Projeto marca um retrocesso nas
reivindicações históricas do movimento, como a política de cotas
Por Cláudia Durans, docente da UFMA, e
Hertz Dias
Foi com entusiasmo que o ex-ministro da
Igualdade Racial Edson Santos celebrou a aprovação do Estatuto da
(des)Igualdade Racial pelo Senado. Mas não há nada o que comemorar, pois o
texto não representa as reivindicações históricas do povo negro. O estatuto,
durante o tempo em que tramitou no Congresso, sofreu ataques da direita e de
setores burgueses até ser aprovado totalmente diferente do projeto original.
O fato revela o cinismo e a
perversidade da burguesia racista, herdeira econômica, política e culturalmente
dos escravocratas, que pretende continuar mantendo a exploração, a opressão e a
humilhação da população negra.
A expectativa era de que o Estatuto da
Igualdade Racial fosse um instrumento que de fato contribuísse para enfrentar a
discriminação racial. E que também estabelecesse políticas de ações afirmativas
para garantir os direitos essenciais dos afrodescendentes vitimados pelo
processo de histórico de escravidão.
No entanto, o que poderia ter sido um
avanço não passou de um acordo entre o PT, através do senador Paulo Paim (RS),
a SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e
representantes do agronegócio e ruralistas, por meio do senador Demóstenes
Torres (DEM-GO), relator na Comissão de Constituição e Justiça.
Assim, o estatuto aprovado é a síntese
mais fiel da aliança de forças nacionais que representa o governo Lula. A
secretaria de igualdade racial deste governo nada fez de concreto para reduzir
as desigualdades raciais no Brasil. Ao contrário, não passou de acessório, de uma
simbologia racial para cooptar parte da militância negra.
Desta forma, o estatuto aprovado
suprimiu pontos importantes como as cotas para negros nas universidades
públicas, o que não nos causa espanto, pois o relator defende as “cotas
sociais” e não raciais, e que o acesso à universidade deve ser baseado no
“princípio do mérito e da capacidade de cada um”.
Da mesma forma, foram suprimidas as
cotas do mercado de trabalho, assim como a redução do percentual de 30% para
10% de cotas reservadas à participação de negros em partidos políticos.
Outro aspecto importante excluído do
texto original foi o que tratava da regularização de terras para remanescentes
de quilombos, um erro muito grave. A retirada deste tema não considera os
quilombolas como proprietários de territórios historicamente ocupados, como
forma de sobrevivência física e cultural desta população. Acrescentou-se a esse
documento o incentivo fiscal que o governo poderá dar a empresas com mais de 20
funcionários que decidirem contratar pelo menos 20% de negros.
Há ainda neste estatuto erros
gravíssimos do ponto de vista conceitual, a exemplo da retirada das categorias
raça, escravidão e identidade negra. No que se refere a raça, o argumento
utilizado enfatiza que do ponto de vista genético as raças não existem. No
entanto, como conceito social, esta categoria ganhou um novo significado
através do movimento negro e por intelectuais de várias áreas de conhecimento.
O sentido é o de deixar clara a hierarquização da sociedade brasileira, na qual
os grupos étnicos foram e são marcados por profundas desigualdades e
discriminações.
Na mesma direção, foi rejeitado o termo
escravidão, pois ele foi considerado como tradicional e inadequado, pois se
trata de algo do passado. Como a sociedade brasileira está em transição,
emergindo para uma sociedade democrática, com propostas de ações afirmativas
que visam acabar com as desigualdades sociais, “escravidão” não seria o termo
mais adequado.
Ora, a escravidão do negro no Brasil
durou quase quatrocentos anos, em contraste com apenas 122 anos de trabalho
livre, o que constitui uma prolongada experiência histórica que até hoje deixa
marcas profundas nessa população, tanto no que se refere ao acesso aos bens
materiais e culturais, como na dificuldade de construção da identidade étnica.
Não restam dúvidas que o Estado
brasileiro tem uma dívida histórica com o povo negro. O estatuto seria uma
forma de buscar assegurar direitos políticos, econômicos, sociais e culturais
desta população, através de uma política de ações afirmativas que dessem conta
das demandas históricas.
Precisamos desfazer os mitos junto à
população submetida à miséria, à violência cotidiana e aos programas
assistencialistas, que reiteram a subalternidade e retiram a dignidade do ser
humano. Assim como o significado do governo Lula, que tem suas raízes no
movimento operário, que confirma as políticas racistas e reacionárias do DEM,
impossibilitando o acesso da juventude à educação superior, da população negra
a políticas de saúde diferenciadas, dos remanescentes de quilombo à terra.
Somamo-nos às 24 organizações do
movimento negro que se manifestam contra a versão atual do Estatuto da
Igualdade Racial, esvaziado de conteúdo de justiça racial. O estatuto aprovado
não tem força de lei, foi rebaixado, tendo o caráter de apenas autorizar e não
determinar, fazer cumprir. Isto fica visível inclusive com a retirada de
recursos para sua execução pelos gestores, que não são obrigados a colocarem-no
em prática.
O estatuto está na contramão dos
avanços nas lutas institucionais do movimento negro contra o racismo, a exemplo
da política de cotas implementada em muitas universidades públicas.
Conclamamos a juventude, as
trabalhadoras e os trabalhadores negros para a luta contra a dominação racista,
contra a exploração, por melhores condições de trabalho e de existência, para
que reine a liberdade e as diferenças sejam respeitadas. Em defesa das cotas
para negros nas universidades públicas! Pela titulação de terra aos
remanescentes de quilombos
Fonte: Quilombo Raça e Classe
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