Motoristas de ônibus estão entres os trabalhadores mais afetados mentais causados pelo trabalho |
Relações degradantes no ambiente profissional têm resultado no aumento dos casos de trabalhadores com transtornos mentais
Por Michelle Amaral
Desânimo,
apreensão e angústia. Esses eram os sentimentos que tomavam conta de
João* diariamente quando saía de casa para ir ao trabalho. “Cada dia que
ia trabalhar era uma tortura, me sentia muito mal quando entrava na
empresa”, conta o supervisor de uma central de telemarketing em São
Paulo. O que, para ele, parecia apenas uma insatisfação com a função
exercida e as pressões do trabalho, acabou se intensificando e, ao
procurar ajuda médica, foi diagnosticado como depressão.
O
caso de João não é isolado. De acordo com a Organização Mundial da
Saúde (OMS), a depressão será a segunda causa da incapacidade para o
trabalho até 2020. Atualmente, segundo dados do Instituto Nacional de
Seguridade Social (INSS), os transtornos mentais e de comportamento
ocupam o terceiro lugar em número de benefícios concedidos. “Os
transtornos mentais, como as depressões, têm sido uma das principais
causas de afastamento do trabalho no Brasil”, relata Myrian Matsuo,
psicóloga e pesquisadora da Coordenação da Saúde no Trabalho da
Fundacentro, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Em
2011, a Previdência Social concedeu mais de 15 mil aposentadorias por
invalidez a trabalhadores vítimas de adoecimento mental. Já os
auxílios-doença concedidos por causa de quadros depressivos chegaram a
82 mil em todo o país. “Fiquei alguns dias afastado, tomei remédios e
fiz sessões de terapia, o que amenizou um pouco os sintomas da
depressão”, conta João. Segundo ele, um fator determinante para sua
melhora foi a mudança nas relações em seu ambiente de trabalho. “Minha
chefe não nos via como ser humano e, sim, como número para atingir as
metas a qualquer custo. Isso mudou quando ela foi substituída por alguém
mais compreensível, mais humano”, descreve.
Péssimas
condições de trabalho, jornada de trabalho prolongada, pressão por
metas e produtividade, falta de tempo para a realização das tarefas
laborais, ausência de pausas para descanso, pouca valorização do
trabalhador, participação insatisfatória destes nas decisões das
empresas e o medo do desemprego são fatores que contribuem para o
aumento da incidência de distúrbios psíquicos entre os trabalhadores,
segundo Myrian.
Assujeitamento
A
psicóloga explica que os transtornos mentais relacionados ao ambiente
de trabalho atingem funcionários de todos os níveis de hierarquia de
empresas públicas e privadas.
Isto
porque, conforme analisa o pesquisador do Centro de Tecnologia e
Informação Renato Archer, do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Informação (CTI-MCTI), Marco Antônio Silveira, a atividade profissional
ocupa uma posição central na construção da identidade do indivíduo e o
fato de as instituições serem importantes espaços de socialização,
sobretudo nas grandes cidades. “Hoje passamos mais tempo nas empresas do
que em casa. Portanto, a forma como o trabalho está organizado e,
principalmente, a qualidade das relações humanas impactam fortemente os
estados mentais e emocionais das pessoas”, pondera.
Outro
aspecto que contribui para o adoecimento mental dos trabalhadores é a
ideia de que o indivíduo deve doar-se completamente à atividade
profissional. “As empresas e boa parte da mídia têm se empenhado para
mostrar que cada vez mais há menos interesses conflitantes entre
trabalhadores e empresas, o que dificulta o estabelecimento do limite
subjetivo do trabalhador”, afirma a médica do trabalho e pesquisadora da
Fundacentro, Maria Maeno. Essa condição faz com que as contradições
existentes no trabalho sejam sentidas pelos trabalhadores como “uma
traição” à empresa, gerando neles a culpa por não conseguirem doar mais
de si mesmos e, consequentemente, surge o sofrimento psicológico e
emocional. “Os ‘fracassos’ são individualizados e os próprios
trabalhadores se culpam por não corresponder às expectativas. A
individualização e a culpabilização pela impossibilidade de ‘dar conta’
[do trabalho] são aspectos altamente adoecedores”, descreve a médica do
trabalho.
Dessa
forma, conforme explica a psicóloga Renata Paparelli, os fatores que
levam ao desgaste mental estão relacionados com o grau de assujeitamento
ao qual o trabalhador é submetido no processo de trabalho. “Quanto
menos controle houver sobre o trabalho, quanto menos possível for
adaptá-lo às características de quem o realiza, mais penoso ele será, já
que será mais difícil o respeito ao limite subjetivo de cada um”,
relativiza.
Mudanças
A
psicóloga defende a necessidade de se colocar limites à exploração da
força de trabalho, para que se impeça a precariedade no ambiente laboral
e seja permitido ao trabalhador transformar a atividade profissional de
modo a respeitar o seu limite pessoal. “Essa possibilidade implica,
muitas vezes, em diminuição da produtividade. Daí a importância de
estimular políticas que coloquem a saúde dos trabalhadores como fator de
competitividade entre as empresas, de modo a transformar os contextos
de trabalho adoecedores”, defende Renata.
De
acordo com Myrian, “o empresariado deve repensar o modelo de gestão nas
empresas, que visa apenas a produtividade e o lucro em detrimento da
vida dos trabalhadores”. Para isto, Silveira afirma que é preciso que se
transcenda a contradição inerente aos modelos econômico e empresarial
vigentes que, há séculos, têm levado ao conflito capital - trabalho.
“[Deve-se] migrar da visão engessada da ‘mais valia absoluta’, que
enxerga o trabalhador como ‘mão de obra’, para a situação da ‘mais valia
relativa’, onde a qualidade do trabalho e os conhecimentos do
trabalhador são considerados”, defende.
Sintomas do adoecimento mental por trabalho
Fadiga
crônica, tristeza, irritabilidade, falta de motivação, insônia,
isolamento, dificuldade de concentração, déficit de atenção, ansiedade e
a sensação de que o fim de semana não é sufi ciente para descansar.
Caso
os sintomas sejam verificados, procure ajuda médica. Uma opção são os
Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, equipamentos públicos
especializados em atender pessoas com problemas de saúde relacionados ao
trabalho.
Fonte: Brasil de Fato
Os professores de ensino fundamental e médio também sofrem muito com depressão causada pelos problemas laborais. É uma das profissões mais estressantes que existem.
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