O Vigário Geral e o Complexo da Penha, as duas favelas que visitamos acompanhados por militantes sociais na sexta-feira, estão longe dos olhares das dezenas de milhares de estrangeiros que chegaram para participar da Cúpula dos Povos e da Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável organizada pela ONU. “Desenvolvimento Ambientalmente Sustentável?”, provoca JR enquanto me mostra as águas negras e pestilentas do rio Pavuna, que diariamente verte milhões de litros de detritos sobre a Bahia da Guanabara. A reportagem é de Dario Pignotti.
Dario Pignotti
Rio de Janeiro - “A cidade ecológica
da Rio+20, que tanto propagandeiam para o resto do mundo nas campanhas
de marketing, nós não vemos aqui. A Rio+20 não passa pelas comunidades
do Rio, aqui no Vigário Geral ainda esperamos que construam a rede de
esgoto, aqui nada dessa tal de Rio+20, isto é Rio 0,02... as comunidades
estão esquecidas, isto é Rio menos Vinte”. Assim resume o líder
comunitário JR, da Associação de Moradores do Vigário Geral, o que se
observa ao percorrer esta favela pobre carioca, de onde se vê passar os
aviões de empresas aéreas estrangeiras que pousam no aeroporto
Internacional Tom Jobim, muito próximo daqui a Ilha do Governador.
O Vigário Geral e o Complexo da Penha, as duas favelas que visitamos acompanhados por militantes sociais na sexta-feira, estão longe dos olhares das dezenas de milhares de estrangeiros que chegaram para participar da Cúpula dos Povos e da Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável organizada pela ONU. “Desenvolvimento Ambientalmente Sustentável?”, provoca JR enquanto me mostra as águas negras e pestilentas do rio Pavuna, que diariamente verte milhões de litros de detritos sobre a Bahia da Guanabara. O cheiro é nauseabundo do alto da ponte que une a cidade do Rio de Janeiro com o município de Duque de Caxias.
Um cavalo esquálido está jogado a poucos metros do rio, mexe o pescoço sem força, está amarrado a uma árvore. “Este animal vai morrer a qualquer momento, alguém o abandonou no meio desta imundície de lixo e água podre, o animal já perdeu o pelo, se vê suas costelas” me diz o professor Alcir Azevedo. Estamos a poucas quadras da imensa subestação de tratamento de esgoto da empresa estadual CEDAE.
“Há algumas décadas este rio era navegável, o pessoal da zona norte até tomava banho aqui, hoje se alguém cai no rio sairá infectado e até pode morrer, dizem que os bandidos do narcotráfico escapavam da policia por aqui, ninguém se atira no rio se não for porque pode ser pego pela polícia. Há anos atrás era muito diferente, por aqui se transportavam as laranjas produzidas na zona oeste, o rio Pavuna estava cheio de vida” lembra o professor, que nos emprestou seu modesto Fiat para subir as escarpadas ruelas da comunidade.
Há operários trabalhando na construção de um coletor de esgoto que passa pelo meio de uma rua asfaltada. “Esta é uma obra estranha, eles estão construindo um grande canal de esgoto, uma obra cara, mas esse canal não recebe a descarga das casas,” explica JR.
Um amplo cartaz do governo do Estado com o logotipo das Olimpíadas de 2016 faz publicidade do empreendimento. “Obras de implantação do sistema de esgotamento sanitário das bacias dos rios Pavuna, Meriti e Acaraí”. Sobre o cartaz oficial foi escrito um grafite indignado que diz, em letras com formas irregulares: “em ano de eleição te damos saneamento, escondemos nossas merdas, enganamos o povão, com uns sacos de cimento”.
JR lê e sorri, “a gente sabe que estas obras são oportunistas, além disso, estão 20 anos atrasadas porque na ECO 92 o Banco Mundial deu um empréstimo alto para o saneamento das comunidades com o compromisso de que tinha que ser realizado em um prazo prudencial, depois do qual seriam cobrados altos juros. E isso está acontecendo agora, como a obra está com 20 anos de atraso, agora o governo está pagando muito dinheiro em juros”.
Do outro lado do túnel
“No Rio tudo acontece do outro lado do túnel (Rebouças que une o sul e o norte cariocas), aqui não acontece nada, o Estado não aparece, a não ser quando se aproximam as eleições, ou para mostrar-nos mais bonitos quando vêm os gringos. Mas, fora disso, aqui somos sempre esquecidos, se até os shows da Afroreggae, que são desta zona, são feitos em Copacabana e no sul, eles quase nunca tocam para o pessoal daqui, e para nós cada dia é mais difícil ir ao sul. Aqui tem gente que quase nem conhece as praias de Ipanema e Leblon, é caro e se demora muito em chegar até lá” se lamenta o músico e compositor Diamantina, enquanto degustamos uma corvina bem temperada em um “self service” em frente à Praça Catolé da Rocha, no Vigário Geral.
Paguei 15 reais pela corvina acompanhada com umas batatas bem cozidas, coca cola e verdura abundante no restaurante do Vigário Geral, ou seja, um terço do que havia custado o almoço de quarta-feira em outro “self service” no Riocentro onde, como em Copacabana, os preços são iguais ou mais altos que no primeiro mundo. ”Este Rio é uma cidade dividida”, me diz JR enquanto degustamos as corvinas com molho abundante.
Estando aqui, na pobre e violenta zona norte carioca, dá para comprovar que é verdade o parecer de JR e do músico Diamantina. É gritante o contraste entre o Sul globalizado “for export”, que ostenta seus centros de convenções exuberantes como o montado pela Fiesp no Forte de Copacabana, para que a burguesia se finja de ecologista diante das câmeras da Globo, e o Norte, dominado pelas favelas de ruas estreitas, crianças que brincam nas calçadas ao lado do rosto do Che Guevara sobre uma bandeira brasileira estampado em uma esquina, e outros que cantam na Escola República do Líbano, enquanto plantam sementes de árvores na Horta que leva o nome de sua diretora, a professora “Elizabeth Lopes Borgia, Tia Beth”, diz a placa colocada em frente às plantas recém semeadas.
A Tia Beth é uma simpática senhora de baixa estatura e gestos expansivos, que nos conta de suas experiências como docente em várias favelas, e lembra o dia que teve que se jogar no chão quando começou um tiroteio. “Não temos medo da violência ou, melhor dito, temos medo, mas tem que seguir em frente trabalhando com as crianças que nos recompensam quando vemos o resultado do trabalho”.
Guerra de baixa intensidade
Estamos subindo o morro, no alto se vê a Igreja da Penha, são 16h20min de quinta-feira quando dois helicópteros do Exército sobrevoam a zona que continua sob o controle das Forças Armadas desde dezembro de 2010. “A situação está sob controle” afirma o coronel do Exército Fernando Montenegro, em seu gabinete na Penha, de onde saíram dois caminhões com tropas para “fazer patrulha, isto é rotina, nisso consiste nosso trabalho, restituir a paz para a comunidade”.
Em julho o contingente militar deixará a comunidade, exatamente depois de concluída a Rio+20, quando a polícia retomará o controle da zona. “Agora é impossível sair, foi necessário que a polícia reforçasse a segurança durante a cúpula, onde também há homens das Forças Armadas”, explica o coronel, que é o comandante da área e o segundo militar na hierarquia dos destacados na força de paz.
Ele conversa conosco durante mais de meia hora, é um oficial com boa formação, conhece bem o papel do Exército na guerra da Colômbia e no combate contra o narcotráfico no México. Fala sobre a polêmica em torno da participação das Forças Armadas na repressão ao crime organizado, mas evita dar opiniões muito claras a respeito.
Depois nos mostra gráficos detalhados com um raio-X do quadro social na Penha e no Complexo do Alemão: há dados sobre o porcentual de adolescentes grávidas, domicílios com internet, renda per capita, anos de escolaridade dos jovens e a quantidade de famílias que estão ligadas com “gato” na rede de eletricidade servida pela Light.
“O tema da Light é muito sério” adverte JR, que participou de um comitê de moradores que viajou a Brasília para discutir com o governo a provisão de energia nas comunidades.
“Em cada favela invadida pelas tropas da polícia e do Exército, a Light entra depois, é um projeto bem montado por eles, querem colocar uns medidores de energia inteligente que saberá o que cada família consome em sua geladeira, em seu computador, em seu televisor, isto permitirá aumentar o controle social, e obrigará que parte da população que não pode pagar tenha que emigrar das favelas, para que aqui se radiquem as classes médias baixas que, por sua vez, estão emigrando do sul da cidade onde a vida é cada vez mais cara. Por trás de tudo isto há um projeto que conduz a aprofundar a exclusão social” sustenta JR para logo arrematar: ”Estamos em uma cidade dividida”.
O Vigário Geral e o Complexo da Penha, as duas favelas que visitamos acompanhados por militantes sociais na sexta-feira, estão longe dos olhares das dezenas de milhares de estrangeiros que chegaram para participar da Cúpula dos Povos e da Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável organizada pela ONU. “Desenvolvimento Ambientalmente Sustentável?”, provoca JR enquanto me mostra as águas negras e pestilentas do rio Pavuna, que diariamente verte milhões de litros de detritos sobre a Bahia da Guanabara. O cheiro é nauseabundo do alto da ponte que une a cidade do Rio de Janeiro com o município de Duque de Caxias.
Um cavalo esquálido está jogado a poucos metros do rio, mexe o pescoço sem força, está amarrado a uma árvore. “Este animal vai morrer a qualquer momento, alguém o abandonou no meio desta imundície de lixo e água podre, o animal já perdeu o pelo, se vê suas costelas” me diz o professor Alcir Azevedo. Estamos a poucas quadras da imensa subestação de tratamento de esgoto da empresa estadual CEDAE.
“Há algumas décadas este rio era navegável, o pessoal da zona norte até tomava banho aqui, hoje se alguém cai no rio sairá infectado e até pode morrer, dizem que os bandidos do narcotráfico escapavam da policia por aqui, ninguém se atira no rio se não for porque pode ser pego pela polícia. Há anos atrás era muito diferente, por aqui se transportavam as laranjas produzidas na zona oeste, o rio Pavuna estava cheio de vida” lembra o professor, que nos emprestou seu modesto Fiat para subir as escarpadas ruelas da comunidade.
Há operários trabalhando na construção de um coletor de esgoto que passa pelo meio de uma rua asfaltada. “Esta é uma obra estranha, eles estão construindo um grande canal de esgoto, uma obra cara, mas esse canal não recebe a descarga das casas,” explica JR.
Um amplo cartaz do governo do Estado com o logotipo das Olimpíadas de 2016 faz publicidade do empreendimento. “Obras de implantação do sistema de esgotamento sanitário das bacias dos rios Pavuna, Meriti e Acaraí”. Sobre o cartaz oficial foi escrito um grafite indignado que diz, em letras com formas irregulares: “em ano de eleição te damos saneamento, escondemos nossas merdas, enganamos o povão, com uns sacos de cimento”.
JR lê e sorri, “a gente sabe que estas obras são oportunistas, além disso, estão 20 anos atrasadas porque na ECO 92 o Banco Mundial deu um empréstimo alto para o saneamento das comunidades com o compromisso de que tinha que ser realizado em um prazo prudencial, depois do qual seriam cobrados altos juros. E isso está acontecendo agora, como a obra está com 20 anos de atraso, agora o governo está pagando muito dinheiro em juros”.
Do outro lado do túnel
“No Rio tudo acontece do outro lado do túnel (Rebouças que une o sul e o norte cariocas), aqui não acontece nada, o Estado não aparece, a não ser quando se aproximam as eleições, ou para mostrar-nos mais bonitos quando vêm os gringos. Mas, fora disso, aqui somos sempre esquecidos, se até os shows da Afroreggae, que são desta zona, são feitos em Copacabana e no sul, eles quase nunca tocam para o pessoal daqui, e para nós cada dia é mais difícil ir ao sul. Aqui tem gente que quase nem conhece as praias de Ipanema e Leblon, é caro e se demora muito em chegar até lá” se lamenta o músico e compositor Diamantina, enquanto degustamos uma corvina bem temperada em um “self service” em frente à Praça Catolé da Rocha, no Vigário Geral.
Paguei 15 reais pela corvina acompanhada com umas batatas bem cozidas, coca cola e verdura abundante no restaurante do Vigário Geral, ou seja, um terço do que havia custado o almoço de quarta-feira em outro “self service” no Riocentro onde, como em Copacabana, os preços são iguais ou mais altos que no primeiro mundo. ”Este Rio é uma cidade dividida”, me diz JR enquanto degustamos as corvinas com molho abundante.
Estando aqui, na pobre e violenta zona norte carioca, dá para comprovar que é verdade o parecer de JR e do músico Diamantina. É gritante o contraste entre o Sul globalizado “for export”, que ostenta seus centros de convenções exuberantes como o montado pela Fiesp no Forte de Copacabana, para que a burguesia se finja de ecologista diante das câmeras da Globo, e o Norte, dominado pelas favelas de ruas estreitas, crianças que brincam nas calçadas ao lado do rosto do Che Guevara sobre uma bandeira brasileira estampado em uma esquina, e outros que cantam na Escola República do Líbano, enquanto plantam sementes de árvores na Horta que leva o nome de sua diretora, a professora “Elizabeth Lopes Borgia, Tia Beth”, diz a placa colocada em frente às plantas recém semeadas.
A Tia Beth é uma simpática senhora de baixa estatura e gestos expansivos, que nos conta de suas experiências como docente em várias favelas, e lembra o dia que teve que se jogar no chão quando começou um tiroteio. “Não temos medo da violência ou, melhor dito, temos medo, mas tem que seguir em frente trabalhando com as crianças que nos recompensam quando vemos o resultado do trabalho”.
Guerra de baixa intensidade
Estamos subindo o morro, no alto se vê a Igreja da Penha, são 16h20min de quinta-feira quando dois helicópteros do Exército sobrevoam a zona que continua sob o controle das Forças Armadas desde dezembro de 2010. “A situação está sob controle” afirma o coronel do Exército Fernando Montenegro, em seu gabinete na Penha, de onde saíram dois caminhões com tropas para “fazer patrulha, isto é rotina, nisso consiste nosso trabalho, restituir a paz para a comunidade”.
Em julho o contingente militar deixará a comunidade, exatamente depois de concluída a Rio+20, quando a polícia retomará o controle da zona. “Agora é impossível sair, foi necessário que a polícia reforçasse a segurança durante a cúpula, onde também há homens das Forças Armadas”, explica o coronel, que é o comandante da área e o segundo militar na hierarquia dos destacados na força de paz.
Ele conversa conosco durante mais de meia hora, é um oficial com boa formação, conhece bem o papel do Exército na guerra da Colômbia e no combate contra o narcotráfico no México. Fala sobre a polêmica em torno da participação das Forças Armadas na repressão ao crime organizado, mas evita dar opiniões muito claras a respeito.
Depois nos mostra gráficos detalhados com um raio-X do quadro social na Penha e no Complexo do Alemão: há dados sobre o porcentual de adolescentes grávidas, domicílios com internet, renda per capita, anos de escolaridade dos jovens e a quantidade de famílias que estão ligadas com “gato” na rede de eletricidade servida pela Light.
“O tema da Light é muito sério” adverte JR, que participou de um comitê de moradores que viajou a Brasília para discutir com o governo a provisão de energia nas comunidades.
“Em cada favela invadida pelas tropas da polícia e do Exército, a Light entra depois, é um projeto bem montado por eles, querem colocar uns medidores de energia inteligente que saberá o que cada família consome em sua geladeira, em seu computador, em seu televisor, isto permitirá aumentar o controle social, e obrigará que parte da população que não pode pagar tenha que emigrar das favelas, para que aqui se radiquem as classes médias baixas que, por sua vez, estão emigrando do sul da cidade onde a vida é cada vez mais cara. Por trás de tudo isto há um projeto que conduz a aprofundar a exclusão social” sustenta JR para logo arrematar: ”Estamos em uma cidade dividida”.
Fonte: Agencia Carta Maior
Nenhum comentário:
Postar um comentário