Por Clara Saraiva, da Comissão Executiva Nacional da ANEL
Estamos diante da maior e mais forte greve da educação da última década. Docentes, funcionários e estudantes estão juntos em uma grande luta em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. Motivos para se lutar não faltam: péssimas condições de trabalho, laboratórios mal equipados, salas de aula lotadas, estrutura física caindo aos pedaços, etc... O movimento acelerado de adesão à greve, seja do funcionalismo, dos professores ou dos alunos, é a expressão de um descontentamento enorme e represado há alguns anos com a situação em que se encontra a educação hoje no país.
Essa atual situação é fruto de políticas adotadas pelos últimos governos, principalmente o Reuni. Agora, a Dilma quer aprovar o novo PNE, que transforma o Reuni e outras medidas em políticas de Estado, ou seja, como um projeto de longo prazo para o Brasil. A educação atual no país é, portanto, fruto de políticas concretas aplicadas nos últimos anos. Políticas que se inserem em uma lógica global, a de que a educação não deve estar voltada para os interesses da população, mas sim a serviço do que o mercado necessita.
A ANEL está ao lado dos estudantes nessa greve e lutando sempre pelo nosso projeto de educação. O objetivo deste texto é ajudar a clarificar os motivos da situação precária em que se encontra a educação atualmente e apontar as soluções. Esperamos que o movimento estudantil, dessa forma, esteja mais preparado para enfrentar os enormes desafios que temos pela frente. Boa leitura!
Destrinchando o significado do REUNI
O Reuni foi um decreto do governo Lula, aprovado em abril de 2007 – o Decreto 6096/07 – com o nome Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Cada universidade deveria criar um projeto de implementação do Reuni, com a duração de5 anos. Segundo o governo, o decreto tinha como objetivo central “criar condições para a ampliação do acesso epermanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e derecursos humanos existentes nas universidades federais”.
Esse projeto retomava as metas estabelecidas pelo Ministério daEducação no período de Fernando Henrique Cardoso, inspiradas por sua vez pelas diretrizes do Banco Mundial de 1997, aprofundando os planos de “diversificação institucional”, desta vez de forma mais clara, não apenas com a expansão do ensino privado, mas através de ummodelo a ser implantado diretamente nas universidades federais.
Esse modelo de expansão, implementado a maior parte do tempo durante o crescimento econômico no Brasil, está a serviçode transformar as universidades em produtoras em série de mão de obra barata e especializada, com salários baixos e condições de trabalho ruins. É a universidade como fábrica de diplomas, o que interessa ao mercado e passa longe dos interesses dos trabalhadores e da solução dos problemas sociais. Tudo isso tem a ver com o papel que o Brasil cumpre no cenário econômico mundial, de exportador de commodities (minério, soja, café...) e de sede de multinacionais para exportar produtos manufaturados para a América Latina e pro mercado interno. Não é necessário ao mercado que se formem profissionais qualificados, que produzam tecnologia e conhecimento ao serviço da melhoria da nossa população. São preservados alguns poucos centros de excelência, e o restante das universidades se torna “escolões de 3o grau”.Essa é a razão fundamental que justifica a implementação do REUNI no Brasil.
O decreto impõe uma série de metas a serem cumpridas pelas universidades federais e condiciona o recebimentode recursos ao cumprimento das metas. No artigo 1o o decreto afirma:
§ 1o O Programa tem como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano.
O que significa isso?
Elevar para 90% a taxa de conclusão média dos cursos de graduação significa que numa determinada universidade o número de concluintes num determinado ano tem que ser 90% em relação ao número de estudantes ingressantes 5 anos antes. É um número muito alto: no Brasil essa média é hoje 60%. Nos Estados Unidos, essa taxa é de 66%, na Suécia 48%; o único país do mundo cuja taxa de diplomação é aproximadamente 90% é o Japão, que tem condições culturais e econômicas bastante distintas das nossas. Essa meta abre o caminho para políticas de aprovação automática e incentiva a implementação de cursos de menor duração. Por outro lado, o governo não incentiva a criação de mecanismos para a queda na evasão, já que o que importa são os alunos que no final ficam na universidade, ou seja, não cabe às estatísticas avaliarem se os alunos evadidos são substituídos por meio de transferências, o que importa são os números atingidos no final. Para que de fato diminuísse a evasão, o governo deveria investir em políticas de assistência estudantil que evitasse que os estudantes largassem seus cursos, pelo fato de que “estudar é muito caro”. Mas não é nisso que o governo está interessado.
Sobre a relação professor/aluno, o decreto institui uma diminuição importante. Pode não parecer muito um professor para cada 18 alunos, já que nas salas de aula geralmente têm bem mais queisso. Mas antes do REUNI, a relação professor/aluno nas universidades federais erade 10,4 e na realidade já faltavamprofessores, ou seja, é impossível elevar a relação professor aluno atual sem precarizara educação. Paraconcretizar essa meta, as atividades de pesquisa e extensão têm que diminuir e o número de estudantes em salade aula aumentar. No documento que estabelece as Diretrizes Gerais para o REUNI, o MEC prevê uma média de45 alunos por sala de aula. No entanto, isso é uma média, como determinadas disciplinas que necessitam de umnúmero reduzido de alunos em sala, como as de laboratório, 10 ou 20, outras classes teriam mais de 100estudantes, como já acontece em diversas universidades.
Sobre os currículos, o artigo 2o coloca como uma das diretrizes:
III - revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevação da qualidade;
Olhando o texto parece até bonito. Mas isso na prática significou a expansão do ensino à distância e a criação de cursos mais rápidos e com qualidade bastante questionável. São os chamados “bacharelados interdisciplinares”, que parecem mais uma improvisação da estrutura acadêmica, que aproveitam um professor de cada curso, uma sala de aula de cada campus, sem qualquer investimento adicional e preparação pedagógica e criam um curso novo. Quando vemos que há faculdade de Medicina sem estrutura para os alunos aprenderem Anatomia, uma cadeira básica do curso (o caso do campus novo de Macaé da UFRJ) parece até uma piada de mau gosto ou um deboche dizer que o Reuni busca “a constante elevação da qualidade”.
Sobre o financiamento, o decreto institui:
§ 1o O acréscimo de recursos referido no inciso III será limitado a vinte por cento das despesas de custeio e pessoal da universidade, no período de cinco anos de que trata o art. 1o, § 1o.
§ 2o O acréscimo referido no § 1o tomará por base o orçamento do ano inicial da execução do plano de cada universidade, incluindo a expansão já programada e excluindo os inativos.
§ 3o O atendimento dos planos é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do Ministério da Educação.
Vamos entender esses pontos. Em primeiro lugar, o acréscimo de verba para as universidades será de no máximo 20%. Sabemos bem como foi feita a expansão das vagas, que em muitos casos foi superior a 20% de alunos. Em muitas universidades e cursos, vimos dobrar a quantidade de alunos, como por exemplo a expansão da FURG. E isso tudo com o acréscimo de verbas de no máximo 20%. Não é a toa que os laboratórios estão mal equipados, ou que tenham estudantes tendo aula em containeres.
Agora, atenção para o parágrafo terceiro, que diz que o atendimento dos planos é condicionado ao orçamento do MEC. Isso significa que o governo não tem qualquer obrigação em custear os planos de expansão. É fácil: o MEC diz que sua capacidade orçamentária está baixa e não tem condições para bancar a reestruturação já implementada na universidade. Acontece que os alunos já estão lá, esperando a tal excelência da instituição federal de ensino, e recebendo em troca muita precarização.
O Decreto é simples, são duas folhas com algumas metas. O restante do conteúdo do Reuni ou fala coisas demagógicas, que se provaram completamente falsas na realidade da implementação ou detalha a forma da concretização. É um documento facilmente encontrado na internet, e vale a pena ser lido. Apesar de curto, o significado é muito grande. Nós, que sofremos no dia-a-dia, sabemos que o preço dessas duas folhinhas é a qualidade de nosso ensino superior.
O novo Plano Nacional de Educação (PNE)
Está tramitando desde o dia 20 de dezembro de 2011 no Congresso Nacional o novo PNE – PL 8035/10, e seu relatório já iniciou sua apreciação no dia 14 de junho. O PNE é umaprevisão constitucional, cujo objetivo é estabelecer diretrizes e metas para a educação em todosos níveis num período de 10 anos. Ou seja, não é apenas uma medida educacional, mas todo um projeto para a educação a longo prazo. Por isso, deve ser estudado com muita atenção.
Mas antes de analisarmos o conteúdo do novo plano é preciso fazer um balanço doantigo: o PNE de 2001 a 2010 ‐ Projeto de Lei 10.172/01.
O que dizia o PNE 2001 – 2010 e o que ocorreu na prática?
O plano nacional de educação aprovado no Congresso Nacional em 2001 estabelecia 295 metas para o decênio seguinte, entre elas estava a destinação de 7% do PIB (Produto Interno Bruto) para educação, a erradicação doanalfabetismo, o combate à evasão escolar e a ampliação do acesso ao ensino superior. A análise comparativa dealguns dados sobre a educação brasileira já nos permite tirar conclusões:
• O taxa de analfabetismo segue sendo muito alta, 9,7% em 2010.1
Em 2000, a taxa era de 13,6% e a metado PNE era a erradicação do analfabetismo em 2010. A comparação com outros países da América Latinanão deixa dúvidas sobre o tamanho do problema: no Uruguai, na Argentina e no Chile as taxas variamentre 2% e 4 %.
• A evasão escolar aumentou.
Entre 2006 e 2008, o índice passou de 10% para 13,2 %. A meta do PNE erareduzir 5 % ao ano.
• O número de jovens no ensino superior segue sendo muito baixo, 14,4%2 em 2009. A meta do PNE era chegar a 30 %dos jovens no ensino superior. Nesse ritmo, o país demoraria 59 anos para cumprir a meta.O Brasil também é campeão de exclusão neste aspecto; nos outros países da América Latina aporcentagem de jovens no ensino superior é muito maior: Argentina 40%, Chile 20,6%, Venezuela 26% e Bolívia 20,6%.
• Na última década o ensino superior pago cresceu duas vezes mais do que o público. A meta do PNE eraofertar 40 % das vagas do ensino superior na rede pública, em 2002 esse índice era de 29% e em 2010 era de 25%.
• A desigualdade no acesso ao ensino superior é altíssima.
Apenas 5,6 % dos jovens que tem rendimentosmensais per capita de meio a um salário mínimo cursam o ensino superior. Para os jovens que seencontram na faixa de cinco salários mínimos ou mais, a porcentagem sobe 10 vezes: 55,6% cursam oensino superior.
A implementação do PNE foi um fracasso: 2/3 das metas não foram cumpridas. O governo aponta uma série demotivos, como excesso de metas, falta de indicadores que pudessem aferir o andamento das metas, falta deplanejamento dos estados e municípios, etc. No entanto a opinião majoritária entre os especialistas, inclusiveentre os que apóiam o governo, é que a razão central do fracasso foi a ausência de recursos. E lembrando que sua implementação foi realizada no período de maior crescimento da economia brasileira.
0,0%
O Governo de Fernando Henrique Cardoso vetou, já em 2001, a destinação de 7% do PIB para a educação.Durante os oito anos do Governo Lula, o veto foi mantido e o investimento em educação não chegou nem pertodo previsto pelo PNE. A principal conclusão possível de chegar emrelação ao antigo PNE é que sem um investimentoexpressivo de recursos, o plano se tornou uma bela declaração de intenções sem viabilidade prática.
Comparando o antigo e o novo PNE
Depois de uma década de ineficiência na solução de problemas cruciais da educação brasileira, o papel que onovo PNE deveria cumprir era o de estabelecer uma mudança profunda no investimento em educação. É precisoinvestir imediatamente 10 % do PIB e dar as bases para que a educação brasileira possa dar um salto. Sem isso, odebate daqui a 10 anos será novamente a constatação de que estamos no mesmo lugar.
O novo PNE tem uma história muito distinta dos anteriores, a começar pela sua elaboração. A ConferênciaNacional de Educação – CONAE, reunida em Brasília em 2010, já não tem nenhuma semelhança com a Conferênciade Belo Horizonte que elaborou o PNE – Proposta da Sociedade Brasileira em 1997 (que deu origem a proposta de 2001). Organizada e totalmentecontrolada pelo MEC, a conferência reuniu representações dos empresários, do governo e dos trabalhadores. AConfederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, a Confederação Nacional dos Empresários e aConfederação Nacional da Indústria fizeram parte da Comissão Organizadora da CONAE, certamente esses sindicatos patronais não têm nenhum interesse comum com estudantes, trabalhadores em educação emovimentos sociais. Não têm sequer compromisso com a educação pública e com os interesses dostrabalhadores e do povo pobre brasileiro.
Muitas das entidades do movimento social presentes, CUT, UNE e UBES já não são mais as mesmas. Em 1997,eram parte do movimento social de oposição ao governo, formadoras de opinião crítica aos projetos neoliberais para aeducação. Depois da chegada do PT ao Governo Federal, essas entidades não fizeram uma crítica sequer eapoiaram todos os projetos aprovados nos últimos oito anos, inclusive aqueles que se chocavam diretamentecom o PNE da sociedade brasileira, como é o caso deste novo PNE proposto por Dilma e apoiado pela UNE e UBES.
Mas o pior é que o governo não cumpriu nem as deliberações da conferência controlada por ele próprio! A destinação de 10% do PIB para educação, aprovada pela CONAE, foi solenemente ignorada e no texto do novo PNE entrouapenas uma versão piorada do PNE anterior. Ou seja, o que era para ter sido o investimento anual em educaçãodesde 2007, é a meta do Governo Dilma para 2020. Além disso, o PNE de 2001 definia claramente o percentual aser acrescido a cada ano, 0,5% do PIB nos quatro primeiros anos e 0,6 % em seguida, para atingir a meta dos 7%. O novo PNE estabelecegenericamente o prazo de 10 anos e no artigo 5° ainda abre a possibilidade de reavaliação da meta em 2014.
Enquanto o PNE 2001‐2010 era um documento de 100 páginas dedicado a analisar a educação em seus distintosníveis estabelecendo objetivos e metas extensivas, o novo PNE é um documento de 14 páginas e 20 metas. Agrande maioria delas é uma mera repetição das metas não cumpridas. O objetivo de incluir 30 % dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior em 2010 virou 33% para 2020, sem qualquer balanço do fracasso no atingimento da meta. A erradicação do analfabetismo e o atendimento demetade das crianças de 0 a 3 anos na educação infantil também ficaram para 2020.
Há também aquelas metas que apesar de não cumpridas, foram esquecidas e sequer são citadas no novo PNE,como a oferta de ao menos 40% das vagas do ensino superior nas instituições públicas, combinado com uma série de projetos que beneficiam os empresários da educação privada, como o FIES – sistema de crédito aos alunos nas instituições particulares com benefícios fiscais aos donos das faculdades.
Entretanto, o problema do novo PNE não é simplesmente a insuficiência das metas, mas a incorporação como uma política de Estado de todos os projetos educacionais do governo Lula, que durante os últimos oito anossignificaram uma verdadeira contra reforma da educação no Brasil. Claro que é uma luta histórica do movimento de educação a destinação de 10% do PIB para a educação e não deixaremos de lutar por isso. Porém esse é apenas um dos inúmeros problemas deste PNE. Porque ter 10% do PIB para implementar um projeto de educação que não é o nosso, para aprofundar o Reuni, criar universidades precarizadas e beneficiar ainda mais os tubarões do ensino, nós não queremos.
O Novo PNE é um aprofundamento do Reuni para os próximos 10 anos
O PNE é um grande ataque à educação pública do país, pois, como falamos, incorpora os projetos educacionais nocivos à educação como uma política de Estado, como um projeto a longo prazo. O mais categórico é a incorporação do Reuni, que bem sabemos o desastre que significou. É muito fácil ver as semelhanças entre o decreto e o novo PNE, parece quase que o governo fez crtl C + crtl V. Vejam os trechos do texto do PNE 2010-2020:
Meta 11. Estratégia 11.10 Elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos técnicos de nível médiona rede federal de educação profissional, científica e tecnológica para 90% (noventa por cento) e elevar, nos cursos presenciais, a relação de alunos por professor para 20 (vinte), com base no incremento de programas de assistência estudantil e mecanismos de mobilidade acadêmica.
Meta 12. Estratégia 12.4Elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais nas universidades públicas para 90% (noventa por cento), ofertar um terço das vagas em cursos noturnos e elevar a relação de estudantes por professor para 18 (dezoito), mediante estratégias de aproveitamento de créditos e inovações acadêmicas que valorizem a aquisição de competências de nível superior.
Vale a pena voltar e reler o parágrafo primeiro do decreto do REUNI que aborda sobre as metas. Qualquer semelhança com não é mera coincidência. Não precisamos repetir aqui o que representam essas metas pras universidades. Mas notem então que o que era uma meta para as universidades federais se ampliou também para as instituições de ensino médio e técnico, além de se estender para o conjunto dos cursos de graduação das universidades públicas, ou seja, também para as redes estaduais de ensino superior. Ou seja, o PNE avança na implementação do REUNI, aprofundando este modelo de educação no nosso país para os próximos 10 anos.
Infelizmenteo REUNI não é o único problema do PNE
Existem também outros projetos educacionais dos governos Lula e Dilma que são incorporados ao PNE. Vamos a eles:
• SINAES / ENADE
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 13. Estratégia 13.1 Aprofundar e aperfeiçoar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior ‐ SINAES, de que trata a Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, fortalecendo as ações de avaliação, regulação e supervisão.
Meta 13. Estratégia 13.2 Ampliar a cobertura do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ‐ ENADE, de modo a que mais estudantes, de mais áreas, sejam avaliados no que diz respeito à aprendizagem resultante da graduação.
A Lei 10861 de 2004 institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e o Exame Nacionalde Desempenho de Estudantes – ENADE como uma das formas de avaliação.O projeto de avaliação foi um dos primeiros passos dados pelo governo na Reforma Universitária, é ummecanismo regulação‐supervisão do governo e considera como critério de avaliação à aplicação dos demaisprojetos da reforma universitária. Assim, serão bem avaliadas as instituições que tiverem boas relações com omercado, conforme determina a Lei e Inovação Tecnológica e o Decreto das Fundações; bom desempenho,entendido como uma competição entre as instituições; responsabilidade social, como fazer parte do ProUni;gestão nos moldes do governo, com maioria de docentes nos conselhos, criação de Conselhos com a participaçãoda “sociedade civil”, etc. O SINAES é portanto um mecanismo de subordinação das universidades aos projetos doGoverno Federal.
O ENADE substituiu o Provão do Governo FHC. É uma prova obrigatória feita por todos os estudantes no início eno final do curso, quem não comparecer não recebe o diploma. O ENADE permite o ranqueamento dasuniversidades, a divulgação dos números é parte do marketing das grandes empresas da educação e muitasfaculdades pagas chegam a dar cursos preparatórios para as provas.
• Expansão do FIES para educação profissional e para a pós graduação
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 12. Estratégia 12.6 Expandir o financiamento estudantil por meio do Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior ‐ FIES, de que trata a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, por meio da constituição de fundo garantidor do financiamento de forma a dispensar progressivamente a exigência de fiador.
Meta 11. Estratégia 11.6 Expandir a oferta de financiamento estudantil à educação profissional técnica de nível médio oferecidas em instituições privadas de educação superior.
Meta 14. Estratégia 14.3 Expandir o financiamento estudantil por meio do Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior ‐ FIES, de que trata a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, à pós‐graduação stricto sensu, especialmente ao mestrado profissional.
O FIES ‐ Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior – FIES foi criado pelo Governo FHC ampliadopelo governo Lula e agora expandido ao nível técnico e à pós graduação pelo novo PNE. É um mecanismo detransferência direta de dinheiro público para o ensino pago. O Governo paga para a instituição privada na formade empréstimo ao estudante, que restitui o valor à caixa econômica federal depois de formado. As instituiçõesprivadas sofrem com altos índices de inadimplência e o FIES, junto com o PROUNI, são fontes de recursos certospara essas empresas e o estudante além de ter acesso a cursos de baixa qualidade ainda se formam com umadívida colossal que os acompanha pelo dobro do tempo do curso (em média 10 anos).
• Novo ENEM
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 3. Estratégia 3.3 Utilizar exame nacional do ensino médio como critério de acesso à educação superior, fundamentado em matriz de referência do conteúdo curricular do ensino médio e em técnicas estatísticas e psicométricas que permitam a comparabilidade dos resultados do exame.
Utilizar o Exame Nacional do Ensino Médio como critério de acesso ao ensino superior foi um dos últimosprojetos implementados pelo governo Lula. A aplicação do exame foi um desastre logístico, as provas foramroubadas, o SISU (Sistema de Seleção Unificada) divulgou resultados errados, o caderno de respostas foi trocado,etc. Sem dúvida o vestibular precisa acabar, mas a idéia de distribuir todas as vagas entre todos os estudantes dopaís não é menos excludente, nem menos meritocrática. Os melhores passam nas melhores vagas e quem temmais dinheiro tem mais condições de estudar, seja perto, seja longe de casa.
Democratizar o ensino superioratravés de uma nova prova unificada é uma demagogia, não vai à raiz de nenhum dos problemas do ensinosuperior. O que justificam como necessidade do vestibular é a alta competição pelas vagas e o baixíssimo número devagas oferecidas no ensino superior. Enquanto essa contradição se mantiver, nenhuma mudança na forma deseleção resolve o modelo excludente que separa os ingressantes do ensino médio de uma vaga no ensinosuperior. Além disso, a ausência de políticas de assistência estudantil impede ou no mínimo dificulta muito que amobilidade estudantil seja uma realidade para os estudantes de baixa renda. É preciso por isso defender a expansão de vagas nas instituições públicas, em base a um grande investimento de verbas, para dar fim ao vestibular e universalizar o acesso ao ensino superior.
• Mestrado e Doutorado à distância
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 14. Estratégia 14.4 Expandir a oferta de cursos de pós‐graduação stricto sensu utilizando metodologias, recursos e tecnologias de educação à distância, inclusive por meio do Sistema Universidade Aberta do Brasil ‐ UAB.
A criação da Universidade Aberta do Brasil e com ela milhares de vagas no ensino à distância foi a principal formade expansão do ensino superior nos últimos oito anos. O ensino à distância na rede pública cresceu 10.410%3 e503%4 na rede privada. O PNE segue a mesma lógica e expande o ensino à distância para o mestrado e odoutorado. A comparação neste aspecto entre o novo PNE e o antigo revela as diferenças entre ambos. No PNE2001‐2010, o tema do ensino à distância era tratado no marco do uso de tecnologias para a aprendizagem, ressalvadas explicitamente que as mesmas não deveriam substituir a relação aluno–professor: “A televisão, ovídeo, o rádio e o computador constituem importantes instrumentospedagógicos auxiliares, não devendo substituir, no entanto, as relações de comunicação e interação direta entre educador e educando.”
Também neste aspecto o governo não cumpriu o PNE anterior, já que substituiu totalmente a interação diretaentre educador e educando, formando milhares de professores e futuramente formará doutores que nuncaentraram numa sala de aula. O novo PNE incorpora e amplia a Universidade Aberta do Brasil.
• PRONATEC
Texto do PNE 2010 – 2020:
Meta 11. Estratégia 11.5 Ampliar a oferta de matrículas gratuitas de educação profissional técnica de nível médio pelas entidades privadas de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.
O número de matrículas no ensino técnico cresceu 74,9 % nos últimos anos, chegando a 1,14 milhão. Essas vagasforam criadas em função das demandas da grande indústria que aumentou com o crescimento econômico. OPRONATEC é um programa elaborado pelo Governo Dilma em parceria com a Confederação Nacional da Indústria(CNI).
A proposta do programa é oferecer bolsas e financiamento estudantil em troca da isenção de impostos. Éuma versão ainda mais privatizante que o PROUNI, com envio direto de dinheiro para o setor privado, nãosomente via isenção de impostos. Através do BNDES, o governo pretende oferecer financiamento ao Sistema S(SENAI, SESC, SESI, SENAC). Em contrapartida os estudantes do ensino médio de escolas públicas poderão fazercursos gratuitos no horário em que não estão na escola. A previsão é atender 1,6 milhão de alunos no programa.
E o movimento estudantil com isso?
Com tantos problemas nesses projetos, era de se esperar que todo o movimento estudantil organizado estivesse em uma dura luta contra essas medidas. Pois bem, não foi isso que aconteceu. A UNE, entidade estudantil de tanta tradição, esteve na trincheira oposta ao dos estudantes.
Em 2007 não só apoiaram a aprovação do Reuni nas universidades como lutaram até fisicamente contra todos os estudantes que naquele momento protagonizaram uma onda de ocupações de reitoria para tentar barrar o decreto. A postura agora não é diferente: seguem apoiando o governo de forma incondicional, e dizem que o problema do Reuni é apenas de má administração. Vão agora nessa greve tentar dar uma de lutadores, dizer que apoiam a greve e que lutam por 10% do PIB pra educação. Como lutam por 10% do PIB se apoiam esse PNE, que prevê apenas 7,5% e só para 2020? Como defendem a educação, se negam que o Reuni é um dos maiores ataques à qualidade das nossas universidades? Como representam os estudantes se sempre ficam ao lado do governo?
A UNE, infelizmente, não serve mais para nos representar... Há muito tempo já perdeu sua real legitimidade e sua personalidade política. Porque preferiu manter uma relação de completa submissão ao governo e se afastar do mundo real da estudantada. Por isso, que agora está enrolada tendo que explicar seus gastos no TCU (Tribunal de Contas da União): porque não tem qualquer independência financeira em relação ao governo. A perda da independência financeira foi um dos grandes motivos para a perda da independência política.
A ANEL nunca vai dever explicações a ninguém sobre seu dinheiro, apenas aos próprios estudantes. Porque pedágios, livro-ouro, venda de bombons, e qualquer forma de campanha financeira independente, não pode ser alvo de investigação do TCU...
Por se manter firme na independência financeira, a ANEL consegue ter a independência que quiser politicamente. É por isso, que a ANEL sempre estará ao lado dos estudantes de todo o Brasil, lutando contra qualquer projeto que precarize a educação, como é o caso do Reuni e do PNE. É por isso que a ANEL, nessa greve, está todos os dias lutando incansavelmente com os estudantes, lado a lado com os professores e o funcionalismo.
A ANEL é uma grande impulsionadora do Comando Nacional de Greve dos Estudantes e vai jogar todos os seus esforços na sua consolidação e seu funcionamento democrático, pela base. Nos empenharemos em organizar os estudantes em todo o país para conquistar vitórias nessa luta. Com o movimento estudantil livre, podemos conquistar a educação que merecemos.
A educação que queremos
Quanto vale a educação nesse país?
É um consenso que a educação não é prioridade no Brasil. Nunca foi. Podemos afirmar isso não por uma impressão abstrata, um sentimento, uma suposição. Esse fato é facilmente confirmado pelo uso do orçamento do governo. Então vamos aos dados. No ano de 2011, de todo o orçamento governamental, apenas 3,9% foi usado para a educação e 49% (isso mesmo, praticamente a metade!) foi usado para pagamento dos juros da dívida pública. Sabe o que isso significa? Que praticamente a metade do nosso dinheiro foi parar nos bolsos dos banqueiros. Ou seja, são esses milionários que são a prioridade do governo e não a educação.
Nos últimos 2 anos, Dilma realizou cortes no orçamento, dizendo que o país tinha que se proteger da crise econômica mundial. Essa crise é fruto da ganância dos ricos e poderosos que, nessa sociedade controlada pelo mercado, fazem o que querem, passam por cima de quem for preciso, para garantir seus lucros. A crise não foi criada pela juventude e pelos trabalhadores. Por que então na hora de “salvar o país da crise” os prejudicados temos que ser nós? Esses cortes no orçamento atingiram fortemente as áreas sociais. Só da educação, somando os dois anos, perdemos 5 bilhões. Mais uma vez: e isso é colocar a educação como prioridade? Toda eleição, os candidatos dizem que vão valorizar a educação, mas na hora da verdade só nos atacam.
O nosso projeto para a educação
A ANEL é uma entidade que defende uma outra educação, que seja vista como um direito de todos, e não um privilégio ou uma mercadoria.Que não tem nada a ver com o REUNI ou esse PNE. Por isso, a entidade se coloca contra essas medidas. Defendemos em nosso programa o fim do vestibular e a ampla expansão de vagas na educação superior pública com qualidade no ensino e assistência estudantil. Não devemos escolher entre expansão precarizada ou universidade elitizada, como o governo quer com o REUNI.
Defendemos uma educação de qualidade, que seja pública e gratuita para todos e que sirva aos interesses dos trabalhadores e dos jovens do país. Que produza pesquisa e conhecimento a serviço da melhoria da qualidade de vida da população, e não a serviço do lucro de alguns poucos.
Para que isso ocorra, temos que ter o ensino médio, técnico e superior de qualidade, com investimento público. Defendemos com toda a força a destinação de 10% do PIB para a educação pública já. Importante frisar a palavra pública nessa reivindicação, pois somos contra qualquer desvio de verba pública para salvar os bolsos dos empresários da educação, que tratam a educação como uma mercadoria. E defendemos que as universidades pagas sejam estatizadas e colocadas a serviço de todo o povo brasileiro, e não apenas de quem pode pagar.
As universidades devem ser um local para a ampliação do conhecimento mais amplo, uma escola também de cultura e de diversidade, para criar sujeitos críticos e transformadores. Infelizmente, as universidades servem hoje apenas para a reprodução da sociedade vigente, inclusive reproduzindo em seu interior ideologias nefastas, como o machismo, o racismo e a homofobia. Essas ideologias devem ser expulsas dos meios acadêmicos e o governo tem a obrigação de promover a punição de quem cometer atos discriminatórios. Defendemos também a aplicação das cotas raciais e da promoção de assistência estudantil específica de gênero, para garantir a permanência das mulheres nos estudos, inclusive aquelas que sejam mães. A universidade também incorpora ideologias que sustentam o sistema capitalista e o modelo neoliberal, como o individualismo, a busca pela ascensão profissional acima de tudo, a visão de que a história chegou ao fim e que é imutável. Ideologias que servem para doutrinar consciências na alienação, na incapacidade de enxergar a construção de uma sociedade alternativa ao capitalismo.
É necessário também defender a democratização das universidades e escolas, com eleições diretas para reitores e diretores e com participação paritária dos estudantes nos conselhos dirigentes. Lutamos contra qualquer criminalização dos movimentos sociais e punição a estudantes lutadores. E repudiamos enormemente a presença de PM no interior de nossas escolas e faculdades, que devem garantir a segurança com funcionários vinculados à instituição pública, além de promover iniciativas que possibilitam a circulação maior de pessoas nos campi, com maior iluminação, transporte, atividades culturais, etc.
Queremos ter uma política de assistência estudantil decente, que de fato permita ao estudante permanecer estudando. Moradia em todas as universidades, bandejão e bolsas são coisas que não podem faltar.
Abaixo, colocamos algumas reivindicações para cobrarmos do governo federal:
- Dilma, chega de Reuni! Pela revogação das metas já!
- Não ao PNE! Não queremos mais Reuni! Por um plano nacional da educação elaborado pelo movimento da educação combativo e independente do governo. O que está aí não serve!
- Pela imediata aplicação de 10% do PIB na educação pública. A educação não pode mais esperar!
- Reajuste imediato da bolsa de auxílio estudantil para o valor do salário mínimo. R$ 360,00 não dá pra nada!
- Por um plano emergencial de melhoria da estrutura das universidades e conclusão imediata das obras. Nenhuma aula pode acontecer em container! Não queremos mais campus emprestado! Não podemos mais ver o teto caindo nas nossas cabeças!
- Por um plano emergencial para equipar melhor os laboratórios de estudo! Chega de laboratórios sem material, anatômicos sem peça, educação física sem quadra.
- Contra a privatização dos Hospitais Universitários! Não ao EBSERH! Pelo aumento de investimento público já! Recuperação imediata da excelência da assistência e do ensino dos HUs!
- Pela democratização das instâncias de decisão das universidades e escolas. Eleições diretas para diretores e reitores! Fim da lista tríplice, resquício da ditadura.
- Paridade nos órgãos colegiados.
- Pela ampliação do investimento em permanência estudantil que garanta assistência universal, gratuita e pública. Assistência estudantil de verdade! Nenhuma universidade sem moradia estudantil! Nenhum campus sem Restaurante Universitário! Transportes intercampi! Creches universitárias integrais e de qualidade para os filhos dos estudantes. Por concursos públicos para garantir esses serviços.
- Por políticas especiais nas universidades e escolas de combate ao machismo, racismo e homofobia. Pelas cotas raciais.
- Fora PM das universidades e escolas! Por uma política de segurança com a abertura de concurso público de guardas universitários, incluindo um contingente de mulheres, controlados pela comunidade acadêmica. Por maior iluminação dos campi e abertura da universidade para a comunidade.
- Contra a criminalização do movimento estudantil e todo tipo de perseguição política! Pela anulação de todos os processos contra estudantes!
Fonte: ANEL
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