sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A relação entre Apolíneo e Dionisíaco em Nietzsche


Por Cristina G. Machado de Oliveira

        Nietzsche  resolveu estabelecer uma distinção entre o Apolíneo e o Dionisíaco, pois “A tragédia grega” depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da “embriaguez e da forma”, de Dionísio e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo. Desse modo, publicou a obra “O nascimento da tragédia” onde estabelece a dualidade dos dois princípios, visando uma síntese. Essa obra vai representar a união desses dois elementos, onde Nietzsche vai encontrar a unidade. Apolo não é o contrário de Dionísio, mas sim uma unidade, onde um é uma parte  distinta do outro. Ele concebe de maneira bem diversa a natureza e o destino helênicos. Não vê aí uma harmonia mas um complexo contínuo de luta, distingue no gênio grego estes dois elementos : o espírito apolíneo e o espírito dionisíaco.

            Distinguindo-os mitologicamente, temos:  Apolo, para os gregos, como sendo o “Deus brilhante da claridade do dia, revelava-se no Sol. Zeus, seu pai, era o Céu de onde nos vem a luz, e sua mãe, Latona, personificava a Noite de onde nasce a Aurora, anunciadora do soberano senhor das horas douradas do dia.(...) Apolo, soberano da luz, era o Deus cujo raio fazia aparecer e desaparecer as flores, queimava ou aquecia a Terra, era considerado como o pai do entusiasmo, da Música e da Poesia.(...) Deus da Música e da Lira, Apolo tornou-se, como conseqüência natural, o Deus da Dança, da Poesia e da Inspiração.”  (“Nova Mitologia Clássica”, p.31 e 38).

            E como Heráclito de Éfeso já afirmara (fr.51) que “a harmonia é resultante da tensão entre contrários, como a do arco e lira”, Apolo foi o grande harmonizador dos contrários, por ele assumidos e integrados num aspecto novo. A serenidade apolínea torna-se, para o homem grego, o emblema da perfeição espiritual e, portanto, do espírito.

            Dionísio era o filho da união de Zeus com Sêmele, personificação da Terra em todo o esplendor primaveril da sua magnificência. “De um ponto de vista simbólico, o deus da mania e da orgia configura a ruptura das inibições, das repressões e dos recalques. Dionísio simboliza as forças obscuras que emergem do inconsciente, pois que se trata de uma divindade que preside à liberação provocada pela embriaguez, por todas as formas de embriaguez, a que se apossa dos que bebem, a que se apodera das multidões arrastadas pelo fascínio da dança e da música e até mesmo a embriaguez da loucura com que o deus pune aqueles que lhe desprezam o culto. Desse modo, Dionísio retrataria as forças de dissolução da personalidade: às forças caóticas e primordiais da vida, provocadas pela orgia e a submersão da consciência no magma do inconsciente.”              ( “Mitologia Grega”, p. 140) 



            Nietzsche emprega uma linguagem simbólica e metafórica na apresentação de suas obras de arte. Ele se impregna do primitivo espírito grego, reconhecendo no devenir, no fluxo das coisas, a verdadeira dimensão dos fatos; a vida é um jogo constante atirada ao destino de suas forças. O pathos trágico se nutre do saber que tudo é uno. A vida e a morte são irmãs gêmeas arrastadas num ciclo misterioso. O caminho para o alto e o caminho para baixo, segundo se lê em Heráclito é o mesmo. O pathos trágico conhece Apolo e Dionísio como idênticos. Nietzsche descobre na tragédia grega a oposição da forma e da corrente amorfa. A esta oposição, Nietzsche chama oposição entre o Apolíneo e o Dionisíaco. Servindo-se ainda desta diferença, evolui seu pensamento e integra o apolíneo no dionisíaco. Assim, a verdadeira dimensão da realidade está num recriar, numa renovação constante; os valores estão em jogo permanente, os valores estão sempre criando novos valores de acordo com a diversificação e a intensidade de sua força. Ora, não é outro o espírito da estética nietzschiana  que se encontra centrada na embriaguez, isso é, na capacidade de se introduzir nos atos humanos mais acréscimos de força, mais movimentação, mais criatividade, pois é a vontade de potência que dá ao homem o sentido ativo da arte.

            Desse modo, o que Nietzsche institui é a formação do apolíneo e do dionisíaco como princípios de natureza estética e inconscientes, porém, sem deixar de ter como base as suas origens mitológicas referidas anteriormente.

            A relação entre Apolo e Dionísio será de criação, pois a incessante luta entre eles cria sempre coisas novas, por isso a identificação com a arte.

            A arte vai ser a maneira pela qual o homem poderá ultrapassar o devir do cotidiano. Um dos meios para se ultrapassar os “obstáculos” do cotidiano é através da experiência apolínea, através do prazer e da eternidade. Sem a produção da bela aparência a vida se desqualifica, pois a bela aparência é uma verdade superior. Em suma, o apolíneo e o dionisíaco são apresentados como saídas estéticas. Nietzsche pensa a vida como devir e este como beleza, assim pode através do dualismo Apolo/Dionisíaco ultrapassar a realidade cotidiana.

            O apolíneo representa a produção de formas, a beleza, fazendo com que  a vida se separe do sofrimento. Como foi dito antes, Apolo é o deus do Sol, liga-se a arte plástica devido a sua afinidade com a visão, tornando-se o deus da imagem, obtendo uma arte figurada. Ele reina nas belas aparências do mundo da fantasia, pois todo homem produz imagens através do sonho e da realidade. E assim como o sonho tem um efeito sanatório e reparador, o Apolíneo se contrapõe a realidade cotidiana.

            Há um prazer em produzir imagens, em sair do fundo, que é próprio do Apolíneo. Este é um afirmador da vida, sejam as imagens boas ou não. A experiência apolínea é cúmplice da produção da vida, esta experimentada esteticamente é o mundo superior.

            E quanto mais bela a forma mais terá a idéia de eternidade. Nietzsche é apaixonado pela idéia grega de eternidade onde a vida se potencializa de tal modo que se eterniza sem ter a negação, fazendo dela uma potência criadora.

            O outro princípio da dualidade estabelecida por Nietzsche é o Dionisíaco. Este ultrapassa o mundo do sofrimento pelo mergulho à unidade do próprio universo, uma experiência  mística, levando ao inconsciente. Dionisío é o deus do vinho, liga-se a música e a arte não-figurada. A experiência dionisíaca rompe com o princípio de individualização (Apolo). É a perda de si mesmo, de sua individualização, e essa idéia de perda de si nos remete à de terror. Essa experiência vai selar o laço que une pessoa a pessoa, eliminando todas as diferentes individualizações.

            O apolíneo e o dionisíaco têm entre eles um movimento incessante, o devir. E este produz formas. Eles através desse movimento atuam juntos para produzir o mundo, porém não são frutos de uma produção da consciência.

            Portanto, temos a unidade do Apolíneo com o Dionisíaco, juntos formando o devir, a vida.

            Desse modo, Nietzsche parte do princípio de que o universo humano é constituído de forças conflitantes, sendo que cada força é em princípio um centro explosivo tentando uma síntese precária que tende a dominar as demais, incorporá-las, crescer às expensas delas, aumentamos, assim, o setor próprio de dominação, pois tal é o impulso de cada singularidade conflitante. 

            Podemos ter como desfecho, o seguinte fragmento da obra “O nascimento da tragédia” – “... A seus dois deuses da arte, Apolo e Dionísio, vincula-se a nossa cognição de que no mundo helênico existe uma enorme contraposição, quanto a origens e objetivos, entre a arte do figurador plástico, a apolínea, e a arte não-figurada da música, a de Dionísio : ambos os impulsos, tão diversos, caminham lado a lado, na maioria das vezes em discórdia aberta e incitando-se mutuamente a produções sempre novas, para perpetuar nelas a luta daquela contraposição sobre a qual a palavra comum “arte” lançava apenas aparentemente a ponte; até que, por fim, através de um miraculoso ato metafísico da “vontade” helênica, apareceram emparelhados um com o outro, e nesse emparelhamento tanto a obra de arte dionisíaca quanto a apolínea geraram a tragédia ática...” ( “O nascimento da Tragédia”, p.27 )

 Bibliografia:

-          BRANDÃO, Junito de Souza. “Mitologia Grega”. Vol. III Ed. Vozes, Petrópolis,  1989.

-          MEUNIER, Mário. “Nova Mitologia Clássica” Ed. Ibrasa, 1976.

         NIETZCSHE, Friedrich. “Os Pensadores”. Ed. Nova Cultural, São Paulo,1996.

-          NIETZSCHE, Friedrich “O Nascimento da Tragédia”. Companhia das Letras, São Paulo,1996.

-          OLIVEIRA, Beneval. "Nietzsche, Freud e o Surrealismo". Ed. Pallas. Rio de Janeiro. 1981


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Publicado em: 2005-06-19 (15908 vizualização(ões))


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