A educação para além do capital por István Mészáros
"A aprendizagem é a nossa vida, desde a juventude até à velhice, de facto quase até à morte; ninguém vive durante dez horas sem aprender". Paracelso"Se viene a la tierra como cera, – y el azar nos vacía en moldes prehechos. – Las convenciones creadas deforman la existencia verdadera… Las redenciones han venido siendo formales: - es necesario que sean esenciales . La liberdad política no estará asegurada, mientras no se asegura la libertad espiritual. … La escuela y el hogar son las dos formidables cárceles del hombre". José Martí"
A doutrina materialista relativa à mudança de circunstâncias e à educação esquece que elas são alteradas pelo homem e que o educador deve ser ele próprio educado. Portanto, esta doutrina deve dividir a sociedade em duas partes, uma das quais [os educadores] é superior à sociedade. A coincidência da mudança de circunstâncias e da actividade humana ou da auto-mudança pode ser concebida e racionalmente entendida apenas como prática revolucionária". Marx
Resenha:
István Mészáros vem se tornando um autor muito conhecido no Brasil. Herdeiro da ric produção intelectual de Lukács – não da fase de História e consciência de classe, obra da qual é crítico, mas fundamentalmente da fase de “redescoberta” do marxismo que redundaria nos inacabados escritos sobre a Ontologia do ser social e sobre a Estética (além da Ética, projeto sequer iniciado) – este autor nos apresenta agora A educação para além do capital, texto escrito para a conferência de abertura do Fórum Mundial de Educação 2004, em Porto Alegre.
Nesta nova produção, Mészáros expande algumas de suas reflexões mais importantes, reunidas sobretudo em Para além do capital (1995, 2002 no Brasil) e Marx: a teoria da alienação (1970; 1981 no Brasil), para o âmbito da educação, um tema, aliás, já tratado nesta última obra. Mas antes de tudo, convém ressaltar: a educação, aqui, é entendida em sentido amplo; Mészáros não se refere à escolas, aos níveis de ensino ou sistemas escolares, mas à educação como o processo vital de existência do homem, isto é, aquilo que caracteriza a sua especificidade de ser social, a saber, a capacidade de conhecer, de ter ciência do real e de, portanto, transformá-lo de forma consciente.
Mészáros inicia resgatando algumas das principais concepções filosóficas já produzidas acerca da educação e as situa no âmbito da história, mostrando as suas limitações e seu comprometimento, em última instância, com os limites impostos pela sociedade do capital. Limitações essas que se justificam, não por ingenuidade ou deficiência intelectual de seus produtores, mas pela sua incapacidade (produzida pelas condições objetivas da própria história) em apreender e transcender os limites do capital, seja por seu total comprometimento ideológico com tal ordem de coisas, como John Locke, ou mesmo quando capazes de entender e denunciar as mazelas produzidas por este sistema de controle social, como no caso de Adam Smith e Robert Owen.
É a partir dessas concepções acerca da educação (e de sua crítica) que se identifica a temática fundamental que perpassa esta e toda a obra de Mészáros: trata-se da incontrolabilidade imanente ao sistema do capital, isto é, a incorrigível necessidade de autoexpansão e de acumulação para a qual se deve produzir e reproduzir continuamente as condições objetivas de sua conservação. No sistema do capital, não há espaço para a emancipação da humanidade, nem mesmo em níveis mínimos, como provara a história do século XX, no qual as forças objetivas do capital se mostraram aptas a reverter todas aquelas
formas de controle social (mais ou menos significativas, dependendo do contexto em que foram criadas) sobre o processo de acumulação, tal como o Estado do bem-estar social e as economias planificadas dos países socialistas do leste europeu e a ex-URSS.
Em A educação para além do capital, Mészáros expande esta temática para o âmbito educacional com o intuito central de pensar uma alternativa educacional que seja formulada do ponto de vista da emancipação humana. Isso é essencial por conta das limitações que o sistema do capital impõe também sobre a produção das idéias. Disso, o autor conclui: “Não surpreende, portanto, que mesmo as mais nobres utopias educacionais, anteriormente formuladas do ponto de vista do capital, tivessem de permanecer estritamente dentro dos limites da perpetuação do domínio do capital como modo de reprodução sócio-metabólica” (p.26).
O que permite a Mészáros pensar em uma nova educação mesmo não estando o sistema do capital “aberto” para as alternativas – daí a necessidade de ser uma concepção amais ampla possível – é justamente o fato de a educação, tal como as concepções de mundo,enfim, a consciência dos homens, não ser determinada automaticamente pelos interesses dominantes em cada momento histórico. Se assim o fosse, diz o autor, “o domínio da educação institucional e estreita poderia reinar para sempre em favor do capital” (p. 50). Isso,portanto, confere à educação um caráter dúbio: ao mesmo tempo constitui-se num dos momentos fundamentais da produção das condições objetivas de manutenção da ordem social do capital, pois é o meio pelo qual os indivíduos “internalizam” as perspectivas, os valores e a moral do sistema do capital, legitimando-a e também é necessária para se pensar em uma estratégia de transição para uma outra forma de sociabilidade, que esteja para além do capital.
Sobre esse aspecto estratégico da educação, Mészáros retoma alguns elementos contidos em Marx: a teoria da alienação e constata que a educação (em si) nada pode contra o capital. Ou seja, sem pensar em uma transformação das condições objetivas nas quais o sistema de controle sócio-metabólico do capital se impõe sobre a humanidade, não é possível conceber qualquer tipo de educação emancipadora. Isso permite ao autor chegar a outras duas importantes conclusões, certamente muito atuais: em primeiro lugar, a de que as propostas reformistas em educação não representam mais do que as estratégias do próprio capital para manutenção de seu status conservador; segundo, de que a educação, quando pensada na totalidade do real e da sociedade controlada pelo capital, não pode ser a “solução para todos
os males”.
Diante dessa incorrigível lógica sistêmica de acumulação do capital, qual é, então, o papel da educação? Seu papel é estratégico e vital, diz o autor, justamente porque a educação está diretamente ligada às possibilidades (de curto e de longo prazo) de superação do capital, ou seja, da construção de uma sociedade não mais determinada pelas necessidades da produção de mercadorias, pelo lucro, pela exploração alienante do trabalho. Este caráter a coloca na ponta de lança de qualquer processo de mudança social no sentido da emancipação humana. E como a superação da ordem do capital não significa apenas a sua negação pura e simples e sim a construção de uma nova ordem capaz de sustentar a si própria, é por meio da educação que se pode produzir esta nova concepção, como que “antecipando” uma nova forma de metabolismo social e orientando, tal como uma “bússola”, os meios para a sua execução.
Esse processo de antecipação deve criar, segundo o autor, uma espécie de “contrainternalização” (ou contraconsciência) que quebre o circuito de reprodução do capital, de forma duradoura e concreta. Isso significa criar uma forma de consciência social que liberte dos limites restritos do controle do capital, a própria vida dos indivíduos (o seu modo de ser), de modo que sejam estes capazes de fazer do processo de aprendizagem “a sua própria vida”.
Mészáros diz ainda que é apenas nesse sentido amplo de educação que a educação formal, institucionalizada, pode contribuir para a superação do capital, realizando as suas “muito necessárias aspirações emancipadoras”, o que requer “um progressivo e consciente intercâmbio com processos de educação abrangentes como ‘a nossa própria vida’” (p. 59).
Trata-se, portanto, de uma concepção de educação inextricavelmente ligada à necessidade de superar a alienação objetiva sem a qual o controle sócio-metabólico do capital não pode se exercer. Esta superação não pressupõe apenas a derrubada do capitalismo, a sua negação. Isso é apenas um passo necessário para a superação efetiva do capital e de todas as formas de ser compatíveis com o seu domínio social. Para que atinjam efeitos realmente duradouros, esses passos iniciais (imediatos) precisam estar orientados pelos princípios gerais, por uma “visão geral”, concreta e abrangente, de “gerir as funções globais de decisão da sociedade”, impedindo assim que a negação da ordem atual das coisas se mantenha condicionada por aquilo que nega. A educação tem por tarefa, então, contribuir para que a superação do capital seja feita de forma total e não mais parcial, ou particular, como nas estratégias reformistas. É contra as determinações sistêmicas do capital que ela deve combater e seu papel é “soberano”, diz Mészáros, “tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de um ordem social metabólica radicalmente diferente” (p. 65).
A automudança consciente é a maneira pela qual os indivíduos poderão, numa nova ordem social, tomar decisões conscientes sobre a forma de gestão de sua própria vida. Em outras palavras, é o estabelecimento do “controle consciente dos processos sociais”, o que só é possível de se imaginar quando a educação é plenamente “vivida” pelos indivíduos. Este controle, por isso mesmo, se converte na forma de superação da forma alienada de mediação
dos homens entre si, tornando-se uma mediação consciente, uma efetiva automediação. Uma
vida determinada pelas necessidades humanas efetivas e não pelas necessidades fetichizadas e artificiais criadas no âmbito do capital.
Por fim, é só nos termos desta mudança radical, que caminha no sentido da construção de uma nova ordem social qualitativamente diferente, que a universalização da educação e a universalização do trabalho como atividade humana auto-realizadora poderão se transformar em realidade. Mas vale lembrar: não se trata apenas de uma “mudança educacional”, mas de uma mudança objetiva de toda a forma de vida, de todo o modo de ser da humanidade na produção/reprodução de sua existência, de maneira que a educação deixe de ser um momento
específico da vida, com fins utilitários determinados, e passe a ser a própria vida de todos os
homens. Não é à toa, portanto, que Mészáros recorra a 3ª tese de Marx sobre Feuerbach para resumir toda a complexidade desta educação: “A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora”.
Felizmente, para Mészáros, isso não é apenas uma possibilidade, algo factível, mas uma necessidade urgente que envolve mesmo a sobrevivência da humanidade. No combate à ordem destrutiva do capital, por isso, a educação tem um papel absolutamente crucial.
É a partir dessas concepções acerca da educação (e de sua crítica) que se identifica a temática fundamental que perpassa esta e toda a obra de Mészáros: trata-se da incontrolabilidade imanente ao sistema do capital, isto é, a incorrigível necessidade de autoexpansão e de acumulação para a qual se deve produzir e reproduzir continuamente as condições objetivas de sua conservação. No sistema do capital, não há espaço para a emancipação da humanidade, nem mesmo em níveis mínimos, como provara a história do século XX, no qual as forças objetivas do capital se mostraram aptas a reverter todas aquelas
formas de controle social (mais ou menos significativas, dependendo do contexto em que foram criadas) sobre o processo de acumulação, tal como o Estado do bem-estar social e as economias planificadas dos países socialistas do leste europeu e a ex-URSS.
Em A educação para além do capital, Mészáros expande esta temática para o âmbito educacional com o intuito central de pensar uma alternativa educacional que seja formulada do ponto de vista da emancipação humana. Isso é essencial por conta das limitações que o sistema do capital impõe também sobre a produção das idéias. Disso, o autor conclui: “Não surpreende, portanto, que mesmo as mais nobres utopias educacionais, anteriormente formuladas do ponto de vista do capital, tivessem de permanecer estritamente dentro dos limites da perpetuação do domínio do capital como modo de reprodução sócio-metabólica” (p.26).
O que permite a Mészáros pensar em uma nova educação mesmo não estando o sistema do capital “aberto” para as alternativas – daí a necessidade de ser uma concepção amais ampla possível – é justamente o fato de a educação, tal como as concepções de mundo,enfim, a consciência dos homens, não ser determinada automaticamente pelos interesses dominantes em cada momento histórico. Se assim o fosse, diz o autor, “o domínio da educação institucional e estreita poderia reinar para sempre em favor do capital” (p. 50). Isso,portanto, confere à educação um caráter dúbio: ao mesmo tempo constitui-se num dos momentos fundamentais da produção das condições objetivas de manutenção da ordem social do capital, pois é o meio pelo qual os indivíduos “internalizam” as perspectivas, os valores e a moral do sistema do capital, legitimando-a e também é necessária para se pensar em uma estratégia de transição para uma outra forma de sociabilidade, que esteja para além do capital.
Sobre esse aspecto estratégico da educação, Mészáros retoma alguns elementos contidos em Marx: a teoria da alienação e constata que a educação (em si) nada pode contra o capital. Ou seja, sem pensar em uma transformação das condições objetivas nas quais o sistema de controle sócio-metabólico do capital se impõe sobre a humanidade, não é possível conceber qualquer tipo de educação emancipadora. Isso permite ao autor chegar a outras duas importantes conclusões, certamente muito atuais: em primeiro lugar, a de que as propostas reformistas em educação não representam mais do que as estratégias do próprio capital para manutenção de seu status conservador; segundo, de que a educação, quando pensada na totalidade do real e da sociedade controlada pelo capital, não pode ser a “solução para todos
os males”.
Diante dessa incorrigível lógica sistêmica de acumulação do capital, qual é, então, o papel da educação? Seu papel é estratégico e vital, diz o autor, justamente porque a educação está diretamente ligada às possibilidades (de curto e de longo prazo) de superação do capital, ou seja, da construção de uma sociedade não mais determinada pelas necessidades da produção de mercadorias, pelo lucro, pela exploração alienante do trabalho. Este caráter a coloca na ponta de lança de qualquer processo de mudança social no sentido da emancipação humana. E como a superação da ordem do capital não significa apenas a sua negação pura e simples e sim a construção de uma nova ordem capaz de sustentar a si própria, é por meio da educação que se pode produzir esta nova concepção, como que “antecipando” uma nova forma de metabolismo social e orientando, tal como uma “bússola”, os meios para a sua execução.
Esse processo de antecipação deve criar, segundo o autor, uma espécie de “contrainternalização” (ou contraconsciência) que quebre o circuito de reprodução do capital, de forma duradoura e concreta. Isso significa criar uma forma de consciência social que liberte dos limites restritos do controle do capital, a própria vida dos indivíduos (o seu modo de ser), de modo que sejam estes capazes de fazer do processo de aprendizagem “a sua própria vida”.
Mészáros diz ainda que é apenas nesse sentido amplo de educação que a educação formal, institucionalizada, pode contribuir para a superação do capital, realizando as suas “muito necessárias aspirações emancipadoras”, o que requer “um progressivo e consciente intercâmbio com processos de educação abrangentes como ‘a nossa própria vida’” (p. 59).
Trata-se, portanto, de uma concepção de educação inextricavelmente ligada à necessidade de superar a alienação objetiva sem a qual o controle sócio-metabólico do capital não pode se exercer. Esta superação não pressupõe apenas a derrubada do capitalismo, a sua negação. Isso é apenas um passo necessário para a superação efetiva do capital e de todas as formas de ser compatíveis com o seu domínio social. Para que atinjam efeitos realmente duradouros, esses passos iniciais (imediatos) precisam estar orientados pelos princípios gerais, por uma “visão geral”, concreta e abrangente, de “gerir as funções globais de decisão da sociedade”, impedindo assim que a negação da ordem atual das coisas se mantenha condicionada por aquilo que nega. A educação tem por tarefa, então, contribuir para que a superação do capital seja feita de forma total e não mais parcial, ou particular, como nas estratégias reformistas. É contra as determinações sistêmicas do capital que ela deve combater e seu papel é “soberano”, diz Mészáros, “tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de um ordem social metabólica radicalmente diferente” (p. 65).
A automudança consciente é a maneira pela qual os indivíduos poderão, numa nova ordem social, tomar decisões conscientes sobre a forma de gestão de sua própria vida. Em outras palavras, é o estabelecimento do “controle consciente dos processos sociais”, o que só é possível de se imaginar quando a educação é plenamente “vivida” pelos indivíduos. Este controle, por isso mesmo, se converte na forma de superação da forma alienada de mediação
dos homens entre si, tornando-se uma mediação consciente, uma efetiva automediação. Uma
vida determinada pelas necessidades humanas efetivas e não pelas necessidades fetichizadas e artificiais criadas no âmbito do capital.
Por fim, é só nos termos desta mudança radical, que caminha no sentido da construção de uma nova ordem social qualitativamente diferente, que a universalização da educação e a universalização do trabalho como atividade humana auto-realizadora poderão se transformar em realidade. Mas vale lembrar: não se trata apenas de uma “mudança educacional”, mas de uma mudança objetiva de toda a forma de vida, de todo o modo de ser da humanidade na produção/reprodução de sua existência, de maneira que a educação deixe de ser um momento
específico da vida, com fins utilitários determinados, e passe a ser a própria vida de todos os
homens. Não é à toa, portanto, que Mészáros recorra a 3ª tese de Marx sobre Feuerbach para resumir toda a complexidade desta educação: “A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora”.
Felizmente, para Mészáros, isso não é apenas uma possibilidade, algo factível, mas uma necessidade urgente que envolve mesmo a sobrevivência da humanidade. No combate à ordem destrutiva do capital, por isso, a educação tem um papel absolutamente crucial.
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