Por Tamara Freire, em seu blog
Quando você argumenta que seus pais só pagam seu cursinho porque trabalham muito, eu não me comovo. Porque o que me comove são as pessoas realmente pobres, que mesmo trabalhando muito mais do que os seus pais, ainda assim não podem dispor de dinheiro nem para comprar material escolar para os filhos.
Querido estudante branco, de classe média, que faz cursinho
pré-vestibular particular: eu sei que é difícil quando alguém nos faz
enxergar nossos próprios privilégios, mas deixa eu tentar mais uma vez.
Eu (e mais uma penca de gente, me arrisco a dizer) não me importo com
o quão “difícil” será para você entrar naquele curso de medicina mega
concorrido com o qual você sonha, porque, simplesmente, esta conversa
não é sobre você.
Eu sei que praticamente todas as conversas deste mundo são sobre você
e você está acostumado com isso, então deve ser um baque não ser o
centro das atenções. Mas, seja forte! É verdade: nós não estamos falando
sobre você.
Quando você chora pelo sonho que agora parece mais distante de se
realizar, suas lágrimas não me comovem. Porque o que me comove são as
lágrimas daqueles que nascem e crescem sem qualquer perspectiva para
alimentar o mesmo sonho que você. É sobre essas pessoas que estamos
falando e não sobre você.
Quando você esperneia pelos mil reais gastos todos os meses com a
mensalidade do seu cursinho e que agora se revelam “inúteis”, eu não me
comovo. Porque o que me comove são as milhares de famílias inteiras que
se sustentam durante um mês com metade da quantia gasta em uma dessas
mensalidades. É sobre essas pessoas que estamos falando, não sobre você.
Quando você argumenta que, na verdade, seus pais só pagam seu
cursinho porque trabalham muito ou porque você ganhou um desconto pelas
boas notas que tira, eu não me comovo. Porque o que me comove são as
pessoas realmente pobres, que mesmo trabalhando muito mais do que os
seus pais, ainda assim não podem dispor de dinheiro nem para comprar
material escolar para os filhos, quem dirá uma mensalidade escolar por
mais barata que seja. É sobre essas pessoas que estamos falando, não
sobre você.
Quando
você muito benevolente até admite que alunos pobres tenham alguma
vantagem, mas acredita ser racismo conceder cotas para negros ou outros
grupos étnicos eusa até os dois negros que você conhecem que conseguiram
entrar numa universidade pública sem as cotas, como exemplo de que a
questão é puramente econômica e não racial, eu não me comovo. Na
verdade, eu sinto uma leve vontade de desistir da raça humana, eu
confesso, mas só para manter o estilo do texto eu preciso dizer que o
que me comove é olhar para o restante da sala de aula onde esses dois
negros que você citou estudam e ver que os outros 48 alunos são brancos.
E olhar para as estatísticas que mostram a composição étnica da
população brasileira e contatar a abissal diferença dos números. É sobre
os negros que não estão nas universidades que estamos falando, não
sobre você ou seus amigos.
Se a coisa está tão ruim, que tal propormos uma coisa: troque de
lugar com algum aluno de escola pública. Já que não é possível trocar a
cor da sua pele, pague, pelo menos, a mensalidade para que ele estude na
sua escola e se mude para a dele. Ou, seja a cobaia da sua própria
teoria. Já que você acredita que a única ação que deveria ser proposta é
melhorar a educação básica: peça para o seu pai investir o dinheiro
dele em alguma escola, entre nela gratuitamente junto com alguns outros
alunos, estude nela durante 12 anos e então volte a tentar o vestibular.
Ah, você não pode esperar tanto tempo? Então, porque os negros e pobres
podem esperar até mais, já que todos sabemos que o problema da má
qualidade da educação básica no Brasil não é algo que pode ser resolvido
de ontem pra hoje?
Então, por favor, reconheça o seu privilégio branco e classe média e
tire ele do caminho, porque essa conversa não é sobre você. Já existem
espaços demais no mundo que têm a sua figura como estrela principal, já
passou da hora de mais alguém nesse mundo brilhar.
Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br
muito bom!
ResponderExcluir