Krugman: políticas atuais agravarão a crise
"Na superfície, parece uma sucessão incomum de azares.
Primeiro, o estouro da bolha imobiliária e a crise bancária desencadeada
em consequência. Então, quando o pior parecia haver passado, a Europa mergulhou
numa crise de dívidas e numa recessão em dois mergulhos. A Europa ao
fim alcançou uma estabilidade precária e começou a crescer de novo – mas
agora, assistimos a grandes problemas na China e
em outros mercados emergentes, que haviam sido pilares de
força. Contudo, não se trata de acidentes sem relação entre si. Estamos,
na verdade, vivendo o que sempre ocorre quando muito dinheiro está em
busca de poucas oportunidades de investimento". escreve Paul Krugman, em artigo publicado por Outras Palavras, 24-08-2015.
Eis o artigo.
Não culpe a China por novos terremotos financeiros. Fragilidade da economia global tem causas profundas. Resposta convencional – cortar gastos públicos e elevar juros – é a pior possível.
Que está causando as quedas abruptas das bolsas de valores? O que elas significam para o futuro? Ninguém tem muitas respostas.
Tentativas de explicar as oscilações diárias nos mercados são normalmente insanas: uma pesquisa em tempo real sobre o crash de 1987 da bolsa de Nova York
não encontrou evidência alguma para nenhuma das explicações que os
economistas e jornalistas ofereceram para o fato. Descobriram, ao invés
disso, que as pessoas estavam vendendo ações porque – você adivinhou! –
os preços caíam. E o mercado de ações é um péssimo guia sobre o futuro
da economia. Paul Samuelson brincou, certa vez, que os mercados haviam previsto nove das cinco recessões anteriores, e nada havia mudado a este respeito…
De qualquer forma, os investidores estão claramente nervosos – e têm
boas razões para isso. Nos EUA, as notícias econômicas mais recentes são
boas (ainda que não ótimas), mas o mundo como um todo parece muito
propenso a acidentes. Há sete anos, vivemos numa economia global que tropeça de crise em crise. Cada vez que uma parte do mundo finalmente parece colocar-se em pé, outra despenca.
Mas por que a economia mundial continua capengando?
Na superfície, parece uma sucessão incomum de azares. Primeiro, o estouro da bolha imobiliária e a crise bancária desencadeada em consequência. Então, quando o pior parecia haver passado, a Europa
mergulhou numa crise de dívidas e numa recessão em dois mergulhos. A
Europa ao fim alcançou uma estabilidade precária e começou a crescer de
novo – mas agora, assistimos a grandes problemas na China e em outros mercados emergentes, que haviam sido pilares de força.
Contudo, não se trata de acidentes sem relação entre si. Estamos, na
verdade, vivendo o que sempre ocorre quando muito dinheiro está em busca
de poucas oportunidades de investimento.
Mais de uma década atrás, Ben Bernanke, então o presidente do banco central dos EUA (FED),
argumento que a disparada do déficit comercial norte-americano não era o
resultado de fatores domésticos, mas de uma “abundância global de
poupança”. Um volume de poupança muito maior que o de investimentos – na
China e em outras nações em desenvolvimento, provocado em parte pelas
políticas adotadas em reação à crise asiática dos anos 1990 – estava
deslocando-se para os EUA, em busca de lucros. Ele alertou levemente
para o fato de que o capital que entrava não estava sendo canalizado
para investimentos produtivos, mas para imóveis. É calro que o alerta
deveria ter sido muito mais forte (alguns de nós o fizemos). Mas a
sugestão de que o boom imobiliário dos EUA era em parte causado por
fraqueza em economias de outros países permanece válido.
É claro que o boom converteu-se numa bolha, que provocou enorme
estrago ao estourar. E não foi o fim da história. Houve também uma
inundação de capitais, da Alemanha e outros países do norte da Europa, para a Espanha, Portugal e Grécia. Isso também provocou a formação de uma bolha, cujo estouro, em 2009-2010 precipitou a crise do euro.
E ainda não acabou. Quando os EUA e a Europa deixaram de ser destinos
atraentes para o capital [devido à redução das taxas de juro a quase
zero], a abundância global saiu em busca de novas bolhas a inflar, levando moedas como o real brasileiro
a altas insustentáveis. Não poderia durar e agora estamos em meio a uma
crise de mercados emergentes que faz alguns observadores lembrarem-se
da Ásia nos anos 1990 – lembre-se, onde tudo começou.
Portanto, para onde o fluxo cambiante da abundância aponta agora?
Talvez, de novo para os EUA, onde um novo fluxo de capitais externos
provoca a alta do dólar e pode tornar a indústria novamente não-competitiva.
O que provoca a abundância global? Provavelmente, uma soma de
fatores. O crescimento populacional está arrefecendo em todo o mundo e,
apesar de toda a fanfarra com as últimas tecnologias, elas não parecem
criar nem um grande aumento de produtividade, nem demanda para
investimentos. A ideologia da austeridade, que conduziu a um enfraquecimento sem precedentes dos gastos públicos, ampliou o problema. E a inflação
baixa, em todo mundo, que significa taxas de juros baixas, mesmo quando
as economias estão crescendo aceleradamente, reduziu o espaço para
cortar estas taxas, quando as economias se contraem. Qualquer que seja o
mix preciso das causas, o importante agora é que os governos assumam
seriamente a possibilidade – eu diria probabilidade – de que excesso de
poupança e fraqueza econômica global tenha se tornado a nova normalidade.
Minha percepção é de que há, hoje, uma profunda falta de vontade
política, mesmo entre governantes sofisticados, para aceitar esta
realidade. Em parte, é devido a interesses especiais: Wall Street
e os mercados não gostam de ouvir que um mundo instável requer
regulação financeira, e os políticos que desejam matar o estado de
bem-estar social não querem ouvir que os gastos governamentais não são
um problema, no cenário atual.
Mas há também, estou convencido, uma espécie de preconceito emocional
contra a própria noção de abundância global. Políticos e tecnocratas
gostam de se enxergar como pessoas sérias, que tomam decisões difíceis –
como cortar programas populares e elevar taxas de juros.
Eles não querem ser informados de que estamos num mundo em que
políticas aparentemente rigorosas irão tornar as coisas piores. Mas nós
estamos, e elas vão.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/
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