Para
homenagear o dia da luta internacional das mulheres, queremos partir
dessa bela afirmação da grande filósofa feminista, Socialista Livre,
radical defensora da liberdade comprometida, autora de O Segundo Sexo,
Simone Beauvoir. Partindo do princípio existencialista-marxista de que
“a existência precede a essência”, os Socialistas Livres, ao longo da
história, sempre recusaram pensar uma essência primeira para o gênero
feminino, em outras palavras, primeiro o ser existe, depois, em
liberdade, exerce escolhas que vão criando a constitutividade
político-discursivo-ideológica desse sujeito social, não importa se este
ser nasce como um corpo dotado de genitálias masculinas ou femininas.
Qual
a radicalidade desse princípio existencialista-marxista de que “a
existência precede a essência”, quando vamos lutar por lugares outros
para a mulher na sociedade? Exatamente o fato de que o lugar
econômico-social-ideológico-político-discursivo da mulher é construído
socialmente, logo, não passa de pura dominação ideológica querer traçar
um destino e uma essência moral para a mulher se encaixar, destino e
essência, estes, muitas vezes construídos sob a ótica de atender o
interesse dominador daqueles que possuem corpos com genitálias
masculinas. O que Simone Beauvoir anuncia é a radicalidade de que cada
mulher singular é livre e responsável para criar sua própria moral
existencial, bem como livre e responsável para lutar por espaços
econômico-sociais que retirem a mulher da condição de corpo destinado a
viver “supostas essências femininas” traçada pela ditadura dos machos.
Acreditar
que existe, enquanto essência, um “lugar da mulher” na sociedade seria
uma atitude comodista, subserviente e equivocada, retirando da mulher
exatamente a sua única força capaz de criar seu próprio destino, a sua
liberdade de escolha em traçar caminhos diferentes, inclusive os
considerados “impossíveis para a mulher”. Portanto, o que existe, sim, é
uma construção econômico-ideológico-jurídico-discursiva-social que,
criada com base em opressões e dominações, tenta enquadrar a mulher em
papeis não escolhidos por ela própria.
Estamos
com Simone Beauvoir, a mulher não tem de seguir nenhuma “moral
feminina”, por medo de deixar de ser mulher. Todas as morais criadas
para a feminilidade, desde usar saia frufru a depilações e cirurgias
plásticas aparentemente naturais para alimentar a sede de lucro das
indústrias cosméticas, passando pela tortura de ser “a responsável pelos
serviços domésticos” ou de ser “a responsável por cuidar dos filhos”,
até ser o objeto sexual monogâmico do homem, não passam de “morais e
essências construídas” que servem tão somente para criar um padrão do
ser mulher na sociedade. E a quem interessa padronizar os corpos das
mulheres ou padronizar esse jeito de ser mulher? Basta exercer a postura
crítica que veremos a que serve cada “moral social” construída para a
mulher. Existe toda uma parafernália ideológica para fazer a mulher
acreditar que o “ser mulher” é algo eterno e imutável, quando tudo isso
não passa de dominações de mau gosto que tiram toda a criatividade e
toda liberdade da singularidade de cada mulher, colocando-a em lugares
sociais perpassados por opressões cotidianas.
Até
em brincadeiras, aparentemente inofensivas, como brincar de boneca,
constrói-se um lugar para mulher na sociedade, como se o corpo feminino,
desde criança, fosse incapaz de inventar seu próprio destino, tendo de
resignar-se a cuidadora de bebês. Existem movimentos permitidos e
movimentos proibidos para o corpo feminino, como se a mulher fosse
incapaz de criar e assumir seus próprios movimentos corporais. Assim,
sem direito à liberdade de movimentar o próprio corpo a seu bel prazer, é
um passinho para, nesse jogo de dominação ideológica, tirarem da mulher
a liberdade também de decidir sobre o próprio corpo, tornando-a um ser
infeliz, pois um corpo escravizado não pode ser feliz. O corpo da mulher
é cobrado a aparecer socialmente de acordo com determinados padrões de
moda e beleza, como se a mulher tivesse de ser aquilo que estipulam para
ela e não o que cada mulher singular estipula para si mesma.
À
mulher também, estupidamente, coloca-se o fardo ideológico-econômico de
cuidar dos filhos, como se a responsabilidade de procriar a espécie
humana fosse exclusiva de um único corpo, o feminino. É absurdo o número
de filhos morando apenas com as mulheres, enquanto os machos ficam
soltos e livres para fazer outros órfãos. A que serve essa “moral da
generosidade feminina” que a responsabiliza por cuidar moralmente dos
filhos? Muito triste, não é verdade?. E pior, como o próprio Estado
Capitalista Burguês é gerenciado sob a ótica dos machos, em uma
compulsão pela economia de gastos, nunca foi prioridade absoluta a
construção de creches diurnas e noturnas, onde os bebês e as crianças
possam ser socialmente assistidos e cuidados. É um absurdo o Estado
Capitalista Burguês deixar exclusivamente nas costas das mulheres a
responsabilidade social-econômica por dar continuidade à espécie humana.
Incrível como os políticos silenciam quanto a esse fato, inclusive, no
Brasil, em que a gerente maior do Estado Burguês Brasileiro é uma
mulher, Dilma Roussef.
À
mulher, de um modo geral, “morais machistas” aparecem como sendo
“essências”, ofuscando a liberdade da mulher em criar a singularidade de
sua própria vida, conforme suas escolhas. À mulher, nascida
economicamente no seio da classe trabalhadora, tanto pior. Não é apenas
oprimida por uma moral machista que tenta impedir sua liberdade de
construir a própria vida e de decidir sobre o próprio corpo. A mulher
trabalhadora é, além de tudo, mais explorada pelos patrões do que os
homens trabalhadores o são. Os patrões, usando da desculpa ideológica
esfarrapada e antiga de que a mulher “produz menos, devido à menor força
física”, aproveitam-se disso para extrair uma maior parcela de
mais-valia da mulher trabalhadora. Lembrando que, no sentido marxista,
“mais-valia é o tempo de trabalho não pago aos trabalhadores e às
trabalhadoras”, justamente o tempo em que a mulher trabalhadora trabalha
gratuitamente para gerar riquezas para os patrões, dando-lhes o chamado
lucro. O que essa ideologia atrasada esconde é que hoje, com as
diversas tecnologias, não faz diferença ter mais ou menos força física: a
mulher consegue operar, com igual produtividade, qualquer trabalho que
os homens executam. Por que a mulher trabalhadora não recebe salário
igual por trabalho igual? Absurdos que o dia de luta internacional da
mulher não pode deixar de denunciar.
Por
fim, terminamos aqui por denunciar a pior das crueldades. Fruto dessa
moral machista hipócrita e escravocrata que, imputando uma falsa “moral
feminina” a “ser seguida como essência” pelas mulheres, mas que, no
fundo, tira a liberdade de a mulher decidir sobre o próprio corpo,
oprimindo-a em cadeias ideológicas insanas, dezenas e dezenas de
mulheres são assassinadas por dia nesse planeta, quando se recusam a
manter relações afetivo-sexuais com determinados machos estúpidos. Este é
o lado mais dramático e atroz dessa moral que tenta impedir a mulher de
decidir e escolher o que fazer com o próprio corpo.
E
aqui, para subverter essa lógica escravocrata e determinista, retomamos
a radicalidade do princípio socialista livre de Simone Beauvoir:
“ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. E que cada mulher tenha essa
coragem de ser livre, que cada mulher rompa com essa ideologia do
“feminino” que se quer a-histórico e eterno. Não existe nada eterno e
natural no que se refere ao lugar social das mulheres. A mulher é um ser
social em construção e, em liberdade, escolhendo e decidindo sobre o
próprio corpo, sem ceder nenhum milímetro às ideologias
machistas-capitalistas-escravocratas que tentam aprisioná-las e
explorá-las, deve ser a única dona e toda soberana do seu destino. O
socialismo livre deve ser o destino de mulheres e homens livres que, não
aceitando a opressão e a exploração como práticas naturais e eternas,
celebram tão somente a liberdade de ser o que se escolhe ser, sem seguir
padrões questionáveis e suspeitos. Ser mulher livre é a possibilidade
máxima a ser construída e vivida por todas as mulheres e por todos os
homens que respiram a liberdade, sem jamais ceder a quaisquer práticas
que cheirem opressão e exploração. O lugar da mulher livre é o mesmo
lugar do homem livre: é um lugar socialista livre.
Por:
Gílber Martins Duarte – Socialista Livre – Conselheiro do Sindute-MG e
diretor da subsede do Sindute em Uberlândia - Professor da Rede Estadual
de Minas Gerais – Doutorando em Análise do Discurso/UFU - Membro da
CSP-CONLUTAS.
Fonte: Blog socialistalivre
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