Quanto vale ou é por quilo`: quando a miséria dá lucro
Há cinco anos, com o filme “Cronicamente
inviável”, o diretor Sérgio Bianchi disparou sua metralhadora giratória
contra as muitas mazelas da sociedade brasileira: da hipocrisia da
classe média ao tráfico de órgãos humanos. Agora, com “Quanto vale ou é
por quilo”, a história não é muito diferente. São poucas as instituições
da sociedade brasileira que saem ilesas do filme, mas são as
“Organizações Não-Governamentais”, as ONG’s, que são mortalmente feridas
pelo filme de Bianchi.
Tendo como ponto de partida o conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis, e traçando paralelos entre histórias reais (retiradas do Arquivo Nacional), envolvendo os desmandos e abusos que marcavam as relações entre senhores e escravos, por volta de 1790, e o dia-a-dia de uma empresa patrocinadora de projetos como “Informática na Periferia”, “Sorriso de Criança” e “Projeto Alegria”, o filme de Bianchi descortina o quanto de corrupção e falcatruas existe nesse setor que, nas palavras de um personagem, vive de “faturar em cima da permanência da miséria”.
Um setor que, também segundo dados apresentados no filme, é composto por mais de 20 mil entidades que movimentam nada menos do que U$ 100 milhões por ano.
Dieta na consciência
É inegável que dentre as milhares de organizações (que, diga-se de passagem, surgiram e se proliferam devido à total ausência do Estado na área social) e os milhões de funcionários e voluntários que elas empregam, há gente e entidades honestas, mas também é impossível negar que muitos são aqueles que se utilizam de ONG’s para obter altos lucros, desviar verbas públicas, lavar dinheiro sujo ou acobertar negócios escusos.
Tudo isso é escancarado no filme, com também algumas tantas outras facetas não menos asquerosas de toda essa história: desde a “disputa”, entre diferentes entidades, pelos miseráveis até a relação que gente endinheirada mantém com entidades filantrópicas. Particularmente no que se refere a esse ponto, o filme é de um sarcasmo brilhante ao mostrar como muita gente faz do assistencialismo uma forma de expiar suas culpas e promover uma “dieta na consciência”, como afirma uma “perua com consciência social”, que aparece no filme.
A liberdade de consumir
Apesar de estarem no centro da história, as ONG’s não são as únicas atingidas por “Quanto vale ou é por quilo”. Sobram disparos para praticamente todas as instituições da democracia burguesa. Uma sociedade que é brilhantemente definida pelo personagem de Lázaro Ramos, um bandido extremamente bem-articulado: “a liberdade de consumir é a única e verdadeira funcionabilidade da democracia”.
Todo resto é uma farsa ou pura maquinação que se volta contra o povo, seja com a escravidão nos séculos passados, seja pela manutenção de um exército de miseráveis, hoje presos às correntes da “modernidade”: a fome, o desemprego, a falta de acesso a quase tudo. Uma situação que transforma a população mais carente em meras peças num jogo que envolve entidades desonestas, órgãos governamentais e empresas, que descobriram que é sempre possível lucrar com a miséria.
No filme, a enorme rede de falcatruas surge em uma excelente cena no Teatro Municipal de São Paulo, onde se realiza uma “festa solidária” para homenagear os que se destacaram no setor. Entre um gole de champanhe e uma beliscada no canapé de caviar, “ongueiros” e seus parceiros discutem como se beneficiar das Parcerias Público-Privada, o inflacionamento do valor das propinas pagas aos órgãos públicos e a lucratividade do setor.
Também nessa festa, o personagem de Caco Ciocler, um dos donos da entidade, aproveita para contratar o assassinato de uma líder comunitária que está ameaçando seus interesses. Enquanto isso, mais uma vez, o “povo” é engambelado.
A total falta de perspectiva
Como geralmente acontece nos filmes de Sérgio Bianchi, o povo surge vitimado pela total falta de perspectivas, “escravos sem dono”, encurralados pelo Estado ausente, o assistencialismo corrupto e a violência por todos os lados.
Uma violência apresentada de forma excepcional. Traçando um paralelo entre os negros capitães do mato que capturavam escravos fugitivos (num episódio baseado no conto de Machado de Assis) e os matadores de aluguel que, hoje, fazem o serviço sujo para a burguesia e os órgãos de repressão, eliminando gente “rebelde” ou chacinando jovens na periferia, Bianchi ainda lança um disparo certeiro contra a polícia e suas práticas assassinas.
Permeado por cenas fortes e bem-construídas, e com uma excelente trilha sonora, “Quanto vale” é, certamente, uma agradável exceção em meio à mesmice das produções hollywoodianas e a infinidade de bobagens descartáveis que invadem as telas de cinema país afora. Apesar do característico ceticismo do diretor, o filme é uma denúncia contundente do capitalismo e suas mazelas.
Aliás, no filme, a quase total falta de perspectiva dos personagens pobres é, de certa forma, amenizada pela personagem Arminda, que denuncia o superfaturamento de um dos projetos. Dela surge, a princípio, alguma possibilidade de resistência e luta. Contudo, é o “bandido consciente” de Lázaro Ramos que Bianchi usa em uma impagável comparação para transmitir seu hilário cinismo, ao estabelecer semelhanças entre os seqüestros e os métodos de “captação de recursos” e “redistribuição de renda” praticados pelas ONG’s. Trata-se de um comentário que torna ainda mais impactante os “dois finais apresentados no filme.
Tendo como ponto de partida o conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis, e traçando paralelos entre histórias reais (retiradas do Arquivo Nacional), envolvendo os desmandos e abusos que marcavam as relações entre senhores e escravos, por volta de 1790, e o dia-a-dia de uma empresa patrocinadora de projetos como “Informática na Periferia”, “Sorriso de Criança” e “Projeto Alegria”, o filme de Bianchi descortina o quanto de corrupção e falcatruas existe nesse setor que, nas palavras de um personagem, vive de “faturar em cima da permanência da miséria”.
Um setor que, também segundo dados apresentados no filme, é composto por mais de 20 mil entidades que movimentam nada menos do que U$ 100 milhões por ano.
Dieta na consciência
É inegável que dentre as milhares de organizações (que, diga-se de passagem, surgiram e se proliferam devido à total ausência do Estado na área social) e os milhões de funcionários e voluntários que elas empregam, há gente e entidades honestas, mas também é impossível negar que muitos são aqueles que se utilizam de ONG’s para obter altos lucros, desviar verbas públicas, lavar dinheiro sujo ou acobertar negócios escusos.
Tudo isso é escancarado no filme, com também algumas tantas outras facetas não menos asquerosas de toda essa história: desde a “disputa”, entre diferentes entidades, pelos miseráveis até a relação que gente endinheirada mantém com entidades filantrópicas. Particularmente no que se refere a esse ponto, o filme é de um sarcasmo brilhante ao mostrar como muita gente faz do assistencialismo uma forma de expiar suas culpas e promover uma “dieta na consciência”, como afirma uma “perua com consciência social”, que aparece no filme.
A liberdade de consumir
Apesar de estarem no centro da história, as ONG’s não são as únicas atingidas por “Quanto vale ou é por quilo”. Sobram disparos para praticamente todas as instituições da democracia burguesa. Uma sociedade que é brilhantemente definida pelo personagem de Lázaro Ramos, um bandido extremamente bem-articulado: “a liberdade de consumir é a única e verdadeira funcionabilidade da democracia”.
Todo resto é uma farsa ou pura maquinação que se volta contra o povo, seja com a escravidão nos séculos passados, seja pela manutenção de um exército de miseráveis, hoje presos às correntes da “modernidade”: a fome, o desemprego, a falta de acesso a quase tudo. Uma situação que transforma a população mais carente em meras peças num jogo que envolve entidades desonestas, órgãos governamentais e empresas, que descobriram que é sempre possível lucrar com a miséria.
No filme, a enorme rede de falcatruas surge em uma excelente cena no Teatro Municipal de São Paulo, onde se realiza uma “festa solidária” para homenagear os que se destacaram no setor. Entre um gole de champanhe e uma beliscada no canapé de caviar, “ongueiros” e seus parceiros discutem como se beneficiar das Parcerias Público-Privada, o inflacionamento do valor das propinas pagas aos órgãos públicos e a lucratividade do setor.
Também nessa festa, o personagem de Caco Ciocler, um dos donos da entidade, aproveita para contratar o assassinato de uma líder comunitária que está ameaçando seus interesses. Enquanto isso, mais uma vez, o “povo” é engambelado.
A total falta de perspectiva
Como geralmente acontece nos filmes de Sérgio Bianchi, o povo surge vitimado pela total falta de perspectivas, “escravos sem dono”, encurralados pelo Estado ausente, o assistencialismo corrupto e a violência por todos os lados.
Uma violência apresentada de forma excepcional. Traçando um paralelo entre os negros capitães do mato que capturavam escravos fugitivos (num episódio baseado no conto de Machado de Assis) e os matadores de aluguel que, hoje, fazem o serviço sujo para a burguesia e os órgãos de repressão, eliminando gente “rebelde” ou chacinando jovens na periferia, Bianchi ainda lança um disparo certeiro contra a polícia e suas práticas assassinas.
Permeado por cenas fortes e bem-construídas, e com uma excelente trilha sonora, “Quanto vale” é, certamente, uma agradável exceção em meio à mesmice das produções hollywoodianas e a infinidade de bobagens descartáveis que invadem as telas de cinema país afora. Apesar do característico ceticismo do diretor, o filme é uma denúncia contundente do capitalismo e suas mazelas.
Aliás, no filme, a quase total falta de perspectiva dos personagens pobres é, de certa forma, amenizada pela personagem Arminda, que denuncia o superfaturamento de um dos projetos. Dela surge, a princípio, alguma possibilidade de resistência e luta. Contudo, é o “bandido consciente” de Lázaro Ramos que Bianchi usa em uma impagável comparação para transmitir seu hilário cinismo, ao estabelecer semelhanças entre os seqüestros e os métodos de “captação de recursos” e “redistribuição de renda” praticados pelas ONG’s. Trata-se de um comentário que torna ainda mais impactante os “dois finais apresentados no filme.
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