Imagine uma sala de aula onde o professor não pode comentar
as notícias do dia, falar de política, ensinar a consagrada teoria da
evolução das espécies, de Charles Darwin, ou discutir questões de gênero
e de sexualidade. Esse seria o espaço ideal para o aprendizado, de
acordo com os defensores do movimento ‘Escola Sem Partido’, que prega o
fim da “doutrinação de esquerda” nas instituições de ensino.
Projetos desta natureza tramitam na Câmara dos Deputados e na Câmara
de Vereadores do Rio, apoiados pela guinada do conservadorismo e
criticados por entidades de professores Brasil afora.
Defensores do projeto creem que falta “neutralidade” e “liberdade” à
educação, e acreditam que os alunos vêm sendo expostos à ideologia e aos
valores do PT e do governo federal nos últimos anos. O deputado federal
Izalci Lucas (PSDB-DF)é autor do projeto que tramita na Câmara e está
pronto para ser votado na comissão de Educação.
“A proposta já recebeu parecer favorável. O professor não
pode impor o que ele acha que é verdade. Queremos proibir qualquer
partido político”, destacou. Segundo ele, o governo tem atuado no
sentido de promover a imagem do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma
Rousseff nos livros didáticos. Neles, também há o que ele chamou de
“exaltação ao comportamento homossexual”. “Não pode discriminar, mas não
pode exaltar”, opinou.
Integrante da comissão de Educação da Câmara, a deputada
Maria do Rosário (PT-RS) não acredita que o texto será aprovado. “Temos
educadores sérios aqui, que não vão se aproveitar do clima de divisão do
país para aprovar uma ideia tão demagógica”, disse. “Não é adequado
para um professor fazer campanha em sala. Mas deve poder ter sua
opinião, assim como o aluno. A escola deve debater política, estimular a
convivência dos diferentes”, resumiu a petista.
No Rio, votação deve acontecer a partir de outubro
Na Câmara dos Vereadores, o projeto de lei foi apresentado
no ano passado por Carlos Bolsonaro (PP). Passou por todas as comissões,
mas recebeu emendas e só deve ir a votação a partir do mês que vem.
“Eles querem dizer que o José Dirceu é herói”, critica
Bolsonaro, que defende um ensino “diferente” nas escolas do Rio. “A
doutrinação é total, a gente está vendo isso aí. O pai deve ter o
direito de levar sua insatisfação para escola, para secretaria de
educação”, diz. “Se o menino é filho de religiosos, vai crescer pensando
na história de Adão e Eva para falar sobre o começo da humanidade.
Deve-se respeitar isso.”
Por diversas vezes, o vereador manifestou preocupação com o
fato de que os alunos com ideologias diferentes possam ser hostilizados
em sala de aula e defendeu gabaritos múltiplos. “Quem cassou o
presidente em 1964 foram os deputados, não foram os militares, por
exemplo. Isso é uma resposta válida”, afirma.
O projeto de lei apresentado na Câmara tem como base o texto
publicado no portal do movimento Escola Sem Partido, que foi criado em
2004 pelo advogado Miguel Nagib, em Brasília.
O vereador Paulo Messina (PV) é autor de emendas ao projeto que,
segundo Bolsonaro, torna a proposta “menos inconstitucional”. “O
movimento é muito mais emocional que racional”, destaca.
Centenas debatem projeto na Uerj
Evento na Uerj reuniu cerca de 170 pessoas para discutir o projeto
‘Escola Sem Partido’ na última quinta-feira. Organizado pela coordenação
do Programa de Iniciação à Docência (Pibid), ligado à Capes e ao
Ministério da Educação, a conversa reuniu educadores e estudantes de
diversas instituições. Se no debate o clima foi ameno, nas redes
sociais, onde foi convocado, houve ameaças. “Tenham medo, abusadores de
crianças. Vocês vão se arrepender por mexer com nossos filhos, isso é
uma promessa”, ameaçou no Facebook um internauta em uma das postagens. A
organização chegou a pedir o reforço da segurança para o evento, mas
não nenhum incidente foi registrado. Será realizado um debate, em
outubro, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) para
discutir o tema.
A Associação Brasileira do Ensino de História (Abeh)e a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped)
divulgaram notas contestando o projeto.
Historiadora da Uerj, uma das coordenadoras do Pibid e do
evento, Carina Martins criticou o fato de que, nas entrelinhas, o
projeto de lei querer transformar os professores em meros “instrutores”.
“O professor não é apenas um transmissor de conhecimento, isso
contraria o que está na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação. Lá, está escrito que o professor precisa preparar para
cidadania, para vida profissional. Estamos voltando a um debate do
começo do século XX, colocando os valores da família sobre o
conhecimento científico”, opina a professora.
Ela já participou da equipe do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), do MEC, e afirma que o Ministério tem controle sobre a
doutrinação nos livros didáticos. “Eu já vetei um livro com base nesse
critério. O MEC está atento a ideia de que a história não pode ter
apenas uma versão. Não significa que queremos uma escola com partido: a
escola deve estimular o aluno a tomar partido, se envolver”, resume.
Miguel Nagib, do Escola Sem Partido
“O movimento surgiu em 2004, quando a gente se deu conta de que
as escolas estavam sendo usadas para doutrinação. Criou-se uma
mentalidade progressista, favorável ao PT, que auxiliou a manutenção
deles no poder.Um dos pontos é que em sala de aula, o professor não pode
ter liberdade de expressão. Ali, ele é obrigado a transmitir o
conteúdo, só. Ao tratar da evolução, por exemplo, ele não pode
desqualificar a religião.
Não se pode obrigar os filhos a aprenderem o que os pais não
querem. O governo vem tentando naturalizar o comportamento homossexual, e
isso pode atingir o que um pai ensina ao seu filho. Promover os
próprios valores morais é violar os direitos dos pais, e isso é ilegal. O
pai pode processar o professor por abuso de autoridade de ensinar, e
dizer que isso é preconceito é autoritário.
Não é prudente que se debatam assuntos que estão no noticiário
dentro de sala de aula, por exemplo. O debate pode trazer problemas para
a escola. O que nós queremos são cartazes em sala de aula lembrando os
deveres dos professores, mas não queremos ideologia de direita, e sim
que o aluno não seja intimidado e nem tenha medo de discordar”.
Fernando Penna, professor UFF
“O impacto imediato de um projeto como esse é a desconstrução das
bases da educação escolar. Este projeto de lei fala em pluralidade de
ideias, mas determina a proibição de ‘atividades que possam estar em
conflito com as convicções religiosas e morais dos pais’. Como o
professor pode evitar discutir todos os assuntos que possam estar em
conflito com a diversidade de crenças dentro de uma sala de aula? Seria o
fim de qualquer diálogo na escola. A organização ‘Escola Sem Partido’
defende que o ‘professor não é educador’.
É falácia que haja doutrinação de esquerda, pois as escolas são
plurais como a sociedade. Ao discutir este projeto em escolas, já
conversei com professores que adotavam diferentes posicionamentos
políticos.
É no diálogo entre professores e alunos em sala de aula que o conhecimento escolar é construído.
É no diálogo entre professores e alunos em sala de aula que o conhecimento escolar é construído.
Qualquer ameaça a essa pluralidade e à possibilidade de uma
argumentação aberta e franca é um ataque à educação como um todo. Nesse
sentido, a moral dos pais deve ser respeitada sempre que ela não entre
em choque com os valores característicos da vida em regime democrático. A
pluralidade é a base do processo educativo”.
Com informações do Jornal O Dia, reportagem de Leandro Resende
Fonte: http://portalmetropole.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário