sábado, 3 de novembro de 2012

Especial Consciência Negra: Carolina Maria de Jesus



1.  Carolina Maria de Jesus
Carolina Maria de Jesus nasceu a 14 de Março de 1914 em Sacramento -MG, cidade onde viveu sua infância e adolescência. Seus pais, provavelmente, migraram do Desemboque para Sacramento quando houve mudança da economia da extração de ouro para as atividades agropecuárias.
Quanto a sua escolaridade em Sacramento, estudou em um colégio espírita, que tinha um trabalho voltado às crianças pobres da cidade, através da ajuda de pessoas influentes. Carolina estudou pouco mais de dois anos. Toda sua educação formal na leitura e escrita é com base neste pouco tempo de estudos.
Mesmo diante todas as mazelas, perdas e discriminações que sofreu em Sacramento, por ser negra e pobre, Carolina revelou através de sua escritura a importância do testemunho, como meio de denúncia, da desigualdade social e do preconceito racial.
Sua obra mais conhecida, com tiragem inicial de dez mil exemplares esgotados na primeira semana, e traduzida em 13 idiomas nos últimos 35 anos é "Quarto de Despejo -Diário de uma favelada". Essa obra resgata e denuncía a realidade da favela do Canindé, em São Paulo, no início da "modernização" da cidade e do surgimento constante das periferias. Realidade cruel e perversa, até então pouco conhecida. Essa literatura documentária, pela narrativa feminina, em contestação, tal como foi conhecida e nomeada pelo jornalismo de denúncia dos anos 50-60, é considerada uma obra atual, pois a temática da conta de problemas existentes até hoje nas grandes cidades.
"Quarto de Despejo" inspirou diversas expressões artísticas como a letra do samba "Quarto de Despejo" de B. Lobo; como o texto em debate no livro "Eu te arrespondo Carolina" de Herculano Neves; como a adaptação teatral de Edy Lima; como o filme realizada pela Televisão Alemã, utilizando a própria Carolina de Jesus como protagonista do filme "Despertar de um sonho" (ainda inédito no Brasil); e, finalmente, a adaptação para a série "Caso Verdade" da Rede Globo de Televisão em 1983.
Carolina sempre foi muito combativa, por isso era mal vista pelos políticos de esquerda e direita quando começou a participar de eventos em função do sucesso de seu livro. Por não agradar a elite financeira e política da época com seu discurso, acabou caindo no ostracismo e viveu de forma bem humilde até os momentos finais de sua vida.
Carolina foi mãe de três filhos: João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima. Faleceu em 13 de Fevereiro de 1977, com 62 anos.
A obra de Carolina Maria de Jesus é um referencial importante para os estudos culturais e literários, tanto no Brasil como no exterior e representa a nossa literatura periférica/marginal e afro-brasileira. Um exemplo de resistência, inteligência e capacidade que fica pra sempre na história da nossa cultura.
Bibliografia :
Quarto de Despejo 1960
Casa de Alvenaria 1961
Pedaços de Fome 1963
Provérbios 1963
Diário de Bitita 1982 (Póstumo).

2. Carolina Maria de Jesus: Literatura e profecia na favela
Por Maria Clara Lucchetti Bingemer Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Carolina Maria de Jesus nasceu a 14 de Março de 1914 em Sacramento, Estado de Minas Gerais, cidade onde viveu sua infância e adolescência. Era filha de negros que, provavelmente, migraram do Desemboque para Sacramento quando da mudança da economia da extração de ouro para as atividades agropecuárias.
Carolina não se casou e foi mãe de três filhos: João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima. Migrou para São Paulo em 1947, em busca de vida melhor, indo morar na extinta favela do Canindé, na zona norte da cidade. Trabalhou como doméstica, contudo não se adaptou e tornou-se catadora de papel até sua morte. Faleceu em 13 de Fevereiro de 1977, com 62 anos e foi sepultada no Cemitério da Vila Cipó, cerca de 40 km do centro de São Paulo.
Quem lê a escrita sensível e poética de Carolina não imagina como sua escolaridade formal foi parca e resultado de muita luta. Foi matriculada em 1923, no Colégio Allan Kardec, primeiro escola espírita do Brasil. Ali estudou pouco mais de dois anos graças à generosidade de uma benfeitora, Maria Leite Monteiro de Barros, para quem sua mãe trabalhava como lavadeira. Toda sua educação formal na leitura e escrita advém deste pouco tempo de estudos.
Até aqui temos uma história que poderia ser a de qualquer outra mulher brasileira pobre: negra, semialfabetizada, favelada, como tantas que existem pelo Brasil afora, não fosse por um detalhe – a paixão de Carolina Maria de Jesus pela leitura e pela escrita. Isso fez toda a diferença em sua vida. Dividia seu tempo entre catar papel, cuidar dos filhos e escrever. E sua escrita acabou sendo documento importante e parte fundamental da literatura de denúncia feita pela mulher, objeto de estudo e pesquisa por todos aqueles que desejam conhecer o verdadeiro Brasil que se esconde através das fachadas das elites.
Além de Quarto de despejo, Carolina também publicou Casa de alvenaria (1961), Provérbios e Pedaços da
fome (1963) e Diário de Bitita (publicação póstuma, realizada em 1982, pela editora francesa A. M. Métailié). Há indícios, na prosa da escritora, de que ela teria tido acesso a obras de grandes escritores brasileiros, provavelmente nas casas em que trabalhou, o que explicaria as menções em suas obras a poetas como Casimiro de Abreu e Castro Alves. Em seus livros, Carolina alterna incorreções ortográficas, sintáticas e de pontuação – reflexos da linguagem oral e da alfabetização deficiente – com o emprego correto de termos específicos da linguagem escrita culta.

seus livros mostram que a escritora estava sempre informada do que acontecia não só em São Paulo, mas
também em outros Estados, provavelmente por meio de notícias lidas em jornais que via nas bancas.
A obra mais conhecida, com tiragem inicial de dez mil exemplares esgotados na primeira semana, e traduzida em 14 idiomas nos últimos 35 anos é Quarto de Despejo. Lançada pela Livraria Francisco Alves, em agosto de 1960 e reeditada oito vezes no mesmo ano, a obra teve mais de 70 mil exemplares vendidos na época, quando uma publicação de sucesso vendia, aproximadamente, quatro mil exemplares. 
Nos cinco anos seguintes, Quarto de despejo foi editado em mais de 40 países, como Dinamarca, Holanda, Argentina, França, Alemanha, Suécia, Itália, Tchecoslováquia, Romênia, Inglaterra, Estados Unidos, Rússia, Japão, Polônia, Hungria e Cuba.
Carolina não era alienada. Tinha consciência de sua condição e da injustiça de levar aquela vida. Em seu diário escrevia: “Hoje em dia quem nasce e suporta a vida até a morte deve ser considerado herói”. Desânimo, desespero, tentação de suicídio, tudo isso rondou-a durante sua vida. Mas também se pode ver em seu livro que Deus não a abandona e continua a dar-lhe coragem para a luta de cada dia. E mesmo a deslumbra com sonhos e visões encantadas que lhe aquecem a alma poética.
Por isso, se podem ver em seu diário trechos como este, do dia 2 de setembro: "...Eu durmi. E tive um sonho maravilhoso. Sonhei que eu era um anjo. Meu vistido era amplo. Mangas longas côr de rosa. Eu ia da terra para o céu. E pegava as estrelas na mão para contemplá-las. Conversar com as estrelas. Elas organisaram um espetaculo para homenagear-me. Dançavam ao meu redor e formavam um risco luminoso. Quando despertei pensei: eu sou tão pobre. Não posso ir num espetaculo, por isso Deus envia-me estes sonhos deslumbrantes para minh'alma dolorida. Ao Deus que me proteje, envio os meus agradecimentos."
Aguerrida, em meio a seu indizível sofrimento, Carolina mantinha a esperança. Sonhava com o dia em que seu país, seu povo, iam melhorar.E produzia escrita profética. Prova disso é o que escreveu em seu diário: “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no proximo, e nas crianças”.
Ela morreu três anos antes da fundação do PT e mais de vinte anos antes de ver um operário retirante, que
passou fome na infância, ganhar pelo voto a Presidência da República e ser reeleito para um segundo
mandato. 
Que diria hoje Carolina, no final do segundo mandato do governo Lula? O que escreveria em seu diário?
[Autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros].

Uma degustação do seu belo trabalho:

Meu Avô
Quando estava contente, cantava:
Cuidado com esta negra!
Que esta negra vai contá.
Cuidado que esta negra
É puxa-saco da sinhá.
Cuidado com esta negra
Que esta negra já contô.
Cuidado que esta negra
É puxa-saco do sinhô.
Esta negra é caçambeira.
Gosta só de espioná.
Esta negra é faladeira
E conta tudo pra sinhá.
Esta negra é perigosa!
Tudo que vê ela fala,
E a sinhá fica nervosa
E nos prendem na senzala.

JESUS, Carolina Maria de. Antologia pessoal.Organização de José Carlos Sebe Bom Meihy. Revisão de Armando Freitas Filho. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. p. 157

Leia a história completa de Carolina Maria de Jesus, acesse: http://migre.me/92DK6


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