Newton Lima Neto
Engenheiro químico, Político de São Carlos
Agnaldo Soares Lima
Padre salesiano, Presidente do CMDCA - São Carlos
Engenheiro químico, Político de São Carlos
Agnaldo Soares Lima
Padre salesiano, Presidente do CMDCA - São Carlos
O exemplo de São
Carlos, que reduziu os homicídios praticados por adolescentes, mostra
que o ECA deve ser aplicado, e não modificado.
Como seria dizer que um remédio não é
bom para uma doença ou, ainda, que é necessário dar uma dose maior para
que ele produza o seu efeito antes mesmo que ele tenha sido administrado
ao doente? Essa é a imagem que deveria vir às nossas cabeças quando se
fala em mudança do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) ou em
redução da idade penal.
Nem bem colocamos em prática os
princípios contidos nessa lei, de 1990, nem experimentamos executar suas
proposições pensadas e discutidas por quem atua na área e somos
interpelados por aqueles que apenas a conhecem pelo "ouvi dizer" e, sob
clima de comoção, querem propor mudanças ou estabelecer critérios mais
duros na sua aplicação.
Solidarizar-se com a tragédia e a
barbárie vivida pelo pequeno João Hélio e sua família é o mínimo que se
espera de um cidadão consciente. Indignação é, por certo, atitude ainda
mais adequada. O que fazer, porém, diante de fatos como esse exige de
nós uma reflexão séria e a busca de uma solução consistente. Para
continuar na comparação acima, não é a receita que cura o paciente, mas a
administração regular do medicamento.
O adolescente é impulsivo, imprevisível,
ousado. Isso nós já conhecemos e sabemos que faz parte das suas
qualidades e também está presente nos seus erros. Por não acreditar no
impossível, ele é capaz de fazer malabarismos impensáveis sobre uma
bicicleta, um skate ou um par de patins.
Bem orientado, é capaz de canalizar tais
atributos para grandes realizações. O que vemos muitas vezes, porém,
são oportunidades negadas e uma contínua exclusão. Excluído da família,
da escola, do lazer, da profissionalização, do trabalho e, não raro, até
da sociedade pelo seu modo irreverente de se vestir e de andar.
Negamos as oportunidades, os deixamos à
mercê do consumismo e da mídia que banaliza a violência e os valores
morais e, quando caminham em direção ao delito, mais uma vez o que nos
ocorre é a violação do direito.
O ECA contempla a situação do jovem que
errou e, pedagogicamente, propõe um itinerário que o ajude a se
reorientar de forma positiva. Serviços comunitários, liberdade assistida
e semiliberdade são oportunidades que devem levá-lo a refletir sobre
sua conduta antes que tome gosto pelos enganos do mundo da
criminalidade.
Salvo raras exceções, programas de
medidas socioeducativas inexistem ou têm péssima qualidade. Não
investimos na prevenção e queremos relegar a responsabilidade à
internação.
Chame-se por qualquer nome (Degase,
Febem, Caje etc.) esses centros que se regem pelas mesmas leis dos
cárceres e presídios para adultos. Não será o tempo que os jovens
permanecem neles que irá tirá-los do mundo da criminalidade. Serão as
oportunidades oferecidas e o que fizermos para que eles não precisem
chegar lá.
São Carlos, no interior do Estado de São
Paulo, vem apostando nessa fórmula. Em 2001, criou o NAI (Núcleo de
Atendimento Integrado) e tirou do papel o art. 88, inciso V, do ECA.
Começou a trabalhar na integração entre Estado e município, Judiciário,
segurança pública, Ministério Público, assistência social, saúde,
educação, ONGs e família. Uma ação ágil na intervenção junto ao
adolescente autor de ato infracional, que se inicia a partir de pequenos
desvios, que tem como centro da sua atenção a pessoa do adolescente, e
não o delito praticado, tem trazido bons resultados.
A cidade, que em 1998 teve 15 homicídios
praticados por adolescentes, viu cair este índice para no máximo dois
por ano entre 2001 e 2005 e nenhum em 2006. O índice de reincidência de
São Carlos fica em torno de 4%, contra uma média de 30% quando apenas há
procedimentos convencionais de internação. Além disso, teve reduzido em
90% o número de internos na Febem quando comparado a municípios de
igual porte.
A experiência, que busca sempre novos
parceiros para melhorar ainda mais, é exemplo concreto de que o ECA
precisa ser aplicado, e não modificado. Para multiplicá-la pelo país,
basta vontade política de governantes, pois recursos financeiros não
faltam -o interno da Febem, por exemplo, custa quatro a cinco vezes mais
que um jovem atendido pelo NAI.
Além do mais, nenhum país resolveu o
problema pelo endurecimento das leis. Reduzir a idade penal é ilusório,
inócuo e contraproducente. Investir em educação, oportunidades e atenção
é mais barato, eficiente e humano.
Artigo publicado na Folha de São Paulo, de 26 de fevereiro de 2007
[Fonte: Folha de São Paulo - Folha OnLine]
[Fonte: Folha de São Paulo - Folha OnLine]
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