terça-feira, 13 de novembro de 2012

Uma brevíssima história da greve

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La Insignia - [Luciano Oliveira] As palavras, como os homens, são seres vivos. Nascem, crescem e algumas morrem, ou mudam de sentido.

A palavra favela, por exemplo. Ela designava, na época da campanha de Canudos, um tipo de fava encontrado nos morros da região onde acamparam as tropas que massacraram os seguidores de Antonio Conselheiro. Terminada a campanha, muitos do soldados, oriundos de várias regiões do país, fixaram-se no Rio de Janeiro. Desengajados, tornaram-se trabalhadores pobres e começaram a ocupar os morros da cidade, que passaram a ser chamados de favelas.
A palavra greve tem também um percurso interessante. No início ela significava simplesmente um tipo de arbusto existente nas margens do rio Sena, em Paris. Em francês, grève. Num terreno contíguo a uma dessas margens, formou-se uma praça, que veio a ser designada como Place de Grève. A praça tornou-se um local onde se juntavam trabalhadores sem emprego em busca de alguma ocupação. Quando os parisienses precisavam de algum trabalhador, iam lá atrás dessa mão-de-obra. Daí surgiram expressões como "ir a greve" (aller en grève), "estar em greve" (être en grève) e outros correlatos, para designar o trabalhador que, sem trabalho, lá ficava de braços cruzados sem ter o que fazer.
Tudo isso é muito antigo, remontando á época medieval, e a praça tem uma longa e até tenebrosa história. Basta dizer em que entre o século XV e finais do século XVIII serviu de palco para as execuções capitais, que na época eram públicas e, não raro, atrozes. Em 1806, mudou o nome para Place de l´Hôtel de Ville, porque ali se edificou o que ainda hoje é um dos mais belos prédios de Paris, a prefeitura da cidade. Mas a palavra grève não desapareceu, continuou sendo utilizada com um novo sentido, ainda que guardando algo do significado anterior: a atitude de estar de braços cruzados.
Já era o século XIX e o movimento operário tinha surgido. Eram tempos duros, aqueles. Completamente desregulado, o capitalismo submetia os trabalhadores a uma exploração tão brutal que o revolucionário Engels, no livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, observou (bem antes de Gilberto Freyre, autor de idêntica observação...) que as condições de vida dos escravos nas Américas eram mais amenas do que aquelas dos assalariados europeus na época da revolução industrial. Nessas condições, vez por outra os trabalhadores cruzavam os braços e se recusavam a trabalhar, exigindo melhorias na sua condição. Recuperando o antigo termo, começou-se a dizer que eles estavam en grève... E foi assim que surgiu a greve.
Nesse tempo, cruzar os braços não era nenhum piquenique. A brutalidade dos patrões e da polícia não se fazia de rogada. Numa época em que o Estado não fazia nenhuma questão de desmentir a acusação marxista de ser o "comitê executivo da burguesia", a repressão se fazia de forma escancarada. Prisões, demissões, espancamentos, "listas negras", deportações - esse foi o lote de provações que o movimento operário nascente teve de enfrentar no duro trabalho de parto que foi o seu. Basta lembrar que só em 1884 uma lei francesa autorizou os trabalhadores a constituírem sindicatos. Antes disso, qualquer tentativa de organização da classe era considerada um atentado à "liberdade do trabalho", e portanto duramente reprimida.
Bem, a história ainda está no começo mas o espaço já está terminando. Assim, tenho de providenciar um corte cinematográfico espetacular, eliminando mais de um século e pulando diretamente para o Brasil. Close no meu rádio, onde ouvi, no dia 12 de março de 2008, uma notícia extraordinária. Os auditores fiscais da Receita Federal estão ameaçando uma greve por aumento salarial. A reivindicação é bem redonda: 22 mil reais por mês. (Por extenso, como se faz com cheque, para evitar qualquer erro: vinte e dois mil reais!) Ou isso, ou vão cruzar os braços, como faziam os trabalhadores franceses quando estavam en grève. A diferença é que continuarão recebendo os salários e não correm risco de perder o emprego... Senhores, que o piquenique comece!
Luciano Oliveira é professor da UFPE.
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/ 

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