domingo, 1 de janeiro de 2012

A Moral e a Atividade Revolucionária

 

 

A Moral e a Atividade Revolucionária
(Moral Bolche ou Moral Espontaneísta?)

Nahuel Moreno


Parte I


Apresentação

Neste caderno reproduzimos o documento "Moral Bolche ou Espontaneísta?", mais conhecido como "Documento de Moral". Moreno escreveu este material em 1969, quando voltou à Argentina depois de estar preso no Peru. Quando voltou, encontrou no partido argentino uma situação de relaxamento nas normas morais, com manifestações concretas que afetavam o desenvolvimento da organização e de seus militantes.
Preocupado, Moreno resolveu sistematizar os princípios marxistas relativos à moral, ou seja, às normas de comportamento individual. Se levamos em consideração que a Argentina tinha entrado, poucos meses antes, em uma situação pré-revolucionária e que o partido tinha que elaborar urgentemente sua política e sua atividade frente às novas circunstâncias, o fato de que Moreno assumisse mais uma tarefa além das muitas que tinha por fazer demonstra a importância que dava à formação partidária e à necessidade de que os quadros e militantes tivessem critérios claros nesse terreno.
O texto que publicamos pela primeira vez em português, começa com uma análise do problema moral em geral: que é a moral, como sistema de normas que respondem a um determinado tipo de sociedade e que mudam historicamente. Analisa os diversos tipos de moral que existem nesta etapa de decadência da sociedade capitalista: a moral burguesa, a moral lumpen e a moral espontaneísta, que expressa a rebeldia pequeno-burguesa contra a moral tradicional burguesa e se aproxima da moral lumpen.
Estas considerações mais gerais abrem o caminho para desenvolver o que é mais importante no documento: definir qual é nossa moral, a moral dos socialistas revolucionários. O marxismo não estabelece normas rígidas de comportamento pessoal, o partido respeita a vida pessoal. Mas tem, sim, um critério rígido, dado pelo objetivo pelo qual entramos no partido e militamos nele: construí-lo como ferramenta para fazer a revolução operária. "Nossa moral, diz Moreno, é uma moral para uma luta implacável para derrotar um inimigo não menos implacável, os exploradores e o imperialismo". Aqui recordamos as palavras de Lenine:
"A vitória sobre a burguesia é impossível sem uma guerra prolongada, tenaz, desesperada, a morte; uma guerra que requer serenidade, disciplina, firmeza, inflexibilidade e vontade única". Essas condições indispensáveis para a vitória devem ser o alicerce sobre o qual construímos nossas normas de conduta.
Moreno esclarece que:
"nossa moral não ignora, e não poderia ignorar porque é uma parte importante da realidade, as necessidades biológicas ou culturais, ou do desenvolvimento individual, nem a liberdade e o prazer, mas exige que estejam subordinados e sejam assimiladas em função de nossas normas morais, que têm seu objetivo central: a revolução e o partido".
Colocar o partido como eixo da conduta moral tem uma conseqüência muito concreta e humana: a relação com os companheiros de luta, os camaradas do partido:
"a vida, a moral, a consciência e o próprio corpo físico do camarada de partido valem muito mais que si mesmo". "Não há, nem pode haver, sacrifício que não possamos fazer em favor do camarada". "Apesar de que, na mais ampla maioria, os companheiros não se conhecem entre si, as obrigações morais continuam existindo e não são menos necessárias; são companheiros e basta".
No relacionamento entre camaradas deve existir um respeito e uma confiança mútuos, que surgem do fato de que temos em comum a tarefa mais importante de nossa vida e de que, sempre perseguidos pelo estado, os burocratas e os reformistas, só poderemos nos apoiar uns nos outros. A segurança e a própria vida de cada um esta nas mãos de seus companheiros. É por isso também que nas questões de moral partidária e revolucionária, somos implacáveis: porque não aceitamos pôr em risco a organização e cada um de seus militantes por causa do comportamento irresponsável de alguns deles.
Por isso, o partido não só tem uma moral, como tem também uma disciplina e sanciona os que a violam ou cometem atos de traição contra a classe ou o partido. As pressões de classe, dos aparatos contra-revolucionários e do reformismo (que expressam, todas elas, as pressões da sociedade capitalista dentro do partido) provocam desvios mais ou menos graves em nossas fileiras. Como dizia Lenine:
"O capitalismo morto apodrece, se decompõe entre nós, infectando o ar com seus vírus e envenenando nossa vida: o que é velho, podre e morto se agarra, com milhares de vínculos e ataduras, a tudo o que é novo, fresco e vivo".
Isto, que Lenine assinalava em relação ao estado operário soviético, onde os capitalistas já tinham sido expropriados, é mil vezes mais valido entre nós, que estamos submersos no sistema capitalista. Só podemos enfrentar esse perigo permanente com critérios morais firmes, colocando sempre as necessidades da classe, da revolução e da organização por cima de toda consideração pessoal. E, além desse controle que cada um deve exercer sobre si mesmo, tem que estar o controle coletivo da disciplina partidária, que a ferramenta que garante que possamos atuar como um só homem e evitar que o comportamento individual de alguém prejudique a tarefa comum.
Vivemos em uma época de combate, que exige de nós disposição para o esforço, para o sacrifício e para a renúncia a desejos e gostos pessoais. Devemos adotar como nossas as palavras com que o partido bolchevique recrutava militantes durante a guerra civil na Rússia:
"Venha ao partido que não lhe promete privilégios nem vantagens. Se alcançarmos a vitória, construiremos um mundo novo. Se formos derrotados, lutaremos até o último homem".
Não queremos nos estender mais, pois o texto de Moreno é suficientemente claro. Só falta esclarecer um fato histórico que demonstra a utilidade que a discussão deste documento teve para o partido argentino. No último capitulo, Moreno expressa sua preocupação de que as faltas morais que observou pudessem produzir (e apontava sintomas disso) um enfraquecimento da atitude dos militantes diante da repressão. Alguns anos depois que o "Documento de moral" foi distribuído e discutido em todo o partido, a Argentina entrou na noite da barbárie fascista. A firmeza de nossos companheiros foi exemplar. Nossos desaparecidos morreram sem abrir um nome ou um endereço; nossos presos, em sua imensa maioria, suportaram as torturas sem entregar um só dado e mantiveram na prisão uma conduta moral que lhes valeu o respeito dos próprios repressores e de nossos adversários políticos. O partido continuou militando em meio às maiores dificuldades, passou a prova e assim, pôde (depois da queda da ditadura) voltar atividade legal ainda com mais força que antes.
Trotsky disse:
"Combatemos em nome do maior bem da Humanidade, em nome de sua regeneração, para tira-la das sombras e da escravidão". Essa é uma tarefa grandiosa que justifica a dedicação de nossa vida e a adoção de um comportamento individual de acordo com as necessidades da luta. Neste terreno, os ensinamentos deixados por Moreno vão mais alem deste documento; estão contidos, principalmente, no exemplo de sua vida militante.
Francisco Morais

Parte I

Moral Bolche ou Moral Espontaneísta?

Meu contato com o partido, devido minha situação, tem sido durante estes meses através da correspondência. Não posso me queixar porque tem sido bastante intenso. Sem querer, levado pelo intercâmbio de cartas, fui me metendo no problema moral, desviando-me um tanto de meu projeto de escrever um trabalho sobre a situação peruana. É que vários dos companheiros e companheiras que me escreviam esboçavam ou defendiam posições sobre a moral que eu considerava alheias as nossas tradições e concepções.
"Há que ser honesto consigo mesmo", me escrevem, repetindo uma velha frase minha aprendida dos mestres; "tenho ânsias de viver e quero satisfaze-las"; "a primavera, o cheiro das flores, a conversa com as companheiras ou amigas fazem com que se possa passar qualquer coisa e tudo o que ocorrer está bem"; "não tenho que ter esquemas ou dogmas no problema sexual ou moral"; "nossa moral é fazer o que gostamos em qualquer momento".
Destas formulações teóricas passaram a dar-me todo um programa concreto de ação moral, "que louco é o companheiro tal que vive pensando em sua companheira presa, diz que cada vez a quer mais, quando a separação física por razões objetivas provoca inevitavelmente desamor, afastamento", "com minha companheira presa atuo de forma diferente, saio ou trato de sair com outras companheiras, assim consigo uma espera "ativa" e não "estática" etc., etc... Todas estas são citações textuais ou quase textuais, com ligeiras modificações para evitar sua identificação.
Antes da divisão "os combatentes" [1*] atacaram os companheiros da Zonal Norte por terem, segundo eles, essa moral. Naquele momento nos levantamos indignados contra tal infâmia e falsidade, que provinha justamente de dirigentes cuja moral pessoal era verdadeiramente repugnante, da pior que tenho visto em minha longa militância. Acreditava que essa polêmica com os combatentes havia aclarado o panorama. Parece que não é assim.
Na última escola de quadros tive a intenção de tocar neste tema, já que o considerava parte importante da educação militante. Por razões de tempo, me foi impossível fazê-lo. Creio que a grande quantidade de novos companheiros, a debilidade de sua formação, a falta de tradição marxista revolucionária, como o grave perigo de que companheiros de prestigio por serem ou haverem sido parte da direção nacional, tenham essas falsas posições e possam influir nos novos quadros partidários, exige que de uma vez por todas abordemos o problema. Sem dar muitas voltas direi que considero que existe todo um setor do partido que por um grave processo degenerativo, social, político, sua lumpenização, tem adotado posições sobre o problema moral que atentam contra a marcha e o fortalecimento de nossa organização. O tema toca, por outro lado, de forma muito mais profunda na realidade contemporânea. Vivemos a época mais revolucionaria da história, o salto da sociedade de classes, da pré-história humana para a sua história. Isso significa que estamos passando de formas de vida, costumes, relações econômicas, entre os sexos, das distintas esferas da atividade social arcaicas às novas. Porém estas últimas estão muito longe de se terem cristalizado, justamente porque estamos numa época de transição. Nestes períodos históricos nenhuma norma se fixa, se cristaliza; se derrubam umas, aparecem outras. A moral não uma exceção, pelo contrario, é um dos aspectos da vida que sofre uma maior comoção. Os velhos valores entram em crise antes que triunfem os novos e que os mesmos tenham se estruturado. Todas as épocas de mudanças revolucionária, nos tem mostrado uma situação similar de confusão moral, de amoralismo oficial, de choques entre distintas morais. O renascimento italiano com seus Papas, os Borgia, ou seus artistas, como Benvenutto Cellini, nos mostra um amoralismo que nos deixa estupefatos. A decadência do Império Romano, com suas orgias, seus imperadores "marido de todas mulheres e mulher de todos os maridos da corte" outra prova do que vínhamos dizendo. Que destas épocas tenham surgido as tremendas morais de Savonarola, Calvino, a primeira; o catolicismo dos primeiros séculos, a segunda, não faz mais que confirmar que na luta contra o amoralismo oficial, decadente, se foram estruturando uma nova moral, que refletia uma nova época e classe.
Os companheiros que captamos, são, principalmente, estudantes, vêem de uma sociedade em falência, repugnante, com pais separados ou que traem um ao outro; com amigos ou conhecidos que relatam orgias sexuais reais ou imaginarias; com filmes que se divertem em descrever todas as variantes de perversão sexual, com a leitura diária sobre a quantidade de maconha ou ácido lisérgico que consome a juventude norte-americana ou européia; com filmes pornográficos japoneses ou suecos que superam tudo o produzido na pré-guerra pelos franceses ou alemães; com pederastas ou lésbicas; com crimes ou assaltos vários; com delinqüentes públicos transformados em grandes personagens que gozam de todos os favores e prestígio social; com uma escala aristocrática onde as artistas de cinema e televisão, rodeadas de playboys, são supra sumo da moda, dos costumes, da moral; com uma frieza entre os sexos nos países avançados, onde se esta produzindo a liberação da mulher, que preocupa aos sociólogos; com a pílula como elemento fundamental na liberação da mulher. Estes companheiros chegam ao partido vindos de uma sociedade totalmente corrompida, sem valores de nenhuma espécie, onde a família, a amizade e as relações entre os sexos estão totalmente em crise. Isto não pode menos que refletir-se nas próprias filas partidárias, já que não vivemos enlatados a vácuo, mas sim dentro dessa sociedade.
Frente a esta situação se impõe a necessidade de precisarmos então que classe de moral temos, e inclusive se temos alguma.

Como Encaram Teórica e Praticamente Nossos Mestres o Problema Moral

O "Velho", em seu conhecido folheto "A Moral Deles e a Nossa" (ou Moral e Revolução) deu as linhas gerais da moral revolucionaria. Combatendo a concepção da pequena-burguesia, principalmente a intelectual, que sustentava e sustenta que há uma moral acima das classes que obriga a todos os homens a respeitar certos princípios, deveres morais, reivindicou a relatividade e o caráter de classe de nossa moral, como da moral em geral.
Nada de princípios absolutos, gerais, para a moral; a base da nossa é a revolução proletária. Tudo que a favoreça em nossa conduta é moral, entra dentro de nossos valores: tudo que a debilite ou vá diretamente contra a revolução, é imoral. Estes princípios nos obrigam a colocar o eterno problema dos meios e dos fins. Como sabemos que tal meio ou atitude moral serve à revolução? "Os fins justificam os meios" dizia a velha moral dos jesuítas. Trotsky respondia; "sim, sempre que os meios levem aos fins". Ou seja, entre fins e meios há uma dialética, já que nem todos os meios são viáveis, úteis. Mentir ao movimento de massas não serve para nada ainda que quem o faça tenha as melhores intenções, já que rebaixa o nível de compreensão dos fenômenos políticos e sociais pelos trabalhadores. É, portanto, não só um erro político, senão uma grave falta moral. Porém, um companheiro que tem uma missão dentro de um ambiente inimigo tem que mentir sistematicamente, porque sua mentira vai a favor do desenvolvimento do partido e da revolução. Se por exemplo, um companheiro despedido da Kaiser de Córdoba vem a Buenos Aires para buscar trabalho, por ter sido incluído nas listas negras da patronal cordobesa, logicamente não dirá a verdade aos novos patrões: "fui demitido da Kaiser porque era ativista sindical". Sua mentira é valida, estritamente moral.
Os intelectuais pequeno-burgueses assustados pelos que dizem que existe um principio moral sagrado, "não mentir", dizem: "portanto esse companheiro cordobés de vocês é um imoral de marca maior, vive mentindo a todos os patrões de Buenos Aires a quem pede trabalho".
Este principio moral situado por Trotsky: servir à revolução como critério básico deixa muito campo livre para a independência e desenvolvimento pessoal no campo das relações entre os sexos, a família e os outros companheiros. As diferenças apreciáveis na vida de nossos grandes mestres o demonstra. Não é segredo que Marx teve relações pessoais que alguns críticos modernos consideram de "moral vitoriana": fidelidade absoluta no matrimônio, relações exageradamente sérias com suas filhas, que noivaram e se casaram com todas as convenções da lei (inclusive a que se uniu livremente a seu companheiro inglês, que depois se suicidou, também o fez de forma bastante séria), aparentemente certa atitude depreciativa frente as relações de Engels com suas companheiras irlandesas, as duas irmãs, que nunca visitaram a família Marx (ainda que não me conste, me dizem que Bernstein, em um de seus livros, comenta que na casa de Marx eram muito mal vistas as relações deste com a irlandesa). Engels era o oposto de Marx. Em lugar de uma só noiva como este, que depois foi sua esposa, ainda com um bom lote (quando da revolução alemã de 48, chegou vários dias depois de combinado porque havia passado por Alsácia e Lorena a pé, onde "havia muitas mulheres lindas e bons vinhos" foi sua desculpa). Marx vivia assustado com as manias de Engels pela equitação e as " relações sociais". Os mexeriqueiros europeus, que também existem em grande quantidade, estão muito preocupados averiguando se andava com as duas irmãs ao mesmo tempo. O "Velho" comentava a correspondência dos dois amigos diz que surgem como maravilhas humanas, principalmente Engels. Eu compartilho desta opinião.
Entre Lenine e Trotsky há diferenças parecidas às existentes entre Engels e Marx respectivamente. Trotsky se casa duas vezes e tem relações sérias, quase "vitorianas", segundo os seus críticos europeus. Lenine, segundo insinua Deutsher e asseguram os fofoqueiros de turno, parece que teve algumas relações com suas ajudantes. Segundo os comentários que corriam em Moscou em fins da década de 20, o segredo da capitulação de sua magnífica companheira, Krupskaia, à Stalin, era a chantagem de que havia sido objeto por parte desse chacal: se não capitulasse a denunciaria como não tendo sido a companheira de Lenine e tiraria de sua manga alguns dos casos deste para ser reivindicada como tal. Por outro lado, Pola Negri, em suas memórias que li, não me contaram, relata que na Suíça, onde ela trabalhava em um cabaré ou algo parecido, havia estado com um homem de pequena estatura que foi a pessoa mais extraordinária que havia conhecido em toda sua vida. Essa pessoa era Lenine. Se isto for certo e não uma manobra publicitária de Pola Negri, duvido muito que a amizade entre ambos tenha sido justamente para jogar cartas.
Por um problema que Trotsky teve ao final de sua vida com sua companheira nos inteiramos do tipo de relação que tinham. Parece que o "Velho" e a senhora de Diego Rivera haviam se simpatizado em demasia, até provocar a indignação da Velha.
Isto provocou uma emocionante troca de cartas entre os dois Velhos: Don Leon lhe dizia em sua carta que ele jamais lhe havia pedido satisfação sobre as relações dela com seu secretário durante a guerra civil, apesar das presunções ou comentários de que tinham relações. Isto revela que Trotsky tinha a concepção de que cada um dos cônjuges era livre para fazer o que quisesse, sem ter que prestar contas ao outro: a independência pessoal mais absoluta. Deixando de lado que a Velha esclareceu o equivoco e a falsa versão ou presunção e que o Velho não recebeu mais a senhora de Diego Rivera, a posição que surge pela correspondência é contraditória, porque embora nela Trotsky afirma que nunca pediu prestação de contas, de fato nas duas cartas trocadas há, uma indireta e sutil intenção de prestação de contas, de estabelecer relações francas, verdadeiras, entre ambos e não da liberdade total absoluta e secreta.
Deste breve resumo, podemos tirar uma conclusão: que nossos mestres, dentro da moral geral que todos eles observaram no desenvolver da revolução, tiveram pronunciados matizes diferenciadas, inclusive contraditórios, na moral cotidiana com o outro sexo, a família e os companheiros, provocados por razões da época ou formação individual. A constatação deste fato pode nos levar a uma conclusão apressada e perigosa: que não há nenhuma relação entre a moral geral revolucionária e a que temos que empregar todos os dias em nossa vida de relação mais íntima. Dito de outra maneira, que não há normas ou linhas concretas em nossa moral, mas apenas generalidades.
Creio que pelo contrário, este é um terreno, como tantos outros, que não aprofundamos e que essa é a razão pela qual podemos tirar essa falsa conclusão. Não é casual que nesta etapa da revolução, como de nosso partido, comecemos a estudar o problema, tratando de solucionar, de descobrir, as leis que nos permitam retirar da lei geral de nossa moral, de que tudo o que ajuda à revolução e ao partido revolucionário é lícito, as normas justas de atuação cotidiana, principalmente em relação aos companheiros, nossas famílias e especialmente com o outro sexo.

O Que é a Moral?

Para avançar neste terreno, devemos começar por nos colocarmos de acordo em o que é a moral, o que significam os valores e deveres morais.
O homem vive em sociedade, formando parte de agrupamentos humanos, classes, grupos, famílias, nações, bairros. Essas estruturas sociais, para se manterem e se desenvolverem necessitam impor aos indivíduos que a formam, uma série de normas, obrigações, que garantam a conquista de objetivos como a solidez dessas estruturas. Essas normas que toda estrutura social impõe a seus indivíduos, são justamente as Morais. A ciência moderna, tende a dividir essas normas entre as mais abstratas, que estuda a ética, e as mais concretas, os deveres, que analisa uma nova ciência, a deontologia ou ciência dos deveres. Não quero me perder nos detalhes, que para o nosso caso são secundários. O importante é compreender o papel social fundamental que cumprem as normas sociais: o meio de garantir que o indivíduo, pressionado pelos valores e deveres de sua organização social, responda às necessidades desta.
Um exemplo: um sindicato é uma organização social, tem portanto, normas e deveres morais para com seus integrantes. Estas, entre outras, são as seguintes: acatar sempre o que os operários resolvam por maioria, ser solidário com todo pessoal em greve, não "furar greves" nunca. Estas normas garantem a solidez, desenvolvimento e conquista dos objetivos da organização sindical. Se não existissem ou se não se cumprissem, essa organização desapareceria em curto prazo. Estas normas morais se impõem por convencimentos dos indivíduos e por pressão moral e até física da organização social sobre eles. O que caracteriza é a pressão moral, ou seja, de opinião coletiva da organização.
Em torno deste último aspecto, surgem os pontos de contato e as diferenças entre o direito e a moral. Em um sentido, o direito é a moral mais um garrote, o do Estado ou qualquer outra superestrutura. Mas o direito é muito mais que isso, já que regulamenta muito mais relações que a moral. Enquanto esta apenas dá normas para a atuação individual dentro da organização, o jurídico dá leis ou resoluções que tratam de regulamentar todas as relações existentes na sociedade, entre as classes, os grupos, os indivíduos, de todos eles entre si, mas em benefício de uma classe e aplicado por um estado a serviço da mesma classe. Dai que o direito utiliza os meios diretamente compulsivos, a cadeia, as penalidades, próprios da força do estado, enquanto a moral utiliza a persuasão ou o repúdio moral, isto é, de opinião de grupo.
Algo semelhante ocorre com os costumes. Todo agrupamento tem seus hábitos de vida; se cumprimentam de tal forma, nós por exemplo, nos dizemos "como vai companheiro", outras organizações de esquerda "como vão camaradas". Fazem-se bailes ou almoços, ou ambas atividades de uma vez. Cada agrupamento social tem seus hábitos cotidianos de viver, são os costumes. Têm há ver com a pratica diária de existência desse agrupamento. Estes hábitos ou costumes cotidianos são fundamentais para a subsistência do agrupamento, mas não fazem à essência das relações, os costumes ou alguns deles, podem mudar sem afetar em nada o agrupamento. Também alguns indivíduos podem ser diferentes, não cumprimentam dizendo "como vai companheiro", mas sim, "como vão amigos e amigas", é contra o costume, mas não afeta em nada a estrutura do agrupamento, neste caso nosso partido. Os costumes são elemento espontâneo do agrupamento, tomado em sua média estatística. A moral funde suas raízes nos costumes, mas bem diferente, não é toda a vida cotidiana como esta última, mas um aspecto privilegiado desta, aquele aspecto que faz à sobrevivência da estrutura social de que se trata e, portanto, são normas estritas, severas, essenciais para serem aplicadas por indivíduos.
Aclaram-se assim as três escalas deste aspecto da vida social. - Os costumes é o espontâneo, o geral e o cotidiano da vida e práxis de todo agrupamento social. A moral são as regras, normas, deveres que garantem a sobrevivência, desenvolvimento e fins do agrupamento social, através dos indivíduos que o formam. O direito é uma superestrutura que tende a regulamentar todas as relações, não só as excepcionais e essenciais, como as morais, mas todas, desde as horas de reunião de um partido, até as relações entre as classes no direito público do estado burguês. Toda classe, organização social, tem então, seus costumes, moral e direito. Nosso partido, o partido bolchevique argentino, o PRT, não é uma exceção. Todos nós sabemos que temos nossos costumes, alguns parecem ter se esquecido que também temos uma moral e temos nosso direito (o estatuto).

A Crise da Moral Burguesa

A burguesia, em sua época de ascenso e plenitude, impôs uma sólida moral. A base dessa moral era dada pelas necessidades da acumulação primitiva capitalista. A célula fundamental dela era a família patriarcal burguesa, com muitos filhos e o domínio absoluto do pai, os máximos valores eram os familiares. O futuro, com seu afã de engrandecimento, condicionava todos os valores morais. A poupança, a economia, a obediência servil dos filhos e da mulher ao chefe da família, a acumulação de um capital antes de se casar, o que levava a que se casassem já maduros, o casamento acertado entre famílias para que as filhas se casassem o mais rápido possível, quase meninas, para que não fossem uma carga para o processo de acumulação, caracterizava esta moral. Como vemos, predominava a organização familiar e uma moral adequada a essa organização, cujo objetivo era a acumulação capitalista. Tudo era sacrificado pelo futuro, principalmente o presente. Os homens se casavam já maduros porque haviam sacrificado sua juventude para a acumulação da fortuna que lhes permitiria constituir um lar burguês, com a marcha acumulativa assegurada. Primeiro a fortuna, depois o casamento, era a regra moral. As meninas, para assegurar seu futuro, eram obrigadas a casar com velhos que poderiam ser seus pais ou avós, se lhes frustrava, por toda vida, suas possibilidades instintivas, para lhes assegurar um futuro econômico.
Entre essa moral oficial e as necessidades biológicas, produzia-se uma dicotomia, uma grave contradição, insolúvel dentro dos marcos estritos daquela. Dai que essa moral entrasse em contradição com o costume, era hipócrita, já que solucionava ou tentava solucionar suas contradições por meios ocultos e hipócritas. Para os homens: os prostíbulos; para os jovens, especialmente os da burguesia, as vedetes ou "malas gruas" como com ironia as definiam os franceses do fim do século, porque levantavam seus candidatos desde o palco, ou diretamente a amante cara. Para as pobres mulheres, condenadas a uma moral oficial masculina, a "traição" de seu velho esposo ou, se as circunstâncias o impedissem, o anamoramento romântico, "impossível", cheio de versos "cursi" que escondiam aparências mais realistas. Mas, em geral, a mulher burguesa esteve condenada sob esta moral a não satisfazer suas necessidades biológicas ou culturais, já que os cartões postais ou os versinhos do apaixonado do momento não podiam satisfazer essas necessidades prementes. No século passado, e em grande parte no presente, segundo os sexólogos, a maior parte das matronas da burguesia morriam sem haver conhecido o ato sexual integralmente e as que conseguiam eram uma exceção, que quase sempre se dava em uma idade relativamente madura, depois dos 30 anos.
Paralelamente a estes problemas morais e de costume, foi-se produzindo outros, à medida que a burguesia acumulava: a necessidade de gozar do conquistado. A conseqüência disto, foi que, das duas caras da moral burguesa, a pública e a restrita, a hipócrita e a oculta (o adultério, as amantes, os prostíbulos), o desenvolvimento capitalista foi dando proeminência a esta última. Isto significava que a necessidade de acumulação primitiva deixava lugar ao andamento normal, não opressivo dessa mesma acumulação. Poderíamos falar de duas morais burguesas, uma a de acumulação primitiva, outra, a da burguesia em seu apogeu. Na primeira domina o futuro, tudo ou quase tudo era sacrificado por ele. O presente se esconde e é solucionado de forma clandestina. Em seu apogeu, produz-se um bastardo equilíbrio entre o futuro e o presente, a hipocrisia se torna pública, e a burguesia aceita gozar o presente, sem renegar o futuro. Mas as graves contradições continuaram existindo.
Os grandes descobrimentos de Freud não podem ser explicados sem os enfocar como conseqüência da observação destas graves contradições da moral predominante de sua época, em Viena.
Freud utilizou a ciência para descobrir a hipocrisia dessa moral e o lado oculto dela, o biológico. Este século o da decadência da burguesia, com ela cai em pedaços sua moral, esta entra em uma crise tão brutal como o regime que a fundou. A família patriarcal burguesa da etapa de ascenso, desaparece, se rompe, para dar lugar a relações entre os sexos e os membros da família anárquica, crítica, onde o elemento fundamental é a transformação de cada indivíduo em desfrutador do mundo e do outro sexo. Esta moral reflete a passagem da acumulação capitalista desesperada à tentativa da burguesia de gozar o presente. É a putrefação do indivíduo burguês levado aos seus últimos extremos, o das relações pessoais e sexuais. Os setores mais cultos, rebeldes ou desclassificados da própria burguesia, apelam impudicamente a um giro ao biológico, o imediato, quer dizer, o abandono de toda moral, de toda perspectiva para o futuro. A psicanálise fica na moda nos anos 20, principalmente nos Estados Unidos. Todo o espontâneo e as necessidades biológicas encontram justificação e explicação na psicanálise. Tudo esta bem e permitido, o passado e o biológico, tudo é explicado e justificado. Uma classe sem futuro, logicamente teria que cair, como todas as classes que na história perderam toda sua perspectiva, em um amoralismo.
Mas a putrefação moral da burguesia teria que avançar ainda mais. Com o neocapitalismo, com o controle dos mercados pelos grandes monopólios que o caracterizam, pela manipulação dos consumidores através da propaganda, a perda da moral já é total, nem sequer é um amoralismo, já que se transforma em um consumo, em hábitos, reflexos condicionados e solucionados pelos grandes monopólios. Já a moral, ou falta de moral, nada tem a ver com pessoas de carne e osso, mas com objetos ou pessoas-objetos. Até as necessidades biológicas mais primárias são manejadas, manipuladas, pelos que controlam o mercado, que rebaixam assim a moral a um ramo a mais do mercado monopolista. A vida se torna aborrecida, a moral desapareceu, já não são deveres que os homens impõem a si mesmos, para defender uma estrutura social, mas reflexos condicionados, costumes, satisfação por esses reflexos, de necessidades biológicas ou sociais. Entramos em uma época de falta de moral ou de uma ética congelada.
A esta moral da burguesia em decadência, se combina, com seus aspectos característicos, a outra moral, que é sua sombra rebelde, em certo sentido seu rosto verdadeiro, a moral dos setores deslocados das grandes cidades.

A Moral Lumpen

Nas favelas desta etapa neocapitalista estão congregadas multidões que estão relativamente à margem do mercado capitalista, sua ligação com ele, com seus fetiches, é muito menor que a dos outros consumidores. Seu regime de vida é instável. São grandes concentrações de desclassificados, lumpens. Muitos deles se transformam em operários, outros não; mas o elemento determinante está dado por essa caracterização. Os companheiros que trabalharam sobre a greve portuária, conhecem na própria carne a verdade do que estamos dizendo. Que moral têm esses conglomerados?
Não necessitamos investigar muito, existe um livro magnífico que não só estudou uma família desse conglomerado, mas que retirou algumas conclusões significativas. Refiro-me a "Os Filhos de Sánchez" de Oscar Lewis; o autor, depois de assinalar que as conclusões podem ser aplicadas às grandes cidades, diz o seguinte: "outros aspectos incluem uma forte orientação para o tempo presente, com relativamente pouca capacidade de retardar seus desejos e de planejar para o futuro, um sentimento de resignação e de fatalismo baseado nas realidades de difícil situação de sua vida". Os membros da classe média, e isto inclui logicamente a maioria dos investigadores das ciências sociais, tendem a se concentrar nos aspectos da cultura da pobreza e tendem a associar valores negativos e características tais como a orientação centrada no momento presente, a orientação concreta versus a abstrata. Não pretendo idealizar nem romantizar a cultura da pobreza. Como disse alguém: "É mais fácil louvar a pobreza do que vive-la". No entanto, não devemos passar por cima de alguns dos aspectos positivos que podem surgir daí. Viver o presente pode desenvolver uma capacidade de espontaneidade, de desfrutamento do sensual, a aceitação dos impulsos, que freqüentemente esta tolhida em nosso homem da classe média, orientado para o futuro. O uso freqüente da violência significa uma saída fácil para a hostilidade, de modo que os que vivem na cultura da pobreza sofrem menos a repressão da classe média. Lewis deu um nome próprio da sociologia norte-americana a este fenômeno: cultura da pobreza, aparentemente não tem nada que ver com as categorias marxistas, é uma definição por lugar de moradia. Mas Lewis é um extraordinário observador além de estudioso. Isto o leva a fazer marxismo, e do bom; a "cultura da pobreza" - nos diz - "só teria aplicação nas pessoas que estejam no fundo da escala sócio-econômica, os trabalhadores mais pobres, os camponeses mais pobres, os cultivadores de plantações e essa grande massa heterogênea de pequenos artesãos e comerciantes, os quais em geral se classificam como "lumpen proletariado". E para que não nos restem dúvidas de que se trata da moral e cultura dos lumpens, nos esclarece, "gostaria de distinguir claramente entre o empobrecimento e a cultura da pobreza. Nem todos os pobres vivem nem desenvolvem necessariamente uma cultura da pobreza". E, rematando suas conclusões, nos diz: "Quando os pobres adquirem consciência de classe, se tornam membros de organizações sindicais ou quando adotam uma visão internacionalista do mundo, já não fazem parte da cultura da pobreza, ainda que continuem sendo desesperadamente pobres". Lewis não sabe que afiliados ao nosso partido, nossa internacional, existem "canalhas", chamando-os assim, já que não são imberbes militantes que estão na cultura da pobreza, na acepção de Lewis, que não têm nenhuma "capacidade de retardar seus desejos". Mas essa exceção não anula a correta definição do autor, que não tem porque conhecer os processos  excepcionais e degenerativos.

A Rebelião Burguesa e Pequeno-Burguesa Contra a Sua Moral o Existencialismo e Espontaneísmo

Dado o objetivo específico do livro de Lewis, este não tira todas as conclusões gerais de algumas de suas observações mais interessantes: inclusive entra em contradição aparente com algumas delas. Lewis intui que a cultura da pobreza, da desclassificação, a lumpenização, com todos seus valores morais, não é própria somente do lumpen tradicional, mas que todas as classes podem lumpenizar. Por exemplo, sublinha "a cultura ou sub-cultura da pobreza nasce de uma diversidade de contextos históricos, mais comum que se desenvolva quando um sistema social estratificado e econômico atravessa um processo de desintegração ou de substituição por outro, como no caso da estratificação de feudalismo ao capitalismo, ou no transcurso da revolução industrial". Diretamente não liga neste caso a cultura da pobreza ao baixo nível econômico-social, mas a uma etapa de transição, que provoca desclassamento, ainda que ele não o diga assim.
Isto se vê confirmado pela contradição formal em que cai ao assinalar como opostas a cultura da pobreza, em nossos termos "lumpen", e a da classe média, mas de relance dá a melhor definição que conheço do existencialismo como corrente filosófico-social: "talvez esta realidade do momento (presente) seja a que os escritores existencialistas de classe média, tratam de recuperar tão desesperadamente, mas que a cultura da pobreza experimenta como um fenômeno natural e cotidiano".
É que Lewis não sabe que a classe média, durante a primeira guerra mundial, em alguns de seus extratos, de forma cada vez maior desde a segunda guerra mundial, encontra-se como que sem futuro, que a sociedade imperialista ou neo-capitalista a condena ao presente de uma vida automatizada pelos reflexos do mercado, ao irracionalismo da vida sob o capitalismo, ou seja, o condena a não ter futuro e portanto a não ter moral. Produz-se então, uma rebeldia dentro dos marcos burgueses contra os valores da burguesia em nome de suas próprias categorias. Tanto o sub-realismo como o existencialismo refletem essa situação sem saída de estratos muito importantes da pequena-burguesia. Mas para intelectuais pequeno-burgueses, no fim das contas, sua rebeldia é levar os princípios burgueses e pequeno-burgueses até suas últimas conseqüências. A liberdade individual como opção é uma das categorias morais principais do existencialismo, ou seja, o principio de fazer o que se quiser. A satisfação das necessidades mais primarias, o imediato, o biológico é a outra reivindicação, a vida, a existência. O individualismo é a terceira categoria. É uma filosofia e moral da pequena-burguesia lumpenizante, desclassificada, sem perspectiva, que se refugia ou busca desesperadamente no biológico e no individuo uma tábua de salvação. Sua moral é o amoralismo, já que ao colocar como suprema norma o satisfazer e optar individualmente, elimina-se o elemento funda mental de toda moral, a relação de necessidade entre o grupo e o indivíduo que forma parte dele. Este último pós-guerra explica o auge e o apogeu do existencialismo, quando a Europa capitalista ainda não havia conseguido se recuperar e o stalinismo frustrava a perspectiva revolucionária. Entre os dois fogos da decadência total da sociedade capitalista européia e o oportunismo dos grandes partidos de massas, surgiu uma terceira via, a do individualismo mais extremo, a do existencialismo, a da conceitualização filosófica e moral da rebeldia dessa pequena-burguesia, junto com seu desclassamento.
Porém este um fenômeno generalizado nas épocas de crises. Setores e mais setores destas classes dominantes ou em certo sentido privilegiadas, como a classe média, vão rebelando-se desde distintos níveis e partindo de categorias ou consignas das próprias classes dominantes em sua época de ascenso.
Porém sejamos claros, essa rebeldia chega a formular o aparato conceitual dos lumpens, redescobre a moral lumpen, sem a riqueza espontânea destes, com o pecado original de ser intelectualizada. Enquanto os lumpens são individualistas ao extremo, gozadores da vida e de todos os seus impulsos, vivedores do presente, que vivem optando "livremente" negando-se a aceitar o mundo da necessidade, ainda que este termina sempre se impondo, os manda para a prisão ou incendeia a favela, diretamente, sem programa, sem linha expressa, são assim porque o são e basta; os existencialistas fazem um programa e uma filosofia desse amoralismo e individualismo. É sua miséria e seu calcanhar de Aquiles elevar a uma religião o que nos lumpens é sua vida. Por outro lado é muito profundo o processo porque reflete a lumpenização de setores da pequena-burguesia produzida pelas próprias crises da sociedade burguesa.

O Espontaneísmo

A pequena-burguesia desclassada do último pós-guerra foi assimilada pelo "milagre europeu", ou seja, pelo neocapitalismo. Encontrou um futuro na "forma de vida norte americana", os automóveis, refrigerantes, apartamentos e férias. O existencialismo desapareceu, ficou como o sub-realismo da anterior guerra, relegado ao devaneio das curiosidades filosóficas ou morais.
Porém dentro do neocapitalismo, a pequena-burguesia o estudantado como reflexo de toda sociedade, iriam sofrer tanto ou mais, ainda que de forma diferente, que durante o pós-guerra. A alienação, a proletarização, a venda não somente de sua força de trabalho mas também sua personalidade, a falta de perspectivas científicas e humanas para os estudantes dentro do neocapitalismo, provocaram uma nova rebelião com características comuns e com diferenças pronunciadas com seus pais, avós, os sub-realistas e existencialistas, o espontaneísmo das grandes rebeliões estudantis do ano 68.
Antes de mais nada esta não foi de pequenos estratos, de intelectuais e outros setores de pouca significação numérica, mas de grandes massas estudantis, acompanhadas, às vezes, de setores da juventude operária, como em maio de 68 na França. É um movimento muito mais progressivo que os anteriores, porque não é somente uma rebelião individual levada aos extremos de atacar todos os tabus e valores presentes e passados da sociedade burguesa em nome de uma moral de desclassados, mas um movimento que tende a ser de massas.
Na realidade se deu o processo intelectual que sofreu Carlos Astrada [1N], o grande filósofo argentino. Este começou como um convencido existencialista para depois superar o existencialismo em um ponto; de individual o transformou em coletivo, de massas. Aceitava todas as categorias existencialistas, opção, existência ou vida, liberdade, porém negava a do indivíduo, ele acreditava que todas as categorias se davam ligadas aos grandes grupos humanos, inclusive as classes. Havia opção e existência das classes. Seu próximo passo foi afirmar que o determinante era o mundo da necessidade para dar o salto do existencialismo ao marxismo. Salto entre parêntesis, que nosso partido o ajudou a dar. Isto foi o que ocorreu com os intelectuais, os estudantes e setores da classe média dos grandes movimentos de 68. Aplicaram os conceitos de Astrada à realidade, isso é o espontaneísmo.
Esta passagem do existencialismo ao espontaneísmo só pode ser compreendida pela existência do neocapitalismo. Este, com seus grandes monopólios que controlam não só o mercado mas toda a vida contemporânea, com suas ganâncias políticas e sindicais, os grandes partidos e sindicatos que controlam o movimento de massas a serviço dos estados e dos grandes monopólios, ainda que se chamem comunistas, cuja função é castrar todo movimento ou ação das massas, provocou uma reação compreensível na juventude, o repúdio a todo intermediário ou organizador do movimento de massas, que estas façam espontaneamente o que queiram, a ação pela ação mesma. Que ainda não se tenham elevado a compreensão de que o que há que questionar são as organizações e os intermediários do movimento de massas, que se trata e se necessita de sindicatos, partidos, sovietes, guerrilhas revolucionárias que disputem esse papel de intermediários às organizações enfeudadas nos monopólios, é lastimável, mas um fato compreensível. O espontaneísmo é o repúdio a essas organizações traidoras sem haver ainda encontrado o caminho. Como tal é muito progressivo. Questiona as organizações oportunistas e reivindica as ações do movimento de massas.
No terreno moral, o espontaneísmo não é tão progressivo, ao contrário, é uma recaída no existencialismo, por uma razão simples: ao contrario da política que coordena e dá objetivo às ações do movimento de massas, a moral regulamenta as relações do individuo com seu grupo, sempre são normas para serem aplicadas por indivíduos. Dai que o espontaneísmo, a ação por ela mesma, no terreno moral, nos leva ao amoralismo, à moral de individualismo, das opções de "fazer o que tenhamos vontade", de não ter normas. Este "não ter normas" em política, neste momento de sufocante predomínio dos grandes aparatos burocráticos, é positivo; não o é tanto no terreno moral, ou pelo menos não é superior aos aspectos progressivos, de reivindicação da imediatez contra os tabus e normas da burguesia, que já tinham as morais anteriores surrealista e existencialistas. É uma reação a elas. Portanto, não supera os marcos de rebeldia dentro das próprias estruturas burguesas.
Uma prova conclusiva de tudo isso, de como a burguesia cai em predações e como o espontaneísmo moral, em última instância, é como definia Lenine o anarquismo, liberalismo burguês com 40 graus de febre, dado por um fato sintomático, o programa moral da ala esquerda da juventude conservadora britânica.
Li casualmente um artigo no "The Daily Telegraph" de 25 de setembro de 1969. O tema me pareceu em principio pouco interessante: "Como são os jovens conservadores?" por um tal de T.E. Utley. Depois de assinalar que é um "sério movimento de massas que cresce com imensa velocidade", continua em outra parte dizendo qual seu programa: "Há, por outro lado, minorias ruidosas, tal como a representada pela capacitada e estridente jovem parceria Erie e Lynda Chalker da juventude conservadora da Grande Londres"... Este jovens conservadores prepararam uma pauta de reivindicações (Bill of Right) com 15 liberdades que incluem "a liberdade de expressão sexual" e "liberdade de tomar drogas...". "Estes jovens conservadores exigem uma legislação liberal, de cujos aspectos muitos são a aplicação na esfera moral dos princípios econômicos". A prova conclusiva do que vimos dizendo: os jovens conservadores, levando ao absurdo as liberdades burguesas, chegam a ter um programa moral igual ao dos espontaneístas. Lamentavelmente, também igual ao programa moral pessoal de alguns companheiros relevantes do partido. Esta moral é irmã siamesa da cultura da pobreza. Nada disso quer dizer que de maneira absoluta este programa moral, inclusive a dos jovens conservadores, não possa ser útil à revolução em um momento determinado, como já veremos em outro capitulo deste trabalho. Mas, o que sim podemos afirmar já, é que se algum velho camarada ou algum dirigente tem esta mesma moral, nele é um processo claramente degenerativo, de uma moral bolche e prole para lumpen, onde se encontra com os setores desclassificados de todas as classes, portanto é ele, o desclassificado do movimento marxista, não por isso ou talvez por isso, seja o único repugnante e canalhesco.

A Moral Guerrilheira

Contra todas essas morais e políticas da decomposição de troca, da transformação, do vazio, da falta de política e de moral, levantou-se neste pós-guerra a moral guerrilheira, uma ética e consciência dos deveres que nos deve fazer meditar muitíssimo, porque é tão objetiva, ou seja, existente, como todas as que relatamos, que se pode contar e até tocar.
Apesar de que os espontaneístas reivindicam e defendem os movimentos guerrilheiros, estão há anos luz, no extremo oposto do programa e da moral guerrilheira, ainda que profundas razões de classe façam com que tenham pontos comuns, seu caráter não proletário.
A guerrilha não é uma luta esporádica, mas ao contrário, é uma guerra longa que exige uma disciplina e organização férreas. É a negação do espontaneísmo, justamente a máxima expressão do organizado, do anti-espontâneo. É uma guerra com milhares de combatentes, como tal tem uma moral adequada a essas necessidades. Sua moral é tão severa como sua organização e tão sacrificada como sua luta. Todo o imediato, o sexual, a alimentação, como todas as necessidades culturais imediatas ou mediatas, são sacrificadas às necessidades da luta armada, o fator decisivo que restringe ou medeia tudo, inclusive a moral.
O canalha que andasse fazendo espontaneísmo moral, que dissesse ou fizesse as monstruosidades que me escreveram, na guerrilha certamente seria fuzilado. Todos os desejos, necessidades, são subordinadas e inclusive adiadas pelas necessidades da luta guerrilheira. Podem se passar anos sem ter relações sexuais, acossados na montanha pelas forças inimigas e quando encontram as camponesas são proibidos de ter relações com elas. Podem estar mortos de fome, mas terão que agüentar essas necessidades fisiológicas de primeira ordem, em vez de roubar, saquear algo do camponês. Seu companheiro cairá ferido na emboscada inimiga, deverá ficar ao lado do companheiro para arrastá-lo enquanto esta vivo, para fora da emboscada com o risco da própria vida. A vida do companheiro vale muito mais que a dele, porque ele está são e pode se salvar e o companheiro ferido, mas a moral guerrilheira exige que nenhum guerrilheiro caia vivo em mãos do inimigo para evitar as torturas.
Esta moral guerrilheira levou até os últimos extremos a liquidação ou castração do imediato e do cultural, em beneficio do futuro, da luta, da guerrilha. Graças a este sentido do dever, como um de seus principais elemento, pode triunfar. Negou todas as necessidades humanas para impor a máxima necessidade, a da revolução e a guerra civil contra os exploradores.
Há elementos, ou às vezes uma linha sectária nesta moral guerrilheira, há reminiscências do puritanismo. Não é casual já que a moral guerrilheira sintetiza muitos elementos, superando-os, das morais anteriores progressivas, revolucionárias desde o cristianismo antigo, até o puritanismo, a negação do imediato e as outras necessidades humanas, em função da necessidade principal.
Desta moral podemos dizer o mesmo que dissemos de seu máximo expoente, Che Guevara, pode ter erros, tem erros, não é a solução equilibrada, total, mediada do problema, mas, essencialmente a máxima expressão objetiva, neste pós-guerra, de moral revolucionária. A única coexistente com a nossa, que ainda não tem maior peso objetivo.
Por fim, depois das canalhices habituais em um setor do partido, da falta de moral de todas as correntes burguesas, pequeno-burguesas e lumpens que estudamos, chegamos a um porto seguro, a uma "moral revolucionária", como a havia definido Trotsky: todas as ações estão super ditadas ao triunfo da revolução. Nossa moral é a negação de todas as outras, ainda que possam ter pontos comuns com algumas delas em determinados momentos, mas é a prima irmã da moral guerrilheira. Já pisamos no chão, entramos no caminho da revolução, de sua política, mística, teoria e moral. Já saímos das Catacumbas e isso é importante - Que bem fez o ar fresco!

A Moral e a Atividade Revolucionária - Parte II 

(Moral Bolche ou Moral Espontaneísta?)Nahuel Moreno


Como Encaramos o Problema Moral




Terminamos a primeira parte de nosso trabalho rendendo nossa homenagem à moral guerrilheira. Quando criticamos as outras morais, assinalamos de passagem, que em alguns pontos e em determinados momentos podemos coincidir com a moral espontaneísta, sem deixar de criticá-la. Trata-se de ver porque razões e com que métodos encaramos nossa análise do problema moral, que expliquem estas contradições formais.


A chave de toda nossa analise e das soluções que propugnaremos, radicam no fato de que para nós a moral é relativa e adequada a determinadas relações objetivas entre os homens. Dessas relações cremos que há uma que é privilegiada, a relação como militantes do partido. Mas, que seja privilegiada não quer dizer que seja a única, que é a única relação enquanto homem, membro de uma classe, operário ou estudante de tal fábrica ou tal faculdade, noivo ou esposo de tal mulher, sócio de tal clube e membro de tal família, afiliado a tal sindicato, ativista de uma greve, estabelecemos uma série de relações e formamos parte de uma série de estruturas sociais. Concretamente o militante não é somente militante, homo politicus, mas homem de tal sociedade e localizado em tais setores.

Isto cria uma situação contraditória, já que tantas morais como estruturas sociais existem, segundo vimos anteriormente.


É a principal contradição que sofremos neste aspecto de nossa vida e conduta: a pressão de morais distintas sobre cada um de nós.



À solução pluralista do problema - "cedamos à moral de cada um desses setores" -, nós respondemos com uma solução unitária dessas contraditórias pressões. Todas elas devem ser mediadas pela moral e nossa condição de militantes do partido. Somos, então, afiliados ao sindicato-militante; esposo-militante; estudantes-militantes; operário-militante, etc. Todas essas diferentes localizações com suas pressões morais e das outras, nós as combinamos e tratamos de conseguir uma síntese neste caso moral, com nossa condição de militantes.

Nossa intervenção na vida da sociedade tem três níveis, poderíamos considerar talvez quatro. Um nas estruturas objetivas, externas ao partido e ao nosso círculo: a classe, o setor, a vizinhança, o sindicato, a tendência sindical ou artística a que pertençamos. A outra, a privilegiada, é nossa participação na estrutura partidária. A última, são as relações intimas com nossos amigos, companheiros, família, etc., incluindo as relações conosco mesmo como indivíduos biológicos e culturalmente condicionados. Em cada um desses níveis e setores, deve-se estabelecer uma solução dialética do problema, como o que encontramos para o homem-militante. É por outro lado, a mesma questão vista desde um outro ângulo.


Entre todos esses níveis, que vão do mais objetivo ao mais intimo e subjetivo, existe uma relação dialética, tudo esta mediado pelo nível partidário, base, principio e fim de toda nossa conduta, incluída a moral, em todos os níveis. Na classe, tanto como no sindicato ou na vizinhança, atuaremos como militantes do partido e tratando que nossa atuação, incluída nossa atitude moral, ajude ao desenvolvimento do partido e da revolução. O mesmo no terreno mais subjetivo, pessoal, nossas relações íntimas. O grande mediador de nossa moral, em seus distintos níveis, é o partido. Isto não quer dizer que não haja tendência à choques e que cada um de seus níveis tenha problemas, necessidades, princípios específicos, que possam provocar e provocam tensões, contradições agudas às vezes. Justamente quando dizemos mediador, queremos dizer que há uma relação dialética, ou seja, contraditória entre os distintos níveis que devem ser sintetizados pela moral e a conduta como militantes do partido.


Nossa Moral Frente à Classe Operária, as Outras Classes Exploradas e as Lutas do Movimento de Massas



As classes exploradas, nossa classe operária entre elas, têm de acordo com seu nível de consciência e organização, diferentes morais. Isso para nós é um fato objetivo. Inclusive diferentes setores dessas classes podem ter diferentes níveis morais. É muito diferente a moral de uma categoria que vive de obter muitos triunfos de grandes lutas, de outra categoria que suportou derrota após derrota. O mesmo com relação aos camponeses de uma região a outra.


As diferenças morais, assim como ideológicas, organizativas e políticas entre o guerrilheirismo e o espontaneísmo obedecem a essas razões objetivas, o diferente nível de suas lutas, como de sua consciência. Enquanto o espontaneísmo reflete a primeira grande onda de ascenso do movimento de massas na Europa Ocidental, depois de quase duas décadas de estancamento e retrocesso, o guerrilheirismo reflete uma situação pré-revolucionária, uma consciência e organização que se lança à guerra civil, a máxima expressão da luta de classes. O primeiro, ao contrario, expressa somente as primeiras etapas da luta.


Dai suas profundas diferenças e a proximidade entre o guerrilheirismo e nós no problema moral, como frente a outros problemas, sem chegar a ser o mesmo. Essa proximidade esta provocada por nosso acordo na continuidade e organização da ação revolucionária, dos métodos de guerra civil. Depois desse acordo, nossas diferenças em todos os terrenos se acentuam.

A moral de nossa classe operária, por exemplo, é muito diferente tanto do guerrilheirismo, como do espontaneísmo. Seu nível de consciência e organização foi, e seguem sendo em grande medida, essencialmente sindical. Desenvolveu uma moral adequada à sua conduta de varias décadas: alto grau de disciplina sindical, apoio e sacrifício por suas organizações sindicais e todas as outras características da moral sindicalista. Tem muito pouco de guerrilheira e espontaneísta, ainda que agora alguns setores juvenis, ligados à vanguarda do movimento estudantil, começam a ter outra conduta e logicamente outra moral que se aproxima objetivamente a certas características espontaneístas e guerrilheiras e que podem ser caldo de cultura para o desvio guerrilheiro urbano.



Como militante e como partidos nacionais de um partido mundial, não podemos deixar de militar nesses movimentos, ao nível que se dêem, observando sua moral. Mas nossa atuação política e moral tem um objetivo, mostrar que a nossa é superior, tender a eleva-los não só politicamente, mas também moralmente. Para isso, impõe-se que sejamos os melhores na própria moral deles. Isto já o disse Trotsky em uma famosa fórmula: devemos ser o melhor soldado, operário, ativista sindical. Na simplicidade dela, sintetizou tudo o que vimos dizendo: somos os melhores na moral das classes exploradas em todos os seus níveis, desde os mais baixos até os mais altos. Nas fábricas, os preguiçosos são mal vistos, vai contra a moral dos setores operários mais responsáveis, melhores; Trotsky tirou uma conclusão moral lógica, temos que ser os melhores operários, os que mais trabalhamos, para ser os que melhor representamos a moral deles. Se em um determinado momento da luta de classes, um setor importante do movimento considerar que não há que produzir nada para o patrão, nós trocaremos pela raiz nossa moral e deixaremos de ser o melhor operário para nos transformarmos, desde o ponto de vista produtivo, no pior. A forma de nossa moral estará mudada, mas seu conteúdo e objetivos não, já que seguimos sendo os melhores representantes da moral da classe operária ou dos explorados em seu nível.


Mas, se nossa moral parasse aí, estaríamos fazendo seguidismo moral. Nosso objetivo moral é estabelecer uma ponte desde essa conduta moral comum até nossa moral. Cada militante do partido não só tem essa moral, mas a combina com a partidária e, portanto, em cada momento trata de superar, principalmente essa moral sindical ou de base operária, até uma moral superior, de classe e internacionalista. Seremos não só os melhores operários, os ativistas sindicais mais disciplinados, sacrificados e lutadores, mas também os que colocaremos que temos que parar por Che Guevara, e que temos que ser solidários moralmente com os guerrilheiros vietnamitas ou nossos próprios mártires. É que cada um de nossos militantes, reflete moral e politicamente o partido em sua conduta diária e não só o setor de classe ao qual pertence.


Nossa Moral Frente ao Partido


Chegamos assim, da moral que temos em nossa vida exterior objetiva, à partidária. Esta é a decisiva, já que como vimos anteriormente, a moral e a política do partido é a intermediária de todas nossas ações. Toda nossa moral, tanto objetiva como subjetiva, está condicionada por nossa condição de militante do partido.

A obrigação moral número um, fortificar o partido, responder-lhe com a própria vida, considerar o dever moral mais sagrado, valha a expressão neste caso, a vida partidária e o desenvolvimento da organização. Todos os sacrifícios são poucos: vivemos por e no partido, para o partido.



Essa colocação tem seus reflexos em nossas relações morais com os companheiros do partido. Com um camarada do partido se estabelece uma relação moral de tipo único, nova, não conhecida por nenhuma das morais tradicionais, que chegaram ao máximo nas seitas religiosas revolucionárias ou nas relações familiares da burguesia na época de ascenso. O princípio que não há nada superior entre os homens como indivíduos que um camarada do partido. É o princípio superior de nossa moral neste terreno das relações pessoais dentro do partido. Portanto, lhe devemos franqueza, a sinceridade mais absoluta salvo por razões de segurança do próprio partido. Mas muito mais que isto, o camarada do partido merece todos os cuidados e considerações. Não há nada nem pode haver sacrifício em favor do camarada que não façamos. Somos, devemos ser, muito mais que sua família, irmãos, filhos ou pais, na etapa de ascenso da moral familiar. Pelo companheiro do partido se arrisca a vida, se faz qualquer sacrifício. O princípio moral é que a vida, a consciência e o próprio corpo físico do camarada do partido valem muito mais que qualquer um. É uma relação abstrata concreta de tipo pessoal única, justamente o que a faz superior a todo o conhecido até o momento. Os camaradas do partido, em sua ampla maioria não se conhecem, mas as obrigações morais não são por isso menos peremptórias. São companheiros e basta, todo o dito anteriormente sobre os nossos princípios valem. Um camarada boliviano perseguido pela repressão, chega a nosso partido e cada um de nós jogará a vida, se for necessário, para protege-lo, ainda que jamais haja ouvido falar dele. A nível interpessoal, este dever moral é a outra cara do principal dever moral a nível de todo o partido, fortalece-lo, desenvolve-lo. Isto não se consegue só com uma boa linha política, mas, de forma concreta, levantando e fortificando, salvaguardando e enriquecendo a moral física, a personalidade, o nível dos companheiros do partido. Nossa obrigação moral é fazer todos os sacrifícios para consegui-lo. Por isso nosso acordo de princípio com a moral guerrilheira, esse alto nível da luta de classes, com respeito ao camarada de luta. Opinamos a esse respeito o mesmo que eles, com a diferença que eles o aplicam de forma específica, em relação fundamentalmente à sua vida e seu corpo, dado o caráter unilateral de sua luta, enquanto nós o desenvolvemos em relação a todos os aspectos da personalidade dos companheiros.

Nossos Deveres Frente a Amizade, o Amor, o Parceiro e a Família Como Retaguarda do Partido



Se a vida no mundo e dentro do partido nos impõe obrigações morais específicas, o mesmo ocorre com as relações subjetivas, íntimas e ao mesmo tempo mais concretas: a amizade, o amor, o parceiro e a família. Estas são nossas relações diárias, de pessoa para pessoa. São as relações sociais mais atomizadas, mas não por isso deixam de ter, como toda relação social; sua moral. Esta também mediada pela condição de militante, mas com suas características específicas.

Antes de mais nada essas relações não têm porque ser relações entre militantes. Ainda que isso possa provocar, melhor dito, provoca situações conflitivas, estas podem ser superadas, inclusive conseguindo-se que o pólo não militante da relação se transforme em militante, rompendo a relação ou conseguindo um equilíbrio relativo. Cada uma destas relações têm suas obrigações morais bem precisas. Todas elas se caracterizam por estabelecer relações que ligam o individual, cultural e, em algumas delas, o biológico. Por isso é o setor mais isolado da macro sociedade, como dizem os sociólogos. A relação não é essencialmente política como no partido, nem as relações objetivas que nos são impostas, como as da luta de classes.



A primeira destas relações é a da amizade. É a de um militante com outro militante ou com quem não o seja. Esta relação se estabelece por um passado, afinidades, desejos ou atividades comuns, muitas vezes por combinação de todos estes fatores. Se consegue assim um vínculo muito mais estreito e concreto que o existente entre militantes. Se a amizade é entre estes, o ideal moral, é a relação já histórica entre Engels e Marx. Tudo o que dissemos entre as relações de companheirismo dentro do partido adquirem aqui uma nova dimensão, porque já não somente a vida e a personalidade do outro é muito mais que o de si mesmo, como também seus próprios problemas pessoais, seus anseios ou muitos deles, valem tanto ou mais que os nossos. Se estabelece um vínculo de anseios, preocupações comuns, em todos os níveis, que obrigam quase a considerar o amigo mais que a si mesmo. Tenho dado o exemplo de Marx e Engels, porém poderia dar a nível partidário a relação entre duas camaradas amigas que é um magnífico exemplo do que venho dizendo. É não ter segredos para o amigo, consultar e resolver juntos os problemas mais íntimos, é uma das obrigações morais principais.


O amor é um grau superior das relações interpessoais, já que complementa ou enriquece a amizade em seu nível mais alto, com as afinidades sexuais e sentimentais.


Se não se dá a nível de militantes, pode ocasionar contradições parecidas às existentes entre os amigos que estão na mesma situação. Porém se é entre militantes me dá pena não ser um bom escritor para refletir tudo o que ele significa de grandioso, profundo, valioso. Creio que aqui começamos a conseguir as mais altas relações interpessoais que tem dado a história, porque o amor entre companheiros, supera todos os níveis dessa categoria humana que recém foi descoberta na Idade Média, e que tem tido um desenvolvimento infeliz através da história.

Em nosso movimento, graças a ele, esta categoria pode conseguir seu pleno e total desenvolvimento. É uma unidade, equilíbrio muito delicado de tipo biológico, sentimental, pessoal e político-partidário. A principal obrigação moral frente ao amor é ser consciente que ele se constrói e reconstrói permanentemente, que não é algo estático, mas dinâmico, uma unidade dinâmica que sempre está se desenvolvendo.


Temos frente a ele todas as obrigações da amizade, com os complementos sentimentais e individuais, que nos coloca o caráter específico desta unidade. Porém o amor é um equilíbrio delicado, como já dissemos. Quando se solidifica surge a parceria e a família, como uma estrutura muito mais sólida.


A parceria é a estrutura monogâmica cujo embasamento é o amor. A parceria é o ideal como moral e estrutura interpessoal, a máxima expressão. É o surgimento de uma unidade que fortalece e estabiliza aos dois componentes, que multiplicam suas forças como conseqüência dessa unidade superior. As obrigações morais entre os membros da parceria são quase totais. É a síntese de todas as outras obrigações morais interpessoais, porém enriquecidas e aprofundadas. A família, os filhos, é a ampliação desta parceria e coloca problemas de outro tipo que seria longo analisar aqui.




Todas estas estruturas interpessoais, se são autênticas, fortificam a militância partidária, porque fortalecem a personalidade e o desenvolvimento do militante. Que é melhor ter uma companheira estável, militante, totalmente integrada consigo mesmo, que nos permita consultar-lhe todos os problemas, como ela faz conosco, que nos permite solucionar todos os problemas individuais, de toda ordem, desde os biológicos aos culturais para ter a moral e o tempo suficiente para militar. Não são estruturas antagônicas, mas complementares.

Porque entre o partido com seus militantes e estas relações se estabelece uma relação única, específica e diferente. É o terreno da moral subjetiva a que tem que ver com nossa militância objetiva, nos sindicatos e na classe.



O partido cuida e intervém diretamente nos aspectos morais objetivos: expulsa sem nenhuma consideração o companheiro que fura uma greve. No terreno interpessoal, a intervenção partidária é indireta e muito mais sutil, cuidadosa, através da opinião ou reprovação partidária, já que justamente por serem relações interindividuais, a dinâmica e as relações que se estabelecem são únicas, concretas, que requerem apreciações também únicas. Isto quer dizer, que o partido tem mais que normas, que também devem tê-las, tendências, consensos.


Por isso o partido, seus militantes, devem defender com todas as suas forças casais que se vão construindo, e fazendo pressão pela via do convencimento moral, da necessidade destas parcerias. Somente em situações excepcionais estas tendências morais em favor do amor e da parceria, podem transformar-se em normas estritas de tipo objetivo. Por exemplo, a norma moral dos guerrilheiros vietnamitas de impedir as relações sexuais entre guerrilheiros para impedir a gravidez das guerrilheiras, é perfeitamente lícita. A de evitar o "adultério" burguês em situações críticas, como prisão ou perseguição do companheiro, utilizando justamente essa situação, principalmente por companheiro de direção do partido, também pode ser transformado em norma ou pelo menos que haja consenso moral de falta grave. Porém em linhas gerais neste terreno a moral é mais subjetiva que objetiva, atua por pressões e tendências mais que normas estritas.

Temos precisado a linha partidária e dos militantes frente ao aspecto moral que devemos observar com referência a uma série de estruturas interpessoais que o partido considera muito úteis, progressivas e necessárias. Nos falta precisar que linha deve ter o militante interessado que constitui essas estruturas.


Este companheiro, deve ser mais cuidadoso que tudo, já que tem além de suas obrigações como militante, as morais que derivam de seu caráter de companheiro ou amante de uma companheira ou de uma mulher. Sua relação está mediada também por seu caráter de militante. Tratar de elevar a sua parceira, se a relação entra em crise, tratar de evitar que frustre o progresso de cada um dos integrantes, evitar a promiscuidade antes de começar uma relação, fazendo com que esta seja a mais séria possível desde seu início, com perspectivas. Cuidar antes de começar esta relação amorosa se a outra parte sairá beneficiada ou prejudicada. Sempre, a todo o momento, como militante, não pensar em si mesmo, mas na outra parte, respondendo as perguntas: a ajuda?, a prejudica?, que faço para que se supere? são desejos o que tenho e a observo e considero como um objeto ou pelo contrário, meus desejos estão mediados por minha moral de militante e, além disso e principalmente, creio que pode se estruturar algo sério, que a beneficie e a mim, que nos supere a ambos? Estas perguntas morais são as decisivas e só o fato de que as coloque significa um começo de solução a este problema.


Porque atentar para todos estes aspectos por parte de todos, o partido, seus militantes e as partes interessadas, é parte essencial ainda que muito sutil de nossa militância.



Trotsky chamava as famílias dos revolucionários de "a retaguarda da revolução". Me parece um acerto do Velho, ainda que o tenha definido em uma situação histórica distinta da nossa, que restringe o conceito.


Ele se referia essencialmente à família ampla, patriarcal russa, as mães, pais, irmãos. Na pátria de Don Leon a família patriarcal era muito forte. Todas as classes russas, desde a burguesia até a baixa nobreza, passando por todas as exploradas, estavam em luta contra o czarismo. Era lógico que as famílias patriarcais considerassem e ajudassem seus filhos como vanguarda da luta geral e comum de todos contra o czarismo.

Porém na família moderna, a família patriarcal já não existe mais, e governos como o russo, tampouco. Vejamos a realidade de nosso partido. O comum é que os familiares dos companheiros presos, perseguidos, lavem as mãos ou dêem uma ajuda muito pequena, salvo exceções. Nem por essa nova realidade o conceito de Trotsky perde sua riqueza, pelo contrário, adquire uma nova magnitude. O papel que cumpria a família russa de apoiar em todos os aspectos desde o não político ao lutador, desde sentimental até material, o pode e deve cumprir agora relações interpessoais adquiridas e não herdadas, como a amizade, o amor, a companheira, a família. Somente os que estivemos presos ou perseguidos sabemos bem o que significa essa retaguarda moral e sentimental. Fortificar essa retaguarda é uma obrigação partidária de primeira ordem.



O companheiro ou companheira preso ou perseguido não deve sentir somente a solidariedade política e organizativa do partido ou do movimento de massas. Nem só de política vive o homem, mas também deve sentir o apoio amoroso, mais amoroso que nunca de seu amor, parceira e como do partido, mais carinhoso que nunca, de seus filhos e amigos. Quem não atua assim ou trata que não se atue assim é um traidor moral, se é um velho companheiro, ou um inconsciente se é um companheiro novo.

Como Solucionar as Necessidades Biológicas de Cada Militante



O militante, pelo fato de sê-lo, não deixa de ser homem ou mulher, com necessidades biológicas e culturais bem precisas e prementes

Chegamos ao primeiro escalão da sinceridade moral do militante com ele mesmo, de olhar-se no espelho e tirar conclusões de como atuar com ele mesmo. Começando com as grandes necessidades, a comida, o vestido, o sexo, principalmente este, a grande moda entre alguns setores partidários "antidogmáticos".



Aqui como em todos os outros níveis, a mediação para solucionar essas necessidades biológicas passa pelo caráter de militante. A solução biológica de tal forma, beneficia ou prejudica o partido e a revolução? É a pergunta moral que tem que ser formulada, dando uma resposta adequada.

Era um costume de alguns setores do movimento latino americano em velhas épocas, principalmente quando iam ao Chile, solucionar esse problema através dos bordéis, falando claro, através das prostitutas, por exemplo. Sempre considerei essa solução do problema escandalosa moralmente, já que a prostituição também é uma relação, e não um ato individual, no qual intervém dois elementos: o que paga e o que cobra; dos dois, o culpado é um só, o que paga. Os companheiros que pagavam uma prostituta estavam cometendo um ato repugnante de tipo moral, desenvolvendo uma das instituições mais repugnantes da sociedade de classes.


Porém este caso extremo não elimina os outros, os intermediários, os que se dão dentro do partido. Existem companheiros que têm ou tiveram a moral dos Combos: aproveitar as festas partidárias ou reuniões, para ver com quem se podia ir dormir. Isto tinha sido transformado, pela atual direção dos Combos, em uma religião: se faziam festas especiais para praticar a promiscuidade, que terminavam com "trepadas" quase coletivas, com uma divisão, reconheçamos o mérito, bastante eqüitativa de possibilidades, não ficava ninguém de fora. Em nosso partido, pela campanha da direção e em especial das companheiras dirigentes estudantis, que foram as primeiras a se levantarem indignadas contra as acusações que estes canalhas, que praticavam justamente esta moral, e lhes faziam, o assunto é mais dissimulado, mas sob a pele de cordeiro se escondem muitos lobos.


A essência dessa moral é: tenho uma necessidade biológica e tenho que satisfaze-la como posso, dentro ou fora do partido. Esta moral produz dois comportamentos estanques, totalmente separados, entre o biológico e o militante. Todo tempo livre, e se não há o busca, deve ser destinado à satisfação dessa necessidade biológica. Desde o ponto de vista psicológico, não sabe que assim não se satisfaz nunca a própria necessidade biológica porque transformada em um objetivo em si mesma, separada do companheirismo, do respeito mútuo, do acordo ou coincidência sentimental, cultural, partidário, militante e de atividade, o ato sexual por si só não soluciona absolutamente nada, é uma variante da masturbação ou muito pior que ela. Somente satisfaz quando se parte de uma relação total ou quase total.



Mas o problema não é somente psicológico mas, muito mais que isso, político, de militância. A relação sexual ou a possibilidade dela beneficia a outra parte, ao militante que está frente a uma, ou pode prejudica-lo se não há possibilidade que seja parte de uma relação mais estável, dinâmica e duradoura? É a pergunta que todo companheiro deve fazer antes de encarar essa relação. Concretamente, nem neste, nem em nenhum terreno, podemos atuar sem uma linha prévia, ainda que seja provisória. O militante, o marxista, também deve continuar sendo-o quando encara a solução deste problema.

Porque existem extremos onde a condição de marxistas nos exige a não satisfação das necessidades biológicas, como a fome ou o sexo ou as culturais mais primárias como a vestimenta ou a moradia. Quando os presos revolucionários fazem uma greve de fome, quando o companheiro, revolucionário vai preso, tanto ele como sua companheira, deixam de satisfazer algumas das mais prementes necessidades biológicas, mas esta repressão à sua personalidade esta totalmente justificada pelas necessidades da luta. Porque nossa moral não é uma moral de imediatez biológica, fazemos o que as necessidades biológicas nos exigem e nós damos os gostos de vida, mas com uma moral mediada por nosso método e nossa militância, que nos exige antes de qualquer ato, muito mais se este ato se situa no campo moral ou político, que tenhamos linha ainda que seja provisória.


Indivíduo e Partido



Nada disso quer dizer que em nome de nossa moral neguemos as necessidades biológicas ou culturais. Os jovens e os velhos companheiros do partido têm todo o direito moral e individual de encarar as soluções destes problemas como quiserem, experimentando, equivocando-se, fazendo múltiplas experiências, etc., etc. Porém todas elas devem estar mediadas pela condição de militante e pelas tendências metodológicas e morais que assinalamos: ter uma linha e cuidar sempre da outra parte mais do que de si mesmo, considerar sempre as tendências ao amor e à parceria seja no terreno sexual, como para a amizade ou as necessidades do partido. Com a vestimenta ocorre o mesmo. Nós estamos a favor da elegância e que nossas companheiras façam todas as experiências no modo de se vestir, inclusive algo distante dela como a maquiagem que queiram, porém levando em conta a situação e que essa tendência à experimentação, em última instância para a beleza, não vá contra as necessidades partidárias: gastar todo o dinheiro em maquiagem ou em roupas. São tendências contraditórias, todas lícitas, mas que devem ser sintetizadas de forma concreta em cada caso partindo das tendências mais nobres e necessárias, uma delas premente, o caráter de militante do partido.


Nossa moral não é a moral dos lumpens, da imediatez, mas das infinitas mediações, com uma principal, a de militante.


Concretamente, entre o desenvolvimento e experimentação individual, em todos os terrenos, e o partido se estabelece também uma relação. O partido está à morte por esta grande conquista da humanidade que a personalidade e o individualismo que cada qual vá formando e desenvolvendo sua personalidade. Porém esta tendência progressiva não pode, nem deve atuar no vazio, como tendência determinante. Não se trata de que alguém que esteja atuando numa greve se coloque: minha maior necessidade para meu desenvolvimento cultural é aprender idiomas principalmente o inglês (necessidade política premente para quase todos os quadros partidários segundo minha opinião). Se abandonasse a direção da greve por esta razão seria um crime político e moral. É que aqui também se dá uma mediação no desenvolvimento individual, não é abstrato e sim mediado pelo desenvolvimento e necessidade do partido e da luta de classes.


O partido por sua vez, dentro de suas necessidades, deve tender, tende a que cada companheiro alcance o maior desenvolvimento individual possível, que reflitam as necessidades do próprio partido por um lado, as possibilidades do companheiro por outro. Como nos deixou dito a companheira de Cannon, o partido sempre nos dá muito mais que nós a ele. Dentro desta relação existe um amplo campo para o desenvolvimento individual frutífero, para equivocar-se, experimentar, sem prejudicar o andamento do partido e o progresso dos companheiros próximos a nós, porque são nossos camaradas, amigos, amantes, companheiros e filhos.

Uma Moral Para a Liberdade e o Gozo ou da Necessidade da Revolução



Existem companheiros dentro do movimento revolucionário que sustentam ou praticam uma moral: a da liberdade e o gozo. "Enquanto for um bom militante, tudo o que faço que me permita gozar a vida, especialmente as mulheres ou os homens, esta bem, ou como mínimo tenho direito a optar, provar, ser livre, totalmente livre neste terreno". A moral existencialista tão bem definida por seus ideólogos.

Nossa moral não é, nem pode ser uma moral socialista, ainda que tenha alguns elementos dela (a solidariedade e o amor pelo companheiro, superior ao que nós devemos ter para conosco mesmo). Dito de outra forma, não é uma moral para gozar racionalmente e mediada por toda a sociedade (o partido neste caso), todas as possibilidades artísticas, instintivas, corporais ou intelectuais que nos brinda abstratamente a sociedade e a natureza, neste aspecto também nossa própria natureza. Nossa moral é uma moral para a luta implacável para derrotar a um inimigo não menos implacável, os exploradores e o imperialismo.


O espontaneísmo moral é a intenção, por setores juvenis, de gozar como indivíduos da sociedade neocapitalista, ou seja, da sociedade de consumo, sem ajustar-se aos fetiches e reflexos condicionados dessa mesma sociedade.



Nós acreditamos justamente o contrário, que nossa moral não é a da opção, como os existencialistas, nem para o gozo como os espontaneístas, mas sim o da necessidade da revolução.


Isto de necessidade não é uma categoria filosófica, mas bem real. Nossa moral deve nos preparar para suportar as torturas, privações biológicas e culturais, terríveis pressões a que nos submete e continuara submetendo o implacável inimigo de classe que estamos enfrentando. Quem não assimila esta moral não é apto, nem útil para a luta. Nossa moral é para a fome, a abstenção, a de ficar com pouca roupa ou maquiagem ou diretamente sem roupa e sem maquiagem, é uma moral que tende a nos afastar da sociedade de consumo, nos opormos a ela em todas as suas facetas, incluído o do gozo, uma categoria neste momento histórico da própria sociedade neocapitalista.

Nada disto significa, tampouco, que nós praticamos a necessidade por princípio. Vivemos na sociedade de consumo em muitos países, sem situação pré ou revolucionaria, pode estabelecer-se então entre o gozo ou o consumo relativo e nossa militância, a necessidade de uma mediação, um equilíbrio. Seria ilógico, por exemplo, que nossos companheiros não tirassem férias porque há guerrilhas no Vietnã ou Venezuela. Dissolveríamos uma situação concreta, a de nossos companheiros na atual etapa da luta de classes de nosso pais, em uma lei geral abstrata: que temos uma moral de necessidade. Porque é da necessidade essencialmente da revolução e do partido no próprio país. Essa é a mediação principal. Por isso, seria um crime que o companheiro responsável da campanha pelo Vietnã, durante o verão abandonasse sua atividade porque tem que tirar férias. Ou que não apoiasse a campanha financeira pela mesma razão e além disso porque tem que comprar roupa de verão. Mas se chegasse ao extremo de não tirar férias no verão por princípio, seria uma grave erro como já assinalamos.


As Soluções Sectárias e Oportunistas



Como em todos os campos, também neste terreno há um enfoque sectário ou oportunista. É bom que o analisemos.


O sectarismo elimina as mediações e contradições, nos coloca uma moral abstrata, baseada em normas rígidas e permanentes, no lugar de concretas, principalmente na mais concreta dela, a interpessoal. Este sectarismo pode se dar em qualquer dos níveis: pode haver uma moral sectária de imediatez, a dos lumpens. Pode haver a das necessidades partidárias: tudo se subordina, desenvolvimento individual, aprendizagem e solução do biológico, o amor, a amizade e a parceria ao que o partido legisla, ou melhor, a direção.


Voz Proletária [2*] levou ao limite estas duas tendências ao mesmo tempo durante um bom tempo de sua existência. Toda a velha guarda partidária sabe do nosso sofrimento há alguns anos, quando tínhamos que discutir com eles, principalmente com sua direção, pelos cheiros nauseabundos provocados pela teoria-práxis que tinham naquela época: que as mais primárias necessidades biológicas deveriam ser feitas "in situ", porque conter as necessidades era um prejuízo burguês.


Paralela a esta defesa absurda de um nível do imediato, que nos provoca imenso incômodo olfativo, havia outra não menos apaixonada (que continua até hoje) e absurda do mediato, das necessidades do partido: havia que vestir, se arrumar, casar e relacionar-se como o indicava o partido. Se descartava toda possibilidade de opção, desenvolvimento, experimentação, ou seja, de conseguir, através de um processo sumamente contraditório e mediado, amigos, amores, parcerias, estilo de se arrumar e maquilar. A parceria escolhida por um ultimato partidário era policialmente vigiada pela direção, assim como suas roupas e costumes. Concretamente, entre o imediato e mediato, o partido e sua necessidades, não deixavam margens para as contradições lógicas, necessárias e positivas.

A oportunista, como sempre, é pluralista. A corrente Viñas (corrente nacionalista argentina, organizada como Movimento de Libertação Nacional), assim como distintas tendências socialistas de esquerda, têm sustentado que o problema moral é um problema individual, de cada pessoas, de cada grupo, que cada um soluciona como quer e tem vontade.



As fofocas, estes comentários de tipo pessoal, são a outra face desta moral. "Cada um faz o que quer, mas sabe que fulano fez tal farra?" É que esta moral é idêntica à dos lumpens e portanto coincide com a espontaneidade de alguns de nossos companheiros.

Nossa solução do problema está a quilômetros tanto de uma como de outra saída. Para nos há uma rígida moral, que o que tenho tratado de definir, mas ela é concreta e não abstrata, relativa e não absoluta, em uma palavra é dialética. Nossa moral não ignora, e não poderia ignorar, porque é uma parte importante da realidade, as necessidades biológicas ou culturais, o desenvolvimento individual, nem a liberdade e o prazer, mas exige que os subordine e os assimile à mediação de nossas normas morais que têm um objetivo central: a revolução e o partido.



Por Um Programa de Transição Moral


Temos assinalado sistematicamente neste trabalho que podemos ter alguns pontos em comum com o espontaneísmo no terreno moral. Aparentemente é uma contradição, mas o é somente para quem tem uma concepção formal e abstrata da moral, não para nós que acreditamos que ela seja relativa. Concretamente, não somente coincidimos em alguns momentos com o espontaneísmo no terreno político, como também no moral.

Isto obedece tanto a razões de método como de programa. Sabemos que a aplicação programática da teoria da revolução permanente é o programa de transição. Programa esse que é político, para a ação do movimento de massas, mas que também serve como técnica para qualquer ação como ocorre com a teoria que lhe deu origem, a da revolução permanente. A ação moral não é uma exceção.


O que caracteriza o programa de transição não é somente as tarefas mínimas, transicionais e máximas. Nem tampouco o caráter dessas consignas: democráticas, econômicas, políticas, de poder, militares, etc., mas sim que algumas são negativas e outras positivas. Há anos que levantamos este problema das consignas negativas e positivas. Como tantas outras questões teóricas nunca tive a possibilidade de explora-las a fundo e desenvolvê-las. Entretanto a idéia geral simples: há consigna de caráter negativo, vão contra algo, e outras positivas, por alguma coisa. Um exemplo: Abaixo Onganía, é negativa; Por uma Constituinte, é positiva. A que mais abarca é a negativa, por isso é a que muitas vezes provoca uma mobilização revolucionária ou multitudinária. No fundo não dá saída, somente abre o caminho para as soluções positivas.


No terreno moral existem não somente consignas mínimas e de transição como também negativas e positivas. Dizemos tudo isto justamente para compreendermos nossa posição frente ao espontaneísmo. Este é um fenômeno e uma consigna relativamente positiva no político, porque suas consignas vão contra os aparatos que controlam o movimento de massas e pela independência e livre mobilização deste. Portanto entram dentro de nosso programa de transição. O "lutemos independentemente dos grandes aparatos, lutemos e lutemos como bem queremos", é a essência programática o espontaneísmo, entra como uma consigna de transição relativamente correta dentro do movimento de massas num dado momento, quando estas começam ou já estão mobilizadas por cima dos grandes aparatos. Seria um pedantismo sectário que em nome de todo nosso programa de transição não compreendêssemos, apoiássemos e incorporássemos estas consignas e movimento ao nosso próprio programa e ação neste momento.


Moral de Chiqueiro ou Uma Forte Moral Partidária?



Todas estas considerações parecem muito gerais e conhecidas. Entretanto não é assim. Existem setores no partido hoje em dia, incluindo a direção, que opõem a esta moral partidária e revolucionária, sua moral de chiqueiro. Muito mais importante que cuidar da moral dos companheiros do partido, começando pelos que devem merecer maiores considerações, os presos e feridos, está o gozo espontâneo de sua própria individualidade, de seu desenvolvimento, suas experiências, de fazer tudo que tenham vontade, de não ser esquemático, ir para frente com tudo. O grave do caso é que não é uma posição teórica, mas todo um programa moral, pelo qual se faz grande campanha e toda a prática possível.


Como todo fenômeno é total. Nesta etapa de pressões da sociedade de consumo essa moral se reflete essencialmente no terreno sexual, numa moral de consumo sexual, porém suas implicações são muito maiores e profundas. A medida que a luta de classes se agudiza, que a perseguição policial nos alerte para a realidade de que vivemos em um mundo de implacável necessidade, que exige uma moral idêntica, aparecerão as outras manifestações desta moral do gozo ou chiqueiro. Os companheiros que assumem essa moral, do gozo, que pode ser sexual ou alimentar, também demonstrarão diante da própria policia seu amoralismo, sua moral de porcos e a falta de uma moral revolucionária.

Nosso partido tem uma moral oposta. Nossos companheiros, frente às torturas policiais, têm sido os primeiros, o exemplo não só em nosso país, mas em toda a América Latina. São muitas as histórias a esse respeito. Existem graves sintomas, no momento muito débeis, de que essa moral, justamente quando mais à necessitamos, começou a mudar. Já há exemplos, muito poucos, de que somos mais paradigmas de conduta moral frente a polícia. É a outra face desta moral de chiqueiro. O que temos desenvolvido neste trabalho é a faceta interna, para dentro do partido, a outra, devido a pouca perseguição, recém começa a se manifestar, que é a moral para enfrentar a repressão.


Porque a questão de fundo saber se alguns companheiros têm se dado conta que ao entrar para o partido entram em uma confraria de perseguidos, parias da sociedade, que estão contra todos os seus valores e falta de valores, por outros valores que consideramos muito mais sólidos, dinâmicos, ricos, estáveis e em desenvolvimento. Se trata de perguntar se sabem que os espera a morte , a mutilação, a perseguição, a tortura e que estão rodeados por companheiros que esperam, por sua concepção revolucionária, tranqüilamente por todas estas perspectivas. Se trata de saber se sabem que pouco tempo para o gozo e que este tem que ser conseguido como em uma cidade sitiada por um inimigo implacável, a que nos exigem ser sumamente cuidadosos, porque todos devem sacrificar-se para manter a moral alta de nossa confraria, sitiada, esfomeada, perseguida. Se trata, enfim, de saber se dão conta que queremos relações interpessoais entre aqueles que coincidem nesta guerra e nesta situação, porque senão se tornam sumamente perigosas porque podem atentar contra o desenvolvimento dessa luta implacável, que não dá chance. Se trata de saber se são conscientes de que não temos nada a ver com a moral dos porcos, das ovelhas e do gado, que nossa moral é uma moral límpida, revolucionária, que exige tudo do militante, e que às vezes em casos extremos, até a frustração de suas necessidades biológicas e sempre a máxima consideração para com o companheiro, o irmão de luta. Se trata, por último, de saber se se dão conta de que temos uma moral revolucionária.


Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/moreno/1969/moral/cap02.htm
Fonte: http://lutatotal.blogspot.com

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