Um dia, no ponto de ônibus, na correspondência, na caixa de mensagens, a felicidade aparece. Vai caminhando ao seu lado enquanto conta da viagem, do tempo, dos lugares onde estivera. Você leva as malas dela até o carro, abre-lhe a porta e ela pega a estrada em sua companhia. Depois ela entra em sua casa e olha suas fotos, dança sobre o tapete da sala, bebe cerveja com a sede de um estivador e canta com a graça de um anjo no dia de seu aniversário.
Então ela fuma meia dúzia de cigarros, beija você na boca com um hálito fresco, limpo, e adormece no quarto ao lado.
Porque a felicidade é uma linda mulher pequena que dorme no quarto ao lado. Ela dorme pesado, como os animais tristes que se afastam do mundo para morrer só, mas com a consciência leve das crianças, rolando preguiçosa sobre suas dimensões diminutas como os raros instantes perfeitos da vida.
Essa moça dorme com justiça, cansada da viagem longa, satisfeita em ter gargalhado com você das coisas pequenas, contado de suas andanças por um país minúsculo, perguntado sobre as distâncias de uma cidade a outra e anunciado que um dia terá um restaurante incrível em que o único serviço será fazer as pessoas felizes, restaurá-las de suas dores, encher-lhes a barriga de boa comida e o coração de festa.
Enquanto dorme, ela ocupa sozinha a cama inteira. Vista assim, a felicidade parece grande. Mas por maior que pareça, ela cabe numa só cama de um só quarto ao lado. Lá fora o mundo se acaba em pau e pedra, pólvora e desamor. Em dívidas estendidas e multiplicadas. Na ignorância, na inveja, na violência. Mas nada disso importa, porque no quarto ao lado a felicidade repousa tranquila, pequenina e grandiosa. Breve e inesquecível.
Ela respira o mesmo ar quente e viciado que você. E de seus pulmões pequenos lhe devolve uma brisa fresca de vento marinho. Ela tem uma borboleta pousada no pescoço e um raio de sol no pé esquerdo. Os homens e mulheres do mundo esquecem seus compromissos, se perdem na mais absoluta falta de amor, de valores e de vergonha na cara. Mas a moça pequenina ainda dorme no quarto ao lado.
Acredite. A felicidade é uma moça pequenina que dorme no quarto ao lado. Ela vive perto, mas nunca a ponto de você guardá-la em seus braços e torná-la moradora para sempre. Dorme no quarto ao lado hoje. E amanhã está pronta para partir.
Lisa, breve, chega sem desfazer as malas. Vem como quem já vai partir. A felicidade é uma moça pequenina que dorme no quarto ao lado. Vem, vai, volta. Passa por debaixo de nossas pernas, escorrega entre nossos dedos, desce pelo ralo do banheiro, some no portão de embarque, acaba no último acorde das canções de amor e dor.
Você volta a dormir. E sonha com a moça pequenina que dormiu no quarto ao lado. Linda, leve. Tão real quanto a fortuna dos sonhos.
A moça pequenina se foi mais uma vez. É tempo de arrumar o quarto ao lado e esperar que ela volte um dia. Talvez esse dia nunca chegue. Você dorme triste e pesado como os animais que se afastam do mundo para morrer só.
E sonha, leve e feliz, com a mulher mais linda do mundo, a moça pequenina que dorme no quarto ao lado.
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