domingo, 9 de setembro de 2012

Como as corporações estão comprando as eleições dos EUA



A lei dos EUA ainda bane corporações estrangeiras de participarem diretamente nas eleições do país. Mas após um caso vencido na Justiça pela ONG Citizens United, associações como o Instituto Americano do Petróleo, financiado transnacionais, entre elas a maior petroleira saudita, estão livres para gastar como quiserem. O presidente Obama já fez essa denúncia.

No dia 27 de janeiro de 2010, um ano na presidência, o presidente Barack Obama tratou de um problema no discurso feito para a ocasião. A Suprema Corte acabara de abrir "as portas a interesses especiais, incluindo de corporações estrangeiras, para gastar um montante sem limites nas nossas eleições". Ele se reportava à decisão judicial para o embate entre a ONG Citizens United e a Comissão Eleitoral Federal [agência do governo dos EUA que regula o financiamento eleitoral no país], na qual a corte derrubou uma centena de leis, garantindo às corporações um novo e vasto campo para influenciar o resultado das eleições.

Nos meses depois do discurso de Obama, o Instituto Americano do Petróleo (API, na silha em inglês), uma associação de indústrias petrolíferas que representa centenas de multinacionais de petróleo e gás, demonstraria o quão premonitório era o aviso do presidente.

Antes da decisão da corte, a API havia entrado em conflito contra o presidente sobre seus esforços em animar as discussões sobre o aquecimento global. Isso demandou anúncios, contratações de lobistas da K Street [avenida de Washington que concentra escritórios de lobby], e o financiamento de estudos controversos para afirmar que até mesmo a mais irrisória regulação legislativa, como a taxa Waxman-Markey de limitação de carbono emitido, arruinaria a economia. O grupo gastou US$ 7,3 milhões em lobbys federais durante o ano em que a taxa era discutida.

Mas chegada a eleições legislativas de meio de mandato, a Citizens United entregou para a API uma bala adicional a seu revólver. O grupo poderia agora enviar doações não reveladas de corporações diretamente para entidades de campanha. Dentre os executivos que lideravam a API naquela época - e ainda hoje faz parte da liderança - estava Tofiq Al-Gabsani, um lobista contratado pelo governo saudita. Al-Gabsani é o diretor-executivo da Saudi Refining Inc., uma total subsidiária da Companhia de Petróleo da Arábia Saudita, a gigante petrolífera estatal mais conhecida como Aramco.

A Aramco, pela sua subsidiária americana, é conhecida por ser um dos maiores doadores da API. De acordo com o Washington Post, a contribuição das maiores empresas atinge cerca de US$ 20 milhões por ano. A API tem, sem muito apuro, 400 empresas membros, mas somente um pequeno grupo de CEOs da indústria de óleo e gás senta-se à mesa de diretores, que analisam as principais decisões sobre campanha política, isto de acordo com os arquivos de negócio estatal e dois ex-executivos da API. Ao lado de grandes empresas americanas como ExxonMobil e ConocoPhillips, um desses diretores foi Al-Gabsani.

A lei americana ainda bane corporações estrangeiras de participarem diretamente nas eleições. Mas depois da Citizens United, associações como API - na qual membros influentes incluem corporações estrangeiras - estão livres para gastar como querem, tranquilizados pelas exigências de divulgação. Estes grupos aproveitam totalmente suas novas liberdades. Enquanto outros comitês de campanha, de centrais sindicais a super comitês políticos, encaram regras rígidas de transparência, associações multinacionais desfrutam de um poder incomparável na manipulação camuflada das eleições usando o dinheiro corporativo.

Grupos financiados pela API foram a força por trás da massiva onda de propagandas negativas para golpear Democratas nas eleições legislativas. O candidato a senador democrata Joe Sestak da Pensilvânia "votou no plano desempregador e censor-limitador de Pelosi", entoou uma propaganda de TV, no período eleitoral, pela Americans for Tax Reform, um dos vários grupos financiados pela API em 2010. Sestak votou pela cobrança na poluição por carbono, a propaganda continua, que institui "uma enorme cobrança que faria as contas públicas e também o preço da gasolina subirem". Sestak perdeu sua disputa para o Senado, e seu assento no Congresso foi um dos 63 tomados pelos Republicanos.

As propagandas bancadas por entidades como API ajudaram numa das maiores decepções da história americana. Pela primeira vez, gastos de grupos externos ofuscaram os gastos do próprio partido. O jovem presidente, com décimos de seu partido e com o Congresso na mão da extrema-direita, foi forçado a abandonar muitos dos seus planos nacionais internos.

Talvez o aspecto mais profundo da derrota democrata desse ano: a esperança de um confronto com o aquecimento global foi perdida. Com eventos climáticos convulsionando no globo, 86% dos recém-chegados republicanos assinaram emenda contra qualquer regulação climática às indústrias petrolíferas. Foi o líder do Congresso, John Boehner, levantar o martelo, e qualquer chance de aprovação de lei climática foi por água abaixo. Deste modo, a derrota democrata foi uma vitória retumbante das companhias de petróleo representadas pela API - e para Arábia Saudita, a maior exportadora de petróleo do mundo.

A Arábia Saudita trabalhou durante anos para obstruir qualquer progresso em reformas climáticas. Apenas semanas antes do discurso feito por Obama à União alertando sobre os perigos do dinheiro corporativo estrangeiro, Mohammad Al-Sabban, conselheiro-sênior do governo saudita de políticas energéticas, ajudou a organizar a oposição ao acordo global climático em Copenhagen. Como muitos dos interesses destes grupos dependem de combustíveis fósseis, Al-Sabban negou até a ideia de que a indústria contribuiu para o aquecimento global. "O clima está mudando há milhares de anos, mas por razões naturais não humanas", disse à BBC News.

Antes da decisão da Suprema Corte, a saudita Aramco estava proibida de usar dinheiro corporativo para influenciar uma eleição americana. A única opção da companhia seria pedir que seus empregados americanos fizessem pequenas doações para comitês políticos transparentes.

Uma decisão de 1990 da Suprema Corte, Austin v. Michigan Chamber of Commerce, requereu que associações comercias desmembrassem-se e fossem rigorosamente reguladas caso solicitassem participar das eleições federais. Estes comitês políticos poderiam somente receber financiamento, às claras, de indivíduos, em quantias limitadas pela Comissão Eleitoral Federal. Associações comerciais foram restringidas na disputa de 2002 pela lei McCain-Feingold, que evitou corporações de levarem ao ar a chamada comunicação eleitoral dentro de 60 dias da eleição. Esse banimento englobou anúncios perniciosos, comerciais onipresentes que são algo como isto: "Ligue para o senador John Smith e o impeça de continuar acabando com empregos!".

Então, em 2007, apenas um ano depois de o juiz Samuel Alito [considerado conservador] assumir o posto da juíza Sandra Day O'Connor, e também somente dois anos na gestão de John Roberts como chefe da Suprema Corte, esta foi trabalhar na revogação de todas as restrições. Naquele ano, no caso Federal Election Commission v. Wisconsin Right to Life, a maioria conservadora da corte trouxe abaixo os limites nos financiamentos corporativos de anúncios. Três anos depois, a ONG Citizens United expandiu consideravelmente o escopo desta decisão, derrubando qualquer proibição contra corporações de levarem ao ar qualquer anúncio eleitoral de qualquer tipo, a qualquer hora.

Na contra-mão, o jurista John Paul Stevens alertou que a lógica da Suprema Corte, que coloca em pé de igualdade o gasto por corporações com o gasto por indivíduo particular, abriria portas para influência estrangeira em eleições americanas. A decisão dispõe "a mesma proteção às corporações multinacionais controladas por estrangeiros também para indivíduos particulares americanos", escreveu Stevens.

O jurista, em vias de se aposentar, na sua mais longa dissidência, caçoou da maioria das reclamações de que corporações são censuradas na sociedade americana. Tivesse tal decisão posta no cenário pré-Segunda Guerra, ele comenta, propagandas japonesas no Pacífico Sul estariam de acordo com a Primeira Emenda. E embora Stevens tenha continuado a preocupação sobre influência estrangeira em discursos, lobistas reconheceram imediatamente os caminhos pelos quais as corporações poderia tomar vantagem desta decisão.

Em 2010, Cleta Mitchell, uma advogada eleitoral republicana que aconselhou candidatos presidenciais tanto quanto corporações, começou a entregar apresentações em PowerPoint para executivos das maiores associações comerciais. Numa versão chamada "Atividade Política depois de Citizens United: entendendo oportunidades e riscos", apresentada na capital americana, Washignton, em centros de conferências para grupos comerciais, como a Consumer Eletronics Association (CEA), Mitchell destacou que "muitas corporações não se arriscaram no envolvimento próprio nos anúncios”, e também não escolherão trabalhar com comitês que estão sob a tutela dos requerimentos de transparência. Envolvimento tão direto, ela avisa, pode resultar em "problemas para imagem pública da corporação, assim como experimentou a Target".

Ela se refere ao episódio que desde então se tornou notório no mundo corporativo eleitoral, quando a Target e a Best Buy foram as duas das primeiras grandes empresas a tomar vantagem da decisão Citizens United com a doação de US$ 250 mil para as prévias em Minnesota, ao comitê criado para apoiar Tom Emmer, candidato estadual. Mas Emmer foi o mais proeminente opositor aos direitos gays, e quando arquivos revelaram que Target financiou sua campanha, MoveOn.org organizou um boicote às lojas da companhia. O CEO da Target, Gregg Steinhafel, foi forçado a retroceder, e o episódio tornou-se o que James Kahl - conselheiro geral da Comissão Eleitoral Federal que agora aconselha organizações comerciais - chama de "conto de advertência".

Apesar desse caso, a advogada Cleta Mitchell disse que "as associações comercias são as grandes vencedores": sem arquivos, sem transparência, sem problemas.


Tradução de Caio Sarack

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