Segundo especialistas em sociologia e ciências políticas, a origem do problema está na formação da polícia militar de São Paulo e nas condições desumanas de sobrevivência impostas à crescente população carcerária de São Paulo.
Em entrevista exclusiva ao AND, a socióloga Vera Malaguti — professora de Criminologia da Universidade Cândido Mendes e Secretária Geral do Instituto Carioca de Criminologia (ICC) — disse que um dos motivos da atual escalada da violência contra os pobres em São Paulo foi o descumprimento de acordos extraoficiais firmados entre o gerenciamento estadual e a organização criminosa PCC — Primeiro Comando da Capital.
— Uma hora, as autoridades vão ter que colocar as cartas na mesa e dizer que está sendo feito um acordo entre o PCC e o governo do estado de São Paulo desde os crimes de maio de 2006 e o acordo foi quebrado pela polícia com essa matança de pobres que está acontecendo. Inclusive, existe uma tese de antropologia da USP que trata justamente desses acordos extraoficiais. O próprio PCC surgiu a partir da opressão penitenciária, realidade que não mudou até os dias de hoje. Os presídios estão superlotados, os parentes de presos não são tratados com dignidade. Qual poderia ser o resultado dessa realidade brutal? Outros estudos revelaram que os líderes do PCC ingressaram no sistema penitenciário por pequenos delitos. Eu acredito que essa escalada da matança de pobres que está acontecendo em São Paulo só vai ser interrompida quando a discussão for feita com a verdade, com os fatos — alerta.
O cientista político da USP Guaracy Mingardi vai mais fundo ao apontar as raízes antipovo da polícia de São Paulo. O especialista diz que, até a década de 70, havia três tipos de polícia em São Paulo: Civil, Força Pública e Guarda Civil.
— Em 69, o regime militar disse ‘isso não dá certo porque a gente não controla a polícia’. Então, eles juntaram no mesmo balde a Força Pública, a Guarda Civil e criaram a Polícia Militar. E para manter aquilo sob controle, o primeiro, segundo, terceiro comandantes foram coronéis ou generais do Exército, pra militarizar aquela polícia. Ou seja, militarizou com base no que o Exército achava que era o trabalho policial. A partir dos anos 70 esse comando do Exército foi recriando a ideia do inimigo. É nesse momento que vem a figura do suspeito: preto, pobre, da periferia, porque, para um agrupamento militar é preciso ter a ideia do inimigo, que deve ser identificável enquanto grupo que deve ser derrotado — explica o especialista à revista digital Carta Maior.
Em apenas 29 meses, 2.882 pessoas foram mortas pela polícia em favelas e bairros pobres de quatro estados do país. Uma média de 3,3 mortos por dia. São dados divulgados pela própria Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) referentes ao período compreendido entre janeiro de 2010 e junho de 2012. Os estados analisados foram apenas quatro, já que os outros gerenciamentos estaduais não divulgam números de homicídios cometidos por policiais.
Em Santa Catarina, 137 pessoas foram mortas no período analisado. No Mato Grosso do Sul, foram 57, 1.590 no Rio de Janeiro e 1.098 em São Paulo. Segundo dados da Anistia Internacional, em 2011, o número de pessoas mortas em supostos "autos de resistência" — como são chamadas as mortes em confronto com a polícia — foi 42,16% maior do que todas as penas de morte executadas, após o devido processo legal, em 20 países. De acordo com Débora Maria, coordenadora do movimento Mães de Maio e mãe de uma das vítimas dos Crimes de Maio de 2006 em São Paulo, os gerenciamentos de turno dão carta branca para a matança e fazem vista grossa para grupos de extermínios formados por policiais.
— A gente sabe que quem matou em 2006 aqui em São Paulo continua matando até os dias de hoje, porque não foram punidos. Eles ganharam carta branca para matar. O governo do estado é omisso, ele não admite que dentro das corporações policiais existem grupos de extermínio, por exemplo — argumenta.
Nos últimos dias, o monopólio dos meios de comunicação estampou em suas manchetes alertas para o crescimento do número de policiais assassinados em São Paulo. Entretanto, pouco se fala sobre a disparada no número de mortes cometidas pelas polícias do gerenciamento Alckmin entre os meses de fevereiro e junho desse ano. Segundo dados da ouvidoria de polícia do estado de São Paulo, em média, 36 pessoas foram mortas por mês pela PM entre fevereiro e abril. Em maio, o índice saltou para 52 casos, o que representa um aumento de 44% em comparação com os meses anteriores. Em relação ao mesmo período de 2011, a alta foi de 13%.
A maioria desses assassinatos é atribuída a ROTA — Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar — a mais letal tropa da PM de São Paulo. Somente no primeiro semestre desse ano, a ROTA foi reponsável por 48 dessas mortes. Um aumento de 20% em relação ao mesmo período de 2011. Desde novembro do ano passado, a ROTA esteve sob o comando do tenente-coronel Salvador Modesto Madia, que foi substituído no dia 26 de setembro pelo tenente-coronel Nivaldo César Restivo. Ambos são réus no processo sobre o Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, quando 111 detentos foram mortos pela polícia sob o comando dos dois militares.
Em 2011, supostos confrontos envolvendo a ROTA em favelas e bairros pobres de São Paulo deixaram 82 pessoas mortas, o que revela um crescimento estarrecedor desde 2007, quando foram registradas 46 mortes. Desde 2001, o maior número de ‘autos de resistência’ envolvendo a ROTA foi registrado em 2003, quando 124 pessoas foram assassinadas.
Além disso, em 2012, o número de homicídios também subiu consideravelmente no estado de São Paulo. Somente no mês de junho, 434 pessoas foram assassinadas. No mesmo período do ano passado, o número de mortos foi de 324. Em setembro, a discrepância foi ainda maior. Foram 135 assassinatos. Um aumento de 96% em relação ao mesmo período de 2011.
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