Por socialistalivre |
No mês em que se comemora a consciência negra, não poderíamos deixar de discutir sobre a prática social do racismo. Obviamente, há muitos ângulos para se refletir sobre essa prática, mas uma questão, em nosso ponto de vista, está no centro do debate: a necessidade de se exercer cotidianamente nossa postura crítica sobre essa problemática. É necessária essa prática? É natural essa prática? É legítima essa prática? É eterna essa prática? É inevitável essa prática? A nossa postura crítica diz que não. O problema é que muitos seres sociais ainda insistem nessa prática social opressora e atrasada. E enquanto houver um oprimido sequer nesse mundo, a luta política não cessará, a postura crítica não poderá adormecer. A luta política contra o racismo, portanto, é mais do que necessária, é urgente e imprescindível.
Criminalizar o racismo seria uma política importante? Sem dúvida. Criar políticas afirmativas para inclusão do negro/negra nos diversos espaços sociais seria importante? Também sim. Elevar a autoestima do povo negro é importante? Também é fundamental. Valorizar a cultura afrodescendente é importante? Não há sombras de dúvida. Porém, as raízes ideológicas do racismo ainda estão profundamente vivas na sociedade brasileira e é preciso uma luta cotidiana contra tal opressão para reverter tal processo. Não basta eleger o mês da Consciência Negra para combater o racismo, apesar de ser importantíssimo tal espaço criado pelo movimento negro.
Em nossa prática social de professor da rede pública, por exemplo, em bairros populares, onde a mistura de brancos e negros é bastante evidente, sempre problematizamos cotidianamente o racismo, sempre polemizamos tal prática junto aos alunos, bem como temos criticado veementemente o bullying de cunho racista e outros. Porém, infelizmente, tais trabalhos ainda são práticas sociais isoladas nas escolas. Geralmente a questão étnico-racial apenas aparece no mês de novembro, com muita festa, dança e comidas típicas, concursos de beleza negra, etc, e nos restantes meses do ano, tal problemática segue apagada ou secundarizada. Para piorar, muitos professores da rede pública, inclusive, de modo um tanto velado, reproduzem o racismo como uma prática natural e insuspeita. Não faltam enunciados sussurrados, gestos e olhares diferenciados para com os(as) estudantes negros e negras. Fica então uma pergunta: como acabar com o racismo, se muitos agentes educacionais ainda legitimam, de alguma forma, as práticas racistas? E os sindicatos ligados à educação? Tem feito dessa problemática uma luta permanente? Também não. Na maioria das vezes o sindicalismo ligado à educação apenas reduz-se às lutas economicistas. Ora, uma escola pública e um sindicalismo de trabalhadores em educação, que não pautam seriamente o racismo, tem algo a contribuir para transformar essa prática social opressora? A cada um suas próprias conclusões.
Ademais, é preocupante perceber que os estudantes, em salas de aula, desde crianças, são altamente maldosos em seus bullyings racistas. Há piadas racistas de todos os tipos, apelidos racistas, xingamentos racistas, depreciação de manifestações da cultura afrodescendente, depreciação de manifestações das religiões afrodescendentes, enfim, há muitas práticas racistas circulando largamente no interior das salas de aulas, nas práticas esportivas dentro das escolas, bem como nas rodinhas de amigos. No meio desse embate político-ideológico, enquanto agente educacional professor, quando evidenciamos-criticamos tais práticas sociais racistas livremente circulantes, os jovens procuram conduzir seus bullyings racistas para o caminho do riso, como se o racismo fosse algo engraçado. Ora, a prática social racista tem alguma graça? Por que se rir da opressão? Fica uma constatação: os jovens provavelmente não reproduzem o racismo do nada, copiam tais práticas sociais opressoras dos mais velhos, da família, das práticas sociais de um país ainda repleto de racismo.
É claro que as práticas sociais são reproduzidas de geração em geração. É claro também que a prática econômica escravocrata foi uma das principais responsáveis pela inserção do racismo no Brasil. Porém, como não estamos mais no período histórico da escravidão, é possível supor que tal prática social apenas perpetua por conta de resquícios histórico-ideológico-discursivos que eternizaram/legitimaram/naturalizaram o racismo. Além disso, supomos também que tal prática revela-retrata afirmações de micros-poderes totalmente opressores e atrasados, baseados nos mais maldosos bullyings racistas.
Então, perguntamos: de onde vem esse desejo de se sentir importante a custa de desqualificar outros seres humanos, sendo, estes, negros e negras? Por que tal prática social julga natural e legítimo rir do diferente, rir do oprimido, rir do excluído, rir do negro, rir da negra? Que binarismo social doentio é esse, que leva um grupo de seres humanos (os brancos) se afirmarem “positivamente” em cima da desqualificação e do tratamento negativo de outro grupo (os negros)? Ora, temos uma hipótese: sentir-se maior, sentir-se importante, sentir-se mais poderoso em cima da diminuição-depreciação de outros seres humanos é uma prática social opressora e atrasada e doentia que, infelizmente, encontra legitimação em uma humanidade não socialista que não aprendeu a ser generosa e gentil. Quando os seres humanos não conseguem se relacionar com base na generosidade, na gentileza, no respeito mútuo, lamentavelmente, práticas sociais opressoras-exploradoras assumem o lugar. Tal questão, portanto, não se reduz ao econômico, trata-se de um problema, antes de tudo, político e ideológico.
Outro detalhe: quando se criticam os “humores” racistas, os “humores” homofóbicos, os “humores” machistas, os “humores” preconceituosos, não faltam vozes político-sociais que se levantam, dizendo que está se tentando censurar a liberdade de imprensa, está se tentando censurar a liberdade do humor. Ora, nós, socialistas livres, não somos partidários de censurar ninguém. Porém, no quesito liberdade, nossa discussão é clara. Somos a favor da mais plena liberdade dos seres sociais, menos a liberdade de explorar, menos a liberdade de oprimir, como, por exemplo, os racistas, os machistas, os homofóbicos e os praticantes debullying fazem, mesmo que seja através de uma “simples” piada. Rir das raízes e da cor do povo negro ajuda a naturalizar os crimes racistas, ajuda a eternizar essa opressão, ajuda a legitimar as práticas sociais racistas. Somos contra. Tal riso opressor trata-se de uma liberdade? Sim. Mas de uma liberdade doentia de seres sociais que desconhecem a generosidade, a fraternidade, a gentileza e a possibilidade do socialismo. Portanto, é preciso criticar, à exaustão, essa liberdade opressora-exploradora! Resumindo: a prática social racista não tem graça nenhuma! Saudações Socialistas Livres.
Fonte: Blog socialistalivre
Li agora este artigo e gostaria de fazer uma pergunta.. "E enquanto houver um oprimido sequer nesse mundo, a luta política não cessará, a postura crítica não poderá adormecer. A luta política contra o racismo, portanto, é mais do que necessária, é urgente e imprescindível." enqto houver um oprimido .. é muito relativo. uns até o são.. outros sentem-se sem o ser. Não acham que isso é relativo? Não me considero racista mas tenho perfeita noção de que alguns dos que se consideram alvo de racismo.. são mais racistas do que aqueles a quem acusam de o ser..
ResponderExcluirVivemos um processo de conscientização de que as práticas racistas são deletérias à humanidade. Ma, esse caminho é muito lento... É difícil desconstruir séculos de segregação racial. Anônimo, reflita:
ResponderExcluir1 - Não há relativismo entre processos discriminatórios entre brancos e negros. No Brasil existe racismo, e essa prática recai principalmente sobre as comunidades afrodescendêntes e indígenas.
2 - Não confundir racismo com preconceito de classe.(o racismo transcende às classes sociais)
Relativismo:
Há duas possibilidades em seus argumentos:
1 - Os negros que resistem às ações racistas se rebelando contra os opressores brancos, não são racistas... Isso é resistência e luta contra o racismo.
2 - Há negros que são tão racista quanto brancos - Paulo Freire dizia que o oprimido que se rebela contra o opressor tende a transformar-se naquilo que condena, num opressor. Isso é um processo, e não é automático. Tentemos reproduzir nossas experiências históricas. Portanto, há aqueles que não se reconhecem pertencente enquanto grupo, por sofrerem as mazelas do racismo e do preconceito, para legitimarem sua suposta situação de não pertencimento, se igualam aos brancos e muitas vezes reproduzem essas práticas.
O Gênio Paulo Freire escreveu sobre isso: “Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, MAS RESTAURADORES DA HUMANIDADE EM AMBOS. E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – LIBERTAR-SE A SI E AOS OPRESSORES. Estes, que oprimem, exploram e violentam, em razão de seu poder, não podem ter, neste poder, a força de libertação dos oprimidos nem de si mesmos. Só o poder que nasça da debilidade dos oprimidos será suficientemente forte para libertar a ambos. Por isto é o poder dos opressores, quando se pretende amenizar ante a debilidade dos oprimidos, não apenas quase sempre se expressa em falsa genenosidade, como jamais a ultrapassa. Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que a sua “generosidade” continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça. A ‘ORDEM’ SOCIAL INJUSTA É A FONTE GERADORA, permanente, desta ‘generosidade’ que se nutre da morte, do desalento e da miséria.
ResponderExcluirDái o desespero desta ‘generosidade’ diante de qualquer ameaça, embora tênue, à sua fonte. Não pode jamais entender esta ‘generosidade’ que a verdadeira generosidade está em LUTAR PARA QUE DESAPAREÇAM AS RAZÕES QUE ALIMENTAM O FALSO AMOR. A falsa caridade, da qual decorre a mão estendida do ‘demitido da vida, medroso e inseguro, esmagado e vencido. Mão estendida e trêmula dos esfarrapados do mundo, dos ‘condenados da terra’.
(...) Quem melhor que os oprimidos (...) para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis da sua busca, pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. (...) Luta que, pela finalidade que lhe deram os oprimidos, será UM ATO DE AMOR, COM O QUAL SE OPORÃO AO DESAMOR CONTIDO NA VIOLÊNCIA DOS OPRESSORES, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida.
(...) O grande problema está em como poderão os oprimidos, que ‘hospedam’ o opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram ‘hospedeiros do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo. (...) Quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos, em vez de buscar a libertação na luta e por ela, TENDEM A SER OPRESSORES TAMBÉM OU SUBOPRESSORES. A estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se ‘formam’. (...) Daí esta quase aberração: um dos pólos da contradição pretendendo não a libertação, MAS A IDENTIFICAÇÃO COM SEU CONTRÁRIO”.