Autor: Agnaldo Damasceno Pereira- Professor de Sociologia
A partir de uma leitura marxiana e marxista, compreendemos a escola
como aparelho ideológico do Estado burguês. Veremos aqui a repercussão
dessa ideologia no trabalho docente da rede pública de ensino estadual
de Minas Gerais. Para tanto, tomaremos o Estado neoliberal, em seu tripé
de abertura comercial e financeira, privatizações de empresas estatais,
assim como a desregulamentação de direitos sociais e leis trabalhistas,
como características próprias do “Choque de Gestão” de que o governo
Aécio tem sido signatário. Discutiremos duas ações governamentais
próprias do “Choque de Gestão”: Avaliação Desempenho e a Lei
Complementar 100, que demonstram a verdadeira função do estado mineiro.
Ao nos referirmos ao estado de Minas Gerais, não estamos compreendendo o
Estado no seu sentido mais amplo de povo-nação, mas, na sua devida
dimensão de estado-membro, que compõem essa unidade maior que é a
federação, e que, portanto, reproduz, em proporções menores e, guardadas
suas particularidades, as mesmas relações existentes no Estado
brasileiro.
Reconhecemos as gestões do governo do estado de Minas Gerais, de 2003
a 2010, como seguidoras dos ajustes políticos e econômicos empreendidos
pelos governos neoliberais no Brasil. A velha retórica positivista
ganha uma nova roupagem: a entrada no processo de “globalização” exige
uma administração racional, eficiente e participativa, as propostas de
reforma da educação básica aparecem como uma tentativa de conformar um
novo tipo de sujeito social capaz de se adaptar às novas necessidades de
um mundo do trabalho cada vez mais flexível, competitivo e precário.
Tendo em vista que o Estado neoliberal obedece às diretrizes de desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, legitimado pela esfera jurídica e reforçado pela ideia liberal de democracia participativa, os esforços na elaboração das políticas educacionais, nos vários embates entre “ramos do aparelho de Estado” (POULANTZAS, 1978) como: o poder executivo (governo de Minas) e o poder legislativo (assembleia) têm ganhado maior relevância no Estado burguês e as implicações dessas ações e legislações tem produzidos efeitos nocivos ao trabalho docente.
Tendo em vista que o Estado neoliberal obedece às diretrizes de desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, legitimado pela esfera jurídica e reforçado pela ideia liberal de democracia participativa, os esforços na elaboração das políticas educacionais, nos vários embates entre “ramos do aparelho de Estado” (POULANTZAS, 1978) como: o poder executivo (governo de Minas) e o poder legislativo (assembleia) têm ganhado maior relevância no Estado burguês e as implicações dessas ações e legislações tem produzidos efeitos nocivos ao trabalho docente.
Dentro da perspectiva marxista, e, em especial a de Althusser,
buscaremos desenvolver a relevância dos aparelhos repressivos e
ideológicos do Estado, na reprodução das relações de produção
capitalistas. O Estado capitalista se vale da ideologia e da força para
manter a sociedade de classe, isso fica mais visível ao analisarmos os
mecanismos de controle e coerção social. Passamos, então, a analisar
algumas das ações governamentais, referentes às políticas educacionais
mineiras para alcançar esse êxito, em especial, a Avaliação Desempenho e
a Lei Complementar 100.
Nesse sentido, para Augusto, a avaliação de desempenho representou um elemento importante no controle dos trabalhadores em educação:
Nesse sentido, para Augusto, a avaliação de desempenho representou um elemento importante no controle dos trabalhadores em educação:
“Existem mecanismos de controle na forma organizacional absorvida
pelo Estado sobre o gerenciamento de pessoas e escolas em seu sistema
educacional. Tais mecanismos se constituem em critérios na avaliação do
desempenho institucional e individual. Os resultados das avaliações
determinam os salários, as progressões na carreira e formas de
intervenção para redirecionar as ações, e até a possibilidade de
dispensa de pessoal”. (AUGUSTO, 2005, p.10)
A consequência de tal mecanismo é visível no comportamento do
professorado, isso porque, em tempos de perda de direitos trabalhistas, a
baixa avaliação pode repercutir em progressão de carreira, e, em casos
mais extremos, até na exoneração do funcionário. Os critérios para tal
avaliação, embora sejam preestabelecidos, guardam um grande caráter
subjetivo, que fica a cargo da comissão examinadora na própria escola,
sempre com a participação da direção. Dessa forma, o Estado passa uma
visão destorcida e falaciosa de “Gestão Democrática”: se, por um lado,
permite a participação da comunidade escolar, por outro, as regras e a
ideologia norteadoras já estão definidas, de modo que, a visão liberal
burguesa, com mesclas de autoritarismo, permeia por todas as estruturas
sociais, e, em específico, na escola, por meio também da Avaliação
Desempenho.
Nos dizeres de Althusser, a escola, juntamente com a Igreja,
torna-se, na sociedade contemporânea, um dos principais aparelhos
ideológicos do Estado,
“assim sendo, ao mesmo tempo, e junto com essas técnicas e
conhecimentos, aprendem-se na escola as “regras” do bom comportamento,
isto é, as conveniências que devem ser observadas por todo agente da
divisão do trabalho conforme o ponto que ele esteja “destinado a
ocupar”. A reprodução de sua qualificação representa também a reprodução
de sua submissão”. (Althusser, 1992, p.58)
Nesse sentido, a escola ganha uma relevância na reprodução da
hegemonia burguesa, e o Estado garante, por meio do processo
legislativo, os interesses da classe dominante, no ambiente formal da
escola. Nessa perspectiva, o estado e, em particular, o de Minas Gerais,
consegue alcançar sua função jurídica de individualizar os agentes da
produção e ao mesmo tempo, sua função política de neutralizar a ação
coletiva dos trabalhadores. Apesar dos interesses diversos dos partidos
políticos que compõem o poder legislativo da assembleia mineira, nota-se
um atrelamento dos interesses do poder executivo e o parlamento, de
modo que, a oposição é praticamente inexistente.
É dessa maneira que o trabalho docente tem enfrentado grandes
desafios, isso porque a implementação do neoliberalismo no país tem
tratado o sistema educacional como terreno fértil na difusão de seu
programa, o que se apresenta sob forma dos vários mecanismos jurídicos:
leis, decretos, medida provisória, resolução e outros, que têm o intuito
de retirar/flexibilizar os direitos sociais e trabalhistas, na
premência de diminuir os gastos públicos. Essas diretrizes têm atingido
também o sindicalismo, como defende Galvão (2002), para quem,
principalmente a partir, da década de 1990, ocorrem mudanças
significativas, na maior parte dos sindicatos brasileiros, que passam a
tomar uma postura muito mais propositiva, de negociações com o
“patronato” e aceitando, sem grandes mobilizações e resistências, as
reformas trabalhistas em geral.
Para a gestão pública neoliberal, o Estado não seria mais o ente
responsável a propor soluções “universalistas” para as políticas
educacionais (estas passaram a ser entendidas sempre como supérfluas),
fazendo com que, nesse cenário, ocorressem a descentralização e a
privatização de boa parte de suas atribuições, além da responsabilização
crescente do indivíduo (tanto o aluno pelo seu desempenho, quanto o
professor pela sua progressão de carreira) por seu sucesso ou fracasso. A
escola pública passa a ser tratada como se pertencesse à lógica da
esfera privada, exceto, pelos baixos investimentos destinados ao sistema
público de educação, que segundo (PINTO, 2008), dados da Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2007),
encontram-se entre os mais ínfimos:
“[...] aplicando aí [na escola] os princípios e métodos da
chamada administração geral (que nada tem de geral, pois politicamente
interessada em manter a dominação e a desigualdade de posição do
trabalho diante do capital), por outro, estimular a busca de recursos
junto aos próprios usuários, ou às empresas privadas, cujos interesses
não são necessariamente educativos”. (PARO, 2009, p. 30)
As justificativas desse governo, apropriando-se do liberalismo
burguês, sustentam-se na concepção de uma administração pública
racional, moderna e eficiente, com ideologias tecnocráticas, própria de
setores da classe média (SAES, 1985), que têm uma adesão significativa
de parcela da sociedade, tendo em vista a insatisfação da população em
relação ao “Estado Burocrático” ineficiente e parcial. Como argumenta
Viriato:
“O Estado não perde o controle da política educacional; pelo
contrário, planeja e indica diretrizes, responsabiliza os municípios e
coopta ‘cidadãos participantes’ para uma prática fiscalizadora. Sendo
assim, a participação é canalizada para além da participação
instrumental. É uma participação fiscalizadora, visto que é
auto-sustentadora. Os ‘cidadãos participantes’ não criam, discutem,
debatem objetivos e planejamento político educacional; eles praticam
cobranças e executam aquilo que os órgãos centrais planejaram.” (VIRIATO, 2004, p.48)
Dessa maneira, a gestão governamental, orientada pelo ideário
neoliberal, encontra importante respaldo na sociedade, nos seus diversos
segmentos sociais, uma vez que as reais contradições sociais são
mascaradas e renovadas pelo Direito burguês, que, ao atribuir direitos e
vontades subjetivas, cria a ideologia que esconde as reais relações de
exploração.
Com a concepção espalhada de mercantilização do ensino público e da
consequente “otimização empresarial” da gestão da educação, outro fator
importante e coetâneo para conformação desses novos sujeitos sociais, em
tempos de neoliberalismo, diz respeito ao próprio processo de trabalho
do professor. Mediante as sucessivas reformas ou modificações na
legislação trabalhista, tem-se a precarização do trabalho docente
através do aumento extensivo de sua jornada, isso porque a necessidade
de se estender em duas ou três jornadas de trabalho torna-se uma
constante, na medida em que há um rebaixamento dos salários e uma
visível destruição do “plano de carreira”, o que causa evidentes
alterações físicas e emocionais que afetam desfavoravelmente o
rendimento acadêmico-profissional do professorado e o processo de
aprendizagem por parte do aluno. Uma tendência que se observa, a partir
dessas reformas, é que elas acabam por levar o professor a um estado de
letargia, desmotivação e diversas patologias físicas e psíquicas que têm
claras repercussões na qualidade do ensino e na vida escolar, de
maneira geral.
Esse conjunto de modificações não é aplicado sem resistência por
parte dos que estão diretamente submetidos a elas. Isso fica mais claro
ao se observar as periódicas greves dos trabalhadores em educação na
última década, organizadas por seus sindicatos e, muitas vezes,
impulsionadas pelas próprias bases dos trabalhadores em educação
pública. Por outro lado, como forma também de barrar as lutas dessa
categoria, os governos lançam mão de estratégias que as fragmentam,
tornando-os (trabalhadores em educação estadual) um grupo que tem
interesses diversos, no que diz respeito a direitos e remunerações. Na
circunscrição do ensino público estadual praticado em Minas Gerais,
podemos observar uma distinção muito clara entre os professores e os
demais trabalhadores da educação, e, até mesmo, uma diferenciação entre o
próprio grupo dos professores, a saber, efetivos e designados. “Os
efetivos são concursados nomeados e os designados são os contratados
temporários, que devem concorrer anualmente às vagas remanescentes, no
início do ano letivo”. (Augusto, 2005, p.9)
Além dos casos acima citados, em 2007, o governo mineiro criou outra
situação funcional conhecida como “efetivados”, através da Lei
Complementar 100. Essa Lei, criticada por muitos juristas como
inconstitucional, deu relativa estabilidade empregatícia para cerca de
noventa e oito mil funcionários públicos, criando um cenário de mais
fragmentação e insegurança para os trabalhadores da educação do estado.
Esses trabalhadores, não tendo os mesmos direitos dos efetivos, visto
que, quaisquer mudanças legislativas podem alterar sua situação
funcional, colocando-os em constante vulnerabilidade, se por um lado
contribuiu para resolver pendências previdenciárias, criadas pelo
próprio estado mineiro, por outro, possibilitou, ainda mais, a
fragilização de parte dos trabalhadores em educação de Minas Gerais.
Evidentemente, o estado acaba cumprindo sua função de neutralizar, no
caso em questão, os professores, a tendência à ação coletiva. Outra
medida, por vez, utilizada pelo governo mineiro é recorrer à “justiça”,
para derrubar, eventuais, movimentos grevistas, que lutam por melhores
condições de trabalho e salário, o que tem configurado uma
judicialização da ação política dos trabalhadores em educação do estado.
Segundo Maria Helena Oliveira Gonçalves Augusto:
“As medidas implementadas na reforma do Estado, denominada
‘Choque de Gestão’ preveem corte de despesas, redução de custos e
enxugamento na área de pessoal da educação, e arrocho salarial. Tais
medidas acabam se constituindo em restrições e obstáculos à melhoria da
prestação de serviços educacionais, conforme propostas da atual gestão
da Secretaria de Educação”. (Augusto, 2005, p.2)
Assim sendo, o Estado é instrumento essencial para reprodução e
expansão da dominação de classe e uma força repressiva que mantém as
classes dominadas em permanente estado de desorganização política. Nesse
cenário, a escola é uma das principais instituições responsável pelo
processo de sociabilidade e reprodução social, eivada de contradições,
mas, que tem se apresentado eficiente na manutenção da sociedade de
classe. A dimensão pedagógica, sob a regência do Estado capitalista, tem
dado, também, no espaço formal da escola, sua contribuição na
reprodução das políticas estatais, no sentido de conformar a comunidade
escolar, e, em particular, discentes e docentes, a aceitarem, sem
grandes resistências, as “reformas educacionais” em curso, tais como: a
retirada de direitos sociais e trabalhistas, expressão do “desmonte do
Estado Social”, que cria um cenário propício e extremamente favorável
para uma educação que prioriza a lógica do mercado, alinhados a uma nova
reestruturação da acumulação capitalista, atacando os mecanismos de
organização e mobilização deste segmento dos trabalhadores não manuais,
como suas entidades sindicais, com a finalidade de consolidar a forma e o
regime político neoliberal do Estado burguês. Devemos aceitar essa
lógica? Óbvio que não. Por isso a organização e a luta dos trabalhadores
é o único caminho capaz de superar tais contradições.
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Fonte: http://socialistalivre.wordpress.com/
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