Se a moda pega, e tudo indica que vai pegar,
pode-se esperar um novo e velho ator que há tempos ronda as escolas
tanto em meio às montanhas de Minas como em vários estados do País. A
questão torna-se interessante porque a coisa agora é para valer. E basta
que aconteça no Rio de Janeiro - uma caixa de ressonância do que
acontece no país - para a coisa se propagar como fogo pelo Brasil afora.
.
.
Estou me referindo à parceria entre a esfera
da educação e da segurança pública no Rio de Janeiro. O convênio
assinado pelo Governador Sérgio Cabral selou o casamento entre as
secretarias de Educação e Segurança. A ideia é simples: o policial
militar, que tem constitucionalmente garantido o poder ostensivo do
policiamento, agora poderá atuar no interior dos estabelecimentos
escolares. O projeto foi assinado no dia 2 de maio deste ano e teve
solenidade e tudo no Palácio Guanabara, contando com a presença do
governador e dos secretários José Mariano Beltrame (de Segurança) e
Wilson Risolia (de Educação).
.
.
O acordo prevê policiais fardados e armados
no interior escolar de 90 unidades em 21 municípios. A maioria na
capital. O projeto, é claro, já assinala o que existe na prática, não em
relação aos policiais armados e fazendo atividade que poderia ser
designada à Guarda Municipal desarmada, mas aos constantes casos de
violência, tráfico de drogas e criminalidade que desde os anos 80 tem
feito parte da realidade das escolas.
.
.
A priori, e diante da crise nas
escolas, a ideia aparentemente é atraente. Todavia é uma mentira dizer
que a Polícia Militar não anda frequentando as escolas. Por vezes ela é
acionada para solução de problemas oriundos do cotidiano escolar ou
mesmo de acontecimentos que começaram fora da sala e chegaram a explodir
nela. A PM há tempos também vem utilizando as patrulhas escolares e o
PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência) no
intuito de fazer valer o “ganha pão” e ajudar no combate e na
conscientização dos males oriundos das drogas ilícitas. Também é preciso
lembrar que policiais, tanto militares como civis, estão nas carteiras
das faculdades e das universidades, muitos armados e fardados. Logo, o
governador do Rio somente legitimou e deu ares de política pública o que
já existia na prática. De todo modo a questão ainda produz algumas
reflexões.
.
.
Em primeiro, o policiamento ostensivo nas
escolas não deixa de mostrar o braço forte e armado do Estado. A arma e o
fardamento, artefatos simbólicos de poder no meio policial militar e de
medo e pânico no civil são compreendidos de diversas maneiras. Uma arma
pode ser um transtorno e, ao invés de produzir segurança, pode forjar
mais medo e pânico. A proposta do governador faz parte do Programa
Estadual de Integração da Segurança (Proeis) e prevê para os oficiais
PMs R$ 200 por cada turno de oito e R$ 150 para praças. O pagamento
oficializa o auxílio salarial e, ao mesmo tempo, traz legitimidade ao
“bico” e um dinheirinho extra para os policiais militares. O curioso é
que os PMs neste espaço poderão revistar, buscar suspeitos e certamente
pedir auxílio em casos da necessidade do uso da violência travestida de
força física. É óbvio que podem evitar roubos, ataque ao patrimônio
público e impedir invasões. Mas nada que um telefonema para o 190 não
resolveria.
.
.
Um segundo ponto, associado ao primeiro, é
que policiais, como autoridades, são recalcitrantes em receber ordens de
“paisanos”. O mundo civil e policial militar não andam de mãos dadas e,
neste caso, vai ser difícil a manutenção da autoridade da direção da
escola ou mesmo do professor. Minar a autoridade da direção e dos
docentes em tempos de crise é complicado, pois - por consequência - a
polícia minimiza o poder dos projetos pedagógicos e das normas e
regulamentos tácitos e escritos no interior das instituições escolares.
Mais que isso: já nem vejo o porquê da existência deles, se professores,
alunos, diretoria, funcionários podem chamar a polícia ou mesmo
denunciar algo a ela para que normas, autoridades simbólicas e projetos
pedagógicos?
.
.
A ideia de chamar a polícia é um problema
até na rua. A polícia por vezes não é enganada pelo 190 (ela é
constantemente vítima de trotes) e já se sabe que ela em campo tem a
consciência de onde está e onde encontrar o recalcitrante. Na escola as
relações serão mais intensas e erra-se por pouco em pensar alunos
chamando policiais para professores e professores berrando por policiais
para alunos. Sem falar a ideia de suspeição e do perigo sempre presente
no imaginário policial tanto na escola como fora dela. Para uma ação
policial basta um motivo, por menor que seja, pois pode ele ser
transformado em caso extraordinário ou espetacular, sem falar da
possibilidade de criminalização de pequenas ações que ocorrem em sala e
que passam despercebidas porque sequer arranham a moral social.
.
.
Por último, a escola já é entendida como uma
instituição coercitiva, com a polícia ela fica mais coercitiva ainda. O
dinheirinho pode ser bom, mas engana-se o policial que achar que vai
tirar de letra o trabalho. As escolas são instituições complexas e quem
anda se inteirando do assunto sabe que alunos, professores, funcionários
e até a comunidade andam batendo cabeça. A polícia será somente mais
uma a esquentar o cenário. É claro que é melhor chamar a polícia que o
ladrão, mas é claro que a polícia abre a possibilidade de confronto caso
ele exista nas proximidades. O fato é que escola não é quartel e mais
uma atribuição foi dada tanto para a polícia como para as instituições
de ensino. Dentre tantas é oportuno lembrar as novas atribuições: a
repressão e a prevenção com a possibilidade do uso da violência, a
judicialização do fato, caso o policial militar leve adiante a
ocorrência até um canto da delegacia, a busca de metas, dos possíveis
suspeitos e a produção de ocorrências que em outro cenário sequer
existiria. Nesta nova empreitada, nada como esperar o (im)possível: “sem
alteração” e “bom trabalho".
.
.
*Professor na FAE (Faculdade de Educação) de
Belo Horizonte. Doutor em Ciências Humanas pela UFMG. Organizador do
Livro “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: ASPRA, 2006.
Fonte: http://nepfhe-educacaoeviolencia.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário