Esta é a primeira obra do filósofo mais polêmico da Pós-Modernidade, e talvez até, por que não, o mais polêmico da história. Filósofo que se autodenominou "o homem que nasceu póstumo", por ter sido incompreendido pelos seus contemporâneos. Obra de um então jovem professor de letras clássicas despertou polêmica pelo seu caráter pessoal e pela ousadia de sua abordagem: desafiava a concepção tradicional dos gregos como povo sereno e simples, e exaltava a ópera de Wagner como renovadora do espírito alemão, numa singular mistura de reconstrução histórica, intuição psicológica e militância estético-cultural. Nesta obra o filósofo oferece não só uma interpretação das tragédias gregas, mas da própria cultura grega e moderna, do nexo entre arte e conhecimento e da época moderna.
O autor começa por afirmar que o contínuo desenvolvimento da arte está diretamente ligado à duplicidade do apolíneo e dionisíaco. O apolíneo é relativo ao deus Apolo, apresentado como o deus do sonho, das formas, das regras, das medidas, dos limites individuais. O apolíneo é a aparência, a individualidade, o jogo das figuras bem delineadas; e o dionisíaco é apresentado como o gênio ou impulso do exagero, da fruição, da embriaguez extática, da libertação dos instintos. É o deus do vinho, da dança, da música e ao qual as representações de tragédias eram dedicadas.
O Mito trágico é uma representação simbólica ou imagética da sabedoria dionisíaca. O dionisíaco manifesta-se a si próprio por intermédio de processos apolíneos – estéticos, representação. Essas representações levavam o publico a uma espécie de horror e posteriormente os arrebatavam através do prazer que sentiam por meio dos fenômenos inconscientes de si mesmos representados nas peças.
A duplicidade destes impulsos resulta numa luta incessante e se intervem periódicas reconciliações. A arte apolínea é a arte do figurador plástico, da estética; e a não figurada da música é a dionisíaca. Segundo Nietzsche ambos os impulsos caminham juntos, na maioria das vezes em discórdia aberta e incitando-se mutuamente a produções sempre novas. Contraposição que deu origem através do ato metafísico da vontade, gerando a tragédia ática. Segundo o autor estes dois impulsos básicos da criação da arte tem origem na embriaguez (dionisíaco) e nas representações oníricas (apolíneo). De um lado o conceito Uno-primordial - o impulso básico e primordial comum a todos o indivíduos, pelo qual se universaliza e imortaliza a arte (dionisíaco); e por outro o princípio-individual - impulso individual que diferencia o indivíduo da universalidade, o ato subjetivo.(apolíneo).
É feito uma analise da importância da arte para o povo grego, que devido a consciência das lástimas da existência tinha necessidade da arte para suportar a vida, onde o espectador via a si mesmo nas representações. Acontecia aí o fenômeno da purificação chamado por Aristóteles de catarse. Segundo Nietzsche “O nascimento da tragédia” se deu de maneira inconsciente, ora fruto da embriaguez, ora dos sonhos, que se imortalizou devido à necessidade da arte que é indelével a todos seres humanos quando conscientes das lástimas da existência, que também de maneira inconsciente se purificavam ao contemplá-las.
A morte da tragédia se deu graças a Sócrates com seu racionalismo. Sócrates percebeu que as pessoas não tinham um conhecimento seguro, sendo ele o único a admitir a si mesmo que nada sabia e por isso o Oráculo de Delfos o denominou o homem mais sábio. Sócrates percebeu também que as pessoas gostavam da tragédia, mas não a entendiam, apenas a sentiam. Sócrates acreditava que através da razão, e somente da razão, se poderia chegar ao conhecimento seguro e que somente aquilo que fosse inteligível seria digno, nobre.
Surgiu na contemporaneidade de Sócrates as comédias áticas de Eurípedes, onde o impulso criador passa a ser consciente e o crítico dessa nova espécie de arte passa a ser o inconsciente, que apesar de tornar as peças inteligíveis, a fez perder o seu caráter purificador, deixou de ocorrer a catarse, criando um vazio enorme entre os espectadores com a morte da tragédia.
Com Sócrates surgiu a ciência, o racionalismo, do qual buscava entender e explicar o mundo e o homem. Com o desenvolvimento da ciência e da filosofia, esse racionalismo radical levou o homem ao niilismo, a negação total e pessimista da vida, num estágio de conhecimento avançado, do qual a própria razão se torna insuficiente para explicar o todo, mas é capaz de negar qualquer verdade, restando apenas o niilismo passivo e negativo.
Para Nietzsche a música, do seu até então amigo, Richard Wagner era uma renovação do espírito da música, uma espécie de música que se imortalizaria assim como Beethoven e Mozart. Para ele a música e o mito trágico era de igual maneira a expressão dionisíaca, que seria capaz de justificar o pior dos mundos e tornar a vida possível, cobrindo a verdadeira essência da vida com um véu de beleza. Segundo ele a verdadeira essência da vida é lastimável e toda projeção futura, não passa de ilusão espraiada na busca dos prazeres ou na atenuação das feridas da existência, da qual só podemos afirmar a vida com as ilusões. Ele defendia a idéia de que se deveria buscar o renascimento da tragédia, de uma arte superior da qual poderíamos suportar vida, e assim religar a ciência e a filosofia à afirmação da vida terrena. Assim se manteria a ciência e a filosofia trilhando o caminho do conhecimento, da verdade, mas sem negar a vida. Concluindo que, para ele, temos a arte para não morrer com a verdade, onde a vida sem a música seria um erro.
Dados bibliográficos:
NIETZSCHE, Friedrich, O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo - 1872. Notas, Tradução e Posfácio, Jacó Guinsburg, 1992.1º reimpressão, Editora Schwarcz - Ltda.
Friedrich Wilhelm Nietzsche (Röcken, 15 de Outubro de 1844 — Weimar, 25 de Agosto de 1900), formado em Filologia pela Universidade de Leipzig, escritor e crítico da filosofia.
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