Material Didático para a Sexta Série
Por Anderson Alves Esteves
Por Anderson Alves Esteves
LIBERDADE: RAZÃO E AUTONOMIA
“Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado”
Immanuel Kant
1 – O problema da escolha sem autonomia em nossa
sociedade.
Sabemos que a
liberdade, como apontou Sartre, expressa-se na escolha
que fazemos durante todo o tempo. Porém, talvez as escolhas que estamos fazendo
estejam corrompidas, talvez estejamos agindo sob influência de interesses que
não são verdadeiramente nossos. Vejamos a música abaixo para situarmos melhor o
problema que expomos:
Admirável Chip Novo
Pitty
Pane no sistema, alguém me desconfigurou
Aonde estão meus olhos de robô? Eu não sabia, eu não tinha percebido Eu sempre achei que era vivo Parafuso e fluido em lugar de articulação Até achava que aqui batia um coração Nada é orgânico, é tudo programado E eu achando que tinha me libertado, Mas lá vem eles novamente e eu sei o que vão fazer: Reinstalar o sistema Pense, fale, compre, beba Leia, vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga Tenha, more, gaste e viva Pense, fale, compre, beba Leia, vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga… Não senhor, Sim senhor, Não senhor, Sim senhor Pane no sistema, alguém me desconfigurou Aonde estão meus olhos de robô? Eu não sabia, eu não tinha percebido Eu sempre achei que era vivo Parafuso e fluido em lugar de articulação Até achava que aqui batia um coração Nada é orgânico, é tudo programado E eu achando que tinha me libertado, Mas lá vem eles novamente e eu sei o que vão fazer: Reinstalar o sistema Pense, fale, compre, beba Leia, vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga Tenha, more, gaste e viva Pense, fale, compre, beba Leia, vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga… Não senhor, Sim senhor, Não senhor, Sim senhor Mas lá vem eles novamente e eu sei o que vão fazer: Reinstalar o sistema
PITTY. Admirável chip novo, 2003.
|
O refrão da música compõe-se de imperativos que nos são ininterruptamente transmitidos pela televisão, pelo rádio, pela
internet, pelos jornais, pelas revistas, pelos outdoors, por religiões e
até pelos nossos amigos. Embora possamos passar a vida sem perceber, escolhemos
entre roubas da marca A ou B, refrigerante A ou B; carro A ou B,
eletrodoméstico A ou B, deus A ou B. É verdade que há uma escolha, é verdade
que podemos escolher por A e não por B; porém, é verdade também que muitas
vezes agimos influenciados sobre os imperativos que nos foram
transmitidos.
A música expressa que as escolhas
que fazemos podem estar corrompidas pelo consumismo contemporâneo, expressa que
fazemos escolhas influenciadas por falsas necessidades, por interesses
exteriores a nós mesmos. Isto é, a comparação feita pela música, entre nós e os
robôs, retrata justamente o modo como somos “programados” a realizar escolhas
que beneficiam interesses que não são necessariamente os nossos, a escolher
coisas que não precisamos, a fazer coisas que podem até estar contrárias a
nossos interesses. E ainda podemos aceitar estas coisas de bom grado: “Não
senhor, Sim senhor, Não senhor, Sim senhor”. Caso não gostemos e fazemos algo contrário
aos imperativos que nos foram transmitidos, a música mostra a saída que é usada
para tudo continuar do modo como está: “Lá vem eles novamente e eu sei o que
vão fazer: reinstalar o sistema”.
Portanto, o problema da liberdade
em nossa sociedade é ainda um problema não resolvido, trataremos neste período
justamente das escolhas que fazemos e que podem ainda não serem suficientes
para sermos livres. Segundo a música, em cada um de nós é como se houvesse um chip,
como se não fôssemos livres.
VAMOS FILOSOFAR…
1 – Quais são os imperativos que a música demonstra que nos são impostos
ininterruptamente?
2 – Ao escolhermos um produto de uma marca, e não de outra, após sermos
convencidos por uma propaganda, somos livres? Explique.
3 – Explique como a música, ao comparar-nos com robôs, mostra que não somos
livres.
4 – Você já foi influenciado por propagandas a adquirir algo que não tinha
muita necessidade? Exemplifique e explique como sua liberdade foi afetada.
5 – Desenhe um exemplo de propaganda que influencia as pessoas e, assim,
afeta a liberdade delas.
2 – Ousar pensar: a saída de Voltaire para
o problema da escolha sem autonomia em nossa sociedade.
Voltaire, filósofo francês que
viveu entre 1694 e 1778, tentou encontrar uma solução para o problema que
estamos discutindo, embora, seja evidente, em um contexto diferente. No Dicionário
filosófico, ele escreveu um verbete intitulado “Liberdade de Pensamento”,
expondo um conflito entre um general inglês (Boldmind) e um funcionário da
Inquisição na Espanha (Medroso). Deste conflito, Voltaire indicou o caminho
para escolhermos sem seguir interesses que não são verdadeiramente nossos.
Vamos acompanhar o diálogo para encontrar esse caminho:
Liberdade de pensamento
“Boldmind: Sois, portanto, sargento dos dominicanos? Exerceis um bem
vil ofício.
Medroso: É verdade; mas gostei mais de ser criado deles do que ser vítima e
preferi a desgraça de queimar o meu próximo à de ser eu próprio cozido.
Boldmind: Que horrível alternativa! Éreis cem vezes mais felizes sob o jugo dos
mouros que vos deixaram estagnar livremente no meio das vossas superstições e
que, embora vencedores, não se arrogavam o direito inaudito de pôr as almas a
ferros.
Medroso: Que quereis? Não nos é permitido escrever, nem falar, nem mesmo pensar.
Se falamos, torna-se fácil interpretar
as nossas palavras e mais ainda os nossos escritos. Enfim, como não podem
condenar-nos a um auto-de-fé pelos nossos pensamentos secretos, ameaçam-nos de
sermos eternamente queimados por ordem do próprio Deus se não pensarmos como os
dominicanos. Persuadiram o governo que se possuíssemos o senso comum todo o
Estado ficaria em combustão e a nação tornar-se-ia a mais desgraçada da Terra.
Boldmind: Achais que somos assim desgraçados, nós, ingleses, que cobrimos os mares
com os nossos barcos e viemos ganhar para vós batalhas nos confins da Europa?
Vede os holandeses que vos desapossaram de quase todas as vossas descobertas na
Índia e hoje se enfileiram entre os vossos protetores: pensais que sejam
malditos de Deus por haverem concedido inteira liberdade à imprensa e por fazerem
o comércio dos pensamentos humanos? Foi menos poderoso o império romano por
Cícero haver escrito com liberdade?
Medroso: Quem é Cícero? Nunca ouvi falar desse homem; não se trata aqui de Cícero,
trata-se de nosso santo pai, o papa, e de Santo Antônio de Pádua, e sempre ouvi
dizer que a religião romana está perdida se os homens começam a pensar.
Boldmind: Não cabe a vós acreditá-lo, pois estais seguro que a vossa religião é
divina e que as portas do inferno não podem prevalecer contra ela. Se assim é,
nada poderá destruí-la.
Medroso: Não, mas pode ser reduzida a pouca coisa. E foi por terem pensado que a
Suécia, a Dinamarca, toda a vossa ilha e metade da Alemanha gemem na pavorosa
desgraça de não mais serem súditos do papa. Diz-se mesmo que se os homens continuassem
a guiar-se pelas suas falsas luzes acabarão em breve por ater à simples
adoração de Deus e à virtude. Se alguma vez as portas do inferno prevalecerem
até esse ponto, em que se tornará o Santo Ofício?
Boldmind: Se os primeiros cristãos não tivessem a liberdade de pensar, não é
verdade que não existiria cristianismo?
Medroso: Que quereis dizer? Não vos entendo?
Boldmind: Acredito. Quero dizer que se Tibério e os primeiros imperadores
dispusessem de dominicanos que houvessem impedido os primeiros cristãos de usar
penas e tinta; se durante tanto tempo não tivesse sido permitido pensar
livremente no império romano, tornar-se-ia impossível aos cristãos estabelecer
os seus dogmas. Portanto, se o cristianismo só se formou pela liberdade de
pensamento, por que contradição, por que injustiça desejaria aniquilar hoje
essa liberdade sobre a qual está fundado?
Quando vos propõem algum negócio
interessante, não o examinais demoradamente, antes de o concluirdes? Haverá no
mundo maior interesse que o da nossa felicidade ou eterna desgraça? Existem
sobre a Terra cem religiões e todas vos condenam à danação por acreditares nos
vossos dogmas, que essas religiões consideram absurdos e ímpios; examinai,
portanto, esses dogmas.
Medroso: Como posso examiná-lo? Não sou dominicano.
Boldmind: Sois homem e isso basta.
Medroso: Ai de mim! Sois bem mais homem que eu.
Boldmind: A vós apenas cabe aprender a pensar; haveis nascido com espírito; sois
uma ave na gaiola da Inquisição; o Santo Ofício aparou-vos as asas mas elas podem
voltar a crescer. Quem não sabe geometria, pode aprendê-la; qualquer homem pode
instruir-se: é vergonhoso que se deposite a alma nas mãos daqueles aos quais
não se confiaria o dinheiro. Ousai pensar por vós mesmo.
Medroso: Há quem diga que, se toda a gente pensasse por si, a confusão
seria prodigiosa.
Boldmind: Pelo contrário. Quando assistimos a um espetáculo, cada qual dá
livremente a sua opinião e a paz não é perturbada; se, porém, algum insolente,
protetor de algum mau poeta, quiser forçar todas as pessoas de gosto a
considerarem bom o que lhes parece mau, os dois partidos podem acabar
alvejando-se com maçãs, como já aconteceu
em Londres. São estes
tiranos dos espíritos que causaram parte das desgraças do mundo. Na Inglaterra,
só somos felizes desde que cada qual goze livremente o direito de exprimir a
sua opinião (…)” [1] .
O problema que temos a resolver
é: como fazer escolhas que reflitam o que realmente queremos, o que realmente
necessitamos, sem sermos influenciados e manipulados por outrem? Voltaire, pela
personagem Boldmind, indicou que estas escolhas precisam passar pelo critério
do pensamento: trata-se de ousar pensar por nós mesmos, sem aderir a
nenhum projeto sem antes examiná-lo com cuidado, sem entregar nossa alma seja a
quem for.
Voltaire.
Estátua de 1781, Museu de São Petesburgo.
VAMOS FILOSOFAR…
1 – Qual é o problema relativo à liberdade a ser resolvido em nossa sociedade?
_
2 – Que tipo de trabalho a personagem Medroso realiza, segundo Voltaire no
texto Liberdade de pensamento? Como esse trabalho é classificado pela
personagem Boldmind?
3 – Existe liberdade de pensamento na Espanha sob a Inquisição? O que a
personagem Medroso alega para defender o comportamento da Inquisição? Boldmind
concorda com Medroso ?
4 – Para que a personagem Medroso se tornasse livre, Boldmind aconselhou: “A
vós apenas cabe aprender a pensar; haveis nascido com espírito; sois uma ave na
gaiola da Inquisição; o Santo Ofício aparou-vos as asas mas elas podem voltar a
crescer. Quem não sabe geometria, pode aprendê-la; qualquer homem pode
instruir-se: é vergonhoso que se deposite a alma nas mãos daqueles aos quais
não se confiaria o dinheiro. Ousai pensar por vós mesmo”[2]. Explique qual
deve ser o comportamento de Medroso para que ele seja livre.
5 – Como Voltaire resolveu a questão de fazermos escolhas sem sermos livres
em nossa sociedade? Você concorda com a solução dele? Explique.
6 – Leia a
letra da música abaixo e relacione-a com o texto de Voltaire para explicar se
somos livres ao fazermos o que a televisão nos propõe.
Televisão
TitãsA televisão me deixou burro, muito burro demais
Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais
O sorvete me deixou gripado pelo resto da vida
E agora toda noite quando deito é boa noite, querida.
Ô cride, fala pra mãe
Que eu nunca li num livro que um espirro fosse um vírus sem cura
Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!
Ô cride, fala pra mãe !
A mãe diz pra eu fazer alguma coisa mas eu não faço nada
A luz do sol me incomoda, então deixo a cortina fechada
É que a televisão me deixou burro, muito burro demais
E agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais.
Ô cride, fala pra mãe
Que tudo que a antena captar meu coração captura
Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!
Ô cride, fala pra mãe!
TITÃS. Televisão, 1985.
3 – Esclarecimento: a saída de Kant para o problema da escolha sem
autonomia em nossa sociedade.
Kant (1724 – 1804) foi mais um
filósofo que pensou nas condições de possibilidades da liberdade e, tal como
Voltaire, preocupou-se em impedir que fôssemos manipulados por interesses
exteriores aos nossos. Para isso, Kant aposta em um movimento do qual todos
precisariam participar: trata-se de um esclarecimento que retiraria a
humanidade da posição de menoridade.
Segundo Kant, encontramo-nos na
posição de menoridade por não usarmos nosso entendimento da maneira que
deveríamos; por covardia e preguiça, apenas orientamo-nos por razões alheias a
nossa e, assim, damos origem a tutores que dizem o que devemos fazer
sobre as mais variadas questões do dia-a-dia. Nosso erro, portanto, é preferir
a orientação de outrem e não usarmos nosso entendimento com autonomia. Um bom
exemplo desse erro é a música abaixo:
Pacato Cidadão
Skank
Composição: Samuel Rosa E
Chico Amaral
Ô pacato cidadão, te chamei a atenção
Não foi à toa, não
C\’est fini la utopia, mas a guerra todo dia
Dia a dia não
E tracei a vida inteira planos tão incríveis
Tramo à luz do sol
Apoiado em poesia e em tecnologia
Agora à luz do sol
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Ô pacato cidadão, te chamei a atenção
Não foi à toa, não
C\’est fini la utopia, mas a guerra todo dia
Dia a dia não
E tracei a vida inteira planos tão incríveis
Tramo à luz do sol
Apoiado em poesia e em tecnologia
Agora à luz do sol
Pra que tanta TV, tanto tempo pra perder
Qualquer coisa que se queira saber querer
Tudo bem, dissipação de vez em quando é bão
Misturar o brasileiro com alemão
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Ô pacato cidadão, te chamei a atenção
Não foi à toa, não
C\’est fini la utopia, mas a guerra todo dia
Dia a dia não
E tracei a vida inteira planos tão incríveis
Tramo à luz do sol
Apoiado em poesia e em tecnologia
Agora à luz do sol
Pra que tanta sujeira nas ruas e nos rios
Qualquer coisa que se suje tem que limpar
Se você não gosta dele, diga logo a verdade
Sem perder a cabeça, perder a amizade
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Ô pacato cidadão, te chamei a atenção
Não foi à toa, não
C\’est fini la utopia, mas a guerra todo dia
Dia a dia não
E tracei a vida inteira planos tão incríveis
Tramo à luz do sol
Apoiado em poesia e em tecnologia
Agora à luz do sol
Consertar o rádio e o casamento é
Corre a felicidade no asfalto cinzento
Se abolir a escravidão do caboclo brasileiro
Numa mão educação, na outra dinheiro
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização.
Não foi à toa, não
C\’est fini la utopia, mas a guerra todo dia
Dia a dia não
E tracei a vida inteira planos tão incríveis
Tramo à luz do sol
Apoiado em poesia e em tecnologia
Agora à luz do sol
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Ô pacato cidadão, te chamei a atenção
Não foi à toa, não
C\’est fini la utopia, mas a guerra todo dia
Dia a dia não
E tracei a vida inteira planos tão incríveis
Tramo à luz do sol
Apoiado em poesia e em tecnologia
Agora à luz do sol
Pra que tanta TV, tanto tempo pra perder
Qualquer coisa que se queira saber querer
Tudo bem, dissipação de vez em quando é bão
Misturar o brasileiro com alemão
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Ô pacato cidadão, te chamei a atenção
Não foi à toa, não
C\’est fini la utopia, mas a guerra todo dia
Dia a dia não
E tracei a vida inteira planos tão incríveis
Tramo à luz do sol
Apoiado em poesia e em tecnologia
Agora à luz do sol
Pra que tanta sujeira nas ruas e nos rios
Qualquer coisa que se suje tem que limpar
Se você não gosta dele, diga logo a verdade
Sem perder a cabeça, perder a amizade
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Ô pacato cidadão, te chamei a atenção
Não foi à toa, não
C\’est fini la utopia, mas a guerra todo dia
Dia a dia não
E tracei a vida inteira planos tão incríveis
Tramo à luz do sol
Apoiado em poesia e em tecnologia
Agora à luz do sol
Consertar o rádio e o casamento é
Corre a felicidade no asfalto cinzento
Se abolir a escravidão do caboclo brasileiro
Numa mão educação, na outra dinheiro
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização
Pacato cidadão
Ô pacato da civilização.
Agimos como um “pacato cidadão” e somos
nós mesmos os culpados da posição de menoridade em que nos encontramos. Se hoje
estamos dominados por tutores, isso só aconteceu por não caminharmos com a
autonomia da nossa razão. É assim que funciona o movimento proposto por Kant:
deixar a pacatez de lado e pensarmos por nós mesmos sobre todas as questões que
nos são pertinentes. Dessa forma, mesmo depois de alguns erros, aprenderíamos a
caminhar sozinhos.
Ao invés da identificação cega
com um líder político ou religioso, ao invés de seguir irrefletidamente algum
órgão de imprensa, precisaríamos, no movimento proposto por Kant,
Immanuel Kant (1704-1804) pensarmos para adquirir um entendimento próprio e a partir daí, expor
publicamente nossas idéias: precisaríamos espalhar nossas idéias ao nosso
entorno, movimentando o uso autônomo da razão naqueles que estão vivendo
conosco. Essa conduta é bem diferente da conduta do “pacato cidadão” da música,
e não só é diferente, mas oposta.
Sairíamos da menoridade e
findaríamos com os tutores se nós mesmos conduzirmo-nos nossas ações. Nossa
liberdade constrói-se pelo uso autônomo da razão e pela sua publicidade (que
aqui não deve ser entendida no sentido mercadológico, trata-se do uso público
da razão). O movimento de Esclarecimento, proposto por Kant, e a ousadia
de pensamento, proposta por Voltaire, encontram-se, então, na semelhança de
seus objetivos e nos seus métodos: ambos anseiam a liberdade, ambos apostam na
razão pra atingir este fim.
VAMOS FILOSOFAR…
1 – Kant e Voltaire têm um projeto parecido sobre a liberdade. Qual é esse
projeto?
2 – Kant propõem um movimento para acabar com a posição de menoridade em
que se encontra a humanidade. Explique:
a) o que é menoridade?
b) qual é o movimento proposto por Kant e
como ele funcionaria?
3 – Relacione a idéia de “menoridade”, de Kant, com a expressão “pacato
cidadão” da música do Skank e explique se, na sua cidade, as pessoas são
livres.
4 – Segundo Kant, quais seriam as conseqüências para os tutores ao expormos
nossas idéias publicamente?
5 – Kant e Voltaire têm um método em comum para alcançar a liberdade? Qual
é ele e como funciona?
SUGESTÃO DE ATIVIDADES
A – TEXTO COMPLEMENTAR
Eu, etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório
um nome… estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes, gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência, indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que incidência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco da roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, recolocam,
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem,
meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. O Corpo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1984, pp. 85-87.
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório
um nome… estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes, gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência, indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que incidência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco da roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, recolocam,
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem,
meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. O Corpo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1984, pp. 85-87.
A partir do poema acima, relacione o texto de Voltaire estudado no curso:
transformados em coisa, somos livres?
B – CINEMA
Forrest Gump: Filme
que acompanha a personagem Forest Gamp que adere a várias situações da história
do século XX sem o uso autônomo da razão, como gostaria Kant.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HABERMAS, Jürgen. Mudança
estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade
burguesa. Tradução de Flávio R. Kothe, Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
KANT, Immanuel. Os Pensadores.
Tradução de Valério Rohden, Tânia Maria Bernkopf, Paulo Quintela, Fubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo: Abril Cultural, 1° edição, 1974.
_____.Crítica da razão pura.
Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 4° edição, 1997.
_____. Textos seletos.
Tradução de Floriano de Sousa Fernandes, Petrópolis: Vozes, 2° edição, 1985.
TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. Ensaios
de Filosofia Ilustrada, São Paulo: Brasiliense, 1987.
VOLTAIRE. Os Pensadores.
Tradução de Marilena Chauí, São Paulo: Abril Cultural, 1° edição, 1973.
[1] VOLTAIRE. “Liberdade de pensamento” in Os pensadores. Tradução de Bruno
da Ponte e João Lopes Alves, São Paulo: Abril Cultural, 1° edição, 1973, pp. 244-246.
Nenhum comentário:
Postar um comentário