domingo, 10 de março de 2013

“Não nasci mulher, tornei-me mulher”, Simone Beauvoir!


Para homenagear o dia da luta internacional das mulheres, queremos partir dessa bela afirmação da grande filósofa feminista, Socialista Livre, radical defensora da liberdade comprometida, autora de O Segundo Sexo, Simone Beauvoir. Partindo do princípio existencialista-marxista de que “a existência precede a essência”, os Socialistas Livres, ao longo da história, sempre recusaram pensar uma essência primeira para o gênero feminino, em outras palavras, primeiro o ser existe, depois, em liberdade, exerce escolhas que vão criando a constitutividade político-discursivo-ideológica desse sujeito social, não importa se este ser nasce como um corpo dotado de genitálias masculinas ou femininas.
Qual a radicalidade desse princípio existencialista-marxista de que “a existência precede a essência”, quando vamos lutar por lugares outros para a mulher na sociedade? Exatamente o fato de que o lugar econômico-social-ideológico-político-discursivo da mulher é construído socialmente, logo, não passa de pura dominação ideológica querer traçar um destino e uma essência moral para a mulher se encaixar, destino e essência, estes, muitas vezes construídos sob a ótica de atender o interesse dominador daqueles que possuem corpos com genitálias masculinas. O que Simone Beauvoir anuncia é a radicalidade de que cada mulher singular é livre e responsável para criar sua própria moral existencial, bem como livre e responsável para lutar por espaços econômico-sociais que retirem a mulher da condição de corpo destinado a viver “supostas essências femininas” traçada pela ditadura dos machos.
Acreditar que existe, enquanto essência, um “lugar da mulher” na sociedade seria uma atitude comodista, subserviente e equivocada, retirando da mulher exatamente a sua única força capaz de criar seu próprio destino, a sua liberdade de escolha em traçar caminhos diferentes, inclusive os considerados “impossíveis para a mulher”. Portanto, o que existe, sim, é uma construção econômico-ideológico-jurídico-discursiva-social que, criada com base em opressões e dominações, tenta enquadrar a mulher em papeis não escolhidos por ela própria.
Estamos com Simone Beauvoir, a mulher não tem de seguir nenhuma “moral feminina”, por medo de deixar de ser mulher. Todas as morais criadas para a feminilidade, desde usar saia frufru a depilações e cirurgias plásticas aparentemente naturais para alimentar a sede de lucro das indústrias cosméticas, passando pela tortura de ser “a responsável pelos serviços domésticos” ou de ser “a responsável por cuidar dos filhos”, até ser o objeto sexual monogâmico do homem, não passam de “morais e essências construídas” que servem tão somente para criar um padrão do ser mulher na sociedade. E a quem interessa padronizar os corpos das mulheres ou padronizar esse jeito de ser mulher? Basta exercer a postura crítica que veremos a que serve cada “moral social” construída para a mulher. Existe toda uma parafernália ideológica para fazer a mulher acreditar que o “ser mulher” é algo eterno e imutável, quando tudo isso não passa de dominações de mau gosto que tiram toda a criatividade e toda liberdade da singularidade de cada mulher, colocando-a em lugares sociais perpassados por opressões cotidianas.
Até em brincadeiras, aparentemente inofensivas, como brincar de boneca, constrói-se um lugar para mulher na sociedade, como se o corpo feminino, desde criança, fosse incapaz de inventar seu próprio destino, tendo de resignar-se a cuidadora de bebês. Existem movimentos permitidos e movimentos proibidos para o corpo feminino, como se a mulher fosse incapaz de criar e assumir seus próprios movimentos corporais. Assim, sem direito à liberdade de movimentar o próprio corpo a seu bel prazer, é um passinho para, nesse jogo de dominação ideológica, tirarem da mulher a liberdade também de decidir sobre o próprio corpo, tornando-a um ser infeliz, pois um corpo escravizado não pode ser feliz. O corpo da mulher é cobrado a aparecer socialmente de acordo com determinados padrões de moda e beleza, como se a mulher tivesse de ser aquilo que estipulam para ela e não o que cada mulher singular estipula para si mesma.
À mulher também, estupidamente, coloca-se o fardo ideológico-econômico de cuidar dos filhos, como se a responsabilidade de procriar a espécie humana fosse exclusiva de um único corpo, o feminino. É absurdo o número de filhos morando apenas com as mulheres, enquanto os machos ficam soltos e livres para fazer outros órfãos. A que serve essa “moral da generosidade feminina” que a responsabiliza por cuidar moralmente dos filhos? Muito triste, não é verdade?. E pior, como o próprio Estado Capitalista Burguês é gerenciado sob a ótica dos machos, em uma compulsão pela economia de gastos, nunca foi prioridade absoluta a construção de creches diurnas e noturnas, onde os bebês e as crianças possam ser socialmente assistidos e cuidados. É um absurdo o Estado Capitalista Burguês deixar exclusivamente nas costas das mulheres a responsabilidade social-econômica por dar continuidade à espécie humana. Incrível como os políticos silenciam quanto a esse fato, inclusive, no Brasil, em que a gerente maior do Estado Burguês Brasileiro é uma mulher, Dilma Roussef.
À mulher, de um modo geral, “morais machistas” aparecem como sendo “essências”, ofuscando a liberdade da mulher em criar a singularidade de sua própria vida, conforme suas escolhas. À mulher, nascida economicamente no seio da classe trabalhadora, tanto pior. Não é apenas oprimida por uma moral machista que tenta impedir sua liberdade de construir a própria vida e de decidir sobre o próprio corpo. A mulher trabalhadora é, além de tudo, mais explorada pelos patrões do que os homens trabalhadores o são. Os patrões, usando da desculpa ideológica esfarrapada e antiga de que a mulher “produz menos, devido à menor força física”, aproveitam-se disso para extrair uma maior parcela de mais-valia da mulher trabalhadora. Lembrando que, no sentido marxista, “mais-valia é o tempo de trabalho não pago aos trabalhadores e às trabalhadoras”, justamente o tempo em que a mulher trabalhadora trabalha gratuitamente para gerar riquezas para os patrões, dando-lhes o chamado lucro. O que essa ideologia atrasada esconde é que hoje, com as diversas tecnologias, não faz diferença ter mais ou menos força física: a mulher consegue operar, com igual produtividade, qualquer trabalho que os homens executam. Por que a mulher trabalhadora não recebe salário igual por trabalho igual? Absurdos que o dia de luta internacional da mulher não pode deixar de denunciar.
Por fim, terminamos aqui por denunciar a pior das crueldades. Fruto dessa moral machista hipócrita e escravocrata que, imputando uma falsa “moral feminina” a “ser seguida como essência” pelas mulheres, mas que, no fundo, tira a liberdade de a mulher decidir sobre o próprio corpo, oprimindo-a em cadeias ideológicas insanas, dezenas e dezenas de mulheres são assassinadas por dia nesse planeta, quando se recusam a manter relações afetivo-sexuais com determinados machos estúpidos. Este é o lado mais dramático e atroz dessa moral que tenta impedir a mulher de decidir e escolher o que fazer com o próprio corpo.
E aqui, para subverter essa lógica escravocrata e determinista, retomamos a radicalidade do princípio socialista livre de Simone Beauvoir: “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. E que cada mulher tenha essa coragem de ser livre, que cada mulher rompa com essa ideologia do “feminino” que se quer a-histórico e eterno. Não existe nada eterno e natural no que se refere ao lugar social das mulheres. A mulher é um ser social em construção e, em liberdade, escolhendo e decidindo sobre o próprio corpo, sem ceder nenhum milímetro às ideologias machistas-capitalistas-escravocratas que tentam aprisioná-las e explorá-las, deve ser a única dona e toda soberana do seu destino. O socialismo livre deve ser o destino de mulheres e homens livres que, não aceitando a opressão e a exploração como práticas naturais e eternas, celebram tão somente a liberdade de ser o que se escolhe ser, sem seguir padrões questionáveis e suspeitos. Ser mulher livre é a possibilidade máxima a ser construída e vivida por todas as mulheres e por todos os homens que respiram a liberdade, sem jamais ceder a quaisquer práticas que cheirem opressão e exploração. O lugar da mulher livre é o mesmo lugar do homem livre: é um lugar socialista livre.
Por: Gílber Martins Duarte – Socialista Livre – Conselheiro do Sindute-MG e diretor da subsede do Sindute em Uberlândia - Professor da Rede Estadual de Minas Gerais – Doutorando em Análise do Discurso/UFU - Membro da CSP-CONLUTAS.
Fonte: Blog  socialistalivre

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