sábado, 3 de agosto de 2013

“Alô, Seu Otário!”

Explicações...
Por João Paulo da Silva
- E agora no nosso programa “Alô, Seu Otário!” a gente conversa ao vivo com o prefeito Armando Cilada. Ele vai falar um pouco sobre as providências que estão sendo tomadas pela Prefeitura para resolver os principais problemas da cidade. Boa tarde, prefeito. Muito obrigado por aceitar nosso convite para dar alguns esclarecimentos à população.
- Boa tarde a você, Rogenildo, e a todos os telespectadores do seu programa. Eu é que agradeço o espaço para mostrar o trabalho que estamos desenvolvendo.
(...)
- Prefeito, nós temos muitos e graves problemas nos serviços públicos essenciais do município. Nossos repórteres foram às ruas ouvir a população e ver de perto as dificuldades enfrentadas. Na rede pública de saúde, por exemplo, as condições são dramáticas. Todos os dias nós recebemos denúncias de falta de medicamentos nos postos da cidade. Hoje mesmo um idoso deixou de tomar seu remédio para pressão alta porque não tinha na farmácia do posto. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
- Olhe, veja bem, em primeiro lugar, a situação não é exatamente assim. Não é que não tem remédio no posto. Tem sim. Mas acaba rápido porque o povo toma remédio demais. Qualquer dorzinha corre logo pra pedir um comprido. Desse jeito não dá. Antes, não era assim. A gente tomava um chazinho e tava tudo certo.
- E quanto ao caso do idoso com pressão alta? Chazinho também?
- Aí é diferente. Aliás, tem que investigar o porquê da pressão dele estar alta. Andou comendo muito sal? Se excitou demais? Tem que saber. Nessa idade, tem certas coisas que não dá mais pra fazer como antigamente.
- Mas, prefeito Armando, independente disso, o município não tem que garantir atendimento e remédio para todas as pessoas? Não é obrigação oferecer saúde pública?
- Essa é outra confusão que se faz, Rogenildo. O povo acha que só porque paga muito imposto pode ter todo tipo de direito. E não é assim. Tão pensando que isso aqui é o quê? A casa da mãe Joana? Que é só chegar no posto e ser atendido? Que pode fazer exame a hora que quiser? Que o médico tem que sempre estar lá pra receitar o remédio? Não pode ser assim. Aí vira bagunça.
- O senhor falou agora sobre atendimento e nós queríamos confirmar uma informação que nos chegou mais cedo. A Prefeitura fechou mesmo dois postos de saúde na Zona Norte da cidade?
- Olhe, veja bem, a informação está incompleta. Nós só fechamos porque não tinham nenhuma utilidade.
- Nenhuma utilidade? Como é possível, se o que a população mais reclama é da falta de atendimento, da falta de médicos e outros profissionais?
- Exatamente. Não tinha nenhuma utilidade porque não tinha ninguém pra atender as pessoas. Por isso, fechamos.
- E não teria sido melhor contratar mais profissionais do que fechar os postos?
- Não posso dizer com certeza agora. Precisaria fazer um levantamento acerca da necessidade, do impacto na folha, essas coisas. É preciso ter responsabilidade com a máquina pública.
- Para você que ligou a TV neste momento, estamos conversando aqui, no programa “Alô, Seu Otário!”, com o prefeito Armando Cilada sobre as condições dos serviços públicos e o trabalho que a Prefeitura vem desenvolvendo. Bom, prefeito, e a educação? Nossos repórteres também encontraram uma situação complicada nas escolas. Os alunos estão fazendo rodízio de aulas por falta de carteiras e de professores. Como o senhor explica essa realidade?
- Engraçado. Tem rodízio em todo canto. Tem rodízio na pizzaria. Tem rodízio na churrascaria. Aí quando tem rodízio na escola o povo acha ruim?! Eu não entendo isso. As pessoas precisam ver o lado positivo da história. Há uma razão lógica para termos rodízio de aulas na nossa educação.
- E qual seria?
- Veja, Rogenildo, com o rodízio a Prefeitura quer estimular a solidariedade entre os alunos, desde criança. Olhe que bonito é dividir a carteira com um colega de sala. Que belíssimo ato é abrir mão de dois ou três dias de aula para que outro aluno possa ir à escola. Devemos ser mais solidários. O mundo é muito egoísta.
- E a falta de professores?
- É como eu disse antes. Precisaria fazer um levantamento acerca da necessidade, do impacto na folha, etc etc. Tem que ter responsabilidade com a máquina pública. Não pode sair gastando só pra contratar professor.
- E o transporte escolar? As pessoas reclamam que não há ônibus para levar os alunos até as escolas.
- Essa é mais uma incompreensão do povo, que não vê o bom trabalho que estamos fazendo na cidade. Observe com atenção. Os médicos dizem que caminhar faz bem à saúde, que temos que fazer exercícios físicos regularmente. Então pensamos: por que não começar a educar de agora as nossas crianças para que tenham hábitos saudáveis? Foi por isso que criamos esse programa que integra saúde e educação ao mesmo tempo.
- Como chama o programa?
- “Só no Sapatinho”.
- Não é um pouco forçado, prefeito? Há escolas que ficam muito longe das comunidades.
- Eu não acho. Que mal pode haver em caminhar uns quatro ou cinco quilômetros até a escola todos os dias? Não vê os quenianos?! Fazem tudo correndo e estão aí vivinhos e saudáveis.
- Mas e a irregularidade da merenda nas escolas? O senhor vai dizer que também não é bem assim? Nossa equipe flagrou os alunos comendo apenas três bolachas de água e sal com um copo d’água. É algum outro programa da Prefeitura?
- Exatamente. Veja bem, nossas crianças estão obesas. Comem muita porcaria e isso põe em risco a saúde delas. Portanto, mais uma vez unindo duas áreas prioritárias no meu governo, que são a saúde e a educação, desenvolvemos o programa de reeducação alimentar “Água e Sal”. Com ele, os alunos estão aprendendo a se alimentar melhor e de forma mais saudável. Três bolachas e um copo d’água são suficientes para manter as energias durante as aulas, basta não se mexer na carteira, abrir pouco os olhos e não falar muito.
- Estamos conversando com o prefeito Armando Cilada, direto aqui dos estúdios do nosso programa “Alô, Seu Otário!”. Bom, prefeito, nosso tempo está quase se esgotando, mas eu não poderia deixar de abordar o tema do transporte coletivo. As pessoas tem reclamado bastante do transtorno que é usar os ônibus na cidade. Nossos repórteres acompanharam o dia a dia dos passageiros e registraram diversos problemas no sistema, como o longo tempo que as pessoas esperam nas paradas para pegar os ônibus. A demora chega a durar 40 minutos, uma hora. O que está acontecendo?
- Olhe, Rogenildo, vou ser bem sincero, como tenho sido até agora. Existe muita maldade e incompreensão. Todo mundo espera até nove meses pra nascer e ninguém morre por isso. Será que não dá pra aguardar 40 minutinhos ou uma hora? Não acredito nisso. E outra: quem espera sempre alcança, já diz o ditado.
- Mas, prefeito, além da demora, ainda tem a superlotação dos ônibus, que causa mais sufoco ao passageiro.
- Eu não vejo dessa forma. Somos um povo que adora dar e receber calor humano. Gostamos de acolher o próximo. Precisamos desse contato mais íntimo com as pessoas. E esta é uma experiência sociológica riquíssima que acontece todos os dias nos ônibus de nossa cidade. Viaja todo mundo ali, apertadinho, espremidinho. Conversando de perto. Quantos romances não começaram numa encoxada?! Pra quê exigir mais ônibus nas ruas? Pra quê acabar com isso?
- E a tarifa? Não estaria muito alta para um povo que já tem uma vida tão difícil?
- Difícil é a vida dos donos das empresas, Rogenildo. É de dar dó. Estão com a cuia na mão. Mal conseguem manter os ônibus circulando. Não lucram nada. Eu sou testemunha. Fui jantar na casa de um deles outro dia e me serviram um caviar de segunda. Você acredita?
- Bem, por fim, há o problema da dupla função do motorista, que também é cobrador de ônibus? As empresas não estariam explorando demais esse trabalhador? É seguro viajar desse jeito? Não haveria risco de acidentes pelo fato de realizar duas atividades ao mesmo tempo?
- Só se ele fosse um retardado. No cinema, por exemplo, você assiste ao filme comendo pipoca e tomando refrigerante, e nem por isso enfia o canudo no olho ou uma pipoca no nariz. Não tem risco de acidente. E onde o povo vê exploração, eu vejo promoção. Antes, ele era só motorista. Agora, é motorista e cobrador. Foi promovido. Deveria ficar feliz.
- Então é isso, pessoal. Estamos chegando ao fim de mais um programa “Alô, Seu Otário!”. Esperamos que o prefeito Armando Cilada tenha ouvido as vozes das ruas e possa resolver os problemas de nossa cidade o mais breve possível. Podemos assumir esse compromisso público?
- É claro, Rogenildo. Por enquanto ainda não vi nada de errado, mas me comprometo a fazer um levantamento sobre os reais problemas da população, ver o impacto disso na folha, a aplicabilidade, essas coisas. Por que você sabe, né? É preciso ter responsabilidade com a máquina pública.

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