Cuba constitui um sistema de poder popular único, autóctone, que não é cópia de nenhum outro
Anita Leocadia Prestes* - Do Brasil de Fato
Ao estudar o sistema político vigente em Cuba, é necessário lembrar
que seus antecedentes remontam ao ano de 1869, quando o povo da pequena
ilha caribenha lutava de armas na mão pela independência do jugo
colonial espanhol. Seus representantes se reuniram na parte do
território já liberado e constituíram a Assembléia Legislativa, que
aprovou a primeira Constituição da República de Cuba em armas. Era assim
estabelecida a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e abolida a
escravidão até então existente. Essa primeira Assembléia Constituinte
elegeu o Parlamento cubano daquela época e também, de forma democrática,
seu Presidente, assim como o Presidente da República de Cuba em armas,
designando ainda o Chefe do Exército que levaria adiante a luta pela
independência.
Poder Popular
Cuba socialista reconheceu a importância de tal herança e, inspirada
também nos ensinamentos do grande pensador e líder revolucionário José
Martí, chegou a criar um sistema político que constitui um Sistema de
Poder Popular único, autóctone, que não é cópia de nenhum outro. Em Cuba
não existem os chamados três poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário), característicos do sistema político burguês. Há um só poder
– o poder popular. Como o povo exerce o poder? Segundo a Constituição, o
povo o exerce quando aprova a Constituição e elege seus representantes
e, em outros momentos, mediante as assembleias do Poder Popular e outros
órgãos que são eleitos por estas Assembleias, como é o caso do Conselho
de Estado, órgão da Assembléia Nacional. Portanto, o poder popular é
único e exercido através das assembleias do Poder Popular.
Mais:
Outro elemento importante do sistema político cubano é a existência,
de acordo com a Constituição, de um único partido – o Partido Comunista.
Não se trata de um partido eleitoral, e por isso não participa do
processo eleitoral, designando ou propondo candidatos ou realizando
campanha a favor de determinados candidatos. Seguindo o caminho apontado
por José Martí, fundador do Partido Revolucionário Cubano - partido
único como única via para conquistar a unidade de todo o povo na luta
pela independência e a soberania do país, e também na luta por justiça
social -, o Partido Comunista de Cuba se diferencia do conceito clássico
de partidos políticos; além de não ser um partido eleitoral, é o
partido dirigente da sociedade, cujas funções e cujo papel são
reconhecidos pela imensa maioria do povo. A definição do seu papel está
inscrita na Constituição, aprovada em referendo público, mediante voto
livre, direto e secreto de 97,7% da população.
Trabalhadores
É importante ressaltar que o PC é constituído pelos cidadãos mais
avançados do país, o que se garante mediante um processo de consulta das
massas. São os trabalhadores que não pertencem ao PC que propõem, em
assembleias, as pessoas que devem ser aceitas em suas fileiras. Depois
que o Partido toma decisão sobre as propostas dos trabalhadores, se
reúne novamente com eles para informá-los. Quando toma decisões em seus
congressos, o PC as discutiu antes com a população. O Partido não dá
ordens à Assembleia Nacional do Poder Popular nem ao Governo. O PC, após
consultar o povo, sugere e propõe aos órgãos do Poder Popular e ao
Governo as questões que somente a essas instituições cabe o papel de
decisão.
O Parlamento cubano se apoia em cinco pilares de uma democracia genuína e verdadeira, a saber:
• O povo propõe e nomeia livre e democraticamente os seus candidatos.
• Os candidatos são eleitos mediante voto direto, secreto e majoritário dos eleitores.
• O mandato dos eleitos pode ser revogado pelo povo a qualquer momento.
• O povo controla sistematicamente os eleitos.
• O povo participa com eles da tomada das decisões mais importantes.
O sistema do Poder Popular em Cuba é constituído pela Assembleia
Nacional, as Assembleias Provinciais, as Assembleias Municipais, o
Conselho Popular e a Circunscrição Eleitoral, que é o degrau básico de
todo o sistema. Nenhum desses órgãos está subordinado a outro, mas todos
funcionam de forma que suas funções e atividades sejam complementares,
tendo em vista alcançar o objetivo de que o povo possa exercer o governo
de maneira prática e efetiva.
Assembleias
O sistema do Poder Popular se apresenta atualmente em Cuba da
seguinte maneira: no nível nacional, a Assembleia Nacional do Poder
Popular; em cada uma das 14 províncias, as Assembleias Provinciais do
Poder Popular e nos 169 municípios, as Assembleias Municipais; no nível
de comunidade, os Conselhos Populares (1540); cada Conselho agrupa
várias circunscrições eleitorais e é integrado pelos seus delegados,
dirigentes de organizações de massas e representantes de entidades
administrativas. No nível de base, ainda que sem formar parte de maneira
orgânica da estrutura do sistema do Poder Popular, nem do Estado,
tem-se a circunscrição eleitoral. A circunscrição eleitoral e o seu
delegado são a peça-chave, a peça fundamental do sistema. A
circunscrição se organiza para efeito das eleições, mas o delegado
continua funcionando na área por ela abarcada e, por isso, a mesma
continua sendo sempre denominada de circunscrição.
Idade de Votar
Participam das eleições todos os cidadãos cubanos a partir dos 16
anos de idade, que estejam em pleno gozo dos seus direitos políticos e
não se incluam nas exceções previstas na Constituição e nas leis do
país. Os membros das Forças Armadas têm direito a voto, a eleger e a
ser eleitos. A Constituição estabelece que cada eleitor tem direito a um
só voto. O voto é livre, igual e secreto. É um direito constitucional e
um dever cívico, que se exerce de maneira voluntária, e quem não o
fizer não pode ser punido.
Diferentemente dos sistemas eleitorais das democracias
representativas burguesas, em que os candidatos aos cargos eletivos são
escolhidos e apresentados pelos partidos políticos, em Cuba o direito de
escolher e apresentar os candidatos a delegados às assembleias
Municipais do Poder Popular é exclusivamente dos eleitores. Esse direito
é exercido nas assembléias gerais dos eleitores das áreas de uma
circunscrição eleitoral da qual eles sejam eleitores. A circunscrição
eleitoral é uma divisão territorial do município e constitui a célula
fundamental do sistema do Poder Popular. O número de circunscrições
eleitorais em cada município é determinado a partir do número de seus
habitantes de maneira que o número de delegados das circunscrições à
Assembleia Municipal nunca seja inferior a trinta.
Registro Público
O registro eleitoral em Cuba é automático, público e gratuito; todo
cidadão, ao atingir os 16 anos de idade e estando em pleno gozo dos seus
direitos políticos, é registrado como eleitor. Segundo a lei, no país
são realizados dois tipos de eleições: 1) eleições gerais, em que são
eleitos, a cada cinco anos, os deputados à Assembleia Nacional e demais
instâncias de âmbito nacional, incluindo o Conselho de Estado, assim
como os delegados às assembleias Provinciais e Municipais e seus
presidentes e vice-presidentes; 2) eleições parciais, a cada dois anos e
meio, em que são eleitos os delegados às assembleias Municipais e seus
presidentes e vice-presidentes. Deve-se assinalar que tanto os deputados
à Assembleia Nacional quanto os delegados às assembleias Provinciais e
Municipais são eleitos diretamente pela população.
As eleições são convocadas pelo Conselho de Estado, órgão da
Assembleia Nacional que a representa entre os períodos de suas sessões,
executa suas decisões e cumpre as funções que a Constituição lhe
atribui. Para organizar e dirigir os processos eleitorais, são
designadas Comissões Eleitorais Nacional, Provinciais, Municipais, de
Distritos, de Circunscrição e, em casos necessários, Especiais. A
Comissão Eleitoral Nacional é designada pelo Conselho de Estado, as
Comissões Provinciais e Especiais são designadas pela Comissão Eleitoral
Nacional, as Comissões Eleitorais Municipais pelas Comissões Eleitorais
Provinciais e assim por diante. Todos os gastos com as eleições são
assumidos pelo Orçamento do Estado; portanto os candidatos nada gastam
durante todo o processo eleitoral.
Comissões de Candidaturas
Para elaborar e apresentar os projetos de candidaturas de delegados
às assembleias Provinciais e de deputados à Assembleia Nacional e para
preencher os cargos que são eleitos por elas e as assembleias
Municipais, são criadas as Comissões de Candidaturas Nacional,
Provinciais e Municipais integradas por representantes das organizações
de massas e de estudantes e presididas por um representante da Central
de Trabalhadores de Cuba, assegurando desta maneira a direção dos
trabalhadores em todo o processo eleitoral. A propaganda eleitoral é
feita exclusivamente pelas Comissões Eleitorais, garantidas a todos os
candidatos condições de igualdade; nenhum candidato pode fazer campanha
para si próprio.
Para ser proposto como candidato a deputado à Assembleia Nacional, é
necessário ter sido apresentado como pré-candidato por uma das
organizações de massas do país, que a Comissão Nacional de Candidaturas
submeta essa proposta à consideração da Assembleia do Poder Popular do
município correspondente, e que esta, pelo voto de mais da metade dos
Delegados presentes, aprove a sua designação como candidato por esse
território. Será considerado eleito deputado à Assembleia Nacional o
candidato que, tendo sido apresentado pela respectiva Assembleia
Municipal, tenha obtido mais da metade dos votos válidos emitidos no
município ou Distrito Eleitoral, segundo o caso de que se trate. As
eleições para os demais níveis do Poder Popular seguirão a mesma
sistemática.
Mesmo Salário
Em Cuba, os deputados à Assembleia Nacional e os delegados às demais
Assembleias não recebem nenhum tipo de remuneração pelo exercício do
mandato popular; continuam exercendo suas profissões em seus locais de
trabalho e recebendo o salário correspondente. A Assembleia Nacional se
reúne duas vezes ao ano, as Provinciais Municipais com maior frequência.
Os deputados e delegados exercem seus mandatos junto aos seus
eleitores, prestando-lhes contas periodicamente e podendo, de acordo com
a Lei, serem por eles removidos a qualquer momento, desde que, em sua
maioria, considerem que seus representantes não estão correspondendo aos
compromissos assumidos perante o povo.
Sem espaço para um exame mais detalhado do Sistema Político de Cuba, é
esclarecedor, entretanto, abordar o processo de eleição do presidente
do país, que é o presidente do Conselho de Estado e do Conselho de
Ministros. Para ser eleito presidente é necessário ser Deputado e, por
isso, deve ter sido eleito por voto direto e secreto da população, da
mesma forma que todos os 609 deputados da Assembleia Nacional. No caso
específico, por exemplo, do presidente Fidel Castro, ele foi designado
candidato pela Assembleia Municipal de Santiago de Cuba e eleito pelos
eleitores de uma circunscrição do município e, além disso, eleito pela
maioria, pois a lei eleitoral estabelece que nenhum deputado pode ser
eleito sem obter mais de 50% dos votos válidos. Posteriormente, sua
candidatura a presidente do Conselho de Estado foi votada pelos
deputados, devendo alcançar mais de 50% dos votos para ser considerado
eleito.
A abordagem realizada do Sistema Político de Cuba, ainda que sucinta,
evidencia seu caráter popular e democrático, que é, entretanto,
permanentemente distorcido e falsificado pela mídia a serviço dos
interesses do grande capital internacionalizado.
♦ Anita Leocadia Prestes é
professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e
presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.
Fonte: http://www.carosamigos.com.br/
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