram os arqueólogos profissionais. Na década de 1990, porém, outros pesquisadores recuaram a idade dos artefatos da bacia de Soa para 840 mil anos. Verhoeven estava certo: os hominídeos haviam chegado a Flores bem antes de a ilha ser alcançada por humanos modernos. Todavia, nenhuma ossada deles jamais fora encontrada.
Foi isso o que nos levou à ilha, até Liang Bua, no planalto ocidental de Flores. Em setembro de 2003, nossa equipe de pesquisadores indonésios e australianos, auxiliados por 35 trabalhadores manggarais, já escavara 6 metros no piso da caverna. As camadas recentes eram ricas em instrumentos líticos e ossos de animais, mas ainda assim parecia difícil atingir nosso objetivo.

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