Por Leonardo Sakamoto
O governo Haddad deve acabar com a taxa cobrada pela inspeção
veicular obrigatória em São Paulo já no ano que vem, cumprindo uma
promessa de campanha. Muito já foi escrito sobre esse ato populista a
ser feito com dinheiro da coletividade. Pois, quem não tem carro terá
que pagar por algo que deveria ser da responsabilidade de quem tem sob a
justificativa de que o ar que respiramos é de todos.
Se o governo quer desonerar os proprietários de veículos com motor a
combustão, sugiro que mande a primeira fatura para a indústria
automobilística. Empresas de cigarro e lanchonetes são responsabilizadas
pelos danos causados por seus produtos, por que não a de carros?
Comercial de nicotina na TV é censurado e de monóxido de carbono, não?
Que tal as montadoras bancarem a revisão periódica dos carros, motos e
caminhões que nos entregam, uma vez que fomentam o nosso consumismo
maluco através de anúncios questionáveis.
Pagar pela inspeção veicular seria uma boa forma das empresas
multinacionais devolverem um pouco da ajuda de mãe que têm recebido do
poder público. Enviariam um pouquinho menos de royalties para ajudar
suas matrizes em apuros lá fora? Sim, mas contribuiriam em fazer com que
o céu azul que aparece em seus comerciais seja de verdade e não
Photoshop. Porque o que vejo em minha cidade é uma faixa de meleca cinza
que me faz chorar de emoção.
Também mandaria uma segunda fatura para a indústria de combustíveis.
Temos que conviver no Brasil com índices altíssimos de coisas saudáveis,
como enxofre, sendo lançados ao ar enquanto que, em países europeus, as
taxas são bem menores. Até porque, como sabemos, a vida de um francês
vale mais do que a dos bugres daqui.
Não temos a aplicação decente de uma política de compensação
ambiental que considere o número de carros vendidos e reverta parte dos
lucros dos impérios automobilísticos em recursos para o transporte
público ou para mitigação dos impactos causados no ar, na água e na
terra. Afinal de contas, fala-se da geração de empregos com a produção
industrial, mas não dos impactos silenciosos que vão ceifando vidas ao
longo de anos.
Não estou dizendo que o sujeito que não cuida do seu vulcãozinho
pessoal de fumaça é inimputável, mas se tivermos que procurar
responsáveis e mandar a conta, a indústria está bem acima do cidadão
comum sobre rodas – isso sem falar daquele que anda a pé ou de
transporte coletivo. Ah, mas a indústria só atende a uma demanda. Rá.
Faz-me rir.
E, por fim, a inspeção veicular não vai ser a panacéia. Vamos
expulsar Fuscas, Brasílias, Variants, 147s, caminhões velhos de
circulação (ou seja, eliminar o meio de locomoção da ralé), mas as
propagandas que anunciam carros grandes e potentes, beberrões de
gasolina e diesel na televisão continuarão povoando o imaginário, sendo
adquiridos pelas classes abonadas e financiando ambientalismos.
Individualmente poluem menos. Coletivamente, são um problema. Mas pensar
coletivamente não está em nosso DNA como sociedade, né? Viva meu carro,
dane-se o ônibus e o resto.
O ritmo de destruição do meio foi acelerado para atender a
consumidores, mas não a cidadãos. E vem cobrando um preço alto, cuja
fatura será paga por aqueles que ainda são pequenos. A cidade está
envolta em um bizarro chumaço escuro. É um modelo diferente de
urbanidade que eu quero. Um em que não tenha que ficar angustiado por
causa do pôr-do-sol estranhamente avermelhado. Trocar uma sociedade
estritamente consumista, em que o “eu sou” se confunde com o que “eu
tenho”, leva tempo. Talvez o meio ambiente não tenha esse tempo.
Estamos morrendo aos poucos. E, agora, pagaremos todos para atestar isso.
Fonte: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br
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