Fósseis são o registro dos restos de animais, plantas e outros seres
vivos que são preservados em rochas. Vestígios ou marcas deixadas por
estes organismos enquanto vivos, como rastros e pegadas, também são
considerados fósseis. A ciência que faz o seu estudo é a Paleontologia.
Este artigo busca apresentar em caráter introdutório, de forma simples e
didática, a vasta e fascinante temática desta área do conhecimento,
abordando a formação dos fósseis e a sua interpretação.
Antes de tudo, vamos esclarecer e evitar cair nesse erro: existe uma confusão comum nas conversas da vida entre a Paleontologia e a Arqueologia,
porém estas são ciências muito distintas entre si. Enquanto a
Paleontologia estuda os restos preservados das formas de vida desde o
início da vida no planeta, há cerca de 3,8 bilhões de anos, a Arqueologia estuda os restos, marcas e objetos preservados em período posterior a humanidade,
envolvendo também o ambiente nela presente. Portanto, estamos falando
de uma escala de tempo bastante distinta, algo na ordem de dezenas de milhares de anos dos nossos dias atuais.
Dessa forma ao estudarmos os organismos do passado, que estão
preservados na forma de fósseis, podemos compreender com detalhes a
história da evolução dos seres vivos e também do nosso planeta.
Para isso, a Paleontologia tem como base duas ciências: a Biologia e a
Geologia. Na primeira temos o estudo detalhado com enfoque nas
características biológicas dos fósseis, que servem para a comparação dos
organismos do passado com as formas de vida do presente, auxiliando na
compreensão da evolução das espécies e na determinação de antigos
ecossistemas. Por sua vez, a Geologia utiliza os fósseis para datação e
ordenação de formações rochosas. Para os geólogos, a análise de fósseis é
uma importante ferramenta para a interpretação de antigos ambientes e
mudanças geológicas do passado.
Além da sua importância na compreensão da história da Terra, a
Paleontologia possui grande destaque na sociedade atual, sendo uma
ferramenta indispensável na localização e exploração de combustíveis
fósseis, como petróleo e gás, possibilitando identificar qual idade
geológica é correspondente aos depósitos de interesse.
Como os fósseis são formados?
Quando um organismo morre, ele deposita-se sobre uma superfície
qualquer e sofre ação de um conjunto de processos físicos, biológicos e
químicos, sua decomposição. Para que ocorra a preservação do organismo
na forma de fóssil, deve ocorrer um soterramento rápido dos seus restos,
compactando tanto a sua matéria orgânica quanto os fragmentos de rocha e
solo depositados sobre ele e evitando a ação intensa dos mecanismos de
decomposição. A preservação final dos restos do organismo na rocha
ocorre na presença de um cimento que une todos estes restos juntamente
com os fragmentos de minerais a sua volta, originando uma rocha com
conteúdo fossilífero.
Se o soterramento for lento, os restos permanecem durante muito tempo
vulneráveis à ação do ambiente, podendo ocorrer a separação das partes
do seu corpo. Vale ressaltar, a seguir, algumas variáveis que
influenciam no processo de preservação.
Decomposição por bactérias: as bactérias atuam na
decomposição de órgãos, músculos e articulações; a ausência desse tipo
de decomposição possibilita uma boa preservação do organismo.
Composição química do esqueleto: se o esqueleto do
animal for composto por elementos químicos que deem a ele a
característica de alta resistência, a chance dos seus restos serem
preservados são muito maiores.
Composição química do ambiente: a presença de
diferentes tipos de elementos químicos em um ambiente, como elementos
ácidos, oxigênio e mesmo a quantidade de água, irá influenciar
diretamente na formação do fóssil.
A fossilização pode preservar de diferentes formas os organismos, podendo ser dividida em dois grandes grupos: restos e vestígios.
Os restos são as partes preservadas dos seres vivos, podendo ser partes
duras (esqueleto e conchas) ou órgãos e partes moles (músculos,
articulações e nervos). Por sua vez, os vestígios são marcas da
atividade destes seres enquanto vivos, não havendo a preservação dos
restos destes organismos.
A preservação de órgãos e partes moles é mais rara
que as demais, já que dependendo do ambiente de deposição, os processos
de decomposição por bactérias ocorrem de maneira muito rápida e intensa;
um exemplo está nas regiões de florestas tropicais úmidas, onde a
presença elevada de oxigênio e água contribui para a decomposição dos
organismos. Entretanto mesmo nestas regiões pode ocorrer a preservação
de órgãos e partes moles, devido a um soterramento rápido, por exemplo,
que ao envolver os restos do organismo acaba preservando seu interior.
Outro modo de ocorrência é vista em nódulos de âmbar (resina fóssil
secretada por plantas) que engloba animais de pequeno porte, como
anfíbios e insetos. O congelamento de um organismo após a sua morte e a
desidratação ocorrida em locais extremamente secos (como um processo
natural de mumificação) também podem ser maneiras de se preservar de
forma excelente os seus restos.
A preservação de partes duras é um processo comum de
fossilização, no qual as partes mais resistentes do corpo de animais
são preservadas, comumente partes do esqueleto e conchas. Esta
preservação pode ocorrer de vários modos diferentes, citados abaixo.
- Incrustação: acontece o revestimento por completo do organismo por minerais trazidos pela água.
- Permineralização: ocorre quando um mineral preenche os poros ou cavidades existentes no organismo, dando uma característica de “inchaço” ao fóssil.
- Carbonificação: é caracterizado pela perda dos elementos orgânicos voláteis presentes no organismo, restando apenas o carbono das partes duras.
- Concreção: agregação de partículas de minerais de calcita ou pirita ao redor da carcaça do organismo.
- Recristalização: consiste em uma modificação na estrutura cristalina do mineral que constitui as partes duras, porém sem modificação na composição química.
- Substituição: consiste na substituição do mineral original formador do organismo por um outro provindo do ambiente de fossilização.
Tanto a recristalização quanto a substituição são processos que
alteram a composição mineralógica do material, por este motivo a sua
diferenciação é dificilmente observada a olho nu.
Na preservação de vestígios, denominados como icnofósseis,
marcas da atividade dos organismos, como pegadas e rastros, são
preservados, entretanto os animais e vegetais que as deixaram não. Podem
ser impressos nas rochas como moldes externos, internos ou contramoldes
destes seres vivos. O grupo também inclui produtos de atividade
biológica de animais, como gastrólitos (fragmentos de rocha utilizados
na digestão), coprólitos (fezes fossilizadas) e também ovos.
O que podem nos dizer?
A Tafonomia é um amplo ramo da Paleontologia que
estuda todo o processo de fossilização de um organismo, ou seja, o
ocorrido desde o momento da sua morte até a formação da rocha que
apresenta o fóssil. Logo, através dos aspectos adquiridos por esse
fóssil durante a sua formação é possível determinar as características
das espécies do passado e do ambiente de formação da rocha.
Para um melhor entendimento de como é realizado este trabalho, vamos analisar dois exemplos:
Os trilobitas eram artrópodes exclusivamente marinhos que viveram
entre 560 e 250 milhões de anos atrás, portanto já extintos, e que são
atualmente um importante registro fóssil em escala global.
Se, ao observarmos um fóssil de trilobita e este apresentar-se
totalmente fragmentado, com as partes do seu corpo separadas e com
marcas intensas de atrito, podemos desenvolver uma linha de raciocínio
lógico e delimitar as seguintes hipóteses:
1) O animal morreu em ambiente marinho, já que todos os trilobitas são marinhos.
2) Houve um grande intervalo de tempo entre a morte
do animal e seu soterramento (soterramento lento). Este fato pode ser
observado pelo fato do fóssil estar fragmentado (quebrado),
desarticulado e com marcas geradas por atrito, sendo todas essas
características causadas por intenso transporte do animal após a sua
morte e antes de se consolidar a fossilização. O intenso transporte
acaba destruindo o animal e dificultando a sua visualização.
3) A rocha em que o fóssil está contido apresenta
estruturas que demonstram que esta, no passado, formou-se em águas
agitadas, com forte influência de ondas e correntes marinhas, fato que
explica o intenso transporte sofrido pelo animal após a sua morte.
Por sua vez, se observarmos um segundo fóssil de trilobita, desta vez
sem marcas evidentes de atrito, totalmente articulado e com poucas
porções quebradas, pode-se propor que:
1) O animal morreu em ambiente marinho, já que todos os trilobitas são marinhos.
2) Houve um pequeno intervalo de tempo entre a morte
do animal e seu soterramento (soterramento rápido). Essa afirmação pode
ser facilmente compreendida observando as características do fóssil que
está totalmente articulado e com poucas marcas de atrito, indicando que
o animal após a sua morte foi pouco transportado. Assim, concluímos que
o animal foi soterrado logo após a sua morte e por este motivo está bem
preservado.
Além das características já observadas nos fósseis acima, existem
muitas outras que também irão nos auxiliar no entendimento dos ambientes
de fossilização, vamos ver algumas abaixo.
- Vários fósseis preservados em uma mesma amostra, todos orientados em um sentido preferencial: evidência de correntes marinhas no passado, em uma determinada direção.
- Vários fósseis preservados em uma mesma amostra, orientados metade para um lado e metade para o outro: evidência de movimento de ondas em um ambiente de fossilização litorâneo.
Além de auxiliar na designação de antigos ambientes, alguns fósseis
são importantes ferramentas na compreensão da evolução dos organismos do
planeta. Fósseis-vivos são organismos que sofreram
pequenas modificações evolutivas durante toda a sua história na Terra,
sendo muito parecidos com seus ancestrais do passado. Exemplos são os
escorpiões, alguns peixes como o Celacanto e a planta Ginkgo biloba.
Contrariamente, fósseis-guia são o registro de
organismos que tiveram evolução rápida, de aspecto muito distinto em
relação aos seus ancestrais, tendo importância na datação de rochas e na
sua correlação com rochas de outras partes do mundo. Isto ocorre pelo
fato destes organismos só terem ocorrido no planeta em um determinado
intervalo de tempo geológico e normalmente estando registrados em escala
mundial. O seu estudo é de grande importância na localização e
exploração de depósitos de carvão e petróleo, por exemplo, servindo de
comparativo entre a idade dos fósseis presentes na rocha com a idade da
formação dos combustíveis fósseis. Um exemplo de fóssil-guia é o Mesosaurus que habitaram apenas a África do Sul e as regiões Sul e Sudeste do Brasil durante o Permiano Superior.
E assim concluímos nossa introdução ao estudo dos fósseis. Mesmo com
uma abordagem simples, logo notamos como a Paleontologia é essencial
para compreendermos o passado do nosso planeta e de suas formas de vida,
possibilitando o entendimento a respeito da evolução da Terra e da
vida. Desta forma, a Paleontologia torna-se uma importante ferramenta na
gestão dos recursos naturais, sempre com o ideal de causar o mínimo
possível de interferência na dinâmica natural do planeta que ela nos
ajuda a compreender. Afinal, compreendendo o passado temos maiores
condições de prever o futuro.
Quer saber mais? Então tente uma destas três publicações:
Carvalho, I.S. (ed.) 2004. Paleontologia. Vol. 1 e 2.
Rio de Janeiro: Interciência. 861p. + 258p. Trata de conceitos gerais
de paleontologia, além da descrição de diversos fósseis – microfósseis,
animais e vegetais. Cita exemplos de fósseis brasileiros. No segundo
volume, são apresentadas técnicas de curadoria e preparo de fósseis,
além de uma lista de jazigos fossilíferos brasileiros.
Holz, M. & Simões, M. G. 2002. Elementos fundamentais de tafonomia.
Porto Alegre: UFRGS. 232p. Trata de aspectos tafonômicos, ou seja,
todos os processos pelo qual passam os organismos, desde que este morreu
até ser encontrado por paleontólogos.
Lima, M. R. 1989. Fósseis do Brasil. São Paulo: USP. 118p. Catálogo ilustrado de diversos fósseis encontrados no Brasil.
Nota do autor: o artigo em questão reproduz parcialmente o livreto Desvendando os Fósseis
(2008, distribuição interna) que tem por objetivo apresentar conceitos
básicos de Paleontologia para o grande público, elaborado com apoio da
UFPR, pelo projeto Sala da Terra do PET-Geologia. O download do livreto
na íntegra (formato .pdf) está disponível AQUI.
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