Talvez não haja
no universo sentimento mais profundo do que este: solidão interior. Aquela
solidão da alma. A constatação fria e inegável de que, não importa o quanto eu
esteja cercado de coisas e pessoas, ou o quanto outras criaturas tenham
contribuído com a minha caminhada, na minha consciência estou sempre só, comigo
mesmo. Enfim, sós... Eis que, em algum momento da minha existência, a minha
consciência força-me à transformação, à total, profunda e sincera revisão de
tudo em que vinha a acreditar. Ela faz-me olhar novamente para tudo o que fiz,
construi e aprendi e, de forma implacável, coloca-me frente a frente com tudo
que sou, de verdade, e nem sequer imaginava.
Não há fuga
possível, não há como ou onde esconder-me. É como se todas as máscaras caíssem
ao mesmo tempo e eu fosse obrigado a olhar num espelho vivo e límpido, onde
estão refletidas todas as minhas verdadeiras emoções, ideias, necessidades e
tropeços. Os meus medos e as minhas carências.
E, ao deparar-me
com tanto da minha verdadeira essência que eu desconhecia e ignorava, é como se
algo se rompesse dentro de mim e criasse um imenso vazio, que me engole e deixa
sem chão e sem teto, flutuando, em completa suspensão. É como se eu vagueasse
dentro do meu próprio vazio interior. As referências momentaneamente
confundem-se, como se, o tempo todo, eu estivesse seguindo um mapa falso, para
um tesouro que idealizei, mas nunca existiu.
As crenças
parecem diluir-se, como se não passassem de bonecos de açúcar, que criei apenas
para me adoçar a existência, enquanto estava demasiado ocupado a sonhar
acordado. As certezas se transformam em dúvidas, como se tudo o que eu sabia
não passasse de um enredo destinado apenas a justificar a mim mesmo. O que
fazia sentido fica pálido e borrado, como se o meu universo fosse apenas o
produto de uma imaginação muito fértil, ou a lembrança de um sonho muito
vívido, ou uma alucinação. E tudo o que tenho é apenas a mim mesmo, em toda a
minha realidade nua e crua. Nem mais, nem menos. Sou eu que me dispo para mim
mesmo, como antes nunca tinha feito...
E, então, vem a
dor... A dor de perceber que, talvez, essa solidão seja apenas reflexo de uma
escolha, uma postura, uma crença equivocada. A dor de saber que quem se afastou
fui eu mesmo, num movimento de defesa infantil e inconsciente, numa fuga
assustada por medo de sofrer, ou de perder, ou de ser esquecido. A dor de me
dar conta de que, o tempo todo fugi apenas de mim mesmo e que os outros apenas
respeitaram a minha fuga, deixando-me fugir. E a dor, às vezes, é tanta e tão
grande, que faltam forças para sair do lugar, falta energia para fazê-la parar
ou mesmo para olhar para ela. Ela dói no corpo e na alma, dói por dentro e por
fora, dói pesado e profundo.
Não pretendo
anestesiá-la, não pretendo também ignorá-la. Não desta vez. Quero
experimentá-la até à última gota, se possível, se eu suportar. Quero abraçá-la
para que ela se transforme em luz, a luz que ainda não tive coragem de buscar
para me orientar nos meus caminhos. Não quero apenas passar por ela, mas passar
com ela, caminhar com ela, compartilhar os seus segredos, conhecer a sua
história. A minha história. No entanto, eu e ela estamos no mundo. E, estando
no mundo, caminhamos com outras pessoas. Pessoas que estão em outros momentos,
pessoas que têm outras necessidades, pessoas que só conseguem ver em mim o que
já conhecem, sem conseguir, nem de leve, suspeitar do que também sou, e elas
não conhecem e não conseguem perceber e compreender. E nem mesmo eu conheço
bem...
E não há como explicar. Não há como colocar em palavras
essa solidão que dói no meio de tanta gente, essa solidão plena que me faz
sentir único como nunca me senti, essa solidão que me afasta de tudo e de todos
e, ao mesmo tempo, quer desesperadamente estar no meio de outros que possam, ao
menos, acolhê-la, exatamente como ela é. Não há como decifrar, não há como
abrir o peito e mostrar o que está a acontecer bem ali dentro, onde a dor
decidiu se instalar. Não há como mostrar o coração que dói, ao lado daquele que
bate, pois só eu o sinto. Só eu sinto o que ele sente. E, na nossa dor, somos
cúmplices um do outro, nessa solidão que é triste, mas não é tristeza. Essa
solidão que assusta, mas não é medo. Essa solidão que magoa, mas não deixa
ferida. Uma solidão que é mais que estar sozinho, pois é solidão da alma.
Talvez Nietzsche forneça contribuições para entendermos,em parte, nossas inquietações...
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