domingo, 4 de agosto de 2013

Quem acordou!? O manifesto dos que não dormem

“Ordem para o povo, progresso para a burguesia. Tele-apatia.” (B. Negão – Enxugando Gelo)

 
De uma semana para outra, as mudanças ocorridas nas manifestações pelo Brasil nos obrigaram a direcionar o olhar para os novos agentes sociais envolvidos nas mobilizações. A alteração do discurso midiático surge como a grande causa para inserção de novos atores da sociedade brasileira no movimento de massas.
Essa mudança ocorreu a partir da extensão, aos jornalistas, da forte repressão policial impetrada contra os manifestantes, desde o 1º ato. Isso obrigou as corporações midiáticas a revelarem as cenas da violência da PM ao movimento, ao mesmo tempo em que transformaram o discurso de criminalização daquele, vigente até então, num outro, ufanista e legitimador da necessidade de reivindicações, convencendo à participação um setor conservador das classes médias.
A vitória do movimento pela redução do preço das tarifas do transporte coletivo motivou protestos em diversas cidades do país. A insatisfação coletiva diante dos diversos problemas de nossa sociedade foi combinada com a evocação de um nacionalismo festivo pela grande mídia, que ganhou vazão política nas manifestações justamente no momento em que a seleção nacional de futebol deveria servir para amenizar as tensões que compõem nosso cotidiano.
Assim, algumas expressões ganharam destaque entre os manifestantes, dentre as quais: “o povo acordou” e “sem violência”. Nos primeiros protestos, a referência dos gritos contra a prática de violência se dirigiam à ação policial que visava conter o bloqueio das vias mais utilizadas pelos motoristas. Em seguida, passou a ser usada de forma abrangente e acrítica para se reportar a qualquer atitude, de manifestantes ou policiais, que pudesse manchar a “boa imagem” do movimento, ou romper a ordem dentro da qual os atos devem transcorrer. Numa tentativa de introduzir um novo caráter político para as manifestações, a grande mídia passou a separar o “bom” manifestante, disciplinado, vestido e pintado com as cores da bandeira nacional, e pronto a defender a ordem, dos vândalos, baderneiros, e criminosos infiltrados na massa pacífica.

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Violência invisível e violência ilegal

“[...] Achou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas, e também os cambistas sentados, e tendo feito um azorrague de cordas, expulsou a todos do templo, as ovelhas bem como os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai uma casa de negócio.” (João 2:13-16)
É urgente repensarmos a violência, seus diferentes conceitos e fundamentações, não somente nas manifestações e na cobertura jornalística, mas também em nossas lutas diárias.
Por ser um dos grandes monopólios do Estado, a violência é instrumento auxiliar ou fundamental de praticamente todos os projetos patrocinados pelo poder público. Em maior ou menor escala, dependendo da cor de pele, classe social, e da região onde residimos, a violência faz parte de nossas vidas.
Qual outro termo podemos utilizar para definir a ausência e precariedade dos serviços públicos assistenciais nas regiões periféricas, se não violência? Violência são os incêndios não investigados em favelas em nome da especulação imobiliária; é inverter os papéis históricos, e tratar os indígenas, não os fazendeiros e empreiteiras, como invasores de terra; é pagar caro pra pegar busão, metrô e/ou trem lotados, e enriquecer ainda mais as máfias do transporte coletivo; é favorecer o monopólio do direito à comunicação pelos grupos empresariais atuantes no Brasil; é a política urbana para moradores de rua se resumir a blocos de cimento pontiagudos embaixo de pontes construídas para veículos; é acobertar descaradamente a responsabilidade dos grupos de extermínio formados por policiais militares e civis nos massacres ocorridos nas quebradas de grandes cidades brasileiras nos últimos anos; é sustentar uma política de perseguição e encarceramento que mantém mais de 600.000 pessoas em penitenciárias que são verdadeiros depósitos de gente, sem acompanhamento médico, educacional e psicológico adequado; é não poder comprar um eletrodoméstico ou um móvel por estar com o “nome sujo” no SPC; é permitir que os bancos detenham tanto controle social e econômico sobre nossas vidas; é remover milhares de famílias do lugar em que vivem há anos para “abrigos” ou caixas de fósforo, em razão de eventos internacionais que não trarão benefício algum para os mais pobres, apenas para os bancos, especuladores, grandes empreiteiras, e empresas de comunicação.
Violência é transformar uma questão de saúde pública em projeto de higienização social; violência é a união de Executivo, Judiciário, e polícia militar para expulsar 1.500 famílias de suas casas e destruí-las com seus pertences dentro, para atender ao pedido de um milionário criminoso. Cracolândia e Pinheirinho: ambas ações amplamente aplaudidas e apoiadas pela grande mídia, e por muitos dos que hoje estão na rua a gritar “sem violência”.
A violência está aqui, sendo chamada de ordem, lei e paz há 513 anos.
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E a violência popular, a que destrói patrimônio público e privado, que mancha uma imagem pacificada pela grande mídia, que ameaça a legitimidade das reivindicações, o que representa?
Tomando por base os exemplos citados acima, e tantos outros possíveis, pode-se depreender que os maiores promotores de violência da nossa sociedade são o Estado e a mídia corporativa (Rede Globo, Grupo Bandeirantes, RBS, Folha de SP, Estado de SP, SBT, Record, entre outros). Também é possível observar que os alvos principais da violência sistematizada são os pobres, os negros, os indígenas e as mulheres. Nesse sentido, julgamos fundamental fazer a defesa da depredação física e estética que atingiram prédios públicos, ônibus, agências bancárias, lojas de grandes redes de fast food, roupas, perfumes e/ou eletrodomésticos, concessionárias de veículos, veículos da imprensa empresarial, estações de metrô e trem, bases de apoio e viaturas da polícia, como formas claras de expressar a revolta coletiva contra todos estes símbolos e mecanismos de exercício do poder político e econômico que assola a parcela mais vulnerável da população.
Relevante apontar que a resistência física às investidas das forças do Estado contra a população em protestos que visam à transformação da ordem vigente deve ser legitimada como demonstração de não submissão à truculência com a qual a polícia e o exército tratam os conflitos sociais, bem como um questionamento concreto ao monopólio da violência pelo Estado.
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Afinal de contas, quem acordou?

O jargão “o povo acordou”, ou mesmo “o gigante acordou”, assim como as bandeiras e cores que passaram a desfilar nos protestos, introduzidos a partir do espectro nacionalista que envolve o país durante campeonatos disputados por nossa seleção, revela a tentativa de homogeneizar os manifestantes, amortizando assim as contradições de classe presentes em nossa sociedade, cenário que facilita a despolitização dos objetivos das manifestações por indivíduos e agrupamentos conservadores reacionários presentes, através da difusão de “pautas comuns” e abstratas, como a luta contra a corrupção, ou a luta contra a PEC 37. Outro expediente utilizado pela grande mídia para minar as correntes de pensamento progressistas é extrair a mobilização de seu contexto histórico, a partir da filiação direta e recorrente com as manifestações pela saída de Fernando Collor da presidência, em 1992, movimento que ficou conhecido por seu caráter social unificador, suprapartidário, e pela abrangência nacional.
Ainda que não seja possível generalizar, pois entre aqueles que ostentam a bandeira do Brasil e lançam gritos nacionalistas ao ar certamente há muitos de consciência política inexperiente e imatura, que foram às ruas demonstrar seu descontentamento com um sistema político e um modo de gerir a vida e a sociedade que não nos contempla. O que fica é a preocupação com os rumos que a esquerda deve tomar na continuidade da luta, principalmente em embates como o que ocorreu no ato do dia 20/06, na Av. Paulista.
A luta do povo pobre brasileiro, dos movimentos sociais, começou muito antes de qualquer bandeira da classe média conservadora ter sido levantada. Os sofredores perifanos já estão acordados há anos, lutando por moradia, por saúde, por educação, por terra, por transporte coletivo barato e de qualidade, pelo fim da violência policial, por emprego, por lazer, enfim, por dignidade!
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A luta que fez eclodir o que acontece hoje no país é a luta do MPL pela mobilidade urbana, pelo direito à cidade para os mais pobres, uma questão social. A mudança de postura da imprensa corporativa, de encorajamento às ruas, vai muito além da sensibilidade com a ação violenta generalizada da polícia militar do dia 13. A violência policial não iniciou suas atividades no Brasil no dia 13 de junho, ela aconteceu antes e acontece todos os dias nas quebradas. Folha e Estadão, duas empresas que pediram a repressão dura às manifestações, o Grupo Abril, com sua revistinha semanal, que mudou o conteúdo de sua capa de última hora, curiosamente para apoiar os protestos; o Instituto Milenium, que tem seu porta voz (Arnaldo Jabor) na emissora de maior alcance nacional, a Rede Globo, todos estes tem como grande interesse ofuscar lutas sociais, seja através da criminalização, seja através da velha tática de só repercutir um protesto como legítimo quando as reivindicações não atacam os interesses de grandes capitalistas.
Existe uma intenção bastante visível das elites socioeconômicas, representadas pela mídia empresarial, de desestabilizar o Estado Democrático de Direito, dirigido atualmente por um governo de coalizão, parceiro do agronegócio, de grandes empreiteiras, do monopólio midiático, de especuladores, de conglomerados bancários ávidos pela privatização de estradas, ferrovias, portos, aeroportos; e promotor de políticas públicas sociais limitadas e compensatórias. Contudo, não podemos aceitar quaisquer investidas golpistas, já numerosas em nossa história política, contra a opção democrática eleitoral realizada por nossa sociedade!
O que propomos como horizonte não é a perspectiva de golpe institucional, mas sim a efetivação da democracia direta, que emana do poder popular, praticada cotidianamente, nas ruas, e não apenas nas urnas.
Queremos, dessa forma, compartilhar os posicionamentos já esboçados de fortalecer as lutas que estão sendo travadas nas regiões periféricas das grandes cidades, de fortalecer o apoio ao MPL. E propor a defesa da ação direta contra a polícia, prédios e bens do Estado, estabelecimentos comerciais de grandes empresas, agências bancárias, como uma maneira (não a única) legítima de tencionar a luta política, não condenada pela esquerda institucional.
A luta é por transformações sociais sim! E deve se distanciar dos velhos formadores de opinião, sedentos de um mundo desumanizado, pautado pelos interesses individualistas. Muito além do amor à pátria, a luta é pela solidariedade ao oprimido.
A luta é de classes.
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Rádio Várzea Livre do Rio Pinheiros 107,1 FM

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