Por meio deste dossiê, marxismo21 busca atenuar uma grave injustiça em relação à obra teórica de ALBERTO PASSOS GUIMARÃES (1908-1993). Como esclarece um ensaísta, num texto reproduzido abaixo, há um assombroso desconhecimento – fora e dentro dos meios acadêmicos brasileiros – da trajetória intelectual e política de Alberto Passos Guimarães. “Respondem por esta desmemória, em primeiro lugar, a operação borracha que a ditadura instaurada em 1964 procurou realizar sistematicamente por todos os meios e modos (…); e, secundariamente, a pauperização cultural que vem marcando as duas últimas décadas da vida intelectual brasileira”. Autor de importantes livros sobre a questão agrária no Brasil, devemos ressaltar aqui dois fatos relevantes sobre este autor: foi ele um autodidata que escreveu alguns trabalhos que se tornaram clássicos do pensamento social brasileiro (entre eles, Quatro séculos de latifúndio e As classes perigosas); por sua vez, é bastante significativo que, durante mais de 60 anos, Alberto Passos Guimarães jamais abandonou a militância política, pois, até a sua morte, esteve ativamente vinculado ao Partido Comunista Brasileiro. Nossa expectativa é a de que este dossiê contribua para um melhor conhecimento da obra deste relevante pensador marxista
Ressaltando que este dossiê teve a ativa participação de um membro do Conselho Consultivo do blog, Davisson Souza, os Editores também são gratos à Direção da Editora da UFRJ pela gentileza de ceder o texto de José Paulo Netto que faz a Apresentação do notável e atualíssimo As classes perigosas : banditismo urbano e rural.
Editoria de marxismo21
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Sobre As classes perigosas
José Paulo Netto
A republicação de As classes perigosas: banditismo urbano e rural, de Alberto Passos Guimarães, atende a uma dupla demanda da inteligência crítica brasileira. A primeira, mais ou menos óbvia, é repor em circulação um livro há muito esgotado, só encontrável em bibliotecas ou alfarrabistas – e, qualifique-se, um livro da máxima relevância; a segunda é relembrar a importância contemporânea da obra de Alberto Passos Guimarães, nascido nas Alagoas, mais precisamente em Maceió, em 16 de abril de 1908, e falecido no Rio de Janeiro, cidade em que viveu por quase meio século, em 24 de dezembro de 1993 (…)
Pois bem: o livro que em boa hora a Editora UFRJ recoloca à mão do leitor exemplifica à perfeição a resistência (e, pois, a atualidade) do labor de Alberto Passos Guimarães. Escrito no ocaso da ditadura do grande capital instaurada em 1964 e publicado quando a intelectualidade acadêmica mal despertava para os fenômenos da violência urbana contemporânea, As classes perigosas permanece absolutamente relevante decorrido um quarto de século desde que viu a luz, ainda que os dados sobre os quais se apoia mostrem-se anacrônicos. A verificação elementar de Alberto Passos Guimarães continua irreprochável. Permito-me uma longa citação:
É óbvia [...] a impossibilidade de eliminar-se a pobreza dentro das sociedades marcadas pelas fortes desigualdades, entre extremos de riqueza e extremos de pobreza; e, consequentemente, é de toda a evidência a impossibilidade de eliminar-se certo nível relativamente mais elevado de criminalidade dentro de tais sociedades. Mas a situação atual nas áreas metropolitanas – e já nas áreas urbanas menores – de nosso País está sendo estigmatizada por acontecimentos de tal frequência que excedem os limites comuns a todas as capitais dos países capitalistas, desenvolvidos ou não desenvolvidos, e cujo surpreendente e crescente grau de violência envolve uma cada vez mais numerosa parcela da população, vítima das mais diversas formas de atentados aos seus bens e à sua vida. Pouco a pouco, a violência das classes criminosas se estende ao conjunto da população; parte desta procura reagir, também por meio da violência, aos atentados de que é vítima, tentando fazer justiça, por suas próprias mãos, recorrendo a práticas igualmente condenáveis e igualmente criminosas, como a dos linchamentos. À violência dos criminosos se junta a violência das próprias vítimas e, a essas duas, uma terceira se vem juntar: a violência dos órgãos policiais, que pouco fazendo para prevenir o crime, querem compensar sua ineficácia tentando inútil e injustificadamente eliminar o crime aumentando o grau de ferocidade da repressão.
E se, para Alberto Passos Guimarães, não podem pairar questionamentos acerca da causalidade profunda desse quadro – em suas palavras, “não pode haver a menor dúvida quanto à influência preponderante que têm os fatores econômicos na motivação do banditismo urbano” (p. 248-249) –, ele não se restringe a essa indicação abstrata: recorre à análise histórica da formação econômico-social brasileira para concretizá-la, mostrando como a “via prussiana” marca a constituição do capitalismo no Brasil e como ao monopólio oligárquico da terra (nunca rompido) deve-se creditar uma “população excedentária” inabsorvível nos marcos de uma industrialização/urbanização como a que aqui se processou. E, de maneira rigorosa, Alberto Passos Guimarães detecta e compreende o pauperismo no Brasil como entrecruzamento de concentração de propriedade e de concentração de renda (entrecruzamento que envolve, naturalmente, a concentração de poder político).
Ademais – e este aspecto deve ser sublinhado –, a compreensão que nosso autor tem dos “fatores econômicos” nada concede ao economicismo. Se vincula a eles “os efeitos negativos dos desequilíbrios demográficos, do pioramento das condições de habitação, de alimentação, de falta de assistência sanitária, de recursos médico-hospitalares, os sintomas de desnutrição, as altas taxas de mortalidade geral e de mortalidade infantil” (p. 258), Alberto Passos Guimarães assinala também, no contraponto da crescente magnitude da violência, a emergência de uma nova moralidade: ler mais
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I. Textos de Alberto Passos Guimarães
Três textos sobre a estratégia (debate com J. Gorender, J. Amazonas e M. Grabois)
II. Textos sobre Alberto Passos Guimarães
Agraristas brasileiros, Raimundo Santos (dois textos)
Sobre Quatro séculos de latifúndio, José Ricardo Figueiredo
Alberto Passos Guimarães num velho debate, Raimundo Santos
Quatro séculos de latifúndio: feudalismo ou capitalismo, prof. Mazucheli
Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Jr.: a questão agrária nos anos 1960, José Oliveira da Silva
A questão agrária brasileira: Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior, Ricardo Oliveira da Silva e Claudia Wasserman
Sobre a colônia: Alberto Passos Guimarães e N. Werneck Sodré, Carlos Cordovano Vieira
Um autodidata que lutou pela justiça social, Diego Barros
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III. Textos que aludem à obra de Alberto Passos Guimarães
A luta pela terra em Formoso e Trombas e a política do PCB (1950-1964), Paulo Ribeiro Cunha
Interpretações marxistas sobre a colônia, Carlos Cordovano Vieira
O agrarismo comunista brasileiro, Valmir Stropasolas e Guilherme Moita
A reforma agrária na visão dos intelectuais da década de 1960, Andrius Estevam Noronha
História agrária na perspectiva sócio-econômica, Erivaldo Neves
Questão agrária e desenvolvimento capitalista (1950-1964), Fabiana Rodrigues
Debate historiográfico sobre o universo rural dos oitocentos, Márcia Menendes Motta
Graciliano Ramos e a revista Novidade, Ieda Lebensztayn
Fonte: http://marxismo21.org/
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