sábado, 13 de fevereiro de 2016

O primeiro dia de aula de um professor: o que fazer? – Conversas com um Jovem Professor


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O primeiro dia de aula de um professor: o que fazer? – Conversas com um Jovem Professor

Escrito por Leandro Karnal em “Conversas com um jovem professor
Vai começar. Você estudou anos para isto. Preparou aquela aula. Leu e debateu autores que tratam do tema. Porém, nada no planeta pode substituir a experiência de enfrentar uma turma pela primeira vez. Uso o verbo enfrentar porque é esta a sensação: dezenas de olhos colocados sobre você. Um pouco mais de silêncio se for uma turma que não se conhece ou… muito barulho se for uma turma que se reencontra depois das férias. E, finalmente, cadernos e livros na mão, ei-lo entrando para o local privilegiado da sua profissão: a sala de aula.
A faculdade antecipa pouco essa experiência real. Onde eu enfio Piaget e Vigotsky quando vou fazer a chamada? Dúvidas banais substituem os grandes temas da psicopedagogia: coloco “P” ou “ponto” para a presença? E aqueles trabalhos imensos sobre a produção do conhecimento numa sociedade dependente periférica capitalista? Agora só ocorrem perguntas triviais e pouco nobres: é permitido rasurar o diário? Será que eu posso autorizar a ida ao banheiro daquele aluno que está de pé desde que eu entrei?
Na verdade, o banho realístico veio antes da sua solene entrada na turma. Começou na sala dos professores. Colegas deram conselhos práticos: “Não mostre os dentes no primeiro dia”. Para quem não está acostumado a essa linguagem, significa não sorrir de imediato para não perder o controle da sala. Os mais experientes soltaram risadinhas: “Você vai ver aquela sétima B”! A advertência é quase uma praga ou, talvez, um desejo velado de que você fracasse. Disseram-me há uns 30 anos: “Deus inventou o conhecimento e o diabo, invejoso, criou o colega…”. Na época, muito jovem, eu achava a frase amarga.
Aqui, um conselho prático: antes de entrar em sala, ouça os colegas, desde os muito interessantes até os indiferentes. Alguns querem ajudar. Outros não toleram sua juventude ou entusiasmo. Ouça a todos. Porém, nunca se esqueça: a fala do colega diz respeito, exclusivamente, à experiência dele e não à sua. O aluno-problema dele talvez seja apenas dele e a turma fácil talvez não flua tão bem com você.
Ouça sempre. A experiência tem valor, mas esteja atento a essa verdade pétrea que vale até para este livro: bons conselhos podem ser úteis, mas seu caminho será construído exclusivamente por você.
Passados quase 30 anos do primeiro momento que dei aula na vida, o impacto de entrar numa nova sala, com alunos novos, no primeiro dia de aula ainda me dá medo. Não é mais o medo de antes. Comecei a dar aulas no ensino fundamental e médio antes de me formar. Eu tinha pavor que meus alunos descobrissem que eu ainda não tinha diploma. Um pouco mais tarde, aos 23 anos, comecei a dar aulas na universidade e me vestia de forma a parecer mais velho. Eu tinha um dos medos mais ancestrais de um professor: perder o controle de uma turma. Definitivamente, o medo de parecer jovem demais desapareceu e foi quase substituído pelo receio oposto. Aqueles medos sumiram. Mas o friozinho na barriga continua. Continua o incômodo de não saber os nomes no começo. Estabelecer uma relação semanal com 30, 40, 50 jovens pensando neles apenas como: o de vermelho, a menina de saia, o cabeludo (ou coisas até um pouco pejorativas…). Pior: se eu tiver 10 turmas de 50 (número comum), terei 500 seres humanos para saber o nome a cada ano, e ainda devo considerar que novos entram como se fosse uma cistite permanente pingando no meu diário.
Aqui, nossa função tem vantagens sobre outras. Uma primeira aula ruim tem efeitos menos visíveis do que uma primeira cirurgia ruim ou uma primeira ponte mal projetada. Porém, o sutil da função de professor é que a primeira cirurgia ruim ou pontes ruins podem ter relação com… aulas ruins. Quando pego um aluno em pleno doutorado que ainda não domina regras básicas do uso da crase, penso: há uns 10 ou 15 anos um professor errou e eu noto isso só agora.
Regressemos para a aula. Vamos imaginar uma aula típica, de uns 40 a 50 minutos. Você entra e aquela dúvida volta: devo ser simpático ou seco? Sorrir ou mostrar cara de autoridade séria? Meu irmão psicólogo usa uma metáfora que aprecio: a relação profissional guarda semelhanças com o salva-vidas. Se ele se aproxima muito do afogado e o abraça fraternalmente, ambos afundam. Se ele fica muito distante, a vítima cumpre sua sina de afogar-se sem ajuda. É inútil fingir uma dureza que você não tem ou que nem quer ter. É perigoso usar de muita intimidade. A aula é um momento profissional e você não é amigo dos alunos. Amizade implica isonomia, igualdade, algo inexistente na sala de aula. Pelo mesmo motivo que você não é amigo, você não é o inimigo, pois amizade e inimizade implicam relações pessoais, frequentemente íntimas. Repita para si sempre: sou o professor (porque, em muitas ocasiões, alunos, direção e pais tentarão convencê-lo de outras coisas).
Já demos o primeiro passo. No início, talvez seja importante pensar nesse equilíbrio entre a familiaridade e a distância. Com o tempo, isso deveria tornar-se mais natural. Há variantes também de cultura para cultura e de escola para escola. É mais fácil ser próximo quando o aluno é adulto numa universidade e escolheu aquele curso.
Mas… devo ser sincero. Não é fácil começar. É como aprender a andar de bicicleta: há um momento que tiram as rodinhas auxiliares ou a pessoa que nos apoiava desaparece e estamos sozinhos. É o medo do goleiro na hora do pênalti. É o medo de todo profissional: estou diante do que quero, mas não tenho certeza de como fazer o que quero. Ansiedade natural e universal, mas intensa.
Chegou o dia: a aula começou e seus alunos sabem por instinto, como feras selvagens, se a pessoa a sua frente está segura ou não, farão uso disso. Distancie-se um pouco e deixe diminuir a importância da situação. Aquela aula não decidirá o destino do universo e, com sorte, a cada semana ela será um pouco melhor ou mais segura ao menos. Enfrente. Não tem jeito. A vítima inicial será seu orgulho, mas o mundo prosseguirá. Respire fundo e entre. É como injeção: a espera pela picada da agulha costuma causar mais angústia do que a espetada em si.

A aula

Do ponto de vista prático, uma boa aula é um cruzamento de quatro linhas de força. A primeira diz respeito a você. A segunda é o conteúdo em si. A terceira está nas condições externas (ambiente, barulho externo, iluminação, calor, conforto da sala etc.). A quarta e mais importante diz respeito aos alunos.

Primeira linha: você

Digamos o óbvio: você é, como todo ser humano, um elemento variável. Há dias bons e ruins. Há biorritmos: tenho colegas que adoram dar aula à noite e eu amo sempre dar aula no primeiro momento da manhã. Há problemas pessoais que interferem na sua atuação profissional. Com o tempo, você perceberá que há infecções específicas do magistério, como a “outubrite”, mal que acomete educadores quando o ano está no fim. Não tem jeito. Não somos robôs. Tenha sempre presente: você varia muito e seu aluno ainda mais. Entenda um pouco esse ritmo. Mas há um recurso para enfrentar essas oscilações. Antes de começar a jornada de trabalho pense: como estou hoje? Estou bem? Ótimo. Estou ansioso ou angustiado com a conta de luz que não consegui pagar? Tente afastar esse pensamento de forma prática: depois da aula, eu verei isso. Estou com um pouco de dor de cabeça? Posso resolver uma indisposição com algum remédio? Essas perguntas são importantes porque a consciência de um mal-estar ou de uma aflição costuma diminuir o controle que essa angústia tem sobre mim. Aprenda a se conhecer. O sintoma mais normal (e ruim) de quem não se conhece bem é a reação excessiva a coisas pequenas. Um aluno não abriu o livro na página certa e você teve vontade de matá-lo? Isso é um sintoma. É muito sábio ter um pouco de consciência sobre seu estado de ânimo para ser, no mínimo, justo com os alunos e, no máximo, eficiente como profissional.

Segunda linha: conteúdo

A segunda linha de força é o conteúdo em si. Existem programas, livros, apostilas, coordenadores, vestibulares e muitas variáveis que nos fazem, permanentemente, parecer atrasados com o conteúdo. Não importa o quanto você corra: na última etapa, com frequência a mais interessante, você está defasado. Para piorar: tudo e todos retardam o avanço do conteúdo. Avisos da direção, indisciplina, feriados e um mundo infinito de coisas que acontecem na sua aula e que impedem de falar ou de ensinar.
Planeje a quantidade de conteúdo que permita uma aula produtiva. Dar demais ou de menos atrapalha o ritmo dos alunos. Se sua aula tem 45 minutos, digamos, pense que quase 15 (geralmente mais) serão perdidos nos bueiros da chamada, indisciplina, avisos, mãos que se levantam para ir ao banheiro etc. Então, imaginando que todo conteúdo deve fazer link com o que você deu na aula anterior naquela turma (lembre-se de que o aluno acabou de sair de uma aula sobre Tabela Periódica e está entrando numa sobre Império Bizantino), que este link demore uns cinco minutos e que você precisa reservar uns cinco minutos para fechar o conteúdo retomando conceitos centrais e reforçando o que foi dado restam… vinte minutos de aula. Evite começar lento e começar a correr quando o tempo se esgota. A técnica não pode ser superior ao conteúdo: você não pode passar mais tempo escrevendo do que explicando, mais tempo montando data-show do que analisando e mais tempo removendo cadeiras para um debate do que realizando o evento.

Terceira linha: condições externas

A terceira linha de força de uma aula diz respeito ao ambiente. Pode parecer muito estranho para quem começa, mas o ambiente da aula funciona como um cenário de uma peça: não é central, mas reforça o texto e cria “clima”. Assim, tente observar se o cenário é adequado. Há coisas que você pode fazer e outras estão longe do seu alcance. Você pode e deve estabelecer alguns minutos para colocar ordem antes da aula. Lixo pelo chão ou cadeiras amontoadas podem ser resolvidas. Não dê aula com o quadro cheio com a matéria do outro professor. Explique sempre aos alunos a importância de preparar o ambiente. Se necessário, dê o exemplo pegando um papel do chão, mesmo que pareça o lógico: não é sua função. Mas, você aprenderá logo, se ficar esperando que surja a pessoa adequada para fazer isso, sua aula esperará até a próxima era geológica.
Nunca caia na tentação de começar a falar baixo em meio ao caos e à sujeira para ver se eles prestam atenção. Não passe nunca a sensação de que tanto faz se eles ouvem ou não, ou se tanto faz se a aula for eficiente ou não. Ou a aula é ou ela não é. É melhor não dar uma aula do que aceitar o papel de monólogo patético.
Sobre o ambiente, você aprenderá logo algumas coisas estranhas. Por exemplo: se começar a chover lá fora, a aula será interrompida. Todos os seus jovens alunos ficarão olhando para a chuva na janela ou no telhado e deixarão de prestar atenção. Dias de verão em salas quentes são um desafio além da capacidade humana. Outra coisa: as obras na escola sempre iniciarão no primeiro dia de aula, com barulho constante. Avisos da direção somente serão dados quando você tiver, enfim, acalmado a turma. Quando houver um minuto de silêncio na sala alguém entrará para falar da festa de São João ou sobre um recente vandalismo no banheiro do segundo andar. Enfim, é fundamental tentar.
No mundo perfeito, a sala é confortável, com temperatura agradável, os aparelhos estão à disposição e funcionam, ninguém precisa ir ao banheiro a cada cinco minutos e os alunos te esperam com sorriso no rosto e sede de saber. Esse é o seu paraíso? É o meu também. Se você o deseja e luta por ele, você tem boa chance de ser um bom professor. Se você só pode trabalhar nesse paraíso e considera impossível ou indigno enfrentar outros purgatórios ou infernos, então… Tente outra coisa no mundo. Dar aula é muito interessante, mas não é a única função digna no mundo.

Quarta linha: o aluno

A última linha de força de uma aula é o aluno. É a linha mais importante. O aluno é para o professor o que o paciente é para o médico. É o objetivo da sua existência profissional. Há uma inversão tradicional da função pedagógica: considerar o aluno um problema para a escola. O comportamento do aluno pode ser um problema: ele não é um problema. Voltamos à metáfora médica: a doença é o problema, o doente não é.
Estamos diante de um dos dilemas mais curiosos do ensino: você pode combater o mau comportamento, mas sempre lembrando que o aluno é o seu objetivo maior. Separar essas coisas é difícil e, como eu, provavelmente você vai errar nesse campo.
Os cristãos medievais tinham uma regra que podemos adaptar com sucesso: odiar o pecado e amar o pecador. Sabe a consequência disso? Se entendermos a ideia bem, significaria deixar claro que eu não admito a bagunça porque ela é inimiga do aluno e não exatamente minha. É por gostar dele que eu não quero conversa e não por irritabilidade minha. Do ponto de vista ideal, que o aluno sinta que nunca é pessoal, que ele não é o problema, que eu posso até pedir que ele se retire da sala, mas porque, e unicamente, ele está impedindo a ele e à turma de atingirem o resultado. É preciso muita maturidade para isso. Quase ninguém tem. Eu não tive muitas vezes.
Acho que a coisa mais óbvia de todas eu levei muitos anos para entender. Existem fichas de avaliação, padrões, tabelas e até notas para se dar ao professor. A mais importante sempre esteve bem diante de mim: o olhar dos alunos. Eles dizem, com absoluta naturalidade, sobre o andamento de tudo. Aprenda a ver o rosto dos seus alunos e a entender. Aprender a ler seus olhos. Os olhos dos seus alunos são o espelho da Branca de Neve: dizem tudo o que você perguntar. “Não estamos entendendo, não tenho interesse, estou adorando, você fala alto demais, não estou ouvindo”: tudo está lá. Passei muitos anos achando que eu deveria falar mais e agir mais. Hoje acho que devo ver e ouvir mais.
Há poucos bons professores. Há muita gente que dá aula bem. Acho que o ponto principal que diferencia um do outro é a capacidade de olhar para seu aluno e se sentir junto com ele. Não confundam essa reflexão, por favor, com a ideia de que você deve oscilar tudo que faz em função do olhar de agrado e desagrado do aluno. Aqui vem a parte mais importante (e difícil): conhecer o olhar do meu aluno é conhecer meu ponto de partida, não meu objetivo final. Educar pode ser (e com frequência é) contrariar a vontade imediata do aluno. O olhar dele, a sensibilidade para com ele é seu ponto de partida. É quem diz quanta energia, quanta imaginação, quantos recursos você terá de realizar para que o olhar dele chegue ao ponto que você deseja. O olhar dele não é seu horizonte, mas sua possibilidade.

Aula e teatro

Quase todos os professores dão a mesma aula muitas vezes. Em algumas escolas públicas e privadas, há muitas salas da mesma série. Um professor de baixa carga horária pode, por exemplo, entrar em dez salas da mesma série numa semana. Isso significa repetir o mesmo conteúdo muitas vezes. Você notará que a primeira aula de um conteúdo novo é um teste, uma experiência. Na segunda você vai acelerar tal coisa ou explicar melhor o que despertou muitos problemas na aula inaugural. É um aperfeiçoamento. A terceira aula de um mesmo conteúdo é, em geral, a melhor. É o apogeu. Você já saberá até qual piadinha funciona. Mas poderá existir a quarta, a quinta, a sexta. Você perceberá que a aula vai ficando mais curta e mais rápida. É o declínio.
É o problema de todo ator que deve encenar a mesma peça diversas vezes. Quando eu cheguei a São Paulo para fazer pós-graduação, fui ver uma comédia de grande sucesso na época. O texto era leve e divertido e os dois atores trocavam muitas vezes de roupa no palco. Talentosos e com timing de humoristas profissionais, eles eram tão bons, que por vezes, interrompiam o texto para rirem de si mesmos, não aguentando os trejeitos um do outro. Achei aquilo o máximo: tudo era tão divertido que mesmo os atores paravam para rir.
Passados alguns dias, recebi visita e levei meus convidados para verem a peça. Eu também queria rever. Lá estava tudo de novo: o bom texto, o talento dos atores, a risada fácil. O que me espantou era que eles paravam para rir nos mesmos lugares da primeira vez. O riso, tão natural e quase inesperado que interrompia o texto, era o mesmo da primeira vez e nos mesmos lugares. O que tinha me encantado pelo tom espontâneo, era pensado, marcado e repetido à exaustão.
Os atores sabem que devem pensar nessas coisas e que há pouco espaço para o improviso no teatro profissional. A aula não é um teatro, mas, certamente, ser professor tem algo em comum com ser ator. Estamos diante de uma plateia. Temos algo a dizer e o público espera que o façamos. Devemos seduzir, encantar, realizar. O texto tem momentos mais rápidos e mais lentos.
Os atores sabem que, quando há duas sessões, o público das 21h não quer saber se já houve tudo aquilo às 19h. Quem veio ver às 21h quer a experiência total e profunda e não deseja perguntar se as pessoas que encenam estão cansadas ou não. O aluno da terceira vez também não.
Atores profissionais sabem guardar a voz. A voz humana é relaxante, quase sempre. Ouvir alguém induz ao sono. Se esta voz for contínua e no mesmo tom o tempo todo, funciona como um processo de hipnose. O que fazer?
Fale mais alto e mais baixo de acordo com o que você quer demonstrar. Reforce conceitos centrais ou conclusões com voz mais forte e mais pausada. Treine isso em casa algumas vezes. Levante-se e ande em direção aos vários pontos da sala. Movimente o corpo. Caminhe até os grupos que pareçam mais dispersos, sonolentos ou conversando. Faça pausas dramáticas. Um súbito silêncio pode chamar a atenção de alguns alunos. Aprenda a gesticular. Nunca deixe parecer que está numa sala de ginástica, mas jamais transmita o ritmo de um cortejo fúnebre.
Seria irritante para a plateia se os atores demonstrassem que não sabem o texto. Para subir ao palco, eles decoraram coisas por meses. Uma boa aula deve ser preparada. Esqueça aquelas bobagens de longos planos de aula com objetivos, meios, recursos etc., que ensinam em tantos lugares. Você não conseguirá manter esses planos detalhados ao longo dos meses. Pior, não conseguindo mais fazer de forma “arrumadinha” seu plano, a tendência será parar de fazer qualquer planejamento. É um erro fatal.

O que deve ser preparado na prática

O primeiro ponto: qual o conceito central da minha aula que deve ser enfatizado sempre e retomado ao final? Tenha isso sempre claro. Escreva ou guarde de memória. Vou precisar de alguma informação extra, ou um pequeno texto, ou fórmula ou desenho? Faça em casa antes. Anote no diário a lápis ou no seu controle pessoal o ponto em que parou em cada turma. Evite ao máximo perguntar aos alunos: onde nós paramos? Isso pode parecer desleixo ou desatenção. O plano da sua aula deve estar entre dois mundos: o fossilizado e o invertebrado. Se for um roteiro minucioso e passo a passo, parecerá sempre fossilizado e duro. Se nada houver e você confiar no carisma, aquele dom que falha quando mais necessitamos, ficará desarticulado. Tenha o conceito central na cabeça. Leve o material que precisar. Leia antes da aula o capítulo didático que você vai utilizar (creia-me, as surpresas podem ser enormes se você não o fizer). E em tudo mais: que o aluno sinta que você tem um ponto de partida e um de chegada e que a aula não foi um acidente, mas uma obra planejada. Isso fará toda a diferença.
Agora, um ponto que parecerá estranho a muitos. Tal como no teatro, há figurino. Há um figurino adequado para a aula. No caso do magistério, eu diria que (levando em conta também o que ganhamos) que o simples e sóbrio é adequado. O ideal é que a roupa do professor seja imperceptível. Nem tão sofisticada e nem tão despojada que mereça comentário. O espaço da aula não é o espaço da balada e certamente não é o espaço para ficar inteiramente à vontade. Levando em conta o grupo para o qual você dá aula, levando em conta sua faixa etária, levando em conta seu corpo e seus valores: encontre uma roupa adequada para que o conhecimento possa fluir na sala sem nenhum obstáculo ou distração. Roupa não é fundamental para o exercício do magistério: cuide para que ela continue assim.

Eu fiz tudo, mas…

Você cuidou de tudo. Planejou, acalmou-se, estudou. A aula é sobre algo fascinante. Eis que… não deu certo. Os alunos não gostaram, o conteúdo não avançou e você terminou o dia pensando se ser professor é de fato o que você deseja. Saiba: isso é bem mais comum do que você imagina. Algumas aulas produzem um efeito positivo imenso. Outras são um desastre. A maioria é, apenas, média. Tudo afeta uma turma, especialmente de crianças e jovens, da umidade ao dia da semana, da véspera do feriado a um jogo importante. Prepare-se para muitos banhos de água fria na sua profissão. Aprenda a lidar com eles.
Uma aula brilhante ou uma aula fracassada devem ser analisadas. Há motivos para isso. Quanto mais você conseguir (e você poderia até pedir ajuda nesse processo aos alunos) avaliar, mais terá consciência. Saber que uma coisa não deu certo num ano não é rejeitá-la. Não existem fórmulas, já dissemos. A química de uma aula é delicada como num encontro a dois. Porém, se você fizer análises sinceras, terá uma base maior para o futuro. Seja honesto consigo, mas seja misericordioso também. No fundo uma aula é sempre um buraco-negro: sabemos o que é e o que fazer para ir lá, mas não temos a menor ideia do que vai sair do outro lado. Foi uma maravilha? Parabéns. Tente repetir. Foi um fracasso? Bem, pelo menos você não está sozinho. Todos nós, com 2 meses ou com 40 anos de magistério, fracassamos muitas vezes. Aquilo que não nos mata, como queria Nietzsche, vai nos fortalecendo.
Aula é assim: um exercício artesanal. Não há nada que garanta com segurança absoluta o sucesso de uma aula. Mas, pouco a pouco, errando bastante e sempre tentando acertar, decepcionando-se e reentrando no jogo é que você vai construindo sua história de professor. Essa história será tecida a partir de um jogo acidentado de erros e acertos. E no final? Não sei! Ainda não cheguei nele, mas se você está lendo isto é porque, de alguma forma, nós acreditamos num bom final.
Gostou? Leia mais no livro Conversas com um jovem professor, de Leandro Karnal.

Fonte: http://www.editoracontexto.com.br

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