domingo, 1 de outubro de 2017

Relatório destrincha desigualdade social no Brasil



Para organização, ajuste fiscal de Temer aumentará a concentração de riqueza

A Oxfam, uma organização não governamental internacional que busca reduzir a pobreza e a injustiça social, divulgou na segunda-feira (15) o relatório “A desigualdade que nos une. Um retrato das desigualdades brasileiras”, no qual faz uma análise da desigualdade social no Brasil. Segundo o relatório, seis brasileiros sozinhos detêm a mesma riqueza que a metade mais pobre da população do país, e os projetos de ajuste fiscal de Michel Temer servirão para aumentar a desigualdade social.

Jorge Paulo Lemann (AB Inbev), Joseph Safra (Banco Safra), Marcel Hermmann Telles (AB Inbev), Carlos Alberto Sicupira (AB Inbev), Eduardo Saverin (Facebook) e Ermirio Pereira de Moraes (Grupo Votorantim) são os seis brasileiros que, juntos, têm a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres do país. Gastando R$ 1 milhão por dia, estes seis bilionários, juntos, levariam em média 36 anos para esgotar o equivalente ao seu patrimônio.

Internacionalmente, a situação não é diferente. O 1% mais rico da população mundial possui a mesma riqueza que os outros 99%, e apenas oito bilionários possuem o mesmo que a metade mais pobre da população no planeta. A pobreza é realidade de mais de 700 milhões de pessoas no mundo. Para a Oxfam, “não é possível erradicar a pobreza no mundo sem reduzir drasticamente os níveis de desigualdade”.  

De acordo com o relatório, ao longo das últimas décadas, o Brasil reduziu desigualdades entre 1988 e 2015, houve redução de 37% para menos de 10% a parcela de população brasileira abaixo da linha da pobreza. Considerando os últimos 15 anos, o Brasil retirou da pobreza mais de 28 milhões de pessoas, mas a grande concentração de renda no topo se manteve estável. O levantamento aponta que, entre 2001 e 2015, os 10% mais ricos se apropriaram de 61% do crescimento econômico, enquanto a fatia dos 50% mais pobres foi de 18%.

O índice de Gini para a renda dos brasileiros – indicador que mede a distribuição de renda na população e que varia de 0 a 1, sendo mais desigual quanto mais próximo de 1 – teve uma queda de 16%, caindo de 0,616 para 0,515 desde 1988. Nesse período, também houve importante expansão de diversos serviços essenciais, e a notável universalização do acesso à educação básica, como cita a Oxfam.

Entretanto, o relatório ressalta que as contrarreformas de Michel Temer ameaçam reverter a diminuição da desigualdade. “Existe evidente e acelerada redução do papel do Estado na redistribuição dos recursos em nossa sociedade, o que aponta para um novo ciclo de aumento de desigualdades”, diz a Oxfam. O Brasil permanece um dos piores países do mundo em matéria de desigualdade de renda e abriga mais de 16 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. A tendência recente, com projeções do Banco Mundial, é de que haja até 3,6 milhões a mais de pobres até o final de 2017.

Para a Oxfam, dentro do Brasil, quanto menor a desigualdade de renda, maior a garantia a serviços essenciais como oferta de água ou de médicos, menores as taxas de mortalidade infantil e maior a expectativa de vida ao nascer. E, quanto maior a desigualdade e a interferência indevida de elites na definição de políticas, menor é a crença das pessoas na capacidade da democracia melhorar suas condições. A Oxfam calcula que, mantido o ritmo médio de redução anual de desigualdades de renda observado desde 1988, o Brasil levaria 35 anos para alcançarmos o nível que Uruguai está hoje. Seriam necessários 75 anos para chegar ao patamar atual do Reino Unido.

Desigualdade racista e machista

Apesar de avanços em termos de equiparação salarial entre gêneros e etnias, a Oxfam aponta que as mulheres ainda ganham 62% do que ganham os homens, e os negros ganham 57% em relação ao salário médio dos brancos. Na comparação de rendimentos de homens e mulheres, houve avanços nas últimas décadas. Há 20 anos, as mulheres ganhavam 40% do valor dos rendimentos dos homens, e agora ganham 62%. Hoje, a renda média do homem brasileiro é de R$ 1.508,00, enquanto a das mulheres é de R$ 938,00. Mantida a tendência dos últimos 20 anos, a Oxfam calcula que mulheres terão equiparação salarial com os homens somente em 2047.

Se há diferenças grandes entre homens e mulheres, o enfoque em raça mostra que a situação da população negra é ainda mais grave. Com base nos mesmos dados, entre as pessoas que recebem até 1,5 salário mínimo, estão 67% dos negros brasileiros, em contraste com menos de 45% dos brancos. Cerca de 80% das pessoas negras ganham até dois salários mínimos. Tal como acontece com as mulheres, os negros são menos numerosos em todas as faixas de renda superiores a 1,5 salário mínimo, e para cada negro com rendimentos acima de 10 salários mínimos, há quatro brancos.

Considerando todas as rendas, os brancos ganhavam, em média, o dobro do que ganhavam negros, em 2015: R$ 1.589,00 em comparação com R$ 898,00 por mês. Em vinte anos, os rendimentos dos negros passaram de 45% do valor dos rendimentos dos brancos para apenas 57%. Se mantido o ritmo de inclusão de negros observado nesse período, a equiparação da renda média com a dos brancos ocorrerá somente em 2089.

Desigualdade de riqueza

No Brasil, a desigualdade de riqueza – bens materiais como imóveis ou propriedades, e bens financeiros como aplicações e ações – é ainda maior que a desigualdade de renda. O 1% mais rico concentra 48% de toda a riqueza nacional e os 10% mais ricos ficam com 74%. Por outro lado, 50% da população brasileira possui menos de 3% da riqueza total do país. Para a Oxfam, não é possível abordar o tema da riqueza sem considerar prioritariamente o patrimônio “não financeiro”. Do total da riqueza média da população, 68% é composto por patrimônio não financeiro, como terras, imóveis e outros bens.

A desigualdade na distribuição de terras agrícolas no país, por exemplo, vem se agravando ao longo dos anos. O índice de Gini para distribuição de terras no Brasil aumentou de 0,857 em 1985 para 0,872 em 2006, e o país vive uma situação em que as grandes propriedades – maiores do que 100 hectares – são menos de 15% do total, mas somam metade de toda a terra agrícola privada do país. Estimativas mais recentes dão conta de que, em 2016, do total da área ocupada por terras privadas, 25% eram de pequenas propriedades – aquelas com até quatro módulos fiscais (medida que varia por município). Os demais 75% são de médias e grandes propriedades, aquelas cuja área é igual ou superior a quatro módulos fiscais.

A concentração imobiliária nas cidades segue a mesma lógica. No município de São Paulo (SP), 1% dos proprietários – 22.400 pessoas – concentra 25% de todos os imóveis registrados na cidade, o que significa 45% do valor imobiliário municipal – R$ 749 bilhões. Considerando somente estes dados, estes proprietários possuem, em imóveis urbanos, uma média de R$ 34 milhões por pessoa, em torno de 600 vezes a média nacional de distribuição de patrimônio.

Acesso à educação

A média brasileira de anos de estudo é de 7,8 anos, abaixo de várias médias de outros países latino-americanos, como as do Chile e Argentina (9,9 anos), Costa Rica (8,7 anos) e México (8,6 anos). É ainda mais distante da média de países desenvolvidos, como a Inglaterra (13,3 anos), os Estados Unidos (13,2 anos) e a França (11,6 anos).

Segundo o relatório da Oxfam, apenas 34,6% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados no ensino superior, e a parcela total dos que efetivamente o concluem é de apenas 18%. Sob a ótica racial, as desigualdades de acesso ao ensino superior no Brasil são marcantes. Em 2010, negros representavam apenas 25% dos diplomados no Brasil. Além disso, cursos universitários de carreiras com salários maiores são território de brancos: a chance de negros completarem um curso universitário de engenharia é a metade da que têm os brancos, e, no caso de odontologia, é cinco vezes menor que a de um branco.

Saídas

O relatório aponta, também, saídas para diminuir a desigualdade social. Para a Oxfam, é necessário mudar a carga tributária brasileira, diminuindo a incidência de tributos indiretos e aumentando os tributos diretos. “Nesta direção, contribuem o aumento do peso da tributação sobre patrimônio na arrecadação total, bem como o aumento da progressividade do IRPF para as camadas de rendas mais altas – criando faixas e respectivas alíquotas, eliminando os juros sobre capital próprio e acabando com isenção sobre lucros e dividendos distribuídos”, diz o relatório. A revisão da contrarreforma Trabalhista e da Emenda Constitucional 95 – do teto de gastos – também são citadas como medidas necessárias.

Acesse aqui o relatório completo.

Com informações de Oxfam Brasil e imagem de EBC.

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